Inquebrável escrita por Danielle Alves


Capítulo 15
Quinze




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A vida é um calvário. Sobe-se ao amor pela dor, à redenção pelo sofrimento. — Abílio Guerra Junqueiro 

FERNANDO MENDIOLA

Lutei contra a confusão do álcool enquanto repassava simultaneamente a discussão com a Letícia na cabeça. Sorvo outra dose de uísque, habituado a ardência da bebida descendo pela garganta. Eu sou um completo babaca, passei dos limites. Não consegui me controlar, não quando Cassian a tocou. E para piorar, ela sabe. Sabe que não vou cumprir minha promessa. Sabe que irei me casar com a Márcia.

Não consigo decifrar o medo que está me consumindo, o medo de perdê-la.

— Fernando!

O único detalhe que me apercebi foi que a voz era feminina. Me virei com impaciência. Uma ex-amante da qual não me lembrava o nome deslizou a mão pelo meu braço direito, piscando os olhos sedutoramente. A morena inclinou-se para exibir os seios siliconados. Meu estômago se revirou de repugnância.

— Quando tempo não o vejo... Por que não retornou minhas ligações?

Sacudi meu braço até me desvencilhar dela.

— Porque não quis. – Respondi com rispidez, bebendo outra dose.

Ela fez biquinho.

— Ah, não seja tão mal! – Insistiu pressionando os seios no meu braço. Ela sussurrou tão próximo do meu ouvido que senti seus lábios na minha orelha. – Que tal repetirmos as aventuras que vivemos meses atrás?  

 Eu estava começando a ficar enojado.

— Se dê um pouco de valor, mulher. Desapareça da minha frente.

O sorriso dela sumiu.

— Ai! Que bicho te mordeu, Fernando? Por que está me tratando assim?

— Eu te trato como eu bem quiser, agora caia fora.

A mulher apertou os olhos raivosos e disparou para longe. Acenei para Isaías, o barman. Eu empurrei meu copo na sua direção e ele despejou o líquido âmbar dentro dele. Isaías arqueou a sobrancelha espessa e escura. Ignorei-o.

— Ficar bêbado não vai solucionar seus problemas.

Grunhi depois de virar a dose e estirar o copo na sua direção novamente.

— Por que não cala a boca e deixa essa garrafa pra mim?

— Estou falando sério. – disse, deixando a garrafa de J. W. Green para mim, meu uísque escocês preferido. Ele me lançou um olhar cheio de pena e se virou, controlando o fluxo de bebidas. Revirei os olhos e o imitei, repetindo suas palavras em silêncio.

Estou me lixando para tudo. Terei que me casar com uma mulher que não amo pelo bem da empresa de meu pai e perderei o amor da minha vida. Ficar bêbado é o menor dos meus problemas. Estou sendo dramático, mas eu queria desaparecer, sumir, ser reduzido a cinzas. Seria muito mais benéfico para a humanidade se Fernando Mendiola simplesmente parasse de existir, de que me serve viver, senão para fazer aquela que amo sofrer?

É pesarosa a dor que sinto no peito. Eu me pergunto... Será que serei capaz de deixar Letícia ir? De viver o resto da minha vida com a Márcia? Estou considerando seriamente em abandonar tudo de uma vez, de pegar a Letícia e sumir do mapa junto com ela, e então, jamais voltar.

Com o cotovelo na mesa, apoio o rosto na mão enquanto encaro o líquido amarelado. Nada me tira a impressão de que cometi um grande erro ao permitir que Márcia me reconquiste. Eu vou me arrepender disso no futuro, tenho certeza.

Acho que depois de minha atitude ridícula e meu ciúme desenfreado, está mais do que claro que o que sinto pela Letícia é forte o suficiente para ser ignorado. A conexão que temos é de outro mundo. Será impossível esquecê-la, superá-la. Talvez seja um sinal. Um sinal de que preciso voltar atrás na minha decisão e recorrer à única coisa que pode de fato me fazer feliz nesta vida.

Ficar com a Letícia.

Mas engloba tantas coisas, sinto que minha cabeça vai explodir a qualquer momento. Estou muito confuso.

Fecho as pálpebras e a responsabilidade ressurge diante de mim. Afugento esse pensamento, e vasculho minhas lembranças com a Letícia. Eu amo seu toque, seu beijo, sua risada, sua pele. Eu a amo por completo, inclusive seu novo lado que até então era desconhecido por mim. Quando quer consegue sarcástica e megera. Dou-me conta que ainda preciso conhecer muito de Letícia Padilha Solís.

— Meu presidente, o que está fazendo aqui?

Abro os olhos e me viro para Omar. Eu o respondo com uma careta.

— Não deveria estar com a Lety? – Questionou ao se sentar na banqueta ao meu lado. Havia a sombra de um sorriso na boca dele.

— Nós discutimos de novo. – Sibilei, bebericando.

Omar suspirou com tédio.

— Qual foi o problema da vez?

Respirei fundo.

— Ela sabe que não vou cumprir minha promessa de romper o noivado com a Márcia. – Falo simplesmente, fazendo questão de ocultar a parte do meu ciúme doentio. Os olhos de Omar ficam esbugalhados.

— O quê?

— É isso mesmo. Ela sabe.

— Merda. A mostren... digo, Lety, te contou como descobriu? – Omar me fitou apreensivo.

— Não. Não tinha nem como argumentar com ela, na realidade. Eu fiquei bastante surpreso.

— E agora, Fernando? O que vamos fazer? – Omar deslizou uma das mãos nos cabelos. Eu sei o que está pensando. Está pensando que se a Letícia se virar contra nós, estamos perdidos.

— Eu acho que... Vou cancelar o meu casamento.

Meu melhor amigo me olhou como se eu tivesse sérios problemas mentais.

— Como é que é?

— Eu vou cancelar o casamento. – Repeti fingindo tranquilidade após sorver outra dose. Omar bateu o punho no balcão. Me limitei a juntar as sobrancelhas.

— Você ficou louco, Fernando?

Talvez. Louco de amor pela Letícia.

Não respondi.

— Você está brincando comigo. Posso saber por que tomou essa decisão? Não vai me dizer que está apaixonado pela horrorosa da Letícia, pelo amor de Deus.

— Vá se danar, Omar. Eu já disse pra você respeitá-la.

Ele fecha os olhos e inspira lentamente. Torço meu rosto numa careta, questionando minha sanidade. Então o rosto de Letícia aparece na minha mente. E entendo o porquê de minha repentina decisão.

— Está bem, está bem. Me diga, então. Por que quer acabar com o casamento? Não, não. – Ele gesticulou na minha direção depois de tomar um gole na sua bebida. – Sabe o que vai acontecer quando você falar isso ao comitê?

— Não, vou esperar até depois da reunião do conselho. Então, falarei com a Márcia.

 O imbecil do Omar soltou uma risada sarcástica.

— Ah, perfeito! Assim ninguém vai saber, claro! – ele balançou a cabeça, estalando os lábios. – Não seja estúpido, Fernando! Ela vai ligar pros seus pais, e depois pro irmãozinho risonho dela. E crack, – murmurou ao simular o pescoço sendo cortado – fim da linha pra mim e pra você! Mas que idiotice, meu Deus!

Pressionei os dedos nas têmporas, massageando. De supetão, uma dor de cabeça severa surgiu. Omar está certo até certo ponto, mas não posso continuar assim. Estou ficando doente.

— Sabe o que vai acontecer? Ariel vai querer acabar com a sociedade com os Mendiola e bum! Adivinha só? O embargo vai ser descoberto!

— Eu sei disso, animal. Que a empresa está embargada, e etc etc e etc. Não me encha a paciência!

Omar gargalhou ruidosamente.

— Ah, vai, me diz aí. O que vai adiantar a Lety fazer o balancete se o bisonho do Ariel pedir as contas logo depois?

— Não vai acontecer isso, meu pai não vai permitir que se dissolva a sociedade.

— Não seja panaca, Fernando. Seu pai não vai poder impedir isso!

Esfrego as mãos no rosto, no auge do desespero.

— E então o que eu tenho de fazer? Tenho que me sacrificar? Viver minha vida preso à Conceitos e a Márcia?

Omar suspira e nega com a cabeça.

— Fernando, você esqueceu-se de tudo que passamos para conquistar nossos cargos? Irmão, a sua vida sempre foi a Conceitos.

Eu explodo.

— Você é imbecil ou o que? Mesmo que eu e você estejamos nessa merda, eu serei a pessoa a sofrer as piores consequências, afinal eu terei que me casar com alguém que não amo.

— É tão terrível assim você se casar com a Márcia?

— É, é terrível! – esbravejo.

— Pera lá, Fernando! Antes você iria se casar com a Márcia pela conveniência de ficar na presidência, qual o problema agora? O que mudou?

— Nós discutimos todos os dias, ela me sufoca, não me deixa respirar! E também não temos relações há tempos. A Márcia me persegue, me asfixia! Eu não posso fazer esse sacrifício. Eu não a suporto, Carvajal.

Ele vira o rosto para longe, refletindo. Depois se volta para mim.

— Ainda não é justificativa pra mim. Tem algo a mais aí!

Eu o encaro, e decido jogar tudo para o alto. Decido chutar o balde. Decido revelar o que eu tanto desesperadamente precisava pôr pra fora.

— Porque eu amo a Letícia Padilha Solís. Estou incondicionalmente e irrevogavelmente apaixonado por ela.


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