Valeran - A Ascensão dos Reis escrita por Lorde Vallex


Capítulo 10
Entre Feudos


Notas iniciais do capítulo

Hello!
Como eu já disse, estamos chegando a uma parte muito importante!
Boa leitura ^^



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/787889/chapter/10

Estavam na ala hospitalar da academia. No meio da noite, não havia ninguém fora dos quartos. Teoricamente.
Mas as regras já não importavam tanto naquele momento. Naquele momento, o que importava para aquele grupo de jovens aprendizes era discutir coisas mais importantes.
Soren estava sentado ao lado de Killian, que estava com a cabeça enfaixada. Sentados no chão, estavam Lira, Artariel e Herys. A maga elemental havia deixado o ovo de wyvern escondido em seu quarto.

— E por que não entregar para os mestres da magia? — perguntou Lira. — Eles saberiam o que fazer!

— Saberiam. Mas não temos certeza do que eles fariam — justificou-se Herys, desesperadamente. — Um wyvern é um monstro perigoso. Quem sabe o que fariam com o ovo?!

— E ele também é uma criatura mágica — acrescentou Soren. — Poderiam querer usá-lo para algo. Se Casy…

— Poupe-me de suas teorias da conspiração — ameaçou Lira. Soren assentiu.

— A questão é — retomou Herys: — não sabemos o que fariam. O mais provável é que queiram destruí-lo. E eu juro por todos os deuses que não deixarei ninguém fazer mal àquele ovo.

— Por que se preocupa tanto? — perguntou Killian. Antes que a maga ficasse irritada, o escudeiro acrescentou: — Concordo, não quero que façam mal ao ovo. Machucar uma criatura que ainda nem nasceu é errado, eu só estou curioso para saber o motivo.

— Eu… Eu só…

Herys não sabia o motivo de desejar proteger aquele ovo. Não sabia se o fato dele emanar a mesma Mana que o seu anel era um motivo. Só sabia que não permitiria que destruíssem aquele ovo.

— E o que faremos com ele, então?

— Eu li algo sobre ovos de wyvern — comentou Soren. — Pela temperatura do ovo, não deve ter sido feito há menos de três meses. Por um período de mais quatro meses, ele só precisa ficar em um local de temperatura constante, independentemente se for fria ou quente. Depois desses quatro meses, precisaremos aquecê-lo a uma temperatura extremamente elevada.

— Então quer dizer que basta achar um lugar para deixar ele largado por mais quatro meses?

— Exatamente.

— Tsc. É mais fácil do que eu pensava — admitiu Lira.

— E como você tem certeza que a temperatura não importa? — indagou Herys, arqueando a sobrancelha.

— É bem simples: a cor do ovo — respondeu o mago das trevas. — Se fosse vermelho, precisaríamos aquecê-lo com feitiços de quarto ou quinto círculo para se comparar às chamas de um wyvern vermelho. Se fosse branco, congelar com feitiços de mesmo nível. Se fosse negro, precisaríamos levar a um local com forte energia negativa. Se fosse azul, para o olho de uma tempestade. Para o verde, é o que eu disse. A temperatura inicialmente não será importante.

— Nossa. Não sabia que você tinha virado, misticamente, especialista em ovos de wyvern.

— Está brincando? Qualquer coisa relacionada a dragões deveria fascinar qualquer pessoa.

Herys pronunciou-se.

— Fui eu quem disse para não entregar o ovo primeiro. Me responsabilizo por achar um local adequado para guardá-lo.

Os demais assentiram. Ficaram pensando por um pequeno período de tempo, até Soren abordar outro assunto.

— Eu achei algo com aquele mercenário que me perseguiu. O gigante com o martelo. — Soren retirou do bolso dois pedaços de papel, ambos dobrados.

O primeiro, ele mostrou, era um mapa. Abriu-o sobre as pernas de Killian.
O mapa mostrava o reino de Valeran, bem como os reinos ao redor. Não era especialmente detalhado, nem especialmente bem feito, mas havia informações suficientes no mapa. Em vermelho, um caminho que passava por um vilarejo chamado Willt, atravessava as Montanhas da Lua e finalmente entravam na Terra Amaldiçoada.
Illuminis.
Lira olhou para o irmão, notando a fúria sombria com que olhava para o mapa.
Além da linha vermelha, havia um círculo roxo que pegava toda Illuminis, bem como uma parte dos ducados de Konatang e Barun, os dois que ficavam mais próximos de Illuminis (principalmente Barun, no sul), e um pedaço de Elderin, a terra dos elfos.

— O que essa linha roxa significa? — perguntou Artariel. — Q-quer dizer, a vermelha parece mostrar um caminho, mas o que a roxa mostra?

Soren sorriu de maneira enigmática para o elfo e abriu o segundo papel. Pigarreou e começou a ler em voz alta. Era uma carta.

— Caro Sor Adrian, espero que tenha obtido sucesso na obtenção do item (provavelmente, o ovo que pegamos). Este mapa indica as próximas coordenadas para onde você deve ir. O local é a Ruína de Ggtole, dentro da terra de Illuminis. Alastair poderia ter te dito isso com a Projeção Astral, mas ele precisa economizar Mana para o ritual. Prosseguindo, vocês devem passar por uma passagem sombria dentro das Montanhas da Lua. Ou melhor, você. Quanto a seus homens, ordene que fiquem distante da área indicada pelo círculo roxo. É provável que toda essa área, com exceção da Ruína de Ggtole, seja destruída pelo ritual. E por que você precisa vir? Considere isso uma prova de fidelidade. Esteja aqui, e será recompensado. Está avisado. Isnar.

Assim que Soren disse esse nome, todos puderam ver Killian contorcer o rosto.

— Conhece esse tal Isnar? — perguntou Herys.

— Pode ser apenas uma coincidência, mas pelo modo que o tal Adrian referiu-se a ele, deve ser o mesmo Isnar que eu conheço — murmurou Killian. — Isnar Fyrestia é um cavaleiro absurdamente poderoso e perigoso. Arrisco dizer que quase tanto quanto um Cavaleiro Dracônico, ou ainda mais. E ele… Ele é aquele que traiu meu condado e abandonou meu irmão para a morte.

Todos ficaram em silêncio. Killian continuou.

— Ele não é humano. É um draconato. Outra raça que tem sangue dracônico nas veias. É bem provável que tenha sido ele quem contratou os mercenários para pegarem o ovo de wyvern. Se posso dizer algo bom desse traidor maldito, é que ele protege seus companheiros de sangue.

Eles ficaram refletindo sobre aquelas palavras, até que Soren pronunciou-se:

— Vou até lá. Vou impedi-los, ou ao menos tentar.

— O que você está dizendo?! — ralhou Herys. — Quer dizer, mesmo que você, por algum milagre, chege à Terra Amaldiçoada, como planeja parar esse tal Isnar? E Adrian, que deixou Killian neste estado, também estará lá. E vocês ignoraram o outro nome que apareceu nesta carta.

— Alastair — murmurou Lira. — O Mago Dourado. Aquele mago mental que está sendo caçado pelo reino há quase cinco anos.

— Pode ser outro Alastair — comentou Artariel, incerto.

— Outro Alastair — disse Lira, sarcástica — que trabalhe com criminosos e saiba usar uma Projeção Astral, um feitiço mental de altíssimo nível? Duvido!

— Não ligo — rosnou Soren, com uma raiva que ninguém ali, nem mesmo Lira, jamais vira. — Ouviram o que a carta disse? A área em roxo será destruída! Tenho família em Barun, e eles vivem dentro desta maldita zona de aniquilação!

“Sem falar”, pensou Lira, “que essas pessoas buscam profanar ainda mais a sua tão amada Illuminis”.

— Eu também — concordou Lira. — Nossos pais vivem em Dartã, aqui, perto do fim do círculo roxo.

— Elderin é meu lar — disse Artariel, hesitante. — N-não posso deixar que seja destruída.

Todos conheciam a devoção dos elfos por sua própria terra, seu próprio lar.

— Isnar traiu e abandonou meu irmão — declarou Killian. — Ele é um assunto pessoal. Busco o paradeiro dele há muito tempo. E-eu não posso simplesmente perder esta chance.

Os quatro olharam para Herys. A garota olhou incrédula para eles. Cada pessoa que supostamente estaria em Ggtole era uma ameaça enorme, e eles estavam simplesmente dizendo que iriam de qualquer jeito.
Mas olhava para Soren, e em seus olhos via convicção. A mesma convicção com que falara das mudanças que desejava para Valeran. E, ao ver aqueles olhos, Herys entendeu que nada que dissesse faria-o mudar de ideia.
A aprendiz de magia elemental suspirou.

— Muito bem. Vocês venceram. Mas, primeiro, vou arranjar um lugar para guardar o nosso novo futuro filhotinho. Enquanto isso, descubram como ir até Illuminis sem morrer, parar o tal ritual que pode destruir reinos e depois voltar. E tudo isso em quatro meses, porque temos um ovo de wyvern para cuidar.

*

Foi apenas dois dias depois que o plano “genial e infalível” teve início. Naquela noite, todos haviam se preparado o máximo possível. Killian treinara duro, preparara todos os seus equipamentos, roubou uma espada de seu colega, Zael, e cuidou dela. Lira e Artariel saíram para comprar coisas que eles acreditavam que poderiam ser úteis. Herys finalmente encontrara um local para deixar o ovo de wyvern.
Quanto a Soren, ele treinara sua magia sombria. Arrependia-se. Logo após dizer sobre a falta de culpa de alguns magos das trevas, matara alguém. Mesmo que fosse um criminoso, ladrão e assassino. Mesmo que estivesse perseguindo-o para matá-lo. Mesmo assim, rendera-se às suas emoções.
Aquilo não podia se repetir, de modo algum.
Encontraram-se do lado de fora da taverna em que Lira, Soren e Arty hospedaram-se antes da academia. Estavam todos prontos.

— Vai mesmo com a cabeça deste jeito? — perguntou Soren.

— Vai estar melhor antes de chegarmos à Terra Amaldiçoada — respondeu Killian.

— Poderiam, por favor, parar de chamá-la assim? Illuminis. Chamem de Illuminis.

Killian e Herys olharam com curiosidade para Soren, mas ele apenas ignorou. Não deveria ter dito aquilo.
Mas seria tão ruim se eles soubessem? Pelo menos Herys. Ela sabia que ele era um mago das trevas. Ser um estrangeiro era tão pior?
“Só se este estrangeiro vier de Illuminis, o reino amaldiçoado por praticar necromancia sem punição”, respondeu uma voz no subconsciente de Soren, sensatamente.

— Lira, você tem certeza que o seu plano vai dar certo? — perguntou Soren.

— Com certeza. O Tio Sid já está pronto.

Caminharam, andando em grupos separados — Soren e Lira, Herys e Artariel e Killian sozinho —, e reencontraram-se do lado de fora da cidade de Feradöhr.
Caminharam por quase cem metros até chegarem a um local afastado, próximo à floresta. Parado, esperando-lhes, estava o Tio Sid, alto e magro, com as roupas sujas e a barba malfeita.
Ao avistá-los, acenou.

— Olá, jovens aventureiros. Prontos para serem expulsos da academia?!

— Não seremos expulsos — murmurou Herys.

— Provavelmente serão. Tentar impedir um ritual macabro sem contar para os mestres da magia? Por que simplesmente não falam para o Arquimago?

Eles não responderam.
O fato era que Soren havia convencido eles disso. Segundo ele, falar para o Arquimago significava falar para Casymir. E Casymir poderia ser a favor deste ritual. Destruiria Illuminis, uma terra desprezada, Elderin, uma nação inimiga e de inumanos, e o sudeste de Barun, onde só haviam nobres decentes que não concordavam com ele. Mesmo que o Arquimago tentasse impedir o ritual, seria considerado um traidor. E perder uma das únicas pessoas que pregava a igualdade das raças com a sua influência seria um golpe duro para os inumanos.
Soren conversara com um mestre de magia. Luk, o mestre de magia mental. Ele dissera-lhe que os mestres estariam de mãos atadas, e que o melhor era não dizer nada a ninguém.

— Você tem razão, Soren. Se Casymir Loernvel souber do ritual, permitirá que aconteça e tentará parar os que tentarem impedi-lo.

As palavras de Soren já haviam despertado dúvidas em todos (especialmente em Artariel, um inumano). A confirmação de um respeitado mestre da magia fora o suficiente para convencê-los.
Então, lá estavam eles. Cinco jovens esperando salvar os reinos de algo que eles sequer poderiam ter total certeza que existia.

— Mas eu nunca me perdoaria se fosse real — dissera Soren. — S-se eu deixasse todos morrerem. Estou disposto a arriscar minha vaga na academia por isso, mas não peço que venham comigo.

— Patético — disse Herys, irritada. — Juntos até o fim. Teoricamente é minha culpa que saibamos disso tudo.

Após aquelas conversas, os jovens estavam completamente convencidos. Além do mais, o mestre Luk dissera que encontraria-os em Illuminis. “Não ligo para Casymir. Se algo assim vai acontecer, estou disposto a encontrá-los naquele reino caído. Nos encontraremos na Ruína de Ggtole”, ele dissera. Também desenhara um mapa mais completo para os jovens, indicando caminhos mais seguros.
Subiram na parte de trás da carroça do Tio Sid. O velho começou a guiar os cavalos.

— E por que ele nos ajudará? — perguntou Killian.

— Molhei a mão dele — disse Lira. — É incrível o que algumas peças de ouro não fazem… Além disso, ele já fez parte do exército real. Ele ainda tem certo senso de dever.

— Nos acompanhará até Illuminis?

Lira assentiu, sorrindo.
E assim, iniciava-se uma das mais importantes fases da vida daquelas pessoas. Principalmente para Soren.
Claro, ele não sabia disso.

*

A Academia Greyhorn e a cidade de Feradöhr não ficavam a mais de algumas milhas das Montanhas da Lua, porém Luk havia desenhado um caminho que passava por Barun, e chegava perto ao vilarejo de Willt, o mesmo do mapa dos bandidos.

— Odeio dizer isso — o mestre de magia mental havia dito —, mas este é o melhor caminho para Illuminis. As demais passagens são fortemente guardadas por Casymir, e é provável que estes bandidos tenham desenhado um caminho por onde há alguma passagem. Os soldados de Silennar não deixarão que vocês passem. Terão que usar o caminho mostrado por eles.

Assim, iniciaram-se semanas de viagem. Dentro das terras de Konatang, a única coisa que ocorrera fora quando a carroça do Tio Sid ficara presa na lama. Fora isso, e também uma chuva forte que parecia prestes a tombar a carroça, nada ocorrera.
O problema viera quando estavam a quase uma milha depois da fronteira de Barun. Primeiro, foram parados por guardas de estrada e tiveram que inventar uma história sobre um familiar doente.
Naquela mesma semana, tiveram problemas com um cavaleiro andante que queria desafiar alguém para pagar o pedágio de uma ponte que na verdade não lhe pertencia, tudo em nome da honra.
Após Killian acabar com o cavaleiro com tanta brutalidade que duvidavam que ele voltaria a cavalgar, o escudeiro pegou as armas, armadura e cavalo do homem. Afinal, a lei da cavalaria ditava que, ao ser derrotado em um duelo de maneira justa por uma causa injusta, o derrotado deveria entregar os pertences ao vencedor.

— Mas ainda não sou cavaleiro — comentara Killian, incerto.

— Mas ninguém precisa saber disso — comentara Tio Sid, desenhando o brasão de um cavaleiro andante em uma missão anônima no escudo de Killian. — Você vai vestir essa armadura. A espada dele também é melhor que essa da academia. Quanto ao cavalo, vamos vender no próximo vilarejo para comprar mais suprimentos.

Após terem feito isso, percorreram quase duas milhas sem nenhum grande problema.
Foi neste momento que a estrada foi bloqueada. Uma dúzia de assaltantes com máscaras e armados com diversas armas, de adagas e porretes a espadas e alabardas, cercaram a carroça.

— Ora, ora. Vejam só! Um viajante tolo andando por uma estrada pouco usada e sem guardas. Como pode ser tão tolo, velho?

— Tolo? Te mostrarei o que é tolo — disse Tio Sid, sorrindo. — Desrespeite-me novamente.

— Rá! Odeio velhos petulantes. O que tem na carroça?

— Nada de valor, pode ter certeza.

— Posso conferir? — perguntou o bandido.

— Com certeza.

Com a afirmação do velho, o bandido subitamente ficou menos esperançoso. Mesmo assim, mandou que revirassem a carroça.
No momento em que o primeiro bandido puxou a lona que cobria a carroça, um relâmpago atingiu seu rosto, estraçalhando-o e mandando-o para longe.
Killian, Herys e Lira pularam para fora. Soren e Arty estavam dormindo, e ninguém fez questão de acordá-los.
Killian voou contra um dos assaltantes, desarmando-o e decapitando-o. Lira disparou um pulso que mandou outro deles para longe, caindo rolando no mato. Herys congelou a cabeça de outro, e todos puderam notar como a mira da garota era quase sempre certeira. Cada disparo da maga elemental significava uma morte.
Tio Sid, para a surpresa de alunos e assaltantes, pulou da carroça e sacou um kopesh, uma arma rara em Valeran, geralmente usadas por alguns poucos oficiais de alta patente.
O aparentemente indefeso dono de uma loja de ervas mágicas eliminou um bandido com um machado e logo pulou contra o líder, que girou uma foice contra o velho. Tio Sid desviou com velocidade e cravou a espada no peito do homem.

— Ora, ora. Vejam só! — repetiu Tio Sid, cínico. Um assaltante tolo que acha que pode desrespeitar alguém que já matava quando ele ainda era um recém-nascido inútil.

Arrancou o kopesh manchado de sangue do corpo do bandido, que caiu morto no chão. Os outros quatro bandidos restantes saíram correndo, aterrorizados.
Tio Sid olhou para os jovens, que encaravam-no com espanto.

— Hehe. Talvez ter decidido ajudar vocês não seja de todo ruim. A ideia de voltar a experimentar um pouco de ação é simplesmente fantástica.

Dizendo isso, ele subiu novamente na carroça. Os alunos ainda o encaravam quando ele olhou-os com raiva.

— Subam na carroça ou venham andando!

Não precisou repetir a ordem.

*

Após todo aquele tempo, Herys começou a rir. Todos que estavam na carroça olharam para ela.

— Já perceberam que as aulas já voltaram? E que estamos perdendo conteúdo? E que realmente poderemos ser expulsos?

— Herys, não vai importar se formos ou não expulsos se estivermos mortos, então pare de se preocupar com isso.

— Obrigada, Soren. Estou muito mais calma agora. Você é um amigo motivador.

A carroça passou por uma ponte de madeira que parecia ter uns cinco mil e seiscentos anos, fazendo com que todos se surpreendessem com o fato dela aguentar a carroça do Tio Sid.
Avistaram algo, a muitos metros de distância.

— Me dê o mapa, garoto — pediu Tio Sid para Soren. O mago das trevas deu o mapa para o velho. — Hum… É. Aqui é justamente a ponte pela qual deveríamos passar. O mestre Luk estava certo. Agora é só avançarmos mais um pouco até a bifurcação e então virar a direita.

— Aquilo ali na frente é a vila de Willt? — perguntou Lira, espantada. — Mas eu estou vendo algumas casas quebradas!

— O mapa dos mercenários que vocês encontraram dizia para passar pela vila — analisou Tio Sid. — É bem provável que ela já tenha sido dominada.

— Mas e o exército do duque Dovan?!

— Esta área é próxima às Montanhas da Lua. Já faz algumas centenas de metros que deixamos o domínio oficial do duque de Barun. Aqui é domínio de Casymir, do exército de Silennar. A vila de Willt é a mais próxima de Illuminis, mas nunca destacou-se em nada. Se querem a minha opinião, a maioria não sabe, ou não liga, para a existência deste vilarejo.

— Então os soldados não irão fazer nada?

— E para quê? Estariam apenas indo atrás de bandidos insignificantes que assaltaram e queimaram umas casinhas insignificantes.

Provavelmente, era realmente assim que os soldados de Valeran deveriam pensar, pois ninguém fora atrás dos mercenários.
Killian perguntou-se se o antigo Cavaleiro Santo, Adrian, já havia passado pela vila e alertado os seus companheiros.
Herys pensava em outra coisa. Para ela, aquilo não fazia sentido. Quem seria o tolo que colocaria informações sobre tudo o que iria ocorrer em uma carta, ainda acompanhada de um mapa, e deixaria tudo com a mesma pessoa? Aquele homem enorme, Banner, deveria ter sido alguém de enorme confiança para Adrian…
“Mas tem algo errado”, pensara ela.
Quando disse isso para os demais, eles concordaram.

— Mas o que podemos fazer? — acrescentou Lira. — Já estamos a menos de uma semana de Illuminis. Seja lá o que tenha de estranho, deixou de ser relevante quando passamos entre os feudos.

Herys deu de ombros. Não estava convencida.
Finalmente alcançaram a tal bifurcação. Os dois caminhos de uma terra clara eram contornados por árvores, e Tio Sid percebeu que o caminho não existia anteriormente. Fora feito por humanos.
Escolheram o caminho da direita. Segundo Luk, haveria uma trilha no meio das árvores após cem metros de avanço. Eles deveriam pegar essa trilha e continuar pela floresta pelo resto do dia até que deixassem a proteção das árvores.

— E como mestre Luk sabe disso tudo? — perguntou Lira.

— Dizem que, já há algum tempo — contou Tio Sid —, Luk era um explorador de ruínas antigas. Este lugar fica perto da Terra Amaldiçoada, então provavelmente o seu mestre de magia já passou por aqui muitas vezes.

Após entrarem na tal trilha pela floresta, sentiam-se novamente em Yont-i. A diferença era que a floresta era muito menos densa, o sol não era quase completamente tapado pelas árvores e os sons ouvidos não eram os sons de animais perigosos.
Demoraram o resto daquele dia e o dia seguinte na floresta. Artariel aproveitou para colher algumas frutas que ele acreditava que seriam úteis.

— Depois da cordilheira da lua — explicou ele, um pouco tímido —, ainda teremos que andar um pouco por I-Illuminis. Precisamos economizar a comida que temos.

Os demais concordaram. Logo, haviam parado para descansar.
Tio Sid não conseguia dormir. Cada ruído provocado pela floresta fazia com que o velho guerreiro pulasse em guarda. Para ele, a qualquer momento poderiam ser atacados por bandidos.
Mal sabia ele, mas a duzentos pés de distância, seguindo pelo oeste, os bandidos que ele temia estavam discutindo sobre como não havia ninguém na floresta e como haviam tantas florestas iguais no reino que, caso se perdessem, não seria possível saber em qual delas se estava.

*

Após um bom descanso, já no meio dia do dia seguinte, finalmente deixaram a proteção das árvores. Todos suspiraram, desanimados.
À frente deles, havia mais uns cinquenta pés de grama verde, que ia escurescendo até tornar-se uma área que estendia-se por dez metros dos pés das Montanhas da Lua, toda esta área sendo cinzenta e morta.

— Hehe. E estamos quase chegando. Têm certeza que não querem voltar?

— Temos. Não chegamos até aqui para largar a estrada agora, não é?

Tio Sid sorriu e assentiu. Um segundo depois, estavam avançando novamente.
A grama ficou para trás muito antes do que desejavam. Quanto mais aproximavam-se das Montanhas da Lua, montes de pedra escura com uma neblina negra que as cercava, mais o ar tornava-se sombrio, frio e pesado. E todos entenderam que aquilo que devastou Illuminis, uma Fenda do Abismo, tinha realmente transformado aquela região em uma zona morta, quase uma extensão dezenas de vezes menos perigosa do próprio Plano das Sombras, Apokris.

— Aconteça o que acontecer — disse Soren —, quero que saibam que estou feliz de ter chegado até aqui com vocês.

— Guarde o discurso para quando voltarmos para a Academia Greyhorn como heróis de Valeran — brincou Herys.

Chegaram às Montanhas da Lua. Tio Sid abriu o mapa novamente.

— Certo… Aparentemente, só precisamos caminhar um pouco para o leste, e estaremos na tal passagem. Afinal, não podemos usar o forte fronteiriço. Eles iriam nos impedir.

Os cavalos que guiavam a carroça estavam claramente desconfortáveis com aquele local. Porém eram animais fortes. A maioria dos cavalos teria simplesmente fugido no instante em que pisaram na terra morta.
“E eles seriam muito mais sábios do que nós”, pensou Tio Sid.
Chegaram ao local indicado pelo mapa. Era uma grande fenda negra que manchava uma das montanhas.
Herys suspirou.

— Odeio cavernas — resmungou ela. — São escuras, frias e é difícil de respirar. Este é mesmo o único caminho?

— De acordo com o mestre Luk e com o mapa dos mercenários — confirmou Soren. — Há menos que Vossa Senhoria deseje ir falar com os soldados do rei. É só seguir para oeste. Vai lá.

— Vá para o inferno, Soren von Dartã.

— É exatamente isso que estamos fazendo — murmurou Tio Sid, forçando os cavalos a avançarem.

Assim que entraram na caverna, puderam vir que o espaço era amplo. Embora escura, fedida e úmida, não era a pior caverna que Tio Sid havia visto em sua longa vida. Era larga, cheia de estalactites e estalagmites. As goteiras produziam um eco desagradável.
Já estavam avançando pela passagem havia uns vinte minutos quando Artariel parou.

— Sinto uma sensação estranha — comentou o elfo.

— Eu também — concordou Soren, olhando ao redor.

— Fiquem quietos — rosnou Tio Sid, puxando lentamente o kopesh para fora da bainha.

— O que foi? — perguntou Lira.

— Quietos! — repetiu Tio Sid. — Estamos sendo observados.

Killian também puxou a espada da bainha. Ajeitou o escudo na mão. Os magos olharam ao redor. Lira e Artariel prepararam os cajados.
Fizeram um círculo, e aguardaram. Por “sorte”, não precisaram aguardar por muito tempo.
A primeira pata foi na direção de Killian, que saltou para o lado, desviando com rapidez. Outra pata atacou Tio Sid, mas o kopesh reluziu e sangue jorrou.
A enorme aranha que aproximava-se recuou na escuridão novamente.

— Herys, luz! — gritou Soren.

A maga elemental conjurou o feitiço [Orbe de Luz] com o dobro da Mana que normalmente gastava, a fim de iluminar a maior área possível.
O orbe de chamas subiu acima do círculo em que estavam, iluminando vários metros da caverna. Olharam para todos os lados, porém não viram a grande criatura.
Lira olhou para cima.

— Espalhem-se! — ordenou a maga mental, no momento em que a grande aranha soltou-se do teto.

Herys moveu a orbe de chamas para que a aranha não apagasse-a ao cair.
Quando a criatura caiu, todos viram suas longas patas, seus olhos vermelhos, presas robustas e pelos negros.
Killian reparou em outra coisa.

— Uma pata está faltando — comentou ele. — O corte foi perfeito.

— Uma arma mágica — constatou Tio Sid. — Seu amigo mercenário já passou por aqui.

Soren disparou um [Dardo Místico] na aranha, que contorceu-se e olhou para ele com seus muitos pares de olhos vermelhos. O garoto criou uma barreira, mas a criatura quebrou-a como se fosse de vidro e atingiu Soren, mandando-o contra um estalagmite.
O mago das trevas bateu com a cabeça e caiu desmaiado no chão.
A aranha voltou-se para os outros humanos. Tio Sid e Killian correram em direções opostas na tentativa de cercar a criatura, mas ela possuía sete patas. Era mais que o suficiente para cuidar deles.
Foi quando Lira murmurou seu feitiço e a criatura passou a ver o dobro de pessoas naquela caverna. Começou a atacar sem parar.
Artariel invocou um corvo. Enquanto Killian e o Tio Sid golpeavam as várias patas da aranha, o corvo atacou um dos olhos da aranha, destruindo-o.
A criatura emitiu um som agudo e começou a bater as patas com força. Herys disparou um raio de chamas na aranha gigante, mas não pareceu produzir efeito nenhum.
A aranha então avançou contra Tio Sid, que esquivou e aplicou dois cortes em sua pata. A criatura sacudiu-se e levantou outra pata, que foi congelada por Herys.
Killian correu para baixo da aranha, cortando várias vezes as patas da criatura. Então Lira disparou um pulso que entortou outra pata da aranha. O escudeiro enfiou a espada na barriga da aranha, e ela cambaleou, caindo para frente.
Tio Sid girou o kopesh e enfiou-o no meio dos muitos olhos da aranha. Ela contorceu-se uma última vez, tremeu e, então, morreu.

— Soren! — exclamou Herys, correndo na direção do garoto e começando a balançá-lo sem parar.

O mago acordou e começou a resmungar coisas sem sentido. Então, pareceu recuperar a consciência e olhou para Herys.

— O-o que… Hã? Onde está aquela…

— A aranha já morreu. Já morreu.

— Eu dormi muito?

— Acho que nem cinco minutos. Mas isso não importa. Consegue andar?

— Não. Vai ter que me carregar.

— Está brincando?

— Hehehe, estou.

O mago das trevas então levantou-se e sorriu.

— Que bom. Vocês resolveram sem mim. Sabe, eu acho que se eu estivesse consciente a luta não duraria dez segundos.

— Depende. Ia apodrecer ela também? — perguntou Herys, sussurrando.

Soren sorriu maldosamente.

— Posso fazer coisas bem mais interessantes do que só apodrecer as coisas.

Herys resolveu não pensar muito no que aquilo queria dizer. Então todos reuniram-se novamente.

— E quando vamos continuar? — perguntou Tio Sid. — Ou alguém me garante que não tem mais nenhuma dessas aranhas aqui dentro?

Enquanto caminhavam, acharam outra aranha, porém esta estava morta e sem nenhuma pata. Todas haviam sido decepadas por uma espada que realizava cortes perfeitos e precisos.

— Talvez esse seu amigo mercenário fosse mesmo um Cavaleiro Santo.

Ninguém comentou.
Saíram da caverna. Passaram pela escuridão e chegaram ao ar livre. Herys constatou, desanimada, que o ar não ficara muito melhor do que na caverna.
Soren deu três passos para frente e caiu no chão, de joelhos, com os olhos lacrimejando. Os outros ficaram sem entender, mas Lira aproximou-se dele e abraçou-o.

— Calma, Soren.

Diante deles, estava o outrora poderoso e rico reino de Illuminis. O céu era de um branco acinzentado, todo o solo era cinzento e morto. As plantas e árvores apodreceram completamente. Era um deserto morto.
Soren pensava em como ela fora no passado. No belo reino com os maiores magos do continente. Começara a se lembrar do que ocorrera anos atrás, quando Casymir Loernvel mandou Arkhim, Igon e todos os outros atacarem Illuminis. Lembrava-se das chamas, do sangue de seus amigos e familiares. Lembrava-se de tudo.
E então, aquilo ocorreu. Uma catástrofe. Uma Fenda do Abismo varreu todo o reino. Mas Soren sempre culparia Casymir.
Lira levantou Soren.

— Você está bem, criança? — perguntou Tio Sid.

— Tsc… Estou. E estarei melhor ainda se continuarmos.

— Quando mesmo devemos encontrar o mestre de magia? — perguntou Sid.

— Nas ruínas.

Entreolharam-se e depois olharam novamente para Soren. Mas o garoto ignorava-os. Importava apenas a terra devastada e desolada à sua frente.
Que fosse daquele jeito, então. Seria em Illuminis. Ali, tudo encerrava. Saíssem eles vivos ou mortos, aquela era a hora.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Hehe, é agora ou nunca. Vitória ou morte kkkkkk



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Valeran - A Ascensão dos Reis" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.