Inquebrável escrita por Danielle Alves


Capítulo 1
Um




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/788021/chapter/1

Quem, tendo um coração para amar e, dentro dele, coragem para tornar conhecido seu afeto poderia se conter?
— A Maldição do Tigre

LETÍCIA PADILHA SOLIS        

MEUS OLHOS DISPARAM PARA ELA QUANDO GRITA MEU NOME. E eu sei o que Márcia Villarroel vai dizer quando bate a mão na minha mesa. Seus olhos azulados me encaram com ódio e desprezo.

— Como você ousa esbofetear o Fernando? — ela se aproximou um passo de mim. — E na frente de todo mundo?

Eu pisco os olhos sem me abalar. Eu sabia que cedo ou tarde ela descobriria.

— Dona Márcia, não foi de propósito.

A noiva do meu chefe sorriu com deboche.

— Então foi um acidente? Sua mãozinha que simplesmente se levantou e o Fernando que bateu nela?

Pressionei os lábios e neguei com a cabeça, contendo a raiva que crescia dentro de mim.

— Não foi isso que eu quis dizer, dona Márcia. Seu Fernando perdeu o controle, estava quase matando o Tomas e eu não tive outra maneira de detê-lo, e... — suspirei. — Eu também acabei perdendo o controle sem querer.

— Não, Letícia, não foi sem querer. — retorquiu. — Você não faz nada sem querer. Você sabe perfeitamente o que faz, sempre sabe. É uma calculadora humana em todos os sentidos, e, além disso, uma atrevida. Uma sonsa que já passou dos limites há muito tempo.

— Por favor, não me ofenda... — sussurrei sabendo que estava no meu limite.

— Abusada. O Fernando te deu a mão e você pegou o pé, se apropriou da empresa. Você manda, tira e bota onde quiser, faz o que tem vontade. E então dá uma bofetada no presidente desta empresa na frente dos empregados?

— Eu só queria dar um fim naquela briga, dona Márcia.

Ela soltou uma risada seca.

— Pois então resolvesse de outra maneira. Você não é a tão inteligente? A sombra do Fernando Mendiola? É capaz de cobrir todas as sujeiras dele, mas não de resolver algo tão simples quanto uma briga? — Márcia me fitou dos pés a cabeça. — Não, não podia pensar em nada, não é? Porque você não tem... “classe”.

Continuei em silêncio pelo meu próprio bem.

— Você se esqueceu de onde veio? E quem você verdadeiramente é nesta empresa? Está se achando demais só porque tem um namoradinho rico. Já esqueceu que é apenas uma empregada? Uma secretária com sorte? Você pode ser a assistente da presidência, mas devo te lembrar que a empresa pertence aos Mendiola e aos Villarroel.

É claro que resisti ao intento de rir com escárnio. Se ela soubesse...

— Você é só um acidente! — Me mantenho impassível quando seu rosto fica próximo do meu para intensificar suas palavras. Seu tom manifesta puro veneno. – Uma funcionária que podemos dispensar pelas portas dos fundos. Por isso desça desse seu altar, Letícia Padilha Solís. Porque sob nenhuma circunstância, pode agredir o presidente desta empresa, sua estúpida!

Após cuspir seu lixo, Márcia me olha dos pés a cabeça mais uma vez e sai, batendo a porta.

Santo Deus, eu estou a ponto de surtar. Onde estava com a cabeça quando decidi permanecer nesta empresa? Ah, é claro, minha mente estava focada no seu Fernando.

Emocionalmente exausta, esfrego o rosto tentado não me recordar das cruéis palavras escritas naquela carta. Mas ironicamente, penso justamente nos dias que ficamos sozinhos enquanto dona Márcia estava na Alemanha.

 “... E como o monstrengo deve estar feliz pela ausência da Márcia, com certeza ela espera que você dedique todas as noites pra ela....”

Com um sorriso afetado, noto que não discordo daquelas palavras.

Não considerei os sentimentos de Dona Márcia, portanto é justo que eu sofra tudo isso, não é mesmo? Chorar pensando nela não é arrependimento senão culpa e remorso. O fim de quem se submete a isso é uma vida fadada ao mártir. E devo aceitar isso ainda que contra minha vontade. Não há quem eu possa enganar. Eu sou em parte culpada pelo sofrimento dela.

Eu deveria ter cortado o que sentia pelo seu Fernando desde o início. Não havia prometido a mim mesma uma vida solitária para evitar me machucar? Meu histórico dizia muito sobre mim – o amor me atropelava sempre que podia. Por que, desta vez, seria diferente?

Suspiro e pressiono os dedos contra minha cabeça. A sensação agonizante da culpa me cerca ferozmente.

Choramingo.

— Meu Deus, eu sou uma idiota.

Crispo os lábios e penso nos momentos que tivemos juntos. Tudo parecia tão intenso, tão perfeito. Estive nas nuvens, vivendo até então a história de amor que toda mulher gostaria de viver. No fim, entretanto, tratava-se apenas de uma farsa.

Solto um riso esganiçado. Por Fernando Mendiola, eu cavei minha própria cova. E eu aceitei isso. Por ele, aceitei ser manipulada. Perdi meu caráter quando cedi à ele, quando cedi a esse sentimento. Perdi a moral e a ética, e principalmente... A mim mesma.

Estou desesperada e vulnerável. O abismo tem me puxado lentamente para dentro dele – tento encontrar uma solução, mas tudo que vejo é escuridão. Meu peito dói, queima, me imobilizando. Eu quero chegar à superfície, mas as mãos invisíveis me puxam para as profundezas.

Ainda assim, com toda esta apuração, encontro-me completamente amarrada a ele.

Eu o amo, amo como louca. Eu sou terrivelmente apaixonada por ele. E isto é terrível. Eu sou patética.

Do que adianta ter um cérebro gigante? O QI elevado não me tornou imune ao amor.

Mas eu fui ingênua. Homens como Fernando Mendiola preferem mulheres exuberantes, cheias de curvas e beleza estonteante, e não reles moças como Letícia Padilha. Isso estava estampado no seu rosto desde que o conheci – e eu sabia disso, mas com a possibilidade do meu sentimento ser recíproco me cegou completamente. É inevitável a sensação de desgosto, de raiva de mim mesma. Queria me esganar.

Tomás me aconselhou que o certo seria me vingar. Eu pensei em inúmeras maneiras, mas não sei se sou corajosa o suficiente para fazer tanto mal ao Fernando como ele fez comigo. Não é de minha índole me vingar de ninguém.

Eu anseio por ajudar a quitar a dívida da Conceitos de uma vez por todas e então sumir. Posso ter perdido a mim mesma, mas ao menos permaneço desejando ter apenas o que é meu. Ao menos, todo esforço que meu pai teve ao me ensinar sobre honestidade serviu de alguma coisa. Uma pessoa sem escrúpulos se vingaria lhe deixando na ruína.

Esfrego o rosto e penso.

Nos últimos meses a Conceitos obteve lucros extras que fiz questão de omitir por uma questão de preservação. Depositei o lucro numa conta bancária laranja e fiz questão de investir em ações. Tem crescido relativamente apesar de ser apenas 15% do valor da dívida. É apenas uma medida de segurança, algo me dizia que eu precisava ter uma carta na manga caso as coisas ficassem feias demais, quando saíssem completamente do meu controle. Por isso tive a brilhante ideia de investir esse dinheiro. Tenho tido sorte.

Não o suficiente para quitar os bancos, porém... Já era um ótimo começo. Se os números crescerem nas próximas quatro semanas, teremos uma capital equivalente a milhares de dólares. Ou seja, a Conceitos não só sairia do vermelho como também poderia se erguer facilmente. A questão preocupante, contudo, consistia nas investigações de Ariel Villarroel. Noite passada, no fim do expediente, o escutei aos sussurros com a Alice Ferreira, ordenando que me espionasse. Não me surpreenderia se ele descobrisse que a Conceitos está embargada. Eu esperava que não, senão o Villarroel faria questão de me pôr atrás das grades. Até lá, espero que os eventos sejam favoráveis a mim. Eu só quero sair limpa disso tudo e então seguir com a minha vida longe de todo mundo.

 Pensei até em devolver as empresas, mas os bancos cairiam em cima deles. Seria uma terrível catástrofe, mesmo que fossem terríveis comigo, decidi optar pelo bem. Além do mais, todos os funcionários perderiam seus empregos, e os acionistas poderiam ir para a rua. Então essa opção está fora de cogitação.

Não tenho problema nenhum em me arruinar, mas jamais levaria pessoas inocentes para a cova comigo. Quem deve carregar fardo sou eu. Seu Fernando deu a ordem, quem executou, no entanto, foi Letícia Padilha Solís. Por isso assumiria a responsabilidade de reerguer a empresa, mesmo que para isso eu tenha que me perder.

Na prática, contudo, não é tão simples. Ninguém quer ser arruinado, mas eu não tenho escolha. O que me resta, porém, é torcer para que o Villarroel não descubra, ou se descobrir, o mais tardar possível. Quando no mínimo, a Conceitos estiver livre de dívidas.

Senão... Cadeia na certa.

Estava prestes a cometer um ato impensado como bater a cabeça na mesa quando o telefone toca.

— Presidência da Conceitos.

— Olá, boa tarde, poderia falar com Letícia Padilha? — Uma adorável voz feminina soou do outro lado da linha.

Ergui a sobrancelha.

— Está falando com ela. No que posso ajudar?

— Boa tarde, senhorita Padilha. Como vai?

— Vou bem, obrigada. – Respondo com suavidade, embora esteja perdendo a paciência.

 Que ótimo! Bom, senhorita Padilha, aqui quem fala é Suzanne Sanchez, secretária executiva da B&W, gostaria de marcar uma reunião de negócios com o senhor Fernando Mendiola, é do interesse do senhor Christopher de La Fuente apresentar a Conceitos uma proposta.

— Ah, certo. Qual seria o melhor horário para vocês?

Extirpando a vontade de resmungar, pego o bloco de notas.

— Que tal um jantar no Le Noir as 19h?

— Hum... – Acenei positivamente para mim mesma ao constatar que a agenda do presidente da Conceitos não tinha compromissos. - Certo. Vou confirmar com o seu Mendiola e lhe retorno daqui a dez minutos, tudo bem?

Claro, sem problema. Obrigada, senhorita Letícia. Boa tarde.

— Boa tarde, obrigada.

Irritada, esperançosa e irritada, reúno todos os resquícios de força e sanidade mental que possuo. Resmungo alguma coisa sobre ter que ser assistente do homem que mais amo e odeio nesta vida, e me preparo psicologicamente para não ficar babando ao vê-lo. Preciso, no mínimo, de um pouco de amor próprio.

Ao atravessar a sala do seu Fernando, me dispus de frente para sua mesa. O desgraçado estava lindo como sempre. E eu quis me chutar quando constatei isso pela enésima vez naquela manhã.

Ele estava falando no telefone. Quando se virou pra mim, sorriu e gesticulou que eu esperasse um minuto. Perguntei-me se aquele sorriso era ou não verdadeiro.

— ... Sim, Papai. Nós conversamos sobre isso quando vocês voltarem, está bem? Ok, certo. Nos falamos amanhã, bom dia. – Após pôr o telefone no gancho, me cumprimentou. – Oi, Lety.

Fui direto ao ponto.

— Seu Fernando, recebi uma ligação da B&W. Gostariam de marcar um jantar com o senhor hoje, as 19h. – Sem jeito, cruzo as mãos de frente pro meu corpo.

O imbecil teve a audácia de olhar para mim de cima a baixo. Quando seus olhos se encontraram com os meus, percebi um brilho um pouco... Não consigo encontrar a palavra certa, mas como ele consegue fingir até nisso?

— Você sabe do que se trata esse jantar? – Ele piscou. Reprimi a vontade de agarrá-lo.

— Hum... Er... – Balanço a cabeça. – Me informaram que é uma proposta da parte do senhor Christopher de La Fuente.

Estranhamente aquele nome me parecia familiar.

Meu chefe assentiu. O Adônis levantou da cadeira gloriosamente e ajeitou o próprio terno.

— Bom, Lety, pode confirmar com ela. Onde vai ser?

— No Le Noir.

Podia jurar pela minha mãezinha que eu ia ter um infarto quando seu Fernando se aproximou a passos vagarosos. Foi inevitável prender a respiração quando o homem pela qual sou perdidamente apaixonada parou diante de mim. Engoli em seco e lentamente ergui a cabeça para fitar seu rosto.

— Bom, se me der licença. – Eu lhe disse essas palavras num sussurro, ciente de que meu corpo não mexeu um músculo sequer.

— Lety. – Chamou-me ele. – Você é tão... Perfeita.

 – O quê? – Pergunto debilmente. Me sinto uma idiota.

— É isso mesmo que você ouviu, Lety.

Ele se inclinou para mim, o rosto glorioso a poucos centímetros do meu. Meu coração deu um solavanco. Seu hálito quente batia no meu rosto.

— Quero que me acompanhe nessa reunião. Preciso do meu braço direito comigo.

Ele sorriu.

Pisquei, ficando tonta. Fui incapaz de me mexer quando seus braços envolveram minha cintura e me puxaram para próximo de seu corpo. Estonteada, fechei os olhos quando seus lábios roçaram os meus, minhas pernas ficaram trêmulas e não tive outra opção senão agarrar seus braços quando correspondi o beijo. Eu sabia que era errado, mas não pude me conter. Lutar contra o que eu sentia era infinitamente menor comparado a parte de mim que o ansiava.

Deslizando as mãos nas minhas costas, percebi que seus toques e seus beijos manifestavam possessividade com relação a mim. Dentro de mim, meu coração se comprime em tristeza. Eu sei, e muito bem, que isto intensificava a realidade que eu tão prontamente queria ignorar. Na mente de seu Fernando, eu era sua propriedade para manusear como bem entendesse. Lágrimas se formaram nos meus lábios e rompi o beijo bruscamente, tentando empurrá-lo. Imbatível, ele continuou a roçar os lábios nos meus.

— Chega, Seu Fernando, vão nos pegar...

— Shh, Lety, não me importo... – Para comprovar isso, ele roçou o nariz no meu maxilar e dispôs beijinhos ao longo do meu pescoço. Choraminguei totalmente derretida nos braços daquele homem.

— Por favor, seu Fernando... – implorei num sussurro. – Se nos pegam, vai ser problemático para nós dois.

Seu Fernando olhou bem para mim e sem me responder, beijou-me novamente. Até que...

— Fernandinho.

Saltamos para longe um do outro no mesmo instante. Meu coração batia vigorosamente quando ajeitei os óculos. Omar Carvajal adentrou a sala um segundo depois, seus olhos alternaram entre mim e seu Fernando. Infelizmente, percebi a malícia por trás daquele sorriso quando se virou novamente para meu chefe.

Fiquei furiosa quando percebi que não foi a primeira vez que eu havia notado. Ou seja, desde o princípio, tudo estava bem abaixo do meu nariz. Aspirando com dificuldade, reafirmo a mim mesma que sou estúpida, como dissera dona Márcia.

— Desculpe, - começou Omar, sem tirar o sorriso dos lábios. – Não quis interrompê-los.

A sugestão por trás dessas palavras me enche de náusea. Procuro desviar o olhar para me desvencilhar da sensação de asco que sinto por mim mesma. Eu sou imbecil. Ergo meus olhos para o pivô da minha desgraça. Mas sou pega de surpresa quando apercebo o olhar intenso e cheio de... Sentimento sobre mim.

— Só estávamos conversando, animal. – diz seu Fernando enfim, olhando enviesado para seu amigo. – O que você quer? Não vê que estou ocupado?

Pensativa, procuro meus próprios pés. Será que estou vendo coisas? Ou realmente vi amor nos olhos dele? Não. Devo estar sonhando acordada.

— Calma, tigrã-... Digo, Fernandinho, - ele dá uma risadinha. – Só queria saber se você vem almoçar.

Levantei a cabeça a tempo de ver meu chefe suspirar e lançar um olhar furioso para Omar.

— Tá, tá, eu já vou. –observei-o puxar a porta e indicar que ele saísse.  – Agora saia, anda, preciso acertar algo com a Lety.

O vice-presidente revirou os olhos e se virou para mim.

— E você, Lety? Não vai almoçar?

— Sim, mas não agora. Obrigada por perguntar. – forço um sorriso.

Omar Sujo Carvajal assentiu com um sorrisinho divertido e piscou para seu Fernando quando saiu da sala.

— Estou te esperando lá fora, Fernandinho.

— Esse Omar, ai, ai... – Seu Fernando gesticulou com a mão no ar e bateu a porta com um pouquinho de força. Eu teria rido em outro momento. Seu Fernando fica nervosa atoa.

Ele me puxou contra seu corpo e pisquei um pouco atarantada quando beijou meus lábios.

— Quer vir, Lety? Não quero ficar longe de você... Melhor, vou ficar contigo aqui e almoçamos juntos, que tal?

Balancei a cabeça imediatamente. Mas forcei um sorriso ainda que estivesse me negando a ter qualquer manifestação de emoção com a declaração.

— Não precisa, seu Fernando. Seu Omar veio aqui para te chamar e eu ficaria super desconfortável se você não fosse... E além do mais, – decidi mentir – eu vou almoçar com as meninas do quartel.

Fernando franziu a testa, mas assentiu.

— Certo, certo. – ele apertou meu corpo contra o seu e me deu outro beijo rápido. – Até depois, minha Lety.

Quando ele saiu, amparei meu corpo trêmulo na mesa.

Merda.

Eu sou tão fraca.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Gostaram? Comentem. ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Inquebrável" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.