— Eu estraguei tudo, Lily.

A garota olhava preocupada para a sua mãe, que andava de um lado para o outro pelo em seu jardim.

Não era a primeira vez que Lily era convidada para o reino de sua mãe, mas não conseguia deixar de ficar encantada pelo lugar – era um palácio gigantesco, pelo menos cinquenta vezes maior que Hogwarts e infinitamente mais delicado. O jardim tinha as mais lindas flores e arvores, um lago enorme, onde majestosos cisnes nadavam. Era um lugar encantado, com pombas brancas voando e lebres correndo livremente. Lily sabia que nunca veria um lugar tão lindo quanto aquele.

Os cabelos da deusa se transformavam constantemente, mudando a cor e o formato, assim como sua pele e até sua altura. Era engraçado que, mesmo que ela mudasse constantemente, Lily sempre a reconheceria, como se não identificasse pela aparência, mas sim por sua alma – se é que deuses tinham alma.

Vê-la mudando tão rapidamente, murmurando repetidamente “eu estraguei tudo” e andando de um lado para o outro estava deixando Lily tonta. A garota se levantou e segurou a mãe pelos ombros.

— Conversa comigo – Lily pediu, e sua mãe soltou a respiração, deixando os ombros caírem.

Sentaram-se nas ao redor da mesa de chá, que estava cheia de opções deliciosas, e Lily não via a hora da mãe contar o que estava acontecendo para poder experimentar um macaron. Ela sabia como a mãe tinha certa tendência para o drama, então não acreditava que seria algo tão terrível quanto Afrodite fazia parecer.

— Você sabe quem é Kairós? – a deusa perguntou, e sua aparência começou a mudar um pouco mais devagar, o que era um bom sinal.

— É o deus do tempo oportuno.

— Isso, e ele tem um penteado horrível – ela disse e a forma como arregalou os olhos fez Lily acreditar que era realmente horrível – E eu falei para ele como estava horroroso e até me ofereci a ajuda-lo, eu fiquei com muita pena dele mesmo, mas ele ficou bravo comigo!

Ela havia mesmo chamado Lily com tanta urgência apenas para contar sobre uma briga aleatória? Como se sentisse que estava perdendo o interesse da filha, ela revirou os olhos, mas acelerou a história:

— Ok, nós brigamos muito, ele me insultou e eu o amaldiçoei e agora ele vai passar a eternidade careca. Até aí tudo bem, certo? – ela esperou a filha concordar para continuar – Bom, ele não concordou que estava tudo bem e decidiu se vingar. O problema é que ele foi atrás da minha coleção.

— Que coleção? – Lily perguntou, percebendo a hesitação da mãe.

— Minha coleção de melhores romances – ela disse e sua aparência finalmente parou de mudar.

Pergunte para qualquer semideus sobre a aparência de Afrodite e todos vão te falar a mesma coisa – que ela mudava constantemente de aparência, e toda vez que trocava parecia ainda mais linda. Mas com Lily não era assim – sua mãe costumava manter a aparência de uma mulher com o rosto gentil, e um sorriso de quem sabia sempre sabia o que fazer. O cabelo tinha o mesmo tom acobreado que o de Lily e os olhos idênticos tanto no formato como na cor. Qualquer um que olhasse a deusa naquela aparência, imediatamente lembraria de Lily, e a garota sabia que era por isso que a mãe preferia aquele corpo – porque fazia Lily se conectar melhor com ela e sentir um afeto tão grande.

— Eu tenho na minha estante uma coleção com os romances que mais me tocaram – Afrodite explicou – Tem os clássicos lá, como Bonnie e Clyde, Cleópatra e Marco Antônio, e Lily Evans e... bem, eu não posso dizer, mas vocês estavam lá.

Lily deixou um gemido frustrado escapar.

— Isso significa que não vou encontrar meu verdadeiro amor? – a garota perguntou, sentindo-se desanimada.

— Não, querida... Isso é tão difícil de explicar. Veja bem, eu nunca deveria ter sido sua mãe. Susan Evans era a sua mãe, mas Kairós resolveu bagunçar a sua história – a deusa respirou fundo, organizando mentalmente o que falaria – Kairós adiantou a morte de um tio seu, fazendo seu pai ir um ano mais cedo para o enterro dele, no Estados Unidos. A questão é que eu também estava lá e eu estava chateada com Hefesto, e quando eu conheci seu pai... Bom, você sabe o que aconteceu. Eu não relacionei o sobrenome dele com o seu, porque Evans é um sobrenome comum, eu não percebi o estrago que eu estava fazendo. Mesmo quando você apareceu no Acampamento, tão... pequena e assustada, eu não pensei em momento algum que você fosse a Lily Evans da minha coleção. Talvez, assim no fundo, eu imaginasse que algo tinha dado errado, mas toda vez que eu te via eu só conseguia sentir orgulho. Você se esforçou tanto desde o primeiro dia no Acampamento, sempre lutou tão bem e usava o charme de modo tão natural... Você sempre foi uma das minhas preferidas.

— Mas você ser minha mãe no lugar de Susan muda o que na minha vida amorosa?

Afrodite balançou a cabeça, e Lily entendeu que ainda não fazia ideia do real problema.

— Lembra quando eu te disse todas aquelas coisas sobre Hogwarts e sobre como os animais não podiam te machucar? – perguntou e Lily rapidamente assentiu – Eu não te contei sobre como os feitiços só te atingem se você permitir... Enquanto você não sabia disso, era mais fácil ser atingida, a não ser que você realmente não quisesse, mas nada no mundo bruxo pode te machucar, a não ser que você permita. E as Maldições Imperdoáveis não funcionam em você de forma alguma, não importa o quanto você queira. Eu vou te mostrar algo agora, e você precisa prestar muita atenção, ok?

Lily sentiu o dedo delicado de Afrodite tocando em sua testa e no momento seguinte se viu em um quarto infantil, com os braços abertos para proteger um bebê que chorava em seu berço. Lily não conseguia ver o rosto do bebê na posição em que estava, mas sabia que era seu filho. Estava claramente mais velha, mas não era muito, não devia ter mais de vinte anos. Seu rosto era puro desespero e ela gritava algo repetitivamente, mas Lily não conseguia escutar, não tinha som algum.

Um homem com os olhos vermelhos desfigurados, como se fosse olhos de cobra, gritou a maldição imperdoável e o corpo de Lily caiu no chão sem vida. Mas quando ele atacou o bebê, o feitiço voltou-se contra ele. Sua mãe a tirou antes que ela conseguisse ver o que aconteceria em seguida.

— Aquele era meu filho? – Lily perguntou, mesmo já sabendo a resposta.

— Sim, o pequeno Harry – sua mãe confirmou – Quando você morreu por ele, você usou o tipo mais antigo e puro de magia, que o protegeu de Voldemort.

— Aquele era Voldemort?! – Lily estava ainda mais assustada. Já havia ouvido falar dele inúmeras vezes, mas não fazia ideia de como era sua aparência. Sempre havia pensado que era um homem, mas aqueles olhos e a pele acinzentada... aquilo estava longe de ser um ser humano.

— Sim, e seu filho derrotaria Voldemort quando crescesse...

— Mas se eu não posso ser morta por ele, então Harry não vai sobreviver e não vai conseguir derrota-lo depois, é isso? – finalmente acompanhando, Lily encostou suas costas na cadeira e respirou fundo – Então centenas irão morrer por culpa dessa mudança.

— Voldemort ainda vai ir atrás de vocês, mas ele vai saber que não consegue te machucar, graças a alguns encontros anteriores entre vocês – Afrodite explicou – Então quando essa noite chegar, ele vai levar alguns amigos com ele, que te segurariam enquanto ele matava seu filho e marido. Você vai ficar sem nada, sem ninguém.

Lilian sentiu a súbita vontade de chorar, pensando no futuro horrível que a aguardava. Ela sobreviveria apenas para ver todos que conhecia morrendo – parecia mais uma punição para a garota do que para sua mãe. Como um deus poderia estragar sua vida, a condenar para um destino tão amargo, apenas para irritar Afrodite?

— Ele definitivamente arruinou a melhor história de amor do mundo bruxo – Afrodite disse, seus olhos escaneando Lily de forma pensativa – Era uma história tão linda, Lily, cheia de drama e tristeza, e vocês sempre superariam tudo juntos. Mesmo depois de morrerem, seu amor sobreviveria no garoto e tantos outros morreriam por ele, por amor. Mas Kairós tinha que se meter nas minhas coisas, só por não aguentar ouvir umas verdades. E agora você é minha filha e eu te amo muito para deixar algo tão horrível acontecer contigo.

Afrodite não era como os outros deuses que se mantinham afastados e raramente apareciam – ela frequentemente aparecia nos sonhos de Lily, e quando pequena, a garota ia para o reino da mãe toda semana, enquanto aprendia sobre Hogwarts. Ainda assim, era a primeira vez que sua mãe dizia que a amava.

— Então nós podemos mudar? – a ruiva perguntou, esperança crescendo em seu peito.

— Nós iremos – sua mãe garantiu – E eu já tenho um plano.