Valeran - A Ascensão dos Reis escrita por Lorde Vallex


Capítulo 1
Capítulo 1 - A Queda de Illuminis


Notas iniciais do capítulo

Hello! Estou aqui com a minha mais nova ideia. A história é ambientada em um mundo de fantasia medieval, com elfos, anões, cavaleiros, magos, anjos, demônios e outras criaturas fantásticas. Espero que gostem da história, conto com o apoio de vocês!

Boa leitura ^^



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Aconteceu sem aviso.
No belo reino de Illuminis — este que recebeu seu nome em homenagem à deusa Illumiony, umas das três divindades primordiais —, um reino pequeno, porém rico e próspero, aquilo aconteceu.
O dia começou como qualquer outro. O céu estava nublado, e alguns imaginaram que a probabilidade de chuva era alta (mas a tempestade não veio em forma de água). A cidade fronteiriça de Astar não via motivos para vigília pesada havia anos, desde que o rei Gilgamesh havia estabelecido a paz com Valeran, o reino humano mais poderoso de todos. Por esse motivo, as crianças ainda brincavam, os pais ainda trabalhavam, e os guardas cantavam canções alegres e jogavam jogos de azar, pois a paz era quase absoluta no reino de Illuminis — mesmo que eles tolerassem a magia negra, ainda assim os crimes quase não existiam.
O dia não apenas começou, como também passou como qualquer outro. As crianças foram para suas casas, os pais voltavam com o dinheiro que conseguiram, e os guardas trocaram novamente a vigília. Aos poucos, as estrelas cobriram o céu agora sem nuvens, e a lua estava cheia, uma lua prateada, bela como nenhuma outra maravilha do reino.
Foi quando aconteceu.
Um guarda que estava pensando no que gastaria o dinheiro em seu bolso logo pôde ver movimentos nas árvores a seiscentos metros da cidade e, do topo da torre de vigia que ficava na muralha de pedra, também pôde ver que a floresta parecia ter se tornado suspeita e sombria. O guarda era jovem, apenas vinte e cinco anos, e não presenciara uma situação tão suspeita em toda a vida.
Ele sabia que deveria chamar outros sentinelas com um grito e, se a situação se agravasse, soar a trombeta duas vezes em notas ascendentes. Ele então preparou-se para gritar, porém o grito não veio. Uma flecha, de ponta com escrituras em línguas estranhas, atravessou-lhe a cota de malha como se fosse papel, atravessando sua garganta. O jovem deu um último suspiro, e morreu.
Os invasores, no entanto, não viram mais motivos para continuar com cautela. Logo veriam eles chegando, até porque não era possível esconder mais de dois mil soldados. Os guardas realmente notaram, e soaram a trombeta. Duas notas ascendentes. Os invasores correram mais rápido. Agora era possível distinguir suas cores.
A maioria usava armaduras de couro, ou cota de malha, e alguns ainda usavam ambas. Armavam-se com escudos redondos de madeira e couro, portando espadas curtas, lanças, maças, machados ou alabardas. Os verdadeiros problemas eram os cavaleiros, cerca de duas dezenas, montados em seus cavalos de batalha, vestindo suas armaduras completas de aço com escrituras em toda a sua extensão, portando escudos de aço circulares e espadas longas também com escrituras. Também portavam poderosas lanças. Pior ainda do que o exército invasor enorme era a bandeira que ostentavam: uma cabeça de dragão vermelho, disparando chamas alaranjadas em seu fundo negro. A bandeira do reino de Valeran, lar dos Cavaleiros Santos e dos magos mais poderosos do mundo — sendo os únicos magos mais poderosos os magos de Illuminis, que agora poucos restavam.
Logo a cidade havia sido sitiada, e a guarda da cidade e os membros do exército uniam-se na muralha e nas entradas da cidade para fortificarem desesperadamente suas defesas.
Era nessa situação que uma determinada família, parentes do marquês que comandava a cidade, se encontrava. O homem vestia cota de malha e uma túnica branca, com uma espada de dupla empunhadura e um elmo fechado. A mulher usava um vestido preto mais simples do que o esperado para alguém com sua nobreza, seus longos cabelos negros como a noite e seus olhos cinzentos expressando preocupação e terror. Ela usava um belo colar, metade de ouro representando o sol, metade de prata representando a lua.
Entre os dois, três jovens. Um era um rapaz de pouco mais de vinte anos, vestido como o pai — com a única diferença sendo a espada longa e escudo em vez da montante do pai —, que agora discutia com o homem.

— Não posso abandonar você! — rosnou o garoto, irritado.

— Sua missão é proteger nossa família, garoto — retrucou o pai. — Eu irei até seu tio, pois ele, como lorde, precisa defender a cidade. Sou o melhor cavaleiro deste lugar, e minha ajuda é indispensável agora. Vá e proteja nossa família. Conto com você, e que Illumiony ilumine vossa trilha.

— Que Illumiony ilumine vossa trilha — devolveu o jovem, triste.

O cavaleiro então montou no cavalo e partiu a galope até o portão principal. O jovem cavaleiro recém armado então olhou para a mãe, logo em seguida olhando para os outros dois.
Um era um garotinho de seis anos, cabelos castanhos escuros e olhos de mesmo tom. Ao lado dele, um garotinho dois anos mais velho, com cabelos negros e olhos cinzentos como a mãe. Ele olhou para o irmão com medo.

— Vyrion, o que faremos?

— Eu guiarei vocês pelo Portal de Amon Rá, e de lá iremos seguir pelo Corte da Senhora até as fronteiras de Elderin. Os elfos nos ajudarão, tenho certeza.

— São léguas de distância até Elderin — disse a mãe. — E temos duas crianças pequenas. Acha que conseguiremos?

— Garantirei que consigam.

— Consigam? — indagou o garoto de cabelos negros.

— Se necessário, minha vida vale menos que a de vocês. — Antes que os protestos começassem, ele prosseguiu olhando para o irmão. — Soren, você está com o livro?

— S-sim.

— Ótimo. Vamos.

Vyrion então seguiu com sua família em direção ao portão, quando um grito foi ouvido.

— ATRAVESSARAM O PORTÃO! VALERANIANOS ESTÃO DENTRO DE ASTAR!!!

O jovem cavaleiro assustou-se, rezando aos deuses que o pai estivesse bem, e então continuou. Foi quando ouviu um cavalo vindo em sua direção, e olhou para trás. As chamas alastravam-se pela cidade, a infantaria de Valeran avançava matando todos no caminho, trespassando com a espada e lança os inimigos, até mesmo os honrados Cavaleiros Santos — afinal, essas eram as ordens do rei. Foi quando Soren, Vyrion e sua família viram um cavaleiro de armadura azul indo até eles. Vyrion mandou eles correrem e preparou-se para lutar, e foi quando seu pai surgiu, também a cavalo, e atravessou o caminho do outro, duelando com o pai de Soren. O homem acertou o cavalo do Cavaleiro Santo, fazendo-o cair. Quando foi retornar para uma investida, o Cavaleiro Santo matou seu cavalo. Ambos agora lutavam no chão.

— Nunca imaginei que um dia lutaria contra Arkhim, o Grão-Mestre mais jovem dos Cavaleiros Dracônicos — comentou o pai dos garotos enquanto lutava.

— Me perdoe por não me importar o suficiente para perguntar seu nome, mas sua espada também é mágica, então espero uma boa luta.

Trocaram golpes violentos com a espada enquanto Vyrion guiava sua família para longe. Ele observou a luta novamente.
Vyrion assustou-se quando o Cavaleiro Santo cortou a espada do pai ao meio, e deu um grito que ecoou pelo lugar quando o cavaleiro cortou a cabeça do pai.
Os portões do palácio do marquês se abriram, e um homem de manto negro irradiando uma aura sombria surgiu. Vyrion olhou enfurecido, enquanto o Necromante caminhava com calma, rodeado de mortos-vivos. Arkhim riu com escárnio e gritou:

— Ryterious, é seu trabalho! Mate o mago negro e continuemos o ataque!

Surgiu então um cavaleiro de armadura prateada, e ele e o necromante se encararam, prontos para a batalha. Vyrion correu, liderando seus familiares enquanto as chamas e a infantaria perseguiam-nos.
Soren chorava silenciosamente, enquanto lembranças de seu amado pai inundavam sua mente como vinho na água, e amaldiçoou o cavaleiro Arkhim de Valeran até estar a cem metros da cidade. Perceberam agora que os campos e pastos também estavam sendo incendiados, e as cinzas e a fumaça erguiam-se no ar, manchando e maculando aquilo que era puro.
Vários soldados da infantaria — que devia abrigar mais de três mil soldados — queimavam o lugar, e Vyrion chamou os familiares por um buraco, como uma trincheira, que passava um pouco abaixo do solo. Corriam com velocidade quando dois soldados caíram na frente deles, prontos para a batalha. Outros dois caíram atrás deles, cercando-os.

— Sinto muito — lamentou sinceramente um deles —, mas estas são as ordens do rei.

— Sua Majestade sempre foi aliada de vosso rei! — rugiu Vyrion, cego de ódio.

— Agora é Casymir que governa, o antigo rei está morto, e seu filho nos ordena que matemos a todos — respondeu outro.

Enfurecido, Vyrion avançou contra o primeiro. As espadas se chocaram e tilintaram, e logo Vyrion duelava com dois ao mesmo tempo. Os outros dois aproximaram-se da mulher e seus dois pequenos filhos.
Vyrion golpeou com habilidade os soldados, não aparentando grande desvantagem mesmo em uma luta de dois contra um. Aparou o golpe do primeiro com a espada e ergueu o escudo para defender-se do segundo, logo em seguida girando a espada e atravessando a garganta do primeiro com a espada.
Enquanto Vyrion lutava com o segundo, a mulher e as crianças viam a aproximação dos outros dois. Quando um deles ergueu o machado, ela moveu-se em surpreendente velocidade, tirou um punhal e fincou na garganta desprotegida do soldado raso. O outro, no entanto, mirou uma estocada com a lança nela, atravessando sua barriga.
A mulher tossiu sangue, deu uma última olhada para os filhos e morreu.
Soren e o irmão gritaram. Quando o outro soldado aproximou-se deles, Vyrion surgiu, matando-o em milésimos de segundo. Quando olhou para o corpo da mãe, lágrimas escorreram de seus olhos. Haviam perdido os pais em um intervalo de alguns minutos. O jovem pegou o colar da mãe murmurando uma oração, e levantou.

— P-precisamos continuar. É um longo caminho até Elderin — esforçou-se para dizer Vyrion. Então, virou-se para os dois irmãos menores e estendeu o colar na direção deles. — Fiquem com isso, para proteger vocês.

Mas não protegeu nossa mãe, era o que todos eles sabiam. Mesmo assim, Soren assentiu, pegando na mão do irmão menor e entregando-lhe o colar. Vyrion não teria tempo para consolar os irmãos, não naquela situação. Após observarem uma explosão de luz e escuridão que ocorreu no centro da cidade, eles prosseguiram.
Andaram por mais de uma hora sem grandes interrupções, ouvindo apenas os gritos, explosões e as chamas. O fogo destruia o feudo, alastrando-se de maneira ininterrupta, devorando plantas, cadáveres e até pessoas vivas — e estas berravam de dor, e seus gritos chegavam aos irmãos como um chicote de espinhos, feito dos rostos de seus conhecidos.
Em dado momento, Soren cerrou os punhos.

— Nunca os perdoarei — murmurou ele, chorando de ódio e tristeza. — Me vingarei de todos eles.

— Soren, nunca é tarde para se vingar — disse Vyrion. — Por ora, devemos nos focar em chegar a Elderin, e permanecer vivos e, que os deuses nos protejam, inteiros.

Soren assentiu, apertando com mais força a mão do irmãozinho, que chorava em silêncio. Nenhum dos Heirdarus costumava chamar atenção em momentos de tristeza.
Soren Heirdarus olhou para o irmão menor e forçou um sorriso.

— Não se preocupe, Helos, nós ficaremos bem. Chegaremos a Elderin, e o Senhor da Floresta nos dará abrigo. Ele era amigo de nosso tio e de nossa mãe, com certeza nos ajudará. E depois, onde iremos, Vyrion?

— Depois de nos salvarmos, nos recuperarmos e reabastecermos nossos suprimentos, acho que partiremos para Mashbal.

— Mashbal? — indagou Helos.

— É um reino um pouco distante, na verdade, bem distante — quem explicou foi Soren, falando de coisa que pessoas da idade dele normalmente não saberiam naquele reino. — Eu li que é um reino que declara seu desgosto pelos valeranianos, então acredito que podem nos dar ajuda.

— Mesmo assim — disse Vyrion —, o caminho até lá é longo, e eu duvido muito que possamos chegar até lá facilmente.

Não falava seus medos, mas os tinha. Era um cavaleiro recém armado, passando por reinos e terras infestadas de monstros, bandidos e outros desafios, na companhia de duas crianças pequenas, uma com um livro que nenhuma raça permitiria a existência.
Seus medos deram lugar a outros quando chegaram à Ponte do Alto Rio. Do outro lado, iniciaria o Corte da Senhora, o caminho que levava à Elderin. Era um rio largo, sendo quase impossível atravessar a nado. O solo que o rodeava era firme, mas Vyrion notou algumas marcas de cascos e pegadas de homens. A única coisa que ainda estava lá era uma ponte que não chegava nem a cinco metros do solo, onde estava amarrado uma canoa.
Que só abrigaria duas pessoas viajando rápido o bastante.
Vyrion então ouviu um galho quebrando atrás de si, e sussurrou para os irmãos:

— Corram para o barco.

Eles obedeceram. Soren, segurando o livro em uma mão e Helos na outra, correu até o barco. Ele atravessou a ponte quando uma flecha em chamas acertou a ponte, começando a queimá-la.

— Seu idiota! — ouviu alguém gritar. — Mire no barco, no barco!

Soren deixou Helos e o livro no barco e passou a desamarrar o barco rapidamente, desesperado ouvindo os gritos e o tumulto atrás de si e o fogo na ponte aumentando.
Quando Soren desamarrou o barco e saltou para ele, pôde finalmente ver o que acontecia. Vyrion lutava sozinho contra nove soldados da infantaria de Valeran, e percebeu que o irmão já matara o arqueiro.
Vyrion rodopiou com a espada, defendendo dois golpes seguidos, rapidamente saltando para trás para evitar um machado. O cavaleiro então acertou no olho o soldado de machado, fazendo-o gritar e se afastar da luta.
O Heirdarus desarmou outro soldado e matou-o com facilidade tremenda, logo em seguida erguendo o escudo para defender-se de outro soldado. Deu um golpe com o escudo no soldado, logo em seguida matando-o com uma estocada.
Outro soldado acertou-o no ombro, e desarmou-o. Vyrion rolou no chão e pegou uma lança de outro soldado que havia matado, e deu golpes rápidos com a lança, desequilibrando o soldado e trespassando sua garganta.
Restavam quatro dispostos a lutar, até que um saiu correndo. O sargento enfureceu-se.

— COVARDE!

Vyrion avançou, eliminando em segundos outro soldado. O sargento e o outro soldado olharam assustados para Vyrion.

— Ele não usa itens mágicos, e mesmo assim matou tantos de nós — disse o soldado. — Ele é tão bom quanto os Cavaleiros Santos!

Vyrion preparou-se para atacar novamente, quando um poderoso machado acertou sua cabeça. O capacete protegeu ele da morte, mas ele ajoelhou-se. Aproveitando a oportunidade, os outros dois investiram contra o cavaleiro desorientado, atacando-o e espetando-o.
O sargento abriu um sorriso arrogante e removeu à força o elmo de Vyrion. Seus cabelos negros e olhos castanhos não tinham mais o antigo brilho.

— Onde está seu Necromante agora, amaldiçoado?

O sargento ergueu a espada e, em um movimento rápido, cortou-lhe a cabeça. Helos gritou, mas Soren não conseguiu pronunciar um único som. A dor e o ódio perante todos os acontecimentos inundavam sua mente, e ele já não sabia o que pensar. O livro largado no meio do barco começou a emanar miasma, uma energia sombria, como uma fumaça negra, que começou a se manifestar.
Foi apenas isso que fez Soren tomar consciência novamente. Ele agarrou o livro e enfiou-o embaixo de um monte de panos e trapos que havia no barco. Quando olhou para Helos, que chorava, também viu ao fundo os soldados agitados. O carrasco de seu irmão dava ordens apressadamente.

— Vamos, vamos! Você, avise Sir Arkhim e Sir Igon que há fugitivos no Corte da Senhora! Vamos dar a volta no rio enquanto os magos não chegam!

E os soldados então saíram correndo rio abaixo, enquanto um deles — o que havia sido acertado no olho, e que acertou o machado em Vyrion momentos antes — corria para levar a mensagem para os Cavaleiros Santos.
Soren pegou um dos remos e forçou a canoa a avançar mais rápido, porém era meio pesado para ele. Mesmo assim, o garotinho tinha que chegar ao Corte da Senhora e, de lá, caminhar até Elderin, o reino dos elfos. Percebera, sombriamente, que teria que chegar sozinho até lá, levando consigo Helos e o livro. As mochilas com alimentos estavam cheias, mas sabia que talvez não houvesse comida suficiente para todo o caminho até Elderin.
“E até onde nos seguirão?”, pensou o garotinho, assustado. “Terei que chegar até a fronteira com Elderin primeiro. Tenho certeza de que não me seguirão lá. Mas até chegar lá, até onde eles caçarão os sobreviventes de Astar?”
Finalmente chegaram à margem oposta. Soren desceu, colocou a mochila nas costas, o livro na mão esquerda e na direita pegou na mão de Helos.

— Vamos conseguir — disse ele ao irmão. — Não nos seguirão no Corte da Senhora.

Helos assentiu, e os dois irmãos seguiram pelo lugar. Era uma floresta cheia, com folhas verdes e belas e troncos largos e resistentes. Cortando a floresta, há o Corte da Senhora, um caminho de terra relativamente estreito que se estende por várias léguas até Elderin.
Soren e Helos ainda eram perseguidos por Valeran, Soren sabia; ouvia-os de vez em quando, gritos distantes e ordens ríspidas. Os irmãos Heirdarus caminharam por dois dias, avançando no máximo duas milhas, até que Helos finalmente caiu no chão, ofegante. Não dormiram quase nada no dia anterior, pois Soren percebera a aproximação de Valeran. O garoto imaginou que não havia cavaleiros com eles, senão já teriam encontrado-os. Quando Helos caiu, mal conseguiu falar.

— Não… consigo… andar…

Soren olhou para ele, sério. Abriu a mochila do irmão e colocou a maioria da comida na mochila dele. Na própria mochila, Soren colocou o livro.
Helos fechou os olhos, mas então sentiu-se ser erguido. Quando percebera, estava nas costas do irmão.

— Temos… que… continuar…

Soren sentia o peso. Não dormira quase nada, caminhara por muito tempo, e agora carregava todos os pesos nas costas. Suas pernas tremiam e fraquejavam. “Eu não vou nos deixar morrer aqui nesse lugar”, jurou ele para si mesmo.
Ouviu um grito, junto de algo cortando o ar, e ouviu Helos berrar. Quando olhou por cima do ombro, seus olhos cinzentos fixaram-se em um arqueiro com o brasão de Valeran na armadura de couro. O arqueiro já puxava outra flecha para fazer companhia àquela cravada nas costas de Helos, esta que havia atravessado a mochila de alimentos.
Soren correu mais desesperadamente do que já o fez em toda a sua vida, enquanto o irmão chorava e, lentamente, deslizava para trás.

— Segure-se! — ralhou Soren, preocupado.

— S-Soren…

Corria quando mais uma flecha acertou Helos, mas desta vez ele não gritou, simplesmente perdeu as forças e escorregou para o chão. Soren então viu uma dúzia de soldados de infantaria surgindo por entre as árvores, aglomerando-se no Corte da Senhora, há mais de setenta metros do garoto. Mesmo assim, ouviu dois gritos seguidos.

— Peguem eles!

— PAREM! O QUE ESTÃO FAZENDO?!

Quem fora responsável pelo último foi um homem a cavalo. Trajava uma armadura de placas completa feita de aço, com escrituras nela e na espada que portava. Por cima, uma túnica com o desenho de uma meia lua preta em fundo branco, e por baixo uma cota de malha de aço. Seu elmo fechado impossibilitava de ver seu rosto, e ele montava um alto cavalo de batalha marrom.
Não era Arkhim, com sua armadura azul, nem o tal “Ryterious” com sua armadura cintilante e bela, mas Soren sabia, havia entendido o que os diferenciava dos demais: era um Cavaleiro Santo. Observando as escrituras, percebeu que era linguagem arcana gravada nas armas e armaduras deles. Cavaleiros Santos usavam itens mágicos. Sabia que a espada do pai era uma espada mágica de 1° nível, que podia decepar membros desprotegidos em cortes perfeitos. Se a de Arkhim quebrou-a, a espada dos Cavaleiros Santos eram ainda mais fortes.
“Provavelmente podem rasgar armaduras de aço sem problemas. Se ele me atingir com aquilo, estou morto”, analisou Soren. Só então percebeu que o Cavaleiro Santo colocou-se entre ele e os soldados.

— São só crianças!

— As ordens de Sua Majestade são claras: não devemos poupar ninguém. Sejam homens, mulheres, idosos ou crianças, devemos matar todos — retrucou um dos soldados. — Você sabe que o rei Casymir é completamente contra a magia negra, e aqui neste maldito reino, que cultua principalmente a deusa da luz, eles consideram até necromancia aceitável! Não podemos tolerar tal ato!

Enquanto o Cavaleiro Santo discutia com os soldados, Soren Heirdarus pegou o irmão morto e tornou a correr. Ouviu a agitação às suas costas, mas continuou correndo sem olhar para trás. Quando achou um ramo que saía da estrada, tomou sem hesitar aquele caminho.
Achou um tipo de proteção, semelhante a uma caverna, porém pequena, e escondeu-se embaixo dela. Via as vinhas e a grama no teto da entrada. O garoto então deitou o irmão ali e sorriu para ele, mas o sorriso morreu quando viu o garotinho.
Helos estava pálido, seus olhos vidrados. Sangue escorria de sua boca, bem como de seu peito e de seu ombro. E ele já não respirava mais.

— Helos! — desesperou-se Soren, sacundindo o irmão. — HELOS! Acorda! Acorda logo! N… Não me abandone… — Lágrimas começavam a se formar em seus olhos. — Não me… m-me deixe aqui sozinho. P-por favor… Illumiony, Hirunorn, Shai'nur, qualquer um… se puderem me ouvir, por favor, eu faço o que vocês quiserem, mas não deixem meu irmão morrer.

As lágrimas já molhavam todo o seu rosto, enquanto lembranças dos últimos dias manchavam sua mente.

— Mãe, pai, Vyrion, H-Helos… por favor, isso não é justo… e-ele ainda tem a vida toda pela frente. Por favor… ME LEVEM NO LUGAR DELE! SE PUDEREM ME OUVIR, EU FAÇO QUALQUER COISA!!!

Agora abraçava com força o cadáver do irmãozinho, e deixava que as lágrimas silenciosamente fluíssem. Voltara a pedir para os deuses que não permitissem a morte de seu último familiar, mas não houve resposta.
Quando conseguiu se mexer novamente, ainda chorando, retirou cuidadosamente o colar da mãe do pescoço de Helos. Ele então encarou o irmão morto novamente, e sentou-se ao seu lado, abraçando os joelhos. O livro na sua mochila agora quase pulsava, enquanto o miasma era liberado lentamente.
“Valeran… Eu vou me vingar de vocês…”
Passaram alguns minutos quando ouviu o som de cascos se aproximando, mas já não se importava. Que o achassem.
Um cavalo parou na entrada de seu esconderijo, e seu cavaleiro desmontou. O Cavaleiro Santo que atrasou os soldados entrou no local, olhando o corpo do pequeno Helos. Ele retirou o elmo.
Tratava-se de um homem, mais de trinta anos, sem dúvida, com um rosto cansado, porém gentil. Seus longos cabelos castanhos eram presos em um rabo de cavalo, e sua barba emoldurava perfeitamente seu rosto. Também tinha uma cicatriz que começava na testa, cortava a metade do nariz e terminava na bochecha direita. Seus olhos eram verdes, e olharam com pena e solidariedade para Soren.
Ele nada disse de início, apenas observou Soren fitá-lo com ódio nos olhos. Aos poucos, quando a emoção dava lugar à razão, Soren perguntou:

— Você veio até aqui para me matar, como fizeram com toda a minha família e com a cidade de meu tio?

O Cavaleiro Santo teve a confirmação de que o garoto era sobrinho do marquês, mas aquilo já não importava. Ele sentou-se em frente ao garotinho, desembainhou a espada e colocou-a a um canto distante. Soren encarou-o por breves instantes.

— O que você quer?

— Quero ajudá-lo.

— Me… ajudar?

— Nunca fui a favor do que viemos fazer aqui — suspirou o Cavaleiro Santo. — Servi fielmente o rei anterior, um homem justo e respeitável. O filho mais novo dele, Casymir Loernvel, tinha contatos com poderosos nobres, e quando o antigo rei morreu (algo que suspeitam ter sido obra do próprio Casymir), ele assumiu o trono. Agora estabeleceu-se o reinado dele, e agora Casymir marcha para destruir reinos que possam ser ameaçados por ele.

— E como planeja me ajudar? Eu nem sei seu nome!

— Sou Roderik von Dartã, e desejo levá-lo comigo.

— Tenho que ir a Elderin! — retrucou Soren, furioso. — O Senhor dos Elfos era amigo do meu tio e da minha mãe!

— E certamente te acolheria até a tempestade passar, mas não pode esperar que ele te deixe ficar lá para sempre. Você é um humano.

— Irei a Mashbal.

— Mashbal é o próximo alvo de Casymir. Além disso, você é uma criança, não poderia atravessar o território.

Soren, aos poucos, se dava conta da dura verdade naquelas palavras. Não podia prosseguir com o plano, não agora que estava sozinho. Sem emoção, encarou Helos, mas fez a pergunta a Roderik.

— E para onde planeja me levar?

— Para meu feudo, Dartã, em Valeran.

Soren encarou-o, cético.

— Planeja me levar para a execução, ou prefere que eu viva em harmonia com aqueles que mataram minha família, queimaram meu lar e me roubaram a esperança?

— É o único jeito. Posso acolher-te como meu protegido. O conde a quem presto vassalagem é um bom homem e um velho amigo da família, e o duque que governa a todos no sul de Valeran é um dos poucos nobres decentes que restaram. Posso acolher-te como protegido, tenho certeza que Dovan pode convencer Casymir. Afinal, você é só um escravo vagabundo de quem eu me apiedei.

Soren olhou de olhos arregalados para Roderik.

— O que você disse?!

— Casymir nunca aceitará manter vivo um sobrevivente de Astar, principalmente com parentesco com um dos nobres poderosos de Illuminis. Este é o reino que ele mais despreza.

— Por quê?! SEMPRE FOMOS ALIADOS DA SUA MALDITA VALERAN!

— Vocês toleram magia negra, e também são o segundo reino humano mais poderoso. Ele despreza vocês pelo primeiro e teme pelo segundo, e por isso vos atacou.

— E por que salvar apenas a mim?! Devem haver outras pessoas precisando de proteção!

Sir Roderik adotou um ar triste. Ele baixou os olhos para o chão.

— Garoto… você foi o único que sobreviveu. Menos de vinte pessoas escaparam do cerco a Astar, e todas foram capturadas e mortas. Seu irmão conseguiu garantir que você chegasse até o Corte da Senhora, e fomos informados disso. Consegui convencê-los de que eu seria suficiente para persegui-los. Agora, você é o último sobrevivente de Astar. Em breve, os exércitos principais de Casymir vão atacar as outras fronteiras de Illuminis até cercar o Palácio do Pôr do Sol, e então Illuminis cairá. Vocês têm poder, mas seu território é pequeno. Seu Necromante foi morto por Cavaleiros Santos e pelo nosso arquimago. Acabou, Illuminis está perdida.

Soren ouviu aquilo como se tivessem atravessado-lhe com uma lança. Olhou assustado para Roderik, e o cavaleiro encarou-o com seriedade.

— Sua única chance é vir comigo. Quando chegarmos a Dartã, você estará a salvo.

Soren olhou para Helos, para o colar em seu pescoço e, finalmente, para o Cavaleiro Santo. Se quisesse matá-lo, Soren sabia que já o teria feito. O garoto estava hesitando, mas já não lhe restavam outras opções.
Passado um minuto, que pareceu uma hora para ele, Soren se pronunciou:

— Eu vou com você. Mas… eu quero enterrá-lo primeiro.

Roderik assentiu.
Levaram o corpo de Helos para o meio da floresta. Lá, Roderik posicionou-o no meio de uma clareira, onde Soren e o valeraniano abriram uma cova para ele. Após enterrarem Helos com uma flor vermelha sobre o peito, simbolizando a passagem para Cymerida, a terra sagrada para onde os mortos de boa índole vão após a morte, caso não estejam filiados diretamente a nenhuma divindade.
Por um momento, Soren se entristeceu. “Helos e a mãe vão para Cymerida, enquanto Vyrion e o pai vão para os braços de Aoranus, o deus da guerra”, pensava ele. “Se eu trilhar o caminho que minha tia queria quando me deu o livro, eu acabarei em Apokris, vagando eternamente no Vale de Kenpoteion como uma alma atormentada.”
Então, Soren enterrou Helos. Pediu a espada de Roderik emprestada e fincou-a no solo, um metro de distância da cova de Helos, e recitou as palavras que as crianças de Illuminis aprendiam desde cedo:

— Juro em nome dos deuses e dos dragões, de anjos e demônios, que vossa alma descansará em paz. Helos, que vosso nome nunca seja esquecido, que você caminhe em meio aos grandes heróis que foram os nossos antepassados. Que os deuses te protejam enquanto caminhas para a longa estrada, pois a morte não é o fim, mas sim o início.

Roderik prestou uma reverência. Soren retirou a espada do solo e devolveu-a ao cavaleiro. Agora com o livro em uma mochila e uma quantidade menor de alimento em outra, ele seguiu o Cavaleiro Santo em direção ao seu futuro.

 


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Notas finais do capítulo

Este foi o início, tendo como foco acontecimentos de sete anos atrás. Este capítulo contém o passado do personagem Soren Heirdarus. Espero que tenham gostado.



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