Mirtilo escrita por OmegaKim


Capítulo 6
V - Um pedaço da minha dor




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O envelope estava sobre o seu travesseiro quando chegou da escola naquele dia. Era de um amarelo pálido, grosso e tinha o nome da escola interna para qual tinha se inscrito no remetente. Sentiu o seu coração saltar em expectativa. Queria abrir aquele envelope de uma vez, mas não o fez. Na verdade, apenas sentou-se na beira da sua cama e ficou segurando-o, lendo repetidamente o nome da escola francesa. Colégio tradicional interno para ômegas — a maior arma é a educação. Parecia um lema bobo para quem via de longe, mas Minseok tinha lido sobre as matérias que eles ofereciam, sobre os programas e sobre a didática.

Era um colégio francês fundado em 1908 especialmente para ômegas de todo o mundo e tinha como intuito preservar a natureza dos ômegas, além de ensina-lhes a se defender, tudo isso sem perder a classe. Já que bons modos era o que a diretora do lugar prezava.

Ele não sabia ao certo porque queria ir pra lá, mas talvez fosse por causa da França ou por causa do modo como todos pareciam bonitos com aqueles uniformes, mas definitivamente, queria ir para lá. No começo só queria uma maneira de fugir de Jongdae, tinha que admitir, mas depois quando começou a ler sobre o lugar, gostou tanto que acabou se inscrevendo por si mesmo. E agora quando a resposta havia chegado, não sabia se queria saber.

Coisa que era bem idiota.

Respirou fundo e começou a rasgar a lateral do envelope, retirou o papel de dentro e começou a ler. Seus olhos se arregalaram e quando deu por si, estava correndo até o jardim — onde tinha visto o pai — gritando como um maluco com o papel balançando na mão, afinal tinha passado na seleção.

E nos segundos que se seguiram foi uma gritaria só, seja por sua causa ou por causa dos seus familiares. Quem enlouqueceu mais foi seu pai ômega, que praticamente andou por aí com um alto-falante dizendo como seu filhote iria para a França estudar na melhor escola para ômegas do mundo.

Heechul, foi o mais tranquilo ao se limitar em abraça-lo e enche-lo de beijos e depois dizer que iria cozinhar a sobremesa predileta do filhote adotivo enquanto Ryeowook se encarregou do almoço.

Kyungsoo tinha ficado bem feliz também, pois sorria bastante assim como Junmeyon, mas Minseok sabia que eles não estavam tão felizes assim.

— O que aconteceu? — resolveu perguntar aos irmãos.

— Não é que eu não esteja feliz por você, mas é que nunca nos separamos em dezesseis anos. — Kyungsoo respondeu quando estavam os três no quarto de Junmeyon.

O alfa se encontrava deitado no tapete felpudo no meio do quarto espaçoso.

— Talvez estejamos sendo um pouco egoístas, mas torcemos para você não passar na seleção. — o alfa confessou.

— Eu não acredito. — Minseok soltou surpreso.

— Rezamos para a Grande Mãe e tudo. — o de olhos grandes confessou. — Junmyeon até acendeu velas — o alfa assentiu quando os olhos de Minseok o encontraram.

— Vocês não prestam. — disse rindo e os outros dois riram também.

***

Havia um corte sangrento na bochecha esquerda de Baekhyun além de um corte no lábio superior, que ardia todas as vezes que ele bebia alguma coisa. O seu corpo estava jogado no tatame da sala de treino, as mãos enfaixadas e o cabelo escuro colado na testa de tanto suor enquanto acima de si, o lobo-mestre estava de pé. Os braços cruzados e o rosto muito sério.

Kangin era sempre assim, mas por dentro costumava ser um doce. Baekhyun o tinha visto cozinhar um dia desses, cortava os legumes tão delicadamente que o alfa se perguntou como diabos aquele beta podia ser o mesmo que lhe ensinava combate corpo a corpo. Realmente aquela imagem não combinava com esse homem de bíceps evidentes.

— Já chega. — sua voz chegou até os ouvidos do menor, o alertando sobre o final do treino.

— Qual é. — reclamou ficando de pé o mais rápido que podia e logo sentindo a bochecha e sua barriga latejar, onde havia levado socos. — Ainda não estou cansado.

— Mas está distraído. — rebateu. — Vá para o chuveiro e descanse. Nada de treino para você no resto do dia. — demandou, os olhos muito sérios.

— Kangin. — chamou, não sentindo vontade alguma de acatar aquela ordem e abandonar aquele lugar.

— Eu disse não, Baekhyun. E é melhor você me obedecer — dessa vez ameaçou e o alfa deu um passo para trás, pois sabia que ainda não era capaz de vencer uma luta contra esse homem.

— Tudo bem, tudo bem. Eu me rendo. — levantou as mãos enfaixadas em sinal de rendimento e começou a ir em direção ao vestiário e por isso não viu quando seu treinador balançou a cabeça em negação.

Aquele garoto era tão esforçado, que as vezes chegava a ser insano. Já o virá lutando com lobos bem mais fortes do que si, apenas pelo prazer de tentar como se assim pudesse provar alguma coisa. Não podia provar coisa nenhuma, pois sempre terminava no chão do tatame, sangrando e dizendo que podia aguentar mais. Sempre podia aguentar mais, não é? O treinador costumava pensar amargo, porque reconhecia aquele comportamento. Era o comportamento que costumava ter quando era mais novo, quando queria impressionar o seu pai e por isso sempre ia além do que podia aguentar, do jeito que Baekhyun estava fazendo.

Kangin sabia que Siwon, o líder da alcateia Byun, pressionava muito os filhos e fazia isso, principalmente com Baekhyun por ele ser o primeiro, filho da sua primeira esposa. O treinador lembrava bem do rosto da mãe do Byun. Ela era tão pequena, tão frágil e tinha chegado no clã tão assustada. Viera de uma pequena aldeia na China, era uma Park antes de ser comprada pelo Byun. Ainda era muito nova quando engravidou, quinze anos mais ou menos. Lembrava-se dessa gravidez, mesmo que não passasse de uma criancinha na época, pois a ômega gostava da sua companhia.

Tinha lembranças doces dela. O seu sorriso tímido, o toque suave dos seus dedos nos seus cabelos e o modo como ela acariciava a sua barriga de gestante, deixando claro o quanto amava aquele bebê. Mas pelo que sabia, a criança não vingou. Nasceu morta por algum motivo e só dois anos depois, foi que ela engravidou novamente e dessa vez, Baekhyun nasceu, mas ela só tinha dezessete anos e por isso seu corpo de ômega não estava pronto para uma gravidez e no parto, acabou não resistindo e morrendo por causa de um sangramento. Ou pelo menos era essa a história que corria pelo Clã.

Porque a história verdadeira, a história que todos eles odiavam era como a garota não tinha aguentado ter um filho com a pessoa que a mantia prisioneira e por isso, quando a criança nasceu, ela se afogou no pequeno lago que havia nos fundos da propriedade Byun. Se matou porque não podia mais suportar olhar para a criança que era o fruto de toda aquela solidão e dor. Era por isso que o garoto não gostava que comemorassem seu aniversário, fazia-o lembrar da mãe morta. No entanto, havia outra história... uma história sombria que ninguém gostava de contar, sobre como ela se apaixonou por um Kim.

No entanto, não valia a pena revirar essa história. Assim como não valia a pena revirar nenhuma das histórias que havia por trás do nome Byun.

Quando Baekhyun saiu do banho, o corte na sua bochecha não estava mais sangrando e o corte no lábio não parecia tão ruim. Procurou com os olhos o professor de luta, mas não o encontrou. Devia ter ido cozinhar alguma coisa, pensou. Então se limitou a ir em direção a saída. Ia trocar de roupa e ficar apresentável para o jantar daquela noite com os sócios do seu pai na empresa.

Ele sabia que pai estava planejando alguma coisa naquele jantar. Provavelmente o fosse prometer a alguma garota humana, filha de um dos seus sócios humanos, mas duvidava muito que fosse isso quando os sócios do seu pai não se comparavam aos sócios que tinha com outros clãs. Siwon ganharia mais se casasse Baekhyun com o herdeiro ou herdeira de um Clã poderoso.

O moreno sabia que o grande sonho do pai era encontrar um Lu. Os delicados e mortíferos Lu’s, que ninguém sabia se ainda viviam ou não. Era apenas que depois da última grande guerra entre os clãs, os Lu’s tinham sido o clã mais devastado. Sabia-se que maioria dos alfas tinham morrido junto com betas e a população que sobrara eram ômegas, que tornava impossível demais que eles tivessem sobrevivido mais do que alguns anos, pois ômegas não sabiam liderar. Eles serviam para seguir e se não havia quem seguir, eles deviam ter morrido.

Bom, pelo menos essa era a lógica certa. No entanto, os ômegas Lu’s de alguma forma se organizaram e começaram a desaparecer. Em parte porque maioria dos clãs que estavam dispostos a ajuda-los, estavam apenas interessados em se aproveitar dos corpos dos ômegas por tempo indeterminado e diante disso, eles simplesmente sumiram.

Os livros de história não diziam muito sobre eles. Falavam apenas sobre a beleza dos ômegas Lu’s e do modo como eram estrategistas, mestres em armadilhas e conhecimento de ervas — como os Kim’s e os Park’s, sendo esse último ótimos em combate corpo a corpo — e era esse conhecimento em ervas que os tornava tão mortíferos, pois eram mestres em venenos. Baekhyun tinha curiosidade em conhecer um Lu e comprovar isso, mas parecia impossível quando todas as pistas apontavam para a extinção deles.

Ao chegar no seu quarto, encontrou o seu terno disposto sobre a cama e acabou sorrindo. Seu omma Donghae sempre o ajudando. Retirou as suas roupas e vestiu-as devagar, porque agora que tinha saído da sala de treino e a adrenalina estava abandonando o seu corpo, começava a sentir as dores dos golpes que tinha recebido de Kangin.

Colocou o paletó com cuidado e penteou o cabelo para o lado com os dedos, só então desceu. Encontrou o irmão mais novo sentado no sofá da grande sala, seu omma ajeitando-lhe a gola do terno e depois alisando o seu cabelo, fazendo os fios ficarem no lugar. Donghae era assim o tempo inteiro, sempre cuidando de todos até mesmo de Siwon, que era quem menos merecia qualquer coisa do ômega.

Quando viu o alfa, deixou Chanyeol de lado e foi até o filho mais velho, começou a alisar o paletó, desamassando onde podia e depois tentou arrumar o seu cabelo escuro.

— Por que não penteou o cabelo, Baekhyun? — perguntou suavemente. — Parece tão desleixado assim. — então segurou o rosto do alfa e beijou-lhe as bochechas. — Mas continua bonito. — sorriu.

— Sempre sou bonito, omma. — o moreno disse revirando os olhos e Chanyeol se apressou em dizer:

— Menos quando acorda às cinco da manhã. — comentou e começou a rir.

Recebeu um olhar irritado do irmão mais velho e se calou.

— Está machucado, Baekkie. — o pai disse, segurando-lhe o rosto e analisando os cortes na bochecha e lábio. — Venha, vou fazer um curativo. — segurou-o pela mão e começou a leva-lo em direção a cozinha, sendo seguido por Chanyeol.

— Omma... — o menor resmungou depois que entrou na cozinha, abriu a geladeira e procurou alguma coisa. — onde está o bolo que me prometeu?

— Depois do jantar, Chanyeol. — falou e pegou a caixinha de primeiros socorros e começou a limpar a ferida no rosto do filho mais velho.

Chanyeol bufou e saiu da cozinha, fazendo Baekhyun revirar os olhos com a atitude infantil do irmão. Mas não podia culpa-lo, afinal o lobo só tinha quinze anos de idade, ainda era um filhote perto de tantos outros mesmo que fosse apenas um ano mais novo que Baekhyun.

— Preciso que me diga uma coisa — o pai começou, olhando bem nos olhos do filho. — Com quem Chanyeol anda se encontrando?

Baekhyun engoliu em seco. Não achava que o alfa estivesse sendo tão desleixado ao ponto de o seu pai ômega perceber que ele estava saindo com alguém. Mas ele sabia que o irmão era assim mesmo, focava a sua atenção em algo e esquecia de todo o resto e no momento, estava focado demais em Kyungsoo para olhar para qualquer lugar. No entanto, não era como se o alfa pudesse culpa-lo. Kyungsoo era uma força avassaladora com aqueles olhos grandes e os lábios cheios e o cheiro que ele exalava... aquele cheiro floral... Bom, não era como se ele pudesse mesmo culpar o irmão.

Mas havia um problema, um único problema. Kyungsoo era um Kim e ser um Kim perto de um Byun não era algo tão bom assim. Tudo bem, que cada Clã tinha a sua belíssima história para se orgulhar, porém havia a história ruim que ninguém gostava de contar e era essa história, que impedia que Kim Kyungsoo fosse um nome pronunciável naquela casa.

— Por favor, não minta. — Donghae continuou quando percebeu o olhar do filho vacilar.

— Ele está. — confessou baixo e o ômega sorriu.

— E como ele é? Eu o conheço? — se animou, sempre era animado e por isso era realmente impossível ficar com raiva dele.

— Ele é um Kim. — resolveu contar tudo de uma vez, esperava que o pai colocasse algum juízo na cabeça do irmão antes que tudo piorasse. Ou melhor, antes que Siwon soubesse.

O ômega parou o que estava fazendo, tinha terminado o curativo e por isso se ocupou em guardar tudo.

— Um Kim? — soltou baixo, temia não ter escutado direito.

— Kim Kyungsoo. — completou o nome do ômega.

— O filho do líder. — reconheceu o nome e soltou um suspiro. — Eles se gostam?

— Acho que sim. — não sabia ao certo, porque nunca conversava com Kyungsoo sobre Chanyeol enquanto o outro sempre tinha os olhos brilhando quando falava do menor.

— Parece que estou tendo um dejavú. — comentou e sorriu triste, levantando o rosto e fitando o jovem alfa com olhos tristes.

Baekhyun sabia do que ele estava falando. Era a velha mancha que interligava os Kim’s com os Byun’s, a velha história dolorosa que tinha os conduzido até aqui. Era a velha história da sua mãe.

Ninguém falava sobre isso, nem mesmo na época que aconteceu ninguém nunca falou sobre isso e mesmo hoje, as pessoas tinham simplesmente esquecido. Acreditavam nas palavras que estavam nos livros de história, sobre como a mãe de Baekhyun morreu ao dar à luz ao primeiro herdeiro do Clã Byun. Era apenas isso, nunca contavam sobre como ela era uma Park antes, sobre como só tinha quinze anos quando engravidou e sobre como ela odiava tanto essa vida que tentou se matar... Ninguém escreveu naquele livro sobre a linhagem Byun, que Donghae não tinha tido nem o primeiro cio quando se casou com Siwon, sobre como era criança demais para entender sobre os pormenores de um cárcere privado.

Mas mesmo assim Baekhyun sabia sobre o romance que a mãe tivera com um Kim e de como tentou fugir com ele, sabia sobre a criança morta — o primeiro filho que tivera, seu irmão morto. O primeiro filho que ela tivera antes que Baekhyun nascesse. Ele sabia como não era o único e que por isso o seu pai o odiava tanto, pois todas as vezes que olhava para si era capaz de ver a imagem da mãe. Ele era o lembrete do que o alfa nunca teve.

Baekhyun não era mais do que um bebê de colo quando a mãe se afogou naquele lago nos fundos da propriedade. Ela nem tinha vinte anos quando o abandonou e de alguma forma, o alfa sabia que a culpa era sua, porque sua mãe era obrigada a olhá-lo todos os dias, era confrontada todos os dias com a certeza de que não tinha saída alguma. Era por isso que odiava tanto o seu aniversário, acreditava de alguma forma que se não tivesse nascido, ela poderia ter fugido e sido feliz com aquele Kim.

— Não deixe Siwon saber, tudo bem? — segurou-lhe o rosto e deixou um beijo na bochecha boa. — Vamos proteger Chanyeol.

Baekhyun assentiu. Ia proteger o irmão e ia proteger Kyungsoo também, não queria que uma tragédia acontecesse novamente. Dessa vez, não queria mortes.


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