Ayleen escrita por Nana


Capítulo 1
Her eyes invite you to aproach




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Dezembro costumava ser o mês mais aguardado de todo o ano. Alex sempre gostou do clima natalino. A neve, o colorido e as compras sempre o encantavam quando pequeno. Naquela época ainda havia outro motivo para toda a animação que o tomava, a chegada do natal significava a proximidade seu aniversário, fato muito importante quando se tem 9 anos de idade.

Hoje, prestes a completar 30 anos, riria de si mesmo se pudesse.

"Por que ficou calado assim de repente?" A voz de Ayleen o despertou.

"Estou pensando aqui em como eu costumava amar essa época do ano" Ele responde, desviando o olhar da janela do café, voltando-se para ela.

"Costumava? Não gosta mais?"

"As coisas são mais bonitas e mágicas quando vistas pelos olhos de uma criança. Depois de um tempo você percebe o quão idiota foi em realmente acreditar que um velhinho barbudo entrega milhões de presentes em uma única noite e em toda essa suposta magia que o envolve. É só uma data inventada para que as pessoas consumam."

Ayleen suspira. O cotovelo apoiado na mesa, que por sua vez sustenta a cabeça apoiada nas mãos. Os olhos claros brilhavam numa direção além dos ombros do músico. Isso o desconcertava. Queria com todas as forças que ela olhasse pra ele.

"Eu amo o natal" Ela disse soando nostálgica. "Ainda tenho na memória as luzes piscantes da árvore que papai costumava erguer todos os anos; das peças do balé... Você não tem lembranças boas no Natal, Alex?"

"Com licença" Uma garçonete sorridente se aproximou com os pedidos feitos a alguns minutos. "Expresso para o senhor, cappuccino de canela para a senhorita" Disse enquanto depositava os copos em cima da mesa. Alex acenou um gesto de agradecimento, enquanto Ayleen se endireitava na cadeira murmurando um simpático "obrigada". A moça saiu deixando-os sozinhos novamente.

Ayleen tateou a mesa a procura do copo que ela sabia estar por perto, sentia o vapor da bebida quente entrar em contato com a pele de seu braço. Após alcançá-lo, levou o copo próximo ao rosto, o cheiro era simplesmente a melhor coisa do mundo; a mistura do leite, do creme, do café e da canela a faziam sorrir, pois tinha cheiro de dezembro, de cobertor e de natal. 

O cheiro da canela fazia com que se lembrasse das rosquinhas de canela e gengibre que sua avó costumava fazer nas manhãs do dia 25 de dezembro.

Tomou um pequeno gole, estava quente demais.

"E então?" Reforçou a pergunta que havia feito antes dos pedidos chegarem.

"É claro que tenho boas lembranças, sempre reunimos os amigos mais próximos, a família etc. Além do mais, foi em um natal que ganhei minha primeira guitarra e isso mudou minha vida"

"Então, Alex" Ela respondeu, esticando o braço direito na direção do músico, que pegou em sua mão, enlaçando os dedos logo em seguida. O tato era algo comum entre ambos.

A palma dele estava quentinha, muito provavelmente por ter segurado o copo com o café quente.

"Viu só? Provavelmente não estaríamos aqui nesse café, tendo essa conversa se não fosse essa data. O natal é maravilhoso. Eu adoro" Ayleen sorriu e se preparou para retirar suas mãos das dele, mas o músico não permitiu a perda do contato.

“Você tem razão” murmurou em resposta e então levou a mão clara e fina da pianista aos lábios, depositando um beijo casto na mesma. "Você é incrível, Ay"

Ela sorriu com ternura. Os olhos brilhando vagos.

"Você também é incrível Alex, a melhor pessoa que conheci em anos" Ela sorri "Pena que tem esse cabelo ensebado" brinca desvencilhando a mão da dele.

Alex riu pelo nariz antes de afundar as costas na poltrona acolchoada e bebericar o café expresso mais uma vez.

"Você não gosta do meu cabelo?" Repuxou o lábio fino e levemente corado pela bebida quente em um sorriso de canto de boca. Ela era a única a lhe dizer aquilo.

"É molhado, não gosto da sensação" Suspirou. O cappuccino de canela, seu favorito, esfriava em cima da mesa "O gel deixa minha mão grudenta" emenda com um sorriso mínimo nos lábios.

"Primeiro, não é gel. E segundo, você é a única que reclama, Ayleen" Ele pontuou divertido. Os olhos dele focados nos dela.

" Sou a única que diz a verdade " Ela responde com um sorriso nos lábios, enlaçando os dedos em volta do copo de vidro, levando-o à boca em seguida.

Ele sorriu. Ela podia sentir pelo modo como a respiração dele acelerou, soltando um mísero som acompanhado de um suspiro.

Ela gostava de irritá-lo. O cabelo dele com certeza era bonito. Ayleen tinha certeza que acharia bonito se pudesse ver.

"Está um frio desgraçado nessa cidade. Um dos piores invernos da minha vida" Ele comenta após alguns segundos de silêncio. Ela consegue ouvir o barulho das mãos dele se esfregando uma na outra com o intuito de se esquentar.

"Eu gosto” Respondeu dando de ombros, tateando a mesa logo em seguida a fim de tomar o resto de seu cappuccino.

É claro que ela gostava. O inverno e Ayleen tinham muito em comum. O inverno sem dúvidas era a estação mais bonita do ano, mas especialmente em Sheffield o vento gélido chegava a doer os ossos.

“É lindo, mas doloroso” Ela disse.

Lindo e doloroso como você

Ele quis completar, mas não o fez. Ayleen era dolorosamente linda. Tudo nela doía. Os olhos cegos e a frustração contida neles. A postura ao tocar a melodia milimetricamente perfeita que saía do piano. Os sorrisos, que apesar de sinceros, eram tristes.

"Como está o tempo lá fora?" Perguntou deixando o copo vazio na mesa. Adorava as descrições dele, era quase como se pudesse enxergar novamente.

Alex desviou os olhos do rosto dela para a janela de vidro ao seu lado.

"O céu está cinzento. Não um cinza pesado e escuro como aqueles que antecedem uma tempestade, mas um cinza límpido, coeso, liso. A rua está completamente branca, mas o tom não é uniforme. A lama se mistura a neve em algumas partes devido a pegada das pessoas e às rodas dos carros, deixando um manchado até mesmo bonito de se ver. Já parou de nevar, agora só um fino sereno caí devagar, quase que em câmera lenta." Alex suspirou tomando fôlego.

"Tem um boneco de neve na calçada. Está torto e a cenoura que faz o papel de nariz também está coberta de sereno. Os estabelecimentos estão todos decorados com fitas vermelhas, verdes e douradas, contrastando com o branco predominante."

"E as pessoas?" Perguntou ela, interessada.

"Parecem cansadas. Todos estão muito bem agasalhados e andam rápido como se quisessem voltar logo para casa."

Ayleen suspirou, repuxando os lábios em um sorriso triste. "Parece lindo"

Alex desviou os olhos da janela do café, voltando-se para ela.

"É perfeito" Respondeu com os olhos cravados em seu rosto. Não estava se referindo a paisagem do lado de fora.

Alex se perguntou se algum dia deixaria de admirá-la. O cabelo liso e escuro, levemente ondulado caía de um jeito harmonioso sob os ombros. Os olhos verdes estavam sempre incrivelmente parados e distantes, mas brilhavam de um jeito que ele nunca vira antes. O nariz bonito, os lábios volumosos sempre brilhantes devido ao gloss. Suspirou.

"Acho melhor irmos embora. Está ficando tarde" Ele pigarreou levantando-se da mesa e contornando-a para ajudá-la a se levantar.

"Mas já?" Ayleen segurou em seu braço para que ele pudesse guiá-la, já que Leslie – a cão-guia – não estava ali.

"Pois é, ficamos tempo demais trancafiados naquele estúdio. Matt me disse que estamos obcecados"

Ela riu. Não podia discordar, estavam mesmo obcecados.

***

O pub minúsculo ficava em uma viela mal iluminada do centro velho de Sheffield, mas isso não impedia de estar cheio todos os dias. The couldreon não era o tipo de bar bonitinho que atrai os turistas por seus petiscos e drinks coloridos com guarda chuvinhas de enfeite, mas ainda assim, na opinião de Alex, era o melhor bar do mundo.

O local era pequeno e tinha paredes construídas de tijolinhos avermelhados. Havia um único bar à esquerda, de onde o velho Bill lavava alguns copos. As mesas eram pequenas e feitas de uma madeira escura e resistente. Só. Não havia enfeites, discos nas paredes, vitrolas. Não havia nada. 

A música – um rock setentista – vinha de um microsister instalado no canto do ambiente, perto dos banheiros, mas as caixas de som se espalhavam pelos quatro cantos do bar. Foi ali, naquele mesmo estabelecimento e acompanhado das mesmas pessoas que Alex tomara o primeiro porre de sua vida aos 15 anos de idade.

Sorriu ao lembrar do entusiasmo ao por goela abaixo o líquido transparente que desceu queimando a garganta pela primeira vez. Alargou o sorriso ao se recordar de como vomitara tudo horas depois.

“Alex?” O músico despertou ao ouvir seu nome sendo pronunciado pelo amigo.

“Hum?” murmurou enquanto levava a garrafa de cerveja à boca, passando a língua pelo lábio superior logo após.

“O que você acha de começarmos a trabalhar os arranjos na terça? Estava testando umas coisas essa semana que acho que é a levada perfeita para aquela música que você nos mandou” Jamie disse. O cabelo estava grande, quase chegando aos ombros e, por isso, estavam presos em um rabo de cavalo. Os olhos azuis já estavam pequenos devido aos shots de vodka que tomara durante a noite.

“Terça?”. Alex juntou as sobrancelhas, formando um vinco no meio da testa “Combinei de finalizar a música com Ayleen na terça. Já está praticamente tudo pronto.” Outro gole da bebida “Pode ser quarta?”

“Pode” O guitarrista respondeu dando de ombros.

“Aliás, quando o mistério em volta dessa música com a Ay vai acabar? Estou curioso para ouvir” Matt perguntou. Estava relaxado na cadeira de madeira com o pescoço levemente pendido para trás e as duas mãos enlaçadas atrás da cabeça.

“Provavelmente vamos terminá-la na terça mesmo. Quero mostrar só quando estiver pronta, você sabe que não gosto de mostrar as coisas pela metade”

“Ay estava empolgada ao falar do arranjo que compôs. Aposto que está muito bom, ela é uma pianista incrível” Matt respondeu, tirando as mãos de trás da cabeça para poder pegar a garrafa que estava na sua frente.

“Está perfeito” Alex respondeu.

Jamie riu balançando a cabeça de leve. Será que ninguém além dele percebia? “As letras que você nos mandou estão muito boas, Al. Estou louco pra voltar pro estúdio” Ele sempre era o mais empolgado com o processo de gravação do disco. Já estavam há pouco mais de dois anos completamente parados, o último show havia acontecido no Rio de Janeiro em 2014.

“Eu também” Matt concordou “Hey, John” chamou o garçom que atendia a mesa próxima “Me vê mais uma?” Gritou levantando a garrafa vazia.

“Duas John” A voz de Alex saiu um pouco embolada, pois havia acabado de colocar o cigarro na boca.

***

"Mãe, sou eu." Alex berra assim que abre a porta da frente de casa. O ar quente, que contrasta com o ar gélido e cortante do lado de fora, é recebido de bom grado. Ayleen suspira em descontentamento ao passar a mão pelos cabelos e notá-los úmidos devido ao sereno que tomou no caminho entre o carro e a entrada da casa.

Mas logo sorri ao sentir um cheiro bom vindo da cozinha, provavelmente algo com uma pitada de hortelã. A casa de Alex era aconchegante e ela tinha certeza que grande parte disso se devia à doçura de Penny. 

Com a mão de Alex pousada no meio de suas costas, Ayleen desce com cuidado o pequeno degrau que ela sabe que fica a 3 passos da porta de entrada.

Uma coisa que aprendeu desde que começou a perder a visão foi estabelecer pontos de referências para não sair esbarrando nos móveis, razão pela qual decorava quantos passos dar antes de esbarrar em obstáculos conhecidos de lugares que costumava frequentar.

Na primeira vez que esteve ali, há alguns meses, Ayleen quase foi ao chão por um descuido de Alex que não a avisara da existência do degrau.

Naquele dia teve de ouvir seu pedido de desculpas muitas vezes e em todas elas Ayleen sorriu, assegurando que estava tudo bem e que ela estava acostumada a cair por aí.

"Mãe, advinha quem está aqui" Ele disse mais uma vez enquanto andavam a passos lentos até a cozinha. O cheiro do que Ayleen julgava ser biscoitos ficava mais forte a cada passo. Na metade do caminho pode ouvir o barulho dos movimentos de Penny abrindo e fechando o armário.

"Ayleen!" A voz doce e simpática da mãe de Alex soou surpresa assim que chegaram à cozinha.

 Parou. Mais dois passos e esbarraria no balcão.

"Alex não me avisou que viria, que ótima surpresa!" Penny a abraçou e Ayleen retribuiu na mesma intensidade. O cheiro dela era tão gostoso. Uma mistura de creme de morango, paz e rosas. O que era totalmente diferente do cheiro pesado, quase sufocante do filho.

A mãe de Alex sempre a tratara muito bem, sentia-se como se fosse parte da família, apesar do pouco tempo de convivência.

"Na verdade foi de última hora mesmo. Alex esqueceu as folhas com as notas das músicas e tivemos de voltar"

"Alex só não esquece a cabeça porque está grudada no pescoço, acredite" O músico, então, pigarreou num tom ameno como se quisesse dizer "Ei, estou aqui". Penny gargalhou e Ayleen sentiu Alex se afastar, ouvindo o barulho da geladeira sendo aberta logo após.

"Sente-se querida, estou terminando uma fornada de cookies num minuto"

"Hmmm o cheiro está incrível" Ela respondeu dando um passo pra frente e tateando o balcão com a mão para se situar, procurando também o banco para se sentar.

"Aqui" A voz rouca e baixa a surpreendeu. Sentiu as mãos de Alex se alojarem com firmeza em volta de sua cintura, guiando-a para o assento que, na verdade, estava mais longe que ela imaginara.

"Obrigada" agradeceu meio sem graça. A pele formigava por baixo do pano do casaco, no local em que as mãos dele estiveram.

Alex não se sentou.

Permaneceu ao seu lado, próximo o bastante para que sentisse o mix de aromas que ele exalava. Era uma mistura de nicotina, metal nobre, menta e couro. O cheiro estava tão próximo e era tão bom que a sufocava.

"Como está seu pai?" Penny perguntou enquanto mexia com alguns utensílios, provavelmente procurando por um lugar para colocar os biscoitos.

"Bem. Um pouco cansado, ele tem trabalhado muito" Suspirou.

Os dedos estavam doendo devido às horas de prática no piano durante a madrugada anterior. Apoiou a cabeça na mão esquerda, jogando, assim, todo o peso do corpo para um só lado enquanto esperava pelos cookies.

As mãos dele estavam inquietas por sobre o balcão gelado, fazendo um barulho irritante com as unhas.

"O que você tem?" Ela sussurra, virando-se para ele. Penny os deixara sozinhos comendo biscoitos. Pediu mil desculpas, mas tinha hora marcada na manicure. Espero que ainda esteja aqui quando eu voltar, meu bem. Ela disse ao sair.

"Nada" Alex responde também em um sussurro "Por que?"

" Estou te sentindo um pouco tenso" Ay responde, procurando por sua mão esquerda por cima do balcão. Alex estava tão esquisito ultimamente.

O músico não estranhou o contato. Desde que criaram laços de amizade Alex aprendeu a conviver com a maneira dela se relacionar com as pessoas através do tato.

Ayleen vivia de sensações.

"Você está gelado" murmura assim que encontra a mão dele, enlaçando-a na sua com o intuito de esquentá-la. "Por que está tão calado?" pergunta.

Ele não responde imediatamente. Está concentrado demais no fato das mãos de anjo dela sobre as dele. Os dedos finos e longos, as unhas curtas e sem esmalte o tocavam com suavidade.

Ayleen, então, começa a passar distraidamente a ponta dos dedos sobre a palma gelada. As mãos de Alex são ásperas e o dedo indicador possui uma leve protuberância, um calo, muito provavelmente devido as horas de ensaio com o violão. O ritmo do carinho é suave e calmo, percorrendo todos os dedos com igual paciência.

"Por que você nunca tira esse anel?" Ela pergunta assim que os dedos se deparam com o material gelado em volta do dedo mindinho dele. Já o havia sentido outras vezes,
o anel é grande, levemente quadrado e possui um relevo na parte da frente.

Ayleen passa o indicador nele também, sentindo a textura com cuidado, tentando desvendar o que estava escrito. Alex tinha os olhos negros cravados no rosto dela. Uma pequena e adorável ruga em sua testa, devido o esforço em tentar desvendar o que tinha no anel.

Deus, como podia existir algo tão perfeito como ela? Algo tão lindo e apaixonante. Contemplá-la sem perder a cabeça era algo que demandava esforço, ainda mais assim com as duas esmeraldas que possuía no lugar dos olhos brilhando tão de perto. Daria qualquer coisa para que ela pudesse ver o que ele via. Para que pudesse ficar maravilhada com a própria imagem.

"Death Hamps" ele disse " É o que está escrito" emendou assim que viu a expressão confusa se alastrar pelo rosto da moça. Ayleen continuou passando o dedo pelo anel gelado, estava perdida em pensamentos.

"Foi um presente do qual gosto muito, por isso não tiro. Na verdade, todos nós temos um".

“Hmm.” Ela sorriu de leve, largando sua mão no segundo seguinte para tatear a mão pelo balcão até encontrar o prato com os biscoitos de Penny. Ele sentiu falta do contato das mãos dela sobre as dele. "Isso aqui tá muito bom. Você não quer mais?"

"Não" Ele respondeu de imediato, os olhos cravados no nariz fino e na boca naturalmente rosada. Queria tanto beijá-la, mas também não queria estragar a amizade que haviam construído, ela claramente o via como um amigo. "Ay" chamou.

"Hm" Ela murmura com um pedaço de biscoito de chocolate nos lábios.

"O que você acha de passar o natal comigo?"Alex sentiu a boca seca e passou a língua nos lábios rachados pelo frio desgraçado que fazia, deixando um gosto salgado nos mesmos.

"Passar o natal com você?" Ela repete a pergunta, como que para se convencer que o pedido fazia algum sentido. Ele parecia tão desgostoso com o feriado da última vez que conversaram.

"Obvio que o pedido se estende ao seu pai e irmão. Nós vamos fazer uma reunião pequena. Gostaria muito que viesse." Tratou de emendar. Deus, estava parecendo um adolescente.

"Eu vou falar com eles" ela respondeu. Os olhos brilhavam tanto, meu Deus. Ele quis que o brilho fosse para ele, mas sabia que não era. Sabia que era um brilho vago, cego.

"Ok" respondeu simplesmente.

Por alguns segundos tudo que se ouviu foi o barulho crocante dos biscoitos sendo mastigados. Alex permaneceu com os olhos cravados no rosto dela, a essa altura provavelmente já tinha decorado todos os detalhes possíveis.

"Ei, nós podíamos ensaiar no seu quarto. Pelo menos o dia não seria completamente perdido" Ela deu a ideia, parecendo animada em encontrar uma solução que não envolvesse sair naquele frio e voltar para o estúdio.

"Meu quarto está uma bagunça, Ay"

"Qual é Alex, eu não me importo nem um pouco com essas coisas. Além do mais, não é como se eu pudesse ver" Ela fez piada e ele apenas balançou a cabeça, reprovando o comentário.

Ela tinha a mania de rir da própria desgraça, mas ele tinha convivido tempo o suficiente para perceber que aquilo não passava de uma rota de escape. Uma maneira falha de tentar dizer ao mundo que ela se conformava com sua condição, quando na verdade ele sabia que não era bem assim, já haviam conversado sobre isso há alguns meses. "Tudo bem, vamos ensaiar no meu quarto" 

***

"Eu posso tocar você?" Ela perguntou receosa.

"Claro" Alex respondeu num sussurro enquanto desligava o motor do carro. Estavam na frente da casa dela.

Ayleen, então, se virou levando ambas as mãos ao rosto do músico. Os dedos primeiramente passaram pela testa lisa, descendo pelas temporas, olhos e então bochechas. Os polegares demoraram-se sob a pele da bochecha dele. Não era completamente lisa como o resto do rosto, podia sentir algumas pequenas imperfeições. Após, os dedos desceram para o queixo aonde a barba começava a despontar. Deixou o nariz por último. Era grande, mas parecia uniforme.

"Você é bonito, Alex?" Ela perguntou curiosa, guardando as mãos para si.

"Não" Ele respondeu de imediato, numa única respiração.

"Hm"

"Isso é importante?" Ele perguntou após alguns segundos de silêncio.

"É claro que não" Se conheciam há pouco mais de quatro meses e ele já era uma parte importante na sua vida. Mas de fato era difícil acreditar que ele não era bonito quando se tinha tantas garotas atrás dele por aí. Apesar de sempre ter se dedicado à música clássica e nunca ter realmente se ligado na cena rock que rolava na cidade, era impossível ser moradora de Sheffield e nunca ter ouvido falar do Arctic Monkeys. Os garotos de Sheffield que conquistaram não apenas a Inglaterra, mas o mundo.

"Qual a cor dos seus olhos?" Perguntou.

"Castanhos"

"Castanhos o quê?"

"Como assim? Castanhos, Ayleen." Ele suspirou ao ver a cara de decepção dela "Escuro, castanho escuro."

"Castanho escuro feito jabuticaba ou como chocolate derretido?"

"Por que todas essas perguntas?"

"Me ajuda a te imaginar"

Ele puxou o ar e o soltou devagar, tentando refrear o impulso de se aproximar, de abraçá-la.

"Escuros como jabuticaba"

"Devem ser bonitos" Ayleen comentou pensativa.

"Não tanto quanto os seus"

"É claro" Ela retruca com a voz carregada de escárnio.

"O que é? Seus olhos são maravilhosos, eles me intrigam, me hipnotizam a chegar cada vez mais perto e desvendar o tem aí" Alex respondeu sem nem mesmo saber se aquilo fazia algum sentido. Não era justo que ela pensasse daquela forma. "Eu estou falando a verdade, Ay. Por que nunca aceita nenhum elogio?"

"Porque sei que faz isso por pena. E mesmo que não fosse, de que adianta eles serem bonitos se não me servem de nada?"

Alex permaneceu calado. Entendia que era difícil para ela ter que se acostumar com a escuridão quando já se teve todas as cores do mundo diante dos olhos.

 

 

 


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