Mirtilo escrita por OmegaKim


Capítulo 55
XXII - Esse sentimento que é só seu (parte I)


Notas iniciais do capítulo

Tive que dividir de novo



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Junmyeon passou pela porta do seu escritório com fúria estampada no rosto, levou as mãos até a gravata que usava e tirou-a com brutalidade apenas para fazer o mesmo com o paletó cinzento. Atirou-os sobre a mesa do seu escritório e só então, fechou a porta. Chutou-a com força de modo que o som que saiu dali assustasse quem o seguia. Espalmou as mãos na superfície da mesa e fechou os olhos, respirou fundo.

Sentia seus músculos formigando em raiva, tanta que nem mesmo percebia a forma como seu cabelo escuro grudava-se no lado direito da sua cabeça. O sangue havia se coagulado ali da mesma forma como se coagulara no canto da boca, no corte feio na costela e sobrancelha. Sentiria os efeitos mais tarde, mas naquele momento, só conseguia perceber a forma como seu corpo estava quente, a pele suada e o sangue rugindo nos seus ouvidos.

Byun Siwon estragara tudo, pensou. No momento em que contestou sua decisão, estragar tudo. E quando o mesmo avançou em si ao tentar proteger um lobo traidor de sangue, só enterrara de vez qualquer chance de Byun’s e Kim’s terem algo mais do que desconfiança um para com o outro. Bufou e voltou a abrir os olhos, afastou-se da mesa e fitou a cadeira, quis se aproximar e sentar, descansar a mente daquela bagunça que estava lá fora.

Ainda podia escutar os uivos dos lobos, os rosnados e os gritos de protesto contra Siwon e si mesmo. Estava tudo perdido, se deu conta. O estômago se revirou em um nervosismo que não deveria estar ali, pois nem ao menos deveria ter terminado daquela forma. Kim Jongdae deveria estar morto, seu corpo deveria ser descartado no dia seguinte e tudo estaria nos trilhos, os seus lobos poderiam apaziguar-se diante da decisão do seu líder, afinal Junmyeon teria mostrado como podia ser um líder firme em suas decisões e que não tolerava rebeldes no clã. No entanto, Siwon arruinara isso, o reduzira a um alfa fraco qualquer, que não tinha sua palavra respeitada.

Aproximou-se das gavetas na mesa e procurou o maço de cigarro. Não era de fumar exatamente, mas havia tido sua parcela de experimentação na adolescência. Escondido dos pais ou de qualquer pessoa. Deixou o cigarro antes que virasse costume, contudo, em momentos de extremo estresse como aquele, se pegava querendo um cigarro, desejando a nicotina e o gosto amargo na língua. Por isso, não foi surpresa para si quando terminou encostado ao lado da porta com um cigarro preso entre os lábios, os olhos fechados enquanto tragava.

A sensação de calmaria demorou para vir, mas quando tomou conta do seu corpo. Devagar, Junmyeon sentiu como se seus pensamentos começassem a clarear. A nicotina fazia aquilo, pensou, afastava a agitação. Já não se sentia tão quente de raiva e o sangue rugindo nos seus ouvidos diminuiu o suficiente para que conseguisse pensar com clareza, avaliar o estrago e procurar soluções. Encostou a parte de trás da cabeça na parede apenas para se deixar deslizar até o chão.

Sentou-se com as pernas esticadas e começou a sentir os primeiros sinais de dor pelo corpo. Começou na cabeça, latejando vagarosamente no mesmo ritmo que o coração. A dor desceu até sua costela e quando abriu a camisa para verificar o que havia de errado, encontrou cortes causados por garras. O sangue havia parado de sair ali, manchara a lateral da sua camisa, mas estava longe de morrer por algum tipo de hemorragia. Levou a mão até a cabeça, procurou a fonte da dor e quando a encontrou, suspirou apenas para acender outro cigarro no minuto seguinte.

Aquele deveria ser o pior dia da sua vida. Soprou a fumaça para longe e quis dormir. Não sabia se a culpa era da pancada na cabeça ou do cigarro, quem sabe dos dois. Ou, quem sabe, era o cansaço aparecendo depois de tanto tempo negligenciando seu corpo. Quase sorriu com essa constatação, quase.

A porta se abriu num rompante urgente demais para ser ignorado, mas Junmyeon não se importava mais. Até o fim daquele dia algum lobo o desafiaria para um duelo e nas condições que se encontrava, duvidava muito que ganhasse. Contudo, ainda assim ergueu o rosto para fitar a pessoa que entrava. Era Byun Baekhyun quase tão machucado quanto si próprio e com isso, Junmyeon riu.

Apesar da bagunça causada por Siwon, Junmyeon não achava que Baekhyun tinha alguma participação naquilo, simplesmente porque o Kim tinha certeza que o outro tinha conhecimento sobre o quanto aquele julgamento era importante para o seu casamento e se ele gostava tanto de Minseok quanto deixava transparecer, não tomaria o partido do seu pai.

— Nós precisamos conversar. — Baekhyun ditou, firme.

O rosto estava manchado em sangue seco, o cabelo bagunçado e sujo de terra, a camisa rasgada em muitos lugares e de baixo, Junmyeon conseguia ver mais sangue seco na pele do Byun denunciando mais ferimentos. Contudo, mesmo parecendo manco, Baekhyun ainda se portava como se não estivesse sentindo dor alguma. Seu queixo estava firme apesar do arroxeado que se propagava na têmpora esquerda e o lábio superior partido não o deixava mais atraente.

— Você está péssimo. — Junmyeon disse e voltou a tragar seu cigarro, não estava no clima para ter conversas burocráticas com Baekhyun.

— Eu sei que não é o melhor momento... — Baekhyun começou ignorando o comentário do outro.

— Se sabe disso, então por que está aqui? — o Kim lançou-lhe um olhar irritado. — Volte em outro momento. — demandou ao mesmo tempo que apagava o cigarro no chão ao seu lado e então, ficava de pé.

— Junmeyon, eu sinto muito pelo que aconteceu. — o alfa se desculpou. — Meu pai não deveria ter agido daquela forma.

— Ao menos um de vocês é sensato. — sua fala estava ácida o suficiente para que o Byun começasse a se sentir envergonhado. — O que seu pai estava pensando? Agora estou de mãos atadas. — apoiou-se na mesa, cruzou os braços e fitou o moreno.

— O que vai fazer? — questionou um tanto desconfiado demais.

— O que acha? — devolveu irritado. — Vou acabar com isso.

Baekhyun franzio a testa em confusão, mas logo sua expressão estava clareando ao entender o que aconteceria. Junmyeon terminaria a aliança Byun-Kim. E por mais surpreso que estivesse com a revelação, não pôde deixar de perceber que era o mais certo a se fazer naquele momento. Ambos haviam se tornado líderes sem credibilidade e estava mais do que claro o quanto Byun’s e Kim’s não conseguiam trabalhar em conjunto. A interferência do seu pai no julgamento só serviu para acentuar isso. Contudo, terminar a aliança, significava interromper seu casamento com Minseok.

— Isso não é precipitado? — a voz tremeu de uma forma que o Byun não estava esperando.

Junmyeon ergueu a sobrancelha na sua direção, os lábios se comprimiram e mais um suspiro escapou por eles. Quis erguer a mão e leva-la aos cabelos, mas desistiu ao sentir uma pontada de dor na cabeça. Precisava colocar gelo naquilo, se deu conta. Tentou fitar os olhos do Byun, mas este os desviou de si, acuado de uma forma que Junmyeon nunca tinha visto, todavia bem sabia porquê. Terminar uma aliança significava cortar os laços, significava que eles estariam de volta ao começo com Byun’s e Kim’s sendo apenas desconhecidos, sem nenhuma amizade.

No entanto, quebrar o contrato de boa vizinhança, também significava que o casamento de Baekhyun com Minseok não valia de nada. O papel perdia seu valor, as alianças em seus dedos se tornariam apenas anéis sem qualquer peso burocrático. Ambos estariam livres daquela vida forçada de casados, Minseok poderia voltar a ser apenas um Kim e Baekhyun poderia procurar um Ômega Principal de seu interesse. Contudo, chegar nessa conclusão era fácil, o real problema residia em Kyungsoo.

O bebê que seu irmão mais novo carregava tinha sangue Byun e com a quebra da aliança, Kyungsoo não poderia se casar com Chanyeol sem causar uma bagunça ainda maior e a criança não poderia ser registrada no nome do irmão de Baekhyun. O filhote seria nada mais que um bastardo. Pensar nisso deixava o líder Kim preocupado, mas não o fazia querer voltar atrás, pois essa era a única maneira de apaziguar seus lobos. Com essa decisão, poderia se reafirmar como o líder que não se deixa ser passado para trás.

— Consegue pensar em algo melhor? — Junmyeon questionou em um tom sério.

Baekhyun o fitou, mordeu a parte interna da bochecha, mas não conseguiu encontrar nenhuma maneira de refutar o que o Kim lhe propunha. Seria melhor para todos se acabassem com aquela aliança logo enquanto, ao menos, Baekhyun ainda tinha alguma dignidade. Poderia falar em público, um discurso de desculpas antes que Junmyeon desse o contrato como finalizado. Poderia entregar Kim Jongdae ao cunhado, propor um novo julgamento, mas duvidava que desse certo, pois se seu pai foi capaz de cometer uma burrada para protege-lo, então faria novamente.

Bufou, levou as mãos aos cabelos e puxos os que ficavam na nuca. Aproximou-se da parede ao lado da porta e se encostou ali. Não tinha outra maneira, disse a si mesmo, afinal continuar com aquela aliança seria o mesmo que atirar no próprio pé. Só que pior do que isso era não continuar, fazia-o se sentir como se estivesse atirando no próprio peito. Queimava, deixava seu ritmo cardíaco estranho e a boca se enchia de um amargo tão estranho quanto, que o alertava para a forma como não estava preparado para aceitar aquilo, pois apesar dos acontecimentos de mais cedo, a possibilidade de não ter Minseok ao seu lado era assustadora. Se dar conta disso só serviu para deixa-lo apavorado, pois até aquele momento não havia percebido o tamanho do sentimento que nutria pelo ômega.

— Eu não posso aceitar isso. — falou de uma vez, firmou o queixo em direção a Junmeyon. — Meu casamento com Minseok... — o Kim ergueu uma sobrancelha, esperou pelo resto da sentença numa desconfiança que Baekhyun quis enfrentar. — Ele está grávido. — Junmyeon engoliu em seco apenas para comprimir os lábios no segundo seguinte e Baekhyun desencostou-se da parede. — Minseok é meu marido, eu não posso deixa-lo. — a certeza estava presente em si de uma forma que não achou que aconteceria depois do que Minseok havia lhe contado.

Parecia estranho perdoa-lo assim, no entanto, pior do que isso era aceitar aquela separação. Ainda estava com raiva da forma como fora usado e estava sendo obrigado a ser pai, contudo, separar-se parecia um pouco demais. Ter que ficar longe de Minseok assim, por obrigação, fazia-o pensar na forma com que terminaram casados. Era certo que acabaria se acostumando com a ausência do outro do mesmo jeito com que se acostumou com a sua presença, mas estava cansado de apenas se acostumar com as consequências dos atos de outras pessoas. Ele era um líder alfa, merecia ter controle sobre o que queria.

Junmyeon cruzou os braços e suspirou, voltou a relaxar os braços e procurou seu maço de cigarros. Bufou quando os encontrou no chão onde estivera sentado antes, afastou-se da mesa e foi até lá. Baekhyun o observou pegar o maço e acender um novo cigarro, Junmyeon lhe ofereceu um e o Byun não viu razão para não aceitar. Ambos se encostaram na parede ao lado da porta e fumaram em silêncio por bastante tempo.

O alfa Byun esperava pelo momento em que o outro fosse explodir em raiva, mas tudo na expressão corporal dele denotava cansaço. O cabelo caia sobre os olhos enquanto detinha a cabeça baixa para fumar, o sangue seco se destacava no seu couro cabeludo e Baekhyun se perguntou se seus ferimentos pareciam tão ruins quanto os do cunhado. Então, Junmyeon ergueu o rosto na sua direção.

— Não acredito que vou ser tio duas vezes. — falou subitamente e o alfa se pegou rindo, baixo antes de tragar mais do cigarro.

— Foi um acidente. — resolveu dizer, parecia o certo deixar a história verdadeira apenas entre si e o ômega.

— Não duvido disso. — ele soprou a fumaça para longe. — Só um idiota planejaria um filho nesse momento.

Baekhyun entendia. Não era o melhor momento para se ter um bebê e muito menos um bebê com sangue Kim-Byun, contudo, Minseok havia planejado. Tinha armado tudo nos mínimos detalhes. Ainda o magoava pensar nesse tipo de coisa, na forma como fora apenas o semeador ali, nada além daquele a qual Minseok precisava. Isso o fazia questionar todo o resto da sua relação com o ômega. Afinal, tudo fora encenação? Uma mentira bem contada? Dado o histórico de Kim Minseok não se surpreenderia com isso, contudo, no fundo, desejava que não tivesse sido realmente assim. Haviam lembranças demais na sua mente, momentos doces demais para serem destruídos dessa forma.

A porta abriu-se novamente e ambos foram pegos de surpresa. Baekhyun apagou o cigarro, apressado, contra a parede, nervoso como um adolescente seria ao ser pego por um adulto naquela situação. No entanto, Junmyeon permaneceu com seu entre os lábios, virou o rosto de uma forma vagarosa em direção a porta aberta e fitou a pessoa que entrava, parecia quase entediado com a nova intromissão.

Lu Han fechou a porta atrás de si e Baekhyun desencostou-se da parede, não sabia ao certo o que deveria fazer além de firmar sua postura. O chinês o fitou por um breve segundo, ignorou seus ferimentos e focou os olhos no Kim.

— O que aconteceu? — Baekhyun acabou sendo o primeiro a falar.

— A Sede está cercada de lobos insatisfeitos. — o ômega disse e andou a até a mesa, encostou-se ali. — Sugiro que saiam pelos fundos se não quiserem mais machucados.

— Eu vou sair pela porta da frente. — Junmyeon demandou, deu uma última tragada no cigarro antes de apaga-lo contra a parede e jogar os restos no chão, afastou-se da parede, ficou de frente para Lu Han. — Como Jongin está? — a preocupação repentina pegou Baekhyun de surpresa, o fez pensar em Minseok.

Ele estaria bem? Acreditava que sim, afinal quando se aproximou do palco onde o julgamento acontecia, não viu nenhum Kim ao lado de Junmeyon. O líder alfa estava sozinho ali, pronto para executar o traidor de sangue e teria conseguido se não fosse a interrupção do seu pai, Siwon, avançando pela multidão reivindicando Jongdae como um dos seus, sem levar em conta todas as implicações por trás daquilo. Baekhyun observara tudo enquanto era empurrado, barrado, o mais longe possível daqueles dois alfas que se enfrentavam, teve sua voz calada, o aviso que trouxera ao líder Kim foi apagado da sua mente no momento em que Siwon avançou em Junmeyon.

Nos segundos em que os via rolando no chão, rosnando e se atacando, o Byun se tornara uma estátua de pedra. Seu pai, que sempre fora tão centrado, havia enlouquecido. Jogara para o ar a chance de apaziguar os ânimos de ambas as alcateias, Kim e Byun, e como num timing perfeito, os lobos ao seu redor começaram a vê-lo como inimigo. Alguns lutaram entre si, outros o atacaram. Tudo tornara-se uma bagunça tão rápido que Baekhyun só percebeu a gravidade disso quando cogitou transformar-se em lobo para tentar afastar tantos inimigos e sair menos machucado.

— Seguro. — Lu Han respondeu e desviou os olhos para o rosto do Byun, parecia pronto para responder a pergunta que o alfa queria fazer, mas quando nenhuma palavra saiu da sua boca, o ômega voltou sua atenção para o Kim. — Sabe o que vai acontecer se sair assim, certo?

— Como entrou ileso? — Junmyeon colocou a atenção sobre o ômega.

Lu Han comprimiu os lábios, estava um tanto irritado. Baekhyun notava, só não entendia de onde vinha realmente, mas bem podia imaginar o motivo. Como o líder de um clã, Lu Han seria obrigado a tomar partido em algum momento e apesar dos favores trocados outrora, o alfa bem sabia que o Lu ficaria ao lado de Junmeyon. Era o certo a se fazer, se quisesse preservar o bem-estar e a moradia dos seus lobos. Baekhyun não o culpava, mas não podia deixar de se sentir um tanto traído, pois até onde conseguia perceber, seu clã terminaria sozinho até o fim daquele dia.

— Meus lobos estão montando a guarda. — o chinês respondeu simplesmente, desencostou-se da mesa e andou até a porta. — Vamos?

Baekhyun lançou um olhar para Junmeyon, o viu suspirar e levar as mãos aos cabelos, ajeita-los de uma forma desleixada e então, ir em direção ao ômega. O alfa Byun o seguiu, determinado a não abaixar a cabeça para a insatisfação dos lobos Kim’s. Lu Han abriu a porta, saiu primeiro e foi seguido pelos dois alfas. Nenhum deles falou coisa alguma, mas mesmo que quisessem, não poderiam. O barulho que vinha de fora da Sede estava ao ponto do ensurdecedor.

Identificaram rosnados; dizeres de baixo calão, agressivos ao extremo; uivos e alguma coisa, que pareceu a Baekhyun, como batidas contra o chão. Han abriu a porta da saída do lugar, avançou de queixo erguido para fora, tão terrivelmente sério e altivo que ambos os alfas sentiram inveja. Baekhyun fechou as mãos em punho ao lado do seu corpo e firmou seu queixo quando saiu atrás do chinês, ao seu lado, Junmyeon parecia desinteressado. Havia alguma coisa na forma como o alfa Kim andava, no castanho dos seus olhos que soava como desleixo, lentidão.

Os guardas Lu’s estavam ali, da forma como Lu Han dissera. Armados, vestidos em seus trajes azuis de guardas, prostravam-se em volta da Sede, na entrada, em todo o lugar, não deixavam que ninguém não autorizado entrasse. Baekhyun viu alguns lobos Kim’s machucados, o sangue manchando suas roupas, estampado em seus rostos raivosos. Alguns detinham suas presas a mostra, as unhas alongadas, pareciam prontos para continuar lutando. Todos eles lhe lançaram um olhar cheio de ódio, como se fosse Baekhyun o traidor.

E uma parte sua concordou com isso, afinal, fora alguém do seu Clã que estragara aquele dia. Fora culpa sua todo aquele sangue derramado, pois como líder deveria ter poder sobre os seus lobos e se não podia controlar seu pai, então era um líder ruim. Desviou os olhos daquelas pessoas e focou a sua frente, pelo canto de olho viu quando alguns guardas de Lu Han se aproximaram e começaram a escolta-los para suas casas, bem longe de toda aquela fúria.

Junmeyon, ao seu lado, não olhava para nenhum dos seus lobos apesar do seu nome sendo chamado. Praguejado, cuspido como o pior dos insultos. Ele era um líder não-confiável, Baekhyun se deu conta. A palavra dele não era respeitada por seus próprios aliados, então não deveria ser por seus próprios lobos.

Os guardas seguraram um lobo que tentou avançar até Junmeyon. O homem de estatura mediana, os cabelos sujos de terra eram esbranquiçados, seus olhos cheios de ódio deixaram Baekhyun surpreso.

— Eu desafio você! — ele gritou. — Eu desafio você!

O Byun sabia para quem era aquele convite, por isso não foi uma surpresa quando o Kim virou o rosto em direção ao homem raivoso e parou de andar. Os guardas pararam, Lu Han virou o rosto por sobre o ombro para fitar o que acontecia e Baekhyun estendeu a mão em direção a barra da camisa de Junmyeon e segurou-a no momento em que ele deu um passo em direção ao lobo.

— Não está em condições. — alertou sobre os ferimentos que cobriam o seu corpo e principalmente àquele na cabeça, que parecia-lhe o mais grave.

— Um líder não recusa um duelo. — Junmyeon rebateu e soltou-se do outro, deu um passo em direção ao seu desafiante.

O guarda liberou a passagem do mesmo, Lu Han recuou junto com seus guardas, mas Baekhyun continuou parado onde estava. Observou a forma como o Kim arregaçou as mangas. Baekhyun deu um passo para trás, afastou-se do duelo que não era seu. Aquilo pertencia a Kim Junmyeon e seus lobos. Era à eles que Junmyeon devia mostrar o quão digno ainda era daquele cargo, pois apenas o lobo mais forte é capaz de proteger um clã inteiro.

Duelos eram primitivos e sanguinolentos, uma ocorrência rara no clã de Lu Han e no de Baekhyun. A primeira alcateia não via necessidade nisso quando seus líderes eram escolhidos depois de um árduo treinamento e um duelo entre os participantes, onde o último de pé se tornava o líder, provando assim que o mais forte era o sobrevivente e o mais apto para cuidar de toda uma comunidade de lobos. A segunda alcateia era gerida por lobos de uma mesma família, sangues-puros Byun’s que eram preparados para o cargo desde o berço e carregavam nas costas a confiança de uma alcateia inteira, quando estes foram cuidados por seu antecessor. Contudo, no Clã Kim assim como acontecia no Clã Choi, os líderes poderiam ser determinados por um duelo. Não eram raros os momentos em que um líder de anos foi derrotado por um lobo qualquer, sem sangue puro e muito menos instrução.

Era um jogo de sorte, Baekhyun pensou, uma armadilha bem pensada. Porque o líder em questão nunca poderia recusar um duelo sem parecer um fraco, era mais fácil aceitar e ganhar, acalmar aqueles que tinham dúvidas da sua força e também, manter aqueles que pensam em ter seu cargo, no lugar. Ganhar a luta provava o quanto aquele lobo estava preparado, o quanto era forte, o quanto era superior a todos os outros lobos da sua alcateia.

Ele vai ganhar. — Lu Han pareceu lhe assegurar e o alfa Byun o fitou, mas o ômega tinha os olhos vidrados nos movimentos de Junmeyon.

— Como pode ter certeza? — devolveu, baixo.

— Ele vai se casar no fim de semana. — lembrou e Baekhyun quis rir daquilo.

A cerimônia estava marcada para aquele fim de semana. Todos os preparativos estavam em andamento e Baekhyun até mesmo já havia recebido o seu convite, só não sabia ao certo o que dar de presente ao casal. Haviam tantas coisas na sua cabeça que não tivera tempo de pensar em alguma coisa para o cunhado.

Voltou seus olhos para a luta. Junmyeon avançou muito rápido em direção ao homem, empurrou-o contra o chão e com o cotovelo em riste caiu em cima do corpo dele, acertando o cotovelo bem no meio do peito deste. Aconteceu numa fração de segundo, pegou Baekhyun de surpresa, pois não acreditara que o Kim podia ser tão veloz enquanto estava andando de um modo tão arrastado. Mas quando o homem rolou no chão, cuspindo sangue apenas para ter o Kim sobre suas costas, segurando-lhe a cabeça e girando-a sobre o pescoço, torcendo de tal maneira que tudo o que restou foi o corpo do homem no chão, totalmente inanimado, Baekhyun entendeu que subestimava o treinamento de Junmeyon.

Junmyeon levantou-se, bateu a terra acumulada na sua calça com as mãos e olhou para os outros lobos do seu clã. Alguns deram um passo para trás e outros sustentaram seu olhar desafiador, mas nenhum o desafiou novamente. De onde estava Baekhyun lembrou-se do que seu instrutor, Kangin, costumava dizer nas suas aulas de luta.

Não é sobre o quão forte você é, mas sim sobre quando e como pode derrota-lo.

— Vamos. — o Kim virou-se para seus acompanhantes quando nenhum lobo se manifestou.

Os guardas ômegas os escoltaram até suas residências, mas parecia ser apenas por protocolo quando nenhum Kim ousou se aproximar novamente. Os sentinelas Lu’s permaneceram do lado de fora da casa amarela de Ryeowook, posicionados com suas armas, haviam recebido ordem para não deixar nenhum lobo Kim entrar. Deveriam participar daquela reunião apenas os Kim’s Principais.

Junmyeon sentou-se no sofá mais próximo, parecia mais cansado do que Baekhyun achou possível. Jongin estava ali e logo correu em direção ao alfa Kim, sentou-se do seu lado e começou a avaliar seus ferimentos com preocupação. O Byun olhou em volta e encontrou o pai sentado no sofá oposto, não viu Kim Jongdae em lugar algum. Mas viu Chanyeol na entrada no corredor, o semblante contorcido em confusão para o que acontecia, a preocupação estampada nos seus olhos e Baekhyun engoliu em seco pelo irmão mais novo. Desejou que ele fosse para mais dentro da casa, que se refugiasse em algum lugar com Kyungsoo, porque o que aconteceria naquela sala poderia soar mais do que preocupante além de perigoso.

A porta se abriu novamente, então Donghae estava ali junto de Heechul. O pai aproximou-se de si, segurou o seu rosto e avaliou seus ferimentos com os olhos transbordando em preocupação. O castanho profundo dos seus olhos fez Baekhyun relaxar. Ele era familiar, parecia ser a única coisa que não estava bagunçada naquele dia.

— Precisamos colocar gelo nisso. — o Lee disse, as pontas dos dedos tocaram o arroxeado na têmpora esquerda.

— O que está acontecendo? — a voz de Heechul cortou qualquer resposta que Baekhyun quisesse dar ao pai.

O ômega afastou as mãos do seu rosto, parou ao seu lado, ao mesmo tempo que lançava um olhar para o marido e notava os machucados no seu rosto, quis ir até ele, mas não o fez. Havia a terrível certeza em si de que o melhor a se fazer era continuar onde estava. Ao seu lado, Baekhyun lançou um olhar para Junmeyon, ainda no sofá sendo cuidado por Jongin.

— Pergunte à Siwon. — o filho alfa de Heechul respondeu, por fim. — Foi ele quem começou essa bagunça.

Todos voltaram sua atenção para o alfa mais velho, esperaram pelo momento em que ele fosse abrir a boca e começar a contar sua versão, mas a porta sendo aberta roubou a atenção de qualquer um naquela sala. Baekhyun viu quando Lu Han entrou acompanhado de Jungsoo e Minseok. Não esperava ver o marido ali, mas uma parte sua se tranquilizou em ver o modo como este parecia intacto, livre de qualquer machucado. O ômega fitou-o, no entanto, o Byun desviou o olhar, apesar de tudo não estava preparado para aquilo.

Minseok olhou para baixo diante da recusa do marido e caminhou até o sofá onde Junmyeon estava. Sentou-se lá e esperou pelo que aconteceria naquela sala. Do outro lado da sala, Leeteuk encostou-se na parede no começo do corredor. Dali, o alfa podia observar todos os outros livremente. Cruzou os braços e fitou os machucados no rosto de Junmeyon, Baekhyun e Siwon, atribuiu-os a bagunça sangrenta que aconteceu durante o julgamento de Kim Jongdae.

— Você vai começar a falar ou posso dizer a todos como és tão traidor quando Jongdae? — a fala de Junmyeon trouxe a atenção de todos de volta.

Siwon quase encolheu-se onde estava diante da forma como ninguém parecia satisfeito com sua interferência naquele julgamento e bem não podia culpa-los quando realmente estragara tudo. Havia agido por impulso, movido por uma certeza não tão certa assim. Confiara no que Donghae havia lhe dito e por isso, dado o tempo em que demoraram para se encontrar, não existia tempo para conversar amigavelmente com Junmyeon e fazê-lo mudar de ideia sobre a execução de Jongdae. O que lhe restou foi enfrenta-lo, mas nem nos seus piores sonhos imaginara que tudo se tornaria tão vermelho.

A forma como os lobos do mesmo clã dividiram-se. Uns pareciam proteger Junmyeon e outros haviam se revoltado contra o líder. Enquanto ele e o Kim rolavam no chão, desferindo golpes um com outro, pegara pelo canto de olho quando Baekhyun se tornou alvo de toda uma massa raivosa de lobos Kim’s. E mais tarde, quando transformou-se em lobo, uma última alternativa para resgatar Kim Jongdae da forca, notara o sangue no chão e outros tantos Kim’s em suas formas de lobos, menos Junmeyon. O líder do clã aguentara bem na sua forma humana, se mostrando um oponente forte e ágil.

— Eu não podia deixa-lo morrer. — se viu começando e Donghae, não muito longe de si, mordeu o lábio, apreensivo pelo marido alfa.

— Mas ele não é seu filho. — Heechul se pronunciou, os braços cruzados e o rosto nenhum pouco feliz com aqueles acontecimentos, Siwon reconhecia a raiva estampada nos seus olhos.

Era a mesma que havia nos olhos de Donghae quando Baekhyun e Chanyeol foram feitos prisioneiros de Kim Jungsoo. A preocupação genuína que os pais carregavam para com seus filhotes.

— Não. — Siwon confirmou olhando nos olhos do amigo de infância, então suspirou e desviou o olhar para Junmeyon. — Mas é seu primo. — o alfa Kim ergueu as sobrancelhas, confuso com o que escutava. — E seu irmão. — virou-se para fitar Baekhyun, que exibiu a mesma confusão estampada no rosto do Kim.

— O que? — incrivelmente foi Minseok quem perguntou, inclinava-se no sofá, parecia pronto para andar pela sala, agitado demais para esconder.

— Kim Jongdae é filho de Kim Kyuhyun e Park Jihyun. — Donghae deu um passo para frente, ficando um tanto longe de Baekhyun que lhe lançou um olhar incrédulo.

— Está louco. — Jungsoo falou, desencostou-se da parede e deu um passo em direção ao ômega Lee. — Aquela criança morreu.

Heechul, em pé em frente à Siwon, descruzou os braços e fitou o amigo. O seu semblante pareceu confuso no primeiro momento, mas então, estava iluminando-se como se pudesse ler toda a história no olhar do alfa. A boca se abriu minimamente, pronto para dizer alguma coisa, mas nada saiu além de um suspiro seguido por sua mão subindo e bagunçando seus cabelos. Era informação demais para um dia só, Siwon sabia.

— Está falando a verdade. — Heechul disse, por fim.

— Como pode acreditar nisso? — Leeteuk o atacou, indignado.

— Como você não pode acreditar? Esteve insistindo nisso todos esses anos. — o ômega rebateu e o outro Kim engoliu em seco.

Era verdade, Leeteuk tinha o dever de concordar, contudo, isso havia sido esquecido quando colocara as mãos em Baekhyun, naquele breve tempo em que o teve como seu prisioneiro. Foi ali que havia se dado conta do quão louco estava se tornando ao alimentar aquela história, aquela história infame sobre um herdeiro que não estava vivo. Desviou os olhos para Siwon, procurou no seu rosto qualquer coisa que parecesse com blefe, que cheirasse como mentira, mas não havia nada além de um cansaço nos olhos escuros, sobre os ombros, o que deixava o Kim confuso. Estava cansado daquela história toda ou apenas daquele dia? Uma parte sua acreditou que era dos dois.

Virou o rosto pela sala, olhou nos olhos de cada um ali e incrivelmente, encontrou sua confusão estampada nos olhos apenas de Junmyeon e Baekhyun. Mesmo Lu Han estava tranquilo, calado, apenas sendo um observador. Jongin tentava tranquilizar o noivo — seu filho. E Baekhyun... havia algo no olhar que aquele garoto lançou ao seu filho ômega, Minseok, que não soava suspeito demais. Uma parte sua quis avançar em Donghae, Heechul e Siwon, porque estava mais do que claro que os três compartilhavam informações sobre uma história que o envolvia também, cochichavam pelas suas costas. De repente, sentiu-se traído.

— Desde quando? — perguntou de uma vez, fitando cada um dos três, sem saber ao certo para quem estava perguntando.

Mas apesar da confusão no rosto de Donghae, Heechul pareceu entender a pergunta. Siwon engoliu em seco e tornou a abaixar a cabeça, não disse coisa alguma, então só lhe restou firmar os olhos no marido ômega. Esperou por uma resposta que Heechul relutou em lhe dar.

— Estou descobrindo agora assim como você.

Leeteuk quis rir daquela desculpa fajuta. A Marca os impedia de mentir um para o outro, então não foi nenhuma surpresa quando Heechul comprimiu os lábios, reprimindo a dor que a aquela mordida no seu ombro lhe causou. Sua pequena punição por não ser obediente ao seu alfa. Do sofá, Junmyeon afastou as mãos de Jongin das suas e apoiou os cotovelos sobre os joelhos, meio inclinou-se para frente e lançou um olhar inquiridor ao pai ômega, apenas para desviar os olhos até Siwon.

— Está dizendo que Kim Jongdae é o verdadeiro sucessor?

Não era o que o Byun mais velho estava dizendo, mas era o que estava explicito nas entrelinhas da sua fala. A sucessão nas Alcateias Kim, Park, Byun e por vezes, Choi era feita através das Famílias Principais, da mesma forma como os humanos elegiam seus reis e rainhas. O filho mais velho, o legitimo, era o verdadeiro dono de todo um legado construído por seus pais. No entanto, entre humanos e lobos havia uma única diferença na escolha dos seus líderes: o duelo. Era comum que lobos determinassem seus alfas superiores através de um banho de sangue, afim de provar sua força. Julgavam superior aquele que sempre ganhava um duelo, o que o tornava apto para proteger todo um clã. E no momento em que Siwon ergueu o rosto para encarar Kim Junmeyon, percebeu que seria mais difícil do que imaginava manter Kim Jongdae vivo, pois o atual líder estava disposto a manter-se no cargo.

Ele comprimiu os lábios, ponderou suas palavras. Não queria dar a entender que resgatara Jongdae apenas para tirar Junmyeon do cargo, como algum tipo de tramoia venenosa. Contudo, estava encurralado. Não havia outra forma de responder aquela pergunta sem piorar um pouco mais a situação do seu clã.

— Sim. — deixou a afirmação escapar de uma vez, dar-se-ia por vencido naquele jogo.

O Kim cruzou os braços e encostou suas costas no sofá, o noivo ômega o fitou nervoso. Não conseguia ler o que havia no rosto do alfa e se viu lançando um olhar a Lu Han, que devolveu um sibilar baixinho de acalma-se para o mais novo. Minseok mirou o irmão também, fez menção de erguer a mão para tocá-lo, mas desistiu no último minuto, então, estava com os olhos vidrados no rosto do marido, que ainda parecia um tanto atordoado com tudo aquilo.

— Então, ele tem sangue Kim, afinal. — Junmyeon tornou a falar, roubando a atenção dos outros presentes ali. — Eu o reivindico. — demandou para a surpresa de todos.

— Não pode. — Donghae tentou, mas o olhar cortante do líder Kim o fez voltar um passo.

— Jongdae não tem sangue Byun, não pertence a vocês. — ele continuou com tranquilidade. — Não há nenhum direito sobre ele.

Era a lei. Postulada há tanto tempo, Leeteuk pensou. O Clã tem direito sobre todos os seus lobos. E Kim Jongdae era um deles, no fim das contas. Siwon e seus lobos nunca poderiam reivindica-lo por conta disso. Quase sentiu vontade de rir com esse pensamento, mas não o fez quando notou a forma incrédula com que Heechul fitava o filho. Parecia quase temeroso e o alfa se perguntou se Junmyeon faria mesmo que estava dando a entender. Mataria Kim Jongdae a sangue frio? Enforcaria seu primo como traidor de sangue?

— Eu tenho. — Baekhyun se pronunciou, deu um passo à frente e teve a atenção de Junmyeon sobre si. — Jongdae tem sangue Park assim como eu, o que me dá direito de reivindica-lo em nome dos Park’s. 

— Mas deveria mesmo fazê-lo? — Junmyeon questionou sério.

Não.

Sabia que não deveria fazê-lo. Proteger um traidor agora só serviria para afundar de vez a relação Byun-Kim, os transformaria em traidores também. Era provável que Junmyeon os banisse do seu território, quebrasse a aliança e o forçasse a nunca mais ver Minseok e o filho que este carregava. Não acompanharia seu crescimento e nunca mais teria a companhia do ômega. Talvez, ele casasse com outro lobo importante, fosse embora para longe. Contudo, mesmo sabendo o que estava arriscando, não conseguia não se importar com o que via nos rostos dos seus pais, no de Heechul.

Havia algo ali. Existia a necessidade de proteção escapando deles. Estavam tentando, queriam proteger aquele garoto Kim por algum motivo que Baekhyun não entendia. No entanto, sabia de uma coisa, uma única certeza que agora perturbava seus ossos, fazia-o estremecer: Kim Junmyeon mataria Jongdae. Estava mais do que estampado nele, no escuro dos seus olhos, que se conseguisse Jongdae para si retomaria o julgamento, o enforcaria em praça pública. Queimaria o corpo de um traidor além de um possível oponente para o cargo de líder. Era o plano perfeito, no fim das contas.

Conseguiria o respeito dos seus lobos novamente além de acabar com aquela ameaça. E Baekhyun não queria deixar aquilo acontecer, simplesmente porque... porque no fundo... latejando no centro da sua alma, sabia que era realmente verdade. Kim Jongdae era seu irmão mais velho, aquele que sua mãe amara mais, aquele a qual Baekhyun acreditou que estava morto. Era seu irmão. Sangue do seu sangue.

— Mantenho minha palavra. — confirmou.

— Baekhyun. — o pai alfa chamou, mas ele não o fitou.

Aquilo era por todos eles, pensou. Era sobre o passado dos seus pais, da sua mãe e até mesmo de Heechul. Se salvassem Jongdae estariam se libertando daquilo tudo, deixariam o passado no passado de vez. E quem sabe assim, Baekhyun pensou, a mãe poderia perdoa-lo. Quem sabe o odiasse menos quando soubesse o que tinha feito por Jongdae. Quando ela estivesse no seu castelo, aos cuidados de Hyukjae, talvez, pensasse em si com menos ódio.

Junmyeon pôs-se de pé. Fincou seus olhos no rosto do Byun, mas não falou mais nada para si. Ele fitou os outros presentes na sala e suspirou. Havia uma decisão pesando sobre seus ombros, era o momento de toma-la, de deixar os outros saberem o que se passava na sua mente. Fitou Minseok, seu irmão mais novo. Sabia que ele entenderia a sua decisão, mas era esperar demais que houvesse perdão depois. Então, voltou a firmar o queixo, do jeito como havia sido ensinado.

— Jongdae ainda é metade Kim e um traidor de sangue — começou e Heechul o fitou, intenso, esperando. — Por isso, eu os declaro cúmplices e revogo a estadia de vocês, Byun’s, aqui.

Baekhyun quase aliviou-se. A sentença parecia menor do que acreditara.

— O que quer dizer com revogo? — Leeteuk perguntou o que lhe incomodou.

— Que essa aliança termina aqui.

Siwon ficou de pé, a boca minimamente aberta em descrença ao passo que Baekhyun desviava os olhos para Minseok. Ambos sabiam o que aquilo significava. O seu matrimônio não tinha mais valor algum, no momento em que Junmyeon assinasse aquela decisão, não haveria mais nada os ligando além de uma criança bastarda.

— Não pode fazer isso. — então, era Minseok quem estava falando, as mãos fechadas em punho e o rosto contorcido numa fúria que pegou todos de surpresa. — Eu estou grávido. — contou e Heechul arfou da mesma forma que Jongin, que ainda estava sentado no sofá.

Lu Han não se pronunciou. Limitou-se a observar o que se passava, pois tinha conhecimento que se tomasse qualquer partido ali poderia acabar prejudicando o seu clã e o casamento do seu irmão.

— Junmeyon, não pode fazer isso. — Baekhyun deu um passo em direção ao cunhado.

— Junmeyon. — Heechul chamou, a voz soou cheia de repreensão.

— Deixe-o acabar com isso de uma vez. — Leeteuk falou ao marido, voltou a se encostar na parede, cruzou os braços. — Essa aliança foi um erro desde o começo.

— E desde quando se importa com isso? — Minseok o atacou. — Entregou-me na primeira oportunidade.

O alfa descruzou os braços e fitou o filho, irritado.

— E olhe pra você, esperando um filho dele. — apontou com o queixo para Baekhyun.

— O que quer dizer? — o alfa se exaltou ao perceber o tom de desprezo na voz do outro.

— Deixe pra lá. — Donghae segurou no braço do filho, o impediu de avançar mais.

O clima tornou-se pesado. Ninguém ousou dizer mais nada, pois havia a terrível insegurança de acabar transformando aquilo em uma briga de verdade. Lu Han, que estivera quieto o tempo inteiro, foi até o irmão e o fez levantar. Eles retiraram-se ao perceber que o assunto agora pertencia apenas aos familiares mais próximos. Heechul hesitou, mas se viu indo em direção a Leeteuk e segurando-o pelo braço, puxando-o para mais dentro da casa, longe daquilo. Donghae lançou um olhar para Siwon, que comprimiu os lábios mas acatou o que o ômega pedia. O Lee ainda deixou uma última caricia no braço do filho antes de se afastar junto do marido. E então, mais rápido do que achou possível, restou apenas os três ali.

— Eu não vou assinar. — foi a primeira coisa que Baekhyun conseguiu dizer depois que o silêncio perdurou.

— Isso não é sobre vocês dois. — Junmyeon argumentou, irritado. — Vai ser melhor para todos se encerrar essa aliança. — fitou Minseok. — Olhe para como os meus lobos estão, acabar com isso irá tranquiliza-los.

Minseok comprimiu os lábios, porque realmente entendia. Ter a alcateia sob controle era crucial, implicava em deixá-los seguros. Os Lu’s continuariam seguros se fosse Junmyeon o líder e seus próprios familiares continuariam assim também. No entanto, perder a aliança Byun-Kim implicava em transformar seu filhote em um bastardo, em impedir que Chanyeol acompanhasse o crescimento do seu, em perder Baekhyun. Implicava em ser ele aquele que cedia e estava cansado disso, terrivelmente cansado de ser sempre aquele que deixa o que quer para trás.

Perdera seu casamento com Sehun para evitar uma briga entre alcateias e agora, estava perdendo de novo para evitar a mesma coisa. Não havia descanso para aquilo? Nem ao menos eram os seus pecados. Aquela sujeira toda começara com seus pais, seus avós, seus bisavós... começara com pessoas antes de Minseok, então por que tinha que ser ele aquele que conserta tudo?

O Kim sentou-se no sofá, evitou o olhar dos dois alfas. Sabia que se olhasse para Junmyeon cederia aos seus argumentos assim como sabia que se fitasse Baekhyun terminaria do seu lado. Então, ele apenas esperou pelo que os alfas decidiriam.

***

2 semanas depois

Minseok encarou seus sapatos lustrosos, ergueu o rosto e ajeitou a postura ao lado do irmão alfa, Junmeyon. Desviou os olhos dos do marido, sentado do outro lado da mesa naquela audiência. Seria mais fácil para ambos se não se fitassem, assegurou a si mesmo. Se fingissem que não se conheciam, que não havia nada entre eles, quem sabe tudo pudesse ser resolvido mais rápido ainda. No entanto, Baekhyun parecia ter outro plano quando continuava desviando os olhos na sua direção, o castanho ansioso por alguma reciprocidade.

Ergueu a mão e ajeitou os óculos no rosto ao mesmo tempo que escutava os lobos do Conselho debaterem sobre a situação deles, virou o rosto em direção ao irmão, avaliou sua expressão. Ele não estava feliz, qualquer um podia dizer isso sem precisar fitar o seu semblante. Os ombros duros e o comprimir dos lábios eram os sinalizadores daquilo. E para o bem da verdade, nenhum dos quatro — ali reunidos — estava feliz com aquilo. Ninguém queria estar ali escutando sobre seus erros, sendo tratados como objeto de troca. Minseok se sentia como um, sabia que era. Estava ali apenas como um objeto de troca da mesma forma que Kim Jongdae, sentado ao lado de Baekhyun do outro lado da mesa.

Se tudo desse certo, eles estariam em lugares opostos no fim daquela reunião. Mas o ômega não conseguia parar de se perguntar se aquilo era mesmo o certo. Kim Jongdae era meio-irmão de Byun Baekhyun por parte de mãe e primo de Minseok. Um fato esquisito, que costumava lhe dar calafrios, afinal Jongdae era o herdeiro legítimo da Alcateia Kim, coisa que devia fazer Junmyeon sentir tanto frio quanto si próprio. Talvez, um pouco mais ameaçado quando era o atual líder do Clã e não estava tendo um mandado tão proveitoso assim.

A verdade era que a bagunça causada por Byun Siwon durante o julgamento de Jongdae resultara em uma grande massa negativa de desaprovação para com seu irmão alfa, onde estes começaram a questionar a real influência do líder, sua força, pois Siwon não respeitara a palavra de Junmeyon. Havia o reduzido a um alfa patético brincando de liderar. Os lobos Kim’s ficaram furiosos e exigiam uma retaliação que acabou vindo através da expulsão dos Byun’s do seu território, da prisão de Jongdae e da quebra da aliança Byun-Kim, o que consequentemente tornava seu casamento com Baekhyun sem valor.

Contudo, haviam as peças extras que impediam a concretização real daquilo. O seu e o filhote do irmão gêmeo. Ambos tinham pais com sangue Byun, o tipo de parentesco que não podia ser descartado tão facilmente e acima disso, aquilo que parecia ser de real importância para Junmeyon, a real linhagem de Kim Jongdae. O irmão o reivindicava de um lado, afinal o traidor tinha sangue Kim correndo nas veias, e do outro lado, Baekhyun fazia o mesmo, usando das mesmas palavras do alfa Kim. E no meio dessa briga, Minseok não era reivindicado de lado algum. Estava ali como o prêmio de consolação a qual Baekhyun receberia se deixasse Jongdae ir em direção aos lobos que trairá.

— Levando em conta que o filhote foi concebido durante o matrimônio — Zhou Mi, o ômega do Conselho, começou a falar. Minseok o fitou. — então, não é um bastardo, ou seja, o filhote pode receber o sobrenome do pai dominante.

— Mas Kim Minseok pertence ao Clã Kim e deve permanecer com este. — Kibum continuou, os óculos de leitura escorregaram até a ponta do seu nariz enquanto lia as decisões finais. — Dessa forma, o Conselho cede aos pais da criança a decisão sobre a guarda desta.

Minseok se viu comprimindo os lábios, um pouco decepcionado ao mesmo tempo que se sentia aliviado por seu filhote não ser considerado um bastardo e por ter tido direito de decidir alguma coisa a cerca deste, pois como ômega podia muito bem apenas ser descartado. O Conselho havia sido bondoso ao deixa-lo ter alguma participação e sabia que devia agradecer a Zhou Mi por isso, pois como ômega devia se compadecer da situação à qual Minseok estava sendo obrigado a compactuar.

Devia estar escrito no oficio que Junmyeon enviara duas semanas antes. Aquela história injusta devia estar estampada lá, enfeitada em falsa decepção para mascarar a ameaça que aquela situação inteira causava em todos. No fim, eram todos prisioneiros das suas próprias decisões. Menos Minseok. Como um ômega, não tinha direito de fala. Como ômega, deveria apenas honrar o seu lugar no fim da hierarquia ao abaixar a cabeça e aceitar as palavras que saiam das bocas daqueles acima de si. Ômegas não tinham direitos, as suas vidas eram inteiramente manipuladas por aqueles acima de si. Betas ou alfas. Um marido, um pai ou...

O loiro desviou os olhos para o irmão, ao seu lado. Junmyeon escutava atentamente o que os lobos do Conselho diziam, quase parecia interessado. Mas Minseok sabia que estava, na verdade, entediado. Não lhe interessava a sentença acerca do seu casamento ou do seu filhote, o que realmente importava era o que os lobos decidiriam sobre Kim Jongdae. Ele era o objeto mais valioso ali, o olho de todo aquele furacão. Fitou-o de canto de olho, um pouco ressentido demais. Então, voltou abaixar os olhos, o rosto, permaneceu do jeito que estava desde o começo: quieto. Segurou os dedos uns nos outros sobre as coxas, se perguntou se demorariam mais tempo ali, estava cansado daquele silêncio em si.

— Eu contesto. — a voz de Baekhyun se sobressaiu, firme, harmoniosa de uma forma que o Kim não teve coragem de ignorar. Levantou o rosto e o fitou, pela primeira em tanto tempo.

Seus olhos prenderam-se no detalhe do seu queixo, na linha firme dos seus lábios, no franzir da testa e nos olhos castanhos perigosos. Já havia visto aquele olhar antes, a determinação profunda de alguém não satisfeito. Quase se viu de volta aos 16 anos com Baekhyun franzindo o nariz na sua direção dando início a toda uma birra sem sentido. Pensar nisso fez seu coração doer de uma forma que não esperava. O desejo pelo passado estava o atormentando novamente. Relaxou os ombros e esperou pelo que o alfa faria.

Kibum levantou o olhar na sua direção, os olhos estavam desafiadores, a expressão nenhum pouco amigável. Mas todos pareciam saber que aquilo era apenas o modo normal do outro, não significava que estava sentindo-se daquela forma. Contudo, Minseok havia notado os olhares demorados para cima de Jongdae e a recusa deste em devolver o gesto. Era esquisito, mas não tão esquisito quanto a maneira que Zhou Mi o fitou, demoradamente, implorando por alguma coisa que o ômega não sabia. Ele parecia pedir que o Kim falasse algo, que impedisse Baekhyun de começar uma briga, de deixar aquilo mais difícil. Mas Minseok não se importava e além do mais, pensava, ômegas educados ficam quietos.

— Meu matrimônio com Kim Minseok foi consumado, o filhote foi concebido antes do fim de dois anos, o que o classifica como meu. — o Byun continuou, expondo a falha que o loiro já havia visto, mas que não era forte o suficiente para fazê-lo ficar. No entanto, naquele breve momento, enquanto escutava a maneira como era reivindicado, sentiu o peito aquecer. — Minseok me pertence.

— Eu tenho mais direitos sobre ele do que você. — Junmyeon acusou ficando de pé da mesma forma que o outro.

É verdade, o ômega concordou, temos o mesmo sangue, somos filhos dos mesmos pais, crescemos juntos, mas por que sinto como se não te conhecesse? Manteve seus olhos no Byun, recebeu o olhar dele, quis se levantar mas não o fez. Ninguém precisava dizer mais nada, se deu conta. Não haviam mais desculpas para serem pedidas, tudo estava no lugar certo entre eles. A separação forçada parecia ter os feito se aproximar mais, por mais irônico que isso fosse quando não se viam há duas semanas.

— O casamento foi realizado apenas nas tradições do Clã Kim, — Kibum informou e Minseok viu o exato momento em que o castanho dos olhos de Baekhyun tornaram-se assustados, havia se deixado cair numa armadilha sem perceber. — dessa forma, o senhor Kim Junmyeon tem poder para invalidar os votos e reivindicar o ômega. — Minseok sentiu que estava sendo fitado, mas não ousou desviar os olhos do Byun para checar. — O líder de um Clã tem direitos sobre seus lobos. — ele citou a lei. — E até onde nos foi dito, Kim Minseok é um Kim. — Kibum expôs e Baekhyun engoliu em seco, encurralado.

Não havia o que fazer. Seu sangue o impedia de se aproximar. Era um Kim, sempre seria um Kim. E como tal, iria permanecer onde estava, tão terrivelmente longe de qualquer Byun. O alfa o fitou, mordeu o lábio mas não disse mais nada, sabia reconhecer quando perdia uma batalha. Ele sentou-se, em silêncio e Minseok continuava o observando, gravando cada detalhe que podia. Junmeyon, ao seu lado, sentou-se também, o queixo erguido numa vitória que o ômega sentiu nojo.

1 x 0.

— Quanto ao destino do senhor Kim Jongdae, — Zhou Mi continuou, limpou a garganta e olhou para todos reunidos ali. — devido ao seu parentesco com Kim’s e Park’s, e a sua reivindicação por Byun Baekhyun, seu irmão, e Kim Junmeyon, seu líder e primo, o Conselho decidiu que Kim Jongdae perderá o sobrenome Kim, será impedido de entrar no território destes até o fim dos seus dias e carregará a marca de um traidor no rosto. Isentamos qualquer direito de Kim Junmyeon sobre ele e o tornamos responsabilidade do seu irmão, Byun Baekhyun e do Clã Park.

Baekhyun cruzou os braços e sorriu, lançou um olhar para a face espantada de Junmeyon. Ele não achava que ia perder, Minseok sabia. A única opção que seu irmão tinha naquele dia era a vitória, no entanto, a Deusa estava sendo especialmente justa quando dava a Jongdae uma chance de recomeçar, pensar nisso quase fez Minseok sentir inveja. Lançou uma olhadela para o alfa, a cabeça baixa escondia sua expressão. Quase.

— A audiência está encerrada. — Kibum anunciou e Junmyeon levantou-se primeiro, impaciente.

Minseok o fez também, do jeito mais lento que podia apenas para irritar o irmão mais um pouco. Baekhyun fitou-o enquanto fazia e no breve segundo em que se curvava para os lobos do Conselho e depois, para Jongdae e Baekhyun, em uma educação irritante, o loiro lançou um sorriso ao Byun. Apesar de não ter terminado ao seu lado no fim daquela audiência, apreciava a forma como Jongdae continuou, pois todos sabiam que ele não teria um destino justo se voltasse a ficar sob os olhos de Junmeyon. E dado as circunstâncias, Minseok parara de se importar os interesses dos Kim’s.

— Minseok. — escutou o irmão chamar. — Vamos. — o ômega assentiu e começou a seguir o alfa para longe dali.

Baekhyun não o chamou, Jongdae também não. Ninguém naquela sala fez movimento algum na sua direção e por mais que aquilo doesse, ainda assim não conseguia se impedir de se sentir aliviado. Era bom que todos ficassem longe, que tudo o que restasse fosse silêncio, ajudava-o a pensar e o fazia se sentir seguro. Os lobos Kim’s pareciam se acalmar diante do silêncio, as palavras ganhavam forças e mesmo Junmeyon, sempre tão irritado desde aquele dia, se tornava mais dócil.

— Está com fome? — o irmão perguntou depois que saíram da Sede do Conselho.

Estavam parados no meio da escada, o sol forte batia direto contra o cabelo escuro do irmão, deixava-o mais escuro e o terno do mesmo tom, o destacava inteiro como uma pessoa importante. Os humanos podiam não saber quem ele era, mas com certeza notariam sua importância mesmo assim. Minseok assentiu e Junmyeon quase lhe sorriu em resposta antes de começar a descer o resto dos degraus. O seguiu para dentro do carro, eles ficaram em silêncio durante o trajeto apesar de sentir os olhares do alfa sobre si vez ou outra, deveria estar se perguntando qual o momento certo para perguntar sobre o que estava sentindo, pois apesar de tudo, Junmyeon ainda se preocupava consigo.

Ele o expunha, o tratava como objeto, mas então, o trazia de volta. O acalentava. Deixava Minseok confuso, mas não menos surpreso. Acontecera tantas vezes, que acabara se tornando uma rotina. Cansativa, mas ainda sua rotina. Ao menos tinha Jongin ao seu lado, pronto para livra-lo da supervisão do irmão, dar-lhe alguns momentos de paz enquanto seu casamento desabava aos poucos. Seus pais estavam do seu lado também e Kyungsoo... ah, Kyungsoo, nunca o abandonara, nem por um segundo.

— Você está bem? — Junmyeon resolveu tentar, enfim. Minseok encostou a testa no vidro da janela, olhando para fora, quis fingir que não escutara o irmão numa birra sem sentido.

Abandonou a ideia no segundo seguinte, estava grandinho demais pra isso. Deveria se comportar de acordo com a idade, por mais que se sentisse com 15 anos novamente, sendo levado pelos planos do pai alfa. Ele não sabia quando tinha acontecido, mas com certeza havia. Tudo o que havia crescido, aprendido, se tornado, fora resumido em nada, em sua classe, pois no fim, tudo o que lhe restava era ser ômega.

Um ômega bem educado de preferência, pensou amargo.

— Claro. — respondeu baixo, os olhos fixos no asfalto por onde o carro passava.

Não falaram mais nada depois disso. Nem mesmo durante o tempo que passaram no restaurante e no caminho de volta para casa. O silêncio estava ali, deixando Junmyeon inquieto e um tanto arrependido. Queria conversar com o irmão, pedir desculpas pela forma como o havia tratado, mas alguma coisa em si sabia que palavras não adiantariam nada se pretendia usá-lo novamente. A verdade, era que Minseok era sua melhor carta na manga. O irmão com sua gravidez havia se tornado o ponto fraco de Baekhyun, mas também havia Kyungsoo para se levar em conta. Contudo, não faria isso. Não com Kyungsoo, ao menos.

Os pais ômegas estavam os esperando na varanda. Heechul e Ryeowook sentavam-se juntos, apreensivos, ali. Completamente nervosos com o desfecho que aquela história teria. Minseok passou direto por eles, apesar de ter escutado seu nome ser chamado. Encontrou Kyungsoo e Jongin sentados em um sofá, na sala. Havia revistas de casamento aberta entre os dois, o próprio gêmeo segurava uma, aberta numa página que mostrava bordados e rendas. Era bonito e delicado, tudo o que definia Jongin.

— Minseok. — o irmão chamou, a voz soou suave aos seus ouvidos e o ômega se viu se aproximando dos dois. Deixou os olhos pairarem sobre todo material que havia entre eles. — Quer nos ajudar?

Kyungsoo devia saber, Minseok pensou. Eles eram gêmeos, afinal. Não havia em si o que o outro não soubesse ler e nem mesmo o acidente que roubara sua memória parecia ter afetado isso. O loiro lançou um olhar a Jongin, que meio sorriu de volta. O Lu se sentia envergonhado por tudo o que estava acontecendo, como se a culpa fosse sua. Mas o Kim podia imaginar o quanto ele se sentia culpado ao estar planejando sua festa de casamento enquanto Minseok tinha o seu desfeito com tanta urgência.

— Eu preciso de um banho antes. — falou, não tinha coragem de recusar e além do mais, sua mente pedia por qualquer distração.

Queria um banho. Ia tentar amenizar o cheiro de Baekhyun na sua pele, pois mesmo que não tivessem se tocado em nenhum momento, ficar com ele na mesma sala por tantas horas fazia-o se sentia como se tivesse se banhado em vinho. O cheiro dele estava na sua pele, conseguia sentir. Devia ser culpa do bebê, lembrou, mas também sabia que não. Não era daquele jeito que costumava cheirar normalmente, costumava ser mais fraco. E ali... ah! Só deixava seu lobo confuso e com saudade. Fazia seu estômago revirar.

— Claro. — Kyungsoo concordou, um meio sorriso nos seus lábios.

Ele estava com quase nove meses. A barriga enorme, deixava suas costas doloridas e os pés inchados, ele tinha dificuldade para dormir desde que parara de dividir o quarto consigo, mas Kyungsoo ainda parecia radiante. O estágio final demandava toda uma energia que fazia Minseok se perguntar se conseguiria aguentar também quando chegasse sua vez.

O loiro assentiu e se afastou, apressado em direção ao seu quarto. Desabotoou a camisa às pressas quando entrou, a porta trancada às suas costas. Chutou os sapatos para longe, arrancou as meias dos pés, tirou a calça, a cueca, a camisa de dentro. Bagunçou os próprios cabelos, jogou os óculos sobre a cama e foi para o banheiro. Demorou mais tempo do que queria embaixo do chuveiro. Esfregou o corpo o máximo que conseguia, mas mesmo que a pele tenha se tornado avermelhada devido ao atrito demasiado contra a esponja, Minseok ainda era capaz de sentir o cheiro de Baekhyun em si. Estava mais presente do que queria, um tanto fraco. Abaixo do seu. Era culpa do bebê, se assegurou.

Até o fim da gravidez teria aquele cheiro. Uma mistura do seu cheiro com o do outro pai, mas o cheiro de Baekhyun, por ser alfa, podia muitas vezes tornar-se mais forte com o avanço da gravidez. O lobo fazia essa coisa estranha de mascarar o cheiro do feto com o cheiro do parceiro dominante, em geral alfas. Acentuava isso para afastar outros lobos, deixava que outros alfas soubessem que aquele ômega já tinha um parceiro. Só que, dado as circunstâncias, Minseok não tinha mais um parceiro.

A aliança nem mesmo estava mais no seu dedo. Fora abandonada na gaveta do seu criado mudo, escondida dos seus olhos numa forma de não fazê-lo lembrar de toda a bagunça que aquele matrimônio causou. No entanto, seu lobo não entendia as circunstâncias dessa forma. Seu lobo não era regido pelas regras da parte humana, ele apenas sentia e sentia e sentia. Agia por impulso. Era instintivo. E no momento, desejava seu parceiro de volta quase que na mesma intensidade com que o lado humano de Minseok.

Quando voltou à sala, Heechul e Ryeowook continuavam na varanda discutindo alguma coisa com Junmeyon. Minseok notou a silhueta dos três pela janela da sala. O Kim recuou as mangas da sua camisa até os cotovelos enquanto se aproximava do irmão e do futuro cunhado, sentou-se no sofá à frente deles.

— E então? — questionou o mais simpático que conseguia.

O cabelo molhado parecia castanho, Jongin notou.  Estava penteado para o lado, formal do jeito que tudo em Minseok costumava ser. Às vezes, o ômega Lu se perguntava como aqueles três irmãos poderiam ser tão diferentes e em como Kyungsoo parecia ser único a não destoar ao se carregar tanto da personalidade de Kim Ryeowook.

— Estamos tentando escolher a decoração. — Jongin falou, mostrou para si a página na revista aberta.

O Kim se inclinou, os cotovelos apoiados nas coxas. Ele parecia relaxado para Kyungsoo, cheirando a mirtilo e sabonete. Quase não conseguia notar o cheiro de Baekhyun em si e não sabia dizer se isso era bom ou ruim. Uma parte sua quis perguntar sobre a audiência, se Chanyeol estava lá, se perguntara por si e se alguma coisa havia sido decidida, mas olhando dali para o irmão ômega, percebeu que ele não estava pronto para falar. Estava marcado nos detalhes do seu rosto o quanto não queria falar sobre aquilo.

— Eu gosto do padrão dessa renda. — Jongin continuou falando, a voz animada. — Se pudéssemos encontra-la em outras cores, iria ficar lindo se usassem durante a Cerimônia das Cores.

Minseok lançou um olhar ao irmão e Kyungsoo prendeu o riso bem firme nos lábios. A padrão da renda era brega, chamativo demais, parecia não combinar com nada. Mas nenhum deles diria qualquer coisa a Jongin sobre aquilo, deixariam que o ômega escolhesse o que quisesse, que os vestisse com suas sedas chamativas e sem padrão.    Ao menos Kyungsoo não participaria da Cerimônia das Cores, estava grávido o suficiente para ser dispensado de ficar dançando, girando e fingindo felicidade ao redor dos noivos. Cabia a Minseok essa tarefa.

Infelizmente.

— Realmente lindo. — Kyungsoo teve a cara de pau de concordar e Minseok se segurou para não revirar os olhos.

Podia ser pior, pensou. Podia ser pior.

***

Dasom viu o exato momento em que Baekhyun chegou da audiência acompanhado de Jongdae, o seu primo. Era estranho pensar que havia outra pessoa com sangue Park além deles dois, alguém que ninguém sabia da existência até duas semanas atrás. Não haviam espalhado a notícia ainda, parecia o certo a se fazer apesar de ser a incomoda a sensação de esconder algo do seu pai, Hyukjae. Ele deveria ser o que mais ficaria feliz com aquilo? Afinal, sua irmã havia deixado dois filhos. Um com sangue Kim, fruto de um adultério, um amor proibido. Outro com sangue Byun, fruto de um casamento indesejado.

A ômega escutou os passos do primo subirem a escada, levantou o rosto para observa-lo ir embora e só então, lançou um olhar a Jongdae, parado no pé da escada. O curativo se destacava em branco na sua bochecha direita, escondendo sua traição com dificuldade. Dasom conseguia notar as pontas da ferida saindo pelas bordas laterais como tentáculos de um monstro. Logo ele teria que abandonar aquele curativo, não podia esconder seu pequeno pecado para sempre e uma parte sua estava animada com isso, queria saber a forma que enfeitava a pele do outro.

— Ele o perdeu. — Jongdae contou diante do seu olhar e Dasom comprimiu os lábios.

Já imaginava que aquilo fosse acontecer, pois apesar de tudo o que Minseok viverá ao lado do primo Byun, ainda era um Kim e Kim’s sempre ficavam embaixo dos seus responsáveis, principalmente quando um deles era o próprio irmão e líder do Clã.

— E o bebê? — perguntou o que realmente lhe preocupava.

— Guarda compartilhada. — Jongdae respondeu-lhe.

Não era o que esperava, admitiu a si mesma, mas ainda assim era melhor do que deixar a criança ser criada exclusivamente por Kim’s. Não gostava tanto assim daqueles lobos, seu clã havia tido problema suficiente com eles no passado. Não só por conta do infeliz incidente com sua tia Jihyun, mas também por outras coisas um tanto mais graves que suas avós e seu pai tiveram que enfrentar no passado. Sabia por alto que os Kim’s não eram tão receptivos com outros clãs e principalmente com Byun’s e Park’s, coisa que sempre a fazia se perguntar sobre como Kim Minseok terminou dividindo a cama com Baekhyun.

Ela se pôs de pé. Iria conversar com o primo Byun. Foi na direção que o mesmo havia seguido. Jongdae, parado no pé da escada a observou. Não eram íntimos e Dasom duvidava que fossem algum dia, não conseguia confiar realmente naquele lobo dado sua criação como Kim e além disso, aquela marca na sua bochecha deixava claro muitas coisas sobre sua falta de caráter, pois se foi capaz de trair o clã em que viveu por tanto tempo, então era capaz de trair qualquer outro clã ou pessoa. Definitivamente, nenhum pouco confiável.

— Deveria deixa-lo sozinho. — o alfa alertou ao começar a se afastar. — Você não é a ômega que ele quer.

A Park fitou-o, os lábios comprimidos em desaprovação. Não tinha esse tipo de interesse em Baekhyun. Eles eram primos, haviam crescido juntos. Eram amigos e apesar do noivado desastroso, não pensava em Baekhyun desse jeito. Dasom acreditava que estava destinada a outra coisa. Desejava que o pai aprovasse seu sonho de ser uma sacerdotisa, queria seguir os passos da mãe que não conheceu.

— E muito menos é você que ele quer. — ela rebateu. — Não sei o que Baekhyun planeja, mas com certeza está fazendo por um bem maior porque sabemos muito bem quem ele escolheria se pudesse.

Jongdae não a fitou, apenas guardou as palavras e se afastou. Em silêncio. Não havia o que dizer, no fim das contas. Dasom estava certa. Toda a estadia de Jongdae naquela casa, naquele clã, tinha um objetivo e não se resumia a Baekhyun tendo um ataque de amor fraternal. Talvez, tivesse algo haver com Siwon e Donghae, com toda a culpa que esse primeiro carregava e que de alguma forma respingava em Baekhyun, que não conseguia negar o pedido do mais velho mesmo sendo o real líder ali.

A verdade, era que mesmo que tivessem lhe explicado sua origem, os pormenores que rondavam seu nascimento, tudo não passava de palavras para Jongdae. Não vivenciara aquilo e por isso, todos os relatos pareciam tão distantes. Não havia nada em si que sentisse empatia pela mulher que sua mãe fora ou pelo pai, ex-amigo de Siwon. Sempre lhe parecia que todos enfeitavam as lembranças, que só lhe mostravam a parte boa e isso o irritava. Estava cansado de mentiras, que lhe escondessem fatos, que o usassem com tanta maestria, mas se via deixando mesmo assim porque também estava cansado de lutar contra a corrente. Deixaria que se divertissem, pensou.

Dasom o viu se afastar, virou o rosto em direção ao caminho que Baekhyun fizera antes e começou a subir a escada. A casa estava em silêncio, dava a impressão de que não havia mais ninguém além dos três ali mas bem sabia que Donghae estava no quarto com sua filhote enquanto Chanyeol se desdobrava no novo emprego na empresa ao mesmo tempo que Siwon tentava cobrir o filho em alguns compromissos. A Park também tentava. Fazia algumas semanas que estava tomando decisões no lugar de Baekhyun, discutindo assuntos com Kangin enquanto o primo fechava-se em si mesmo, no seu quarto, fazia ligações, escrevia cartas e parecia não ter retorno algum em suas investidas secretas.

Alguma coisa na garota sabia que ele estava tentando algum tipo de passe para entrar na alcateia Kim, mas aquele lugar estava fechado para qualquer tipo de negócio. Soube por outras línguas que Kim Junmyeon fechara os portões, ninguém saia sem uma autorização e muito menos entrava sem. Um dos seus lobos espiões contara que os Kim’s Principais estavam de castigo, trancafiados no próprio clã. Era uma atitude grotesca, admitia, mas nenhum pouco surpreendente. Alfas costumavam fazer aquilo: seguravam tudo o que lhes pertencia com tanta força que os sufocava, os afastava de qualquer outro e honrava sua classe possessiva.

Ela parou em frente a porta do quarto dele, respirou fundo antes de bater. Demorou algum tempo até que o alfa abrisse a porta, o rosto estava normal e a sobrancelha arqueada em questionamento fez Dasom lhe mostrar um sorriso amigável, então a porta se abriu mais um pouco e a ômega entrou no cômodo. O quarto estava arrumado apesar da confusão de papéis em cima da escrivaninha.

— Jongdae me contou. — ela falou depois que a porta se fechou, ainda estava olhando o interior do quarto, de costas para ele.

Baekhyun encostou as costas na porta fechada, a sola do pé apoiou-se na parede e o rosto abaixou-se num sorrisinho nada feliz. Odiava quando falavam por suas costas, mas a raiva parecia maior quando pensava que as palavras saíram da boca de Jongdae. Não entendia muito bem de onde o ressentimento vinha, mas o sentia nas entranhas, se revirando numa raiva pura que o fazia querer desistir daquela insanidade que era dar abrigo a um traidor, mas o mau já havia sido feito. Não havia mais jeito de voltar atrás e só ele parecia saber o peso dessa certeza.

— Guarda compartilhada não é ruim. — Baekhyun tentou contornar a situação, apesar de saber que não era exatamente a isso que a prima se referia. — O bebê vai poder ter conviver com nós dois, receber o melhor...

— Você nem sequer quer ser pai. — a Park alfinetou, com os braços cruzados virou-se para fita-lo e Baekhyun engoliu em seco. — Eu sei que gosta daquele Kim, mas isso não anula o fato de que não quer a criança.

— Ainda é cedo para pensar nisso. — ele desencostou-se da parede e foi até sua escrivaninha, fingiu organizar os papéis espalhados ali. — Existem nove meses para que eu me acostume com isso.

Acostumar. — Dasom resmungou e Baekhyun virou o rosto na sua direção, lhe lançou um olhar gélido. — É uma criança, não uma coisa.

— Por que está sendo assim? Até ontem estava feliz em ser tia. — ele mostrou-se irritado, juntou um punhado de folhas do jeito mais displicente que conseguiu, não prestava mais atenção nos seus atos.

— Quero que faça alguma coisa. — ela disse. — Fique com a guarda da criança só para si. — Baekhyun guardou os papéis na gaveta da mesa, não estava olhando para ela, mas Dasom sabia que o estava irritando. — Sabe que pode ganhar. É um alfa, ômegas...

Não tem direitos. — subitamente completou. — Mas isso não quer dizer que vou fazer isso com Minseok.

— Porque gosta dele.

— É! É porque eu gosto dele. — confirmou com raiva sustentando o olhar que a prima lhe lançava. — E ele é o pai do meu filho e nós nem sequer estamos casados. Droga! — chutou o pé da escrivaninha e Dasom suspirou, virou-se de costas para ele.

— Então, case-se com ele.

Baekhyun a fitou, confuso. Não havia como isso acontecer, Junmyeon nunca permitiria e além do mais, haviam acabado de terminar o matrimônio. O documento, a cerimônia, tudo perdera seu valor. Ir atrás de Minseok agora iria apenas prejudica-lo. Talvez, Junmyeon o reportasse ao Conselho como um alfa louco e então, perderia o direito de ver o ômega novamente ou até mesmo de conhecer seu filhote. Pensar nessa possibilidade, o fazia sentir medo. Um medo estranho que nunca estivera ali antes, a necessidade de tê-lo de volta estava o deixando maluco.

Era o instinto, seu pai explicara. Acontecia quando seu parceiro engravidava, acontecia depois do primeiro contato com seu filhote. O instinto se aflorava, tornava-o mais protetor, um tanto possessivo com a família. Vinha do seu lobo, era complicado controlar, perturbava sua mente a cada vez que se dava conta de que perdera Minseok. A sentença final havia o machucado mais do que previra e se dar de conta de que fora o causador daquilo, só o fazia sentir um pouco mais de raiva.

— Acha que isso é mesmo tão simples? — devolveu, cruzou os braços em direção a prima.

— Junmyeon foi capaz de anular o casamento porque estavam casados apenas nos termos Kim’s, se convencer Minseok a se casar contigo nos termos Byun’s, ninguém vai poder desfazer além de você.

O alfa arregalou os olhos, um tanto surpreso pela forma como Dasom conseguia dizer aquilo de forma tão natural como se ela não estivesse sugerindo traição por parte de Minseok, sugerindo a Baekhyun que tornasse aquela convivência pior do que já estava, que prejudicasse qualquer avanço na aproximação de Chanyeol e Kyungsoo. Porque bem podia imaginar como Junmyeon reagiria se Minseok aceitasse se casar consigo novamente. Talvez, o expulsasse do clã, o afastasse de vez da família e Baekhyun não suportaria ser o causador disso apenas por um capricho do seu lobo.

— Sabe que isso é improvável. — falou e a expressão de Dasom se contorceu em irritação. — Minseok não deixaria a família para trás.

— Minseok prendeu você numa armadilha. — acusou e Baekhyun comprimiu os lábios. — Ele é tão traiçoeiro quanto nos ensinaram e mesmo assim você terminou dando à ele tudo.

— Não sabe do que está falando. — ele virou-se de frente para a escrivaninha, tornou a organizar os papéis que sobraram ali. — Minseok não é desse jeito.

— Mesmo? Ele pode ter engravidado de propósito.

O Byun comprimiu os lábios e a fitou de canto de olho.

— Não foi desse jeito. — defendeu o Kim com firmeza. — Foi um acidente.

— Nem você acredita nisso.

— Não há nada para acreditar! — irritou-se de vez, as mãos espalmaram-se na superfície da escrivaninha e fizeram os papéis ali pularem, alguns caíram da pilha até o chão. Dasom encarou o ato, um tanto assustada, ainda era uma ômega e odiava a forma como sua loba encolhia-se inteira diante de um alfa bravo. — Se os Kim’s agiram pelas minhas costas ou não, isso é problema meu. Não preciso que dê palpite nisso.

A Park bufou, comprimiu os lábios mas não disse coisa alguma. Limitou-se a bater o pé, irritada com a forma como Baekhyun a afastava dos seus problemas e tudo por conta de um Kim, parecia até uma piada. Ela virou-se de costas para ele e andou até a saída, abriu e foi embora sem fazer questão de fechar a porta. Baekhyun encarou o caminho que prima percorreu, suspirou, voltou seus olhos para a bagunça que era sua escrivaninha e num ato de raiva pura, segurou na borda da mesma e a virou contra a parede. O barulho foi alto, os papéis e objetos chocaram-se com o chão com rapidez e mesmo Baekhyun se assustou com a forma que agiu.

Afastou-se, deu passos para trás até encontrar sua cama e sentou-se ali. Sentia-se como se estivesse preso dentro de um tanque de água, onde a temperatura aumentava a cada pedaço de tempo. Tão insuportavelmente preso naquele calor, mergulhado nos seus problemas, ao ponto de se afogar. Encarou a bagunça que havia feito, ergueu as mãos e levou-as aos cabelos, segurou os fios escuros com força e fechou os olhos. Estava estressado demais, pensou. Precisava relaxar.

— Filho? — abriu os olhos e virou o rosto em direção aquele que o chamava. — Tudo bem? — Donghae falava baixo, suave, agia com cautela, fazendo Baekhyun se perguntar quando havia se tornado ameaçador.

Assentiu. Afastou as mãos dos seus cabelos, descansou-as sobre o colo e Donghae o fitou daquele jeito, cheio de uma compaixão doce demais para que conseguisse ignorar. O ômega se aproximou, sentou-se ao seu lado na cama e Baekhyun deitou a cabeça sobre seu ombro. O pai tinha cheiro de leite e lírio roxo, por baixo daquilo havia o cheiro do seu pai alfa, não era forte. Só uma mistura engraçada de cheiros que o confortava bastante. Sentiu os dedos do Lee nos seus cabelos e quando percebeu, estava com a cabeça deitada sobre as coxas do pai recebendo um cafuné simples.

Donghae não insistiu em saber o que acontecia, só deixou o silêncio se prolongar por bastante tempo para total tranquilidade do Byun. Ele não queria falar dos problemas ainda, sentia como se as palavras estivessem confusas na sua boca, nenhuma delas tinha um sentido claro ainda. Se abrisse a boca agora com certeza terminaria com Donghae o fitando confuso, sem entender o que de fato o afligia. Então, limitou-se a abraçar o silêncio, com força. Ficaria ali para sempre, se pudesse, mas ao longe o choro de Ji Eun cortou seu plano no meio.

— Eu tenho que ir. — o pai avisou e Baekhyun levantou-se a contragosto do seu colo. — Não tenha ciúmes. — ele pediu brincando e pela primeira vez naquele dia, Baekhyun sorriu.

— Eu cheguei primeiro. — demandou e Donghae afagou-lhe os cabelos escuros antes de deixar um beijo em seu rosto.

— Não esqueça de comer alguma coisa. — pediu e Baekhyun assentiu, mesmo que não quisesse que o pai fosse embora. Alguma coisa em si só queria continuar se escondendo no colo dele.  

O pai se afastou, os passos suaves até a porta. Ele fechou-a. Baekhyun encarou a madeira da mesma por bastante tempo até decidir por se jogar na cama, os braços abertos. Fitou o teto. Precisava organizar suas prioridades do momento e ir resolvendo uma a uma, do jeito como o avô lhe ensinara a fazer. Não podia se deixar dominar por emoções, isso só servia para atrapalhar na sua tomada de decisões e o momento exigia que Baekhyun fosse o mais frio possível.

Rolou na cama, ficou de lado e deixou seus olhos vagarem pelos detalhes do seu quarto até pararem nas chaves em cima do seu criado mudo. Eram as chaves do seu carro. Brilhavam diante dos seus olhos, como que o convidando a sair dali. Suspirou e sentou-se, esticou a mão até as chaves e as segurou na palma. Mesmo que quisesse sair, não tinha para onde ir quando o único lugar que conseguia querer estava indisponível para si.

Desviou os olhos pela bagunça que era seu quarto, a mão fechada com força em volta da chave. Nunca havia sido uma pessoa bagunceira, seus pais prezavam demais a organização para deixar que fosse. Contudo, desde que fora expulso da alcateia Kim seu quarto se tornara uma zona de roupas, papéis, objetos espalhados. Era como se aquele pequeno cômodo traduzisse toda a confusão que existia no seu interior e bem sabia, que os habitantes da casa conseguiam lê-la em si. Dasom era uma dessas pessoas, quando estava sempre por perto, lhe dando suporte, escutando suas lamurias e oferecendo uma frase ou outra de efeito para tentar animá-lo, mas não estava sendo fácil. Havia coisa demais para resolver, decisões difíceis que não achava possível tomar sozinho, contudo havia feito.

Abrira mão de Minseok na primeira oportunidade ao recusar a proposta de Junmyeon para que lhe devolvesse Jongdae. Deixará essa briga chegar aos ouvidos do Conselho e depois, deixara que Minseok fosse tirado de si. Baekhyun havia decidido dar abrigo a Jongdae, a acolhe-lo como seu lobo. Dasom concordara em ceder o sobrenome Park à ele e seus pais e irmão não se oporiam a sua decisão. Mas ele se opunha agora. Se opunha contra si mesmo.

Afinal, estava mesmo sendo um bom líder ou apenas estava agindo em prol dos pecados dos seus pais? Parecia certo pensar que sim, quando estava mantendo a dignidade do seu Clã ao se recusar a pedir desculpas por um crime que não era seu, além de não deixar que alguém com o seu sangue morresse injustamente nas mãos de um Kim. Haviam formas mais limpas de resolver aquilo sem precisar recorrer a morte, bem sabia, contudo Junmyeon parecia cego com a ideia de que um pouco de sangue podia acalmar seus lobos e Baekhyun não achava que ele estivesse errado, afinal Kim’s eram mais radicais do que esperava.

Menos Minseok, se corrigiu. Minseok era diferente de qualquer pessoa que conhecera. Com aqueles malditos olhos puxados, ele conseguia transmitir tudo o que pensava e a forma como o fitou, mais cedo na audiência, deixava claro que, sim, estava fazendo um bom papel de líder. Ser deixado para trás não parecia ter o abalado, mas ainda assim perturbava Baekhyun. A certeza de ter tanto poder nas mãos e não poder ter o que quer, fazia-o se sentir confuso.

Foi assim que sua mãe se sentiu? Uma ômega casada com o líder de um clã supostamente, seria o braço direito do seu pai, teria tanta autoridade quanto ele sobre os lobos, mas não parecia ser assim que funcionava, afinal todo o poder do seu pai foi usado para mantê-la presa ali, o mais longe possível daquele que ela amava. Baekhyun se sentia do mesmo jeito, com a diferença de que acabara se tornando o vilão da própria história.

Abriu a palma e encarou as chaves ali, comprimiu os lábios e ficou de pé. Precisava organizar seus pensamentos e ficar ali encarando a bagunça do seu quarto não ia ajudar. Andou pelo quarto, calçou os sapatos e pegou um casaco. Saiu apressado de casa, não disse a ninguém onde ia porque nem mesmo ele sabia o caminho que percorreria. Sentou-se no banco do motorista do seu carro e só depois de sair da Alcateia foi que se deu conta de que realmente não havia lugar nenhum para ir. Não havia lugar algum em que quisesse estar. Havia apenas uma incerteza amarga sobre o vazio que preenchia seu peito. Contudo, mesmo assim, pisou no acelerador.

Mas mesmo que não soubesse para onde estava indo, não foi uma surpresa quando parou em frente daquele bordel, a velha casa tradicional coreana em que o pai o trouxera pela primeira vez há tanto tempo, quando não passava de um garoto virgem. A lembrança ainda soava desconfortável no seu interior. Era o tipo de coisa que não gostava de pensar como parte de si, mas com toda certeza fazia. Não podia se livrar da sensação, assim como não conseguia se livrar da forma como sempre acabava procurando aquele lugar para organizar seus pensamentos.

Estacionou o carro e seguiu em direção a entrada do bordel. A fachada não chamava a atenção, era tudo muito simples, sem cores chamativas, nada além de uma casa tradicional coreana, mas na medida que Baekhyun se aproximava, começava a sentir aquele cheiro. O cheiro adocicado da luxúria que impregnava cada detalhe daquele lugar. Talvez, viesse das flores, pensou. Fazia sentido quando a casa era rodeada por um massivo caminho de flores coloridas, as malditas flores coloridas que perseguiram seus sonhos depois da primeira vez que foi ali.

Bateu na porta, exatos três toques ritmados. Uma senha boba para que soubessem que havia mais um cliente querendo entrar. Logo a porta foi aberta e ele entrou, tirou o casaco, deixou que o empregado ali o guardasse. Recebeu um cartão depois que se identificou. Seu sobrenome era importante ali, não por ser o alfa líder, mas por ser um Byun. Sua família já havia frequentado aquele lugar por tempo suficiente para se tornassem clientes vips.

Encarou o tom prateado do cartão, guardou-o no bolso da sua calça e avançou pelo lugar. O cartão lhe dava acesso à um quarto bem mobiliado com direito a serviço de quarto, podia usá-lo com algum garoto ou garota do lugar se assim desejasse. Parou em frente ao bar, puxou um banco e sentou-se ali, os cotovelos apoiados na bancada. O barman pareceu o reconhecer, quando ergueu uma sobrancelha na sua direção e logo, o estava servindo com a bebida de sempre.

— Faz tempo que não o vejo aqui, senhor Byun. — o homem o cumprimentou, por fim.

Baekhyun quase sorriu, contudo, apenas se concentrou em fechar os dedos em volta do copo de bebida. Levou-o a boca e bebeu um gole realmente longo, abandonou o copo sobre a bancada e encarou o barman, que parecia esperar uma resposta.

— Eu casei. — contou e como que para ilustrar isso, ergueu a mão, mostrou-lhe a aliança, que ainda adornava seu dedo.

O homem riu, jogou o guardanapo sobre o ombro, balançou a cabeça em negação e deu atenção a outro cliente que chegava, deixando que Baekhyun se concentrasse em apenas beber. O barman voltou a encher o seu copo, mas não lhe perguntou mais coisa alguma e o alfa gostou do silêncio daquilo, apesar da música que começava inundar o local inteiro. E entre um levantar de copo e outro, se pegou encarando o anel no dedo. A aliança era bonita, não havia como negar, o dourado combinava com a sua pele, brilhava ali em alerta para os humanos de que estava seguindo suas regras de matrimônio.

Era um fato engraçado, mas que existia há tanto tempo na vida do seu Clã, que nenhum deles mais se questionava porque usavam alianças como os humanos em vez das tatuagens que os Lu’s tanto adoravam ou quem sabe, não marcavam seus parceiros como os Choi’s, afinal cada Clã costumava ter seus próprios costumes na hora de selar sua união com outro lobo, menos os Byun’s. Os seus costumes haviam sido enterrados embaixo das vontades dos seus avós, bisavós, tataravós, todos os líderes antes de si haviam matado um pouco das raízes da alcateia para poder fazê-los se encaixar no modo de vida dos humanos. E não era como se Baekhyun os culpasse, mas em momentos como aquele, em que se pegava olhando para o passado, se perguntava se tudo não podia ter sido diferente entre ele e Minseok se simplesmente o tivesse marcado durante a cerimônia de casamento*.

— Está sozinho? — uma pessoa surgiu de lugar nenhum e ocupou o lugar ao seu lado. — Posso lhe fazer companhia. — ofereceu, a mão pousou sobre sua coxa de um jeito suave.

Baekhyun fitou o gesto da pessoa, afastou a mão de si, voltou a encarar o copo sobre a bancada, fechou a mão em volta do mesmo.

— Não estou interessado. — demandou à pessoa.

Pelo canto de olho, o viu apoiar os cotovelos sobre a bancada e suspirar. Era um garoto, notou. Cheirava a alguma coisa doce, um tanto frutado, denunciava sua natureza ômega e fazia o alfa ficar enjoado. Franzio o nariz e afastou o copo de bebida de si, ficou de pé. Apanhou a carteira no bolso e tirou algumas notas, jogou-as sobre a bancada e foi embora. Não conseguia mais ficar ali, havia pessoas demais para que conseguisse apenas beber em paz.

Devolveu o cartão ao porteiro, vestiu seu casaco e saiu. Voltou para dentro do seu carro e permaneceu ali por bastante tempo, encarou o GPS do carro. Traçou sua nova rota, mas não teve coragem de ligar o carro. Sabia que se fosse até lá, só estragaria ainda mais aquilo, então terminou por traçar outro caminho pelo GPS. Ligou carro e dirigiu até Chenggyecheon**.

O lugar não ficava tão longe de onde estava, por isso, não precisou enfrentar um trânsito grande até lá. Estacionou o carro um tanto longe do lugar, alguma coisa em si queria um pouco da liberdade de caminhar para tentar arrumar seus pensamentos, por isso, guardou a chave do carro no bolso do seu casaco e saiu dali. Atravessou a rua até Chenggyecheon.

Ainda era começo de noite, não estava muito perto das oito horas e talvez, fosse por isso que o lugar estava cheio. Haviam famílias completas passeando por aqui e ali, casais de namorados ou apenas amigos andando em grupos, rindo, fotografando, falando alto sobre qualquer coisa. Baekhyun avançou pelo lugar, procurou um banco vazio perto do rio, mas não havia nenhum, então só continuou andando ao longo da margem, lançando olhares aqui e ali, fingindo alguma curiosidade pelo que lhe rodeava.

Só queria uma trégua dos seus pensamentos turbulentos e da loucura de sensações no peito, desejava algum descanso, mas para cada tentativa sua, se via apenas entrando mais e mais fundo nisso tudo. Estava em um beco sem saída, jogado numa armadilha muito bem pensada por Kim Junmyeon e todo o seu clã. Quem sabe Dasom tivesse razão e Minseok soubesse desde o início o que estava acontecendo, tenha participado, oferecido sua cabeça como forma de provar o seu valor para o irmão. Parecia certo pensar dessa forma, afinal Minseok era um Kim, devia provas de lealdade ao seu clã.

Encontrou um banco vazio longe de todo o público que ocupava o começo do Parque, aproximou-se e sentou-se ali. Havia andado mais do que imaginara quando não havia mais tantas pessoas ali. Procurou o celular no bolso do casaco e verificou as chamadas perdidas, as mensagens. Haviam muitas de Dasom, algumas de Donghae, uma ou outra de Kangin e — incrivelmente — um de Hyukjae, seu tio. Franzio o cenho para aquilo, afinal o Park não fazia o tipo que o procurava, no entanto, o estranhamento passou rápido quando lembrou-se do assunto inacabado que tinha com o outro.

Parecia certo focar sua atenção nisso quando todo o resto parecia resolvido. Não precisava mais se preocupar com a aliança instável com os Kim’s e muito menos com um ataque dos humanos, tudo havia saído da sua jurisdição e mesmo que tentasse falar sobre esse último com Junmeyon, não achava que teria suas palavras levadas à sério. Então, só lhe restava cumprir a sua parte no trato fechado com o tio.

Encarou a tela do seu celular e deslizou o dedo por ali, procurou o número que o pai alfa lhe fornecera algum tempo atrás. Fitou por bastante tempo os números, respirou fundo, tentou afastar o nervosismo de si, mas quanto mais pensava no que estava prestes a fazer, mais sentia como se fosse explodir, afinal não era uma ligação qualquer. Não sobre negócios que teria que tratar, apesar de, no fundo, ser exatamente isso.

Não passava de uma coisa que tinha que cumprir, algo que havia prometido a Hyukjae. Era um negócio, no fim das contas, contudo, ainda deixava cada parte de si ardendo em dor e ansiedade. Fazia-o querer dar meia-volta, se esconder, descartar o celular na primeira lixeira que encontrasse apenas para não sofrer com aquela tentação, só que nunca poderia fazer aquele tipo de coisa. Era um Byun, um líder, um alfa, não podia voltar com a sua palavra, não podia deixar que Hyukjae soubesse o quanto aquilo o afetava. No fim, precisava apenas fazer aquilo que sempre fora ensinado a fazer: erguer a cabeça e seguir em frente.

Clicou no ícone de chamada e viu a ligação começar, aproximou do ouvido e esperou. A cada toque bem podia escutar o próprio coração batendo rápido, o sangue rugindo nos ouvidos, afastando o som de qualquer outra coisa perto de si. O trânsito dos carros estava acontecendo ao longe, o som de pessoas conversando, o rio seguindo seu caminho à sua frente, o cheiro da cidade, aquela saudade boba no peito, nada parecia páreo para o momento em que a sua boca ficou seca, a língua pastosa tocou no céu da boca e os olhos fecharam-se em puro nervosismo.

Alô? — a voz feminina o alcançou, o sangue rugindo nos seus ouvidos dificultou que formulasse uma resposta à altura.

Abriu a boca, tentou molhar os lábios, mas percebeu que estava tremendo. A perna balançou num tique, nervosismo escorrendo de si. Nem em um milhão de anos achou que estaria naquela situação, fazendo uma ligação para uma pessoa morta. Era insano, totalmente surreal, não combinava com tudo o que havia vivido até ali. Não combinava nenhum pouco com as palavras que escutara da boca dos pais, do tio, as avós. Havia um túmulo, pensou agitado, havia a porcaria de uma urna com as suas cinzas dentro!

Alô? — a mulher tentou mais uma vez, parecia mais impaciente que a primeira vez, a incerteza da primeira vez não estava mais ali.

Baekhyun ergueu a mão livre e levou aos cabelos da nuca, puxou os que encontrou ali, os olhos ainda estavam muito fechados, tão apertados que doía. Abriu a boca de novo, tentou falar, mas se viu apenas puxando o ar com brusquidão. Aquilo era demais, pensou. Não achava que estava tendo um ataque, mas também não achava que estava indo bem naquele primeiro contato, porque continuava sentindo como se algo no seu peito estivesse explodindo, espalhando lava quente por suas veias, derretendo-o aos poucos, de dentro para fora.

Aquela mulher... aquela mulher, pensou. Tentou formar uma frase no pensamento, quem sabe um simples olá resolvesse isso de uma vez. Não era difícil. Só precisava convence-la a se encontrar consigo, só precisava atrai-la para uma emboscada, só precisava engana-la da mesma forma como havia sido enganado. Não era tão difícil, devia está presente no seu sangue aquele tipo de coisa, afinal estava descendo tão baixo para cumprir um acordo.

Afastou o celular da orelha, abriu os olhos e observou os minutos se movendo na ligação em andamento, mas não teve coragem de retoma-la. Aquilo havia se mostrado mais difícil do que achara e como se estivesse preso em um sonho, viu a ligação se encerrar, a tela do seu celular se apagou. Travou por si mesmo da forma como estava programado, então se viu encarando o seu próprio reflexo, os olhos brilhavam em medo, denunciando que a ansiedade que o movia em direção à ela também era a mesma que o afastava.

Ficou de pé e guardou o celular no bolso, refez o caminho até o seu carro e mais uma vez naquela noite, se pegou indo embora, dirigindo a esmo e com o peito cheio de confusão e dor. Em algum momento teve a companhia da chuva.

Devia ser madrugada quando o céu fechou-se e a chuva desceu por sobre seu carro. Estava estacionado a alguns quilômetros da alcateia Kim, sentado no banco do motorista, encarando o caminho à sua frente. Os faróis estavam desligados, por isso só via a escuridão e quando a chuva começou, não havia nada para ver. Apertou o casaco no corpo e meio se encolheu ali dentro, não achava que era prudente continuar ali mas também não conseguia se forçar a ir para mais longe, então permaneceu.

***

Um mês depois

A chuva começou tímida na madrugada e se estendeu pelo resto do dia seguinte, mascarou o sol e deixou tudo meio acinzentado e friorento. Minseok havia passado metade do dia no quarto, enfiado embaixo das cobertas com o notebook apoiado sobre a barriga trabalhando em um projeto um tanto simples. Pretendia entregar aquilo até as cinco da tarde, apenas para ter o resto da noite livre, mesmo que não tivesse muito o que fazer com esse tempo quando não podia sair dos arredores.

Junmyeon havia deixado ordens restritas com os sentinelas acerca deles, os Kim’s Principais, e os outros lobos Kim’s. Ninguém podia entrar ou sair sem uma autorização e como mais da metade do clã tinha seus trabalhos dentro do território, era normal que eles não sentissem a repressão e quem sabe, por isso, não reclamavam. A massa prejudicada de lobos era pequena demais para receber alguma atenção, Minseok sabia. Fazia parte deles, compartilhava das suas frustrações, mas enquanto eles podiam conseguir o passe-livre para fora da alcateia, o ômega era obrigado a ficar, coisa que só servia para fazê-lo se sentir um garotinho de castigo.

E não duvidava que fosse isso quando Junmyeon parecia disposto a lhe ensinar algum tipo de lição obscura. Devia ter ficado profundamente chateado com a certeza da sua gravidez ou com a forma como foi capaz de enfrenta-lo ao escolher o lado de Baekhyun, tudo deveria soar como traição aos seus ouvidos, mas ele escondia tão bem sua chateação ao usar sua preocupação com os lobos Kim’s, que Minseok se pegava constantemente apenas aceitando o lado do irmão, perdoando-o mais do que o necessário.

Segurou na tela do notebook e se preparou para fechar, afinal não havia o que fazer ali. Seu desenho estava pronto. Corrigira as falhas da tentativa anterior e mudara a cor da forma como o cliente havia pedido. O novo design já tinha sido enviado. Precisava só fechar o notebook agora, cobrir-se por inteiro e dormir pelo tempo que conseguisse antes que um dos seus pais ômegas aparecesse para arranca-lo do quarto e o obrigar a tomar mais uma daquelas vitaminas com gosto de terra e mato. Contudo, a mão vacilou e o desligar, não veio.

Encarou a tela por mais um tempo e se viu ajeitando-se na cama, sentou-se e apoiou o notebook nas pernas e abriu o navegador, abriu seu email e procurou um especifico na sua caixa de entrada. Havia sido movido para a lixeira, mas ainda estava lá. Pronto para ser recuperado e Minseok quis fazê-lo. O desejo veio tão rápido quanto foi embora, então só limitou-se a abri-lo novamente e ler o seu conteúdo.

Não havia algo significante ali, no fim das contas. Era apenas um endereço. Nada mais, nada menos. No entanto, no seu interior reverberavam as palavras de Hyuna. Era ali que deveria estar. Aquele lugar era o começo do que concordara fazer, mas dado as circunstâncias não sabia quando poderia começar realmente, afinal seu irmão não lhe daria um passe-livre sabendo que Minseok bem poderia usá-lo para encontrar com Baekhyun, mas incrivelmente não era nele que estava pensando diretamente apesar de saber que havia algo dele aqui e ali, pintando rastros no seu pensamento. Havia mais coisas para fazer, havia um trato para ser cumprido, alguma coisa que só dependia de si, mas que adoraria dividir com o Byun. O tipo de segredo sujo que sabia que o alfa escutaria.

O endereço foi decorado contra sua vontade e logo, estava desligando o notebook, colocando-o sobre o criado mudo e voltando a deitar, esconder-se debaixo das cobertas como se assim pudesse fugir de si mesmo e do que planejava. Se Junmyeon descobrisse, se qualquer um deles descobrisse... Minseok não conseguia pensar em algo que pudesse ajuda-lo, tudo já havia ruído. Não havia mais nada lhe protegendo e mais aquela travessura só o tornaria mais vulnerável ao ódio dos seus colegas de clã, aqueles lobos Kim’s de perspectiva pequena.

Contudo, não havia mais nenhuma opção. Ou seguia em frente com aquilo ou seguia em frente com aquilo. O momento de escapar nunca existiu, pensou. Estava condenado desde o dia em que aceitara ir para a França, agora só lhe restava colher os frutos daquela escolha, a forma como precisava se deixar manipular até o fim daquilo. Estava sozinho, era isto. Todos em quem podia confiar, tinham seus próprios problemas e Minseok não queria deixá-los em maus lençóis por egoísmo seu, então só lhe restava seguir sozinho. E ao contrário do que imaginou, o peito não se encheu de incerteza e amargura, havia só uma certeza meio adocicada acerca daquela que deveria ter sido a primeira lição que aprendera na Academia: não estava sozinho realmente, tinha a si.  

Estava em boas mãos, no fim das contas. As suas.

— Minseok? — a porta se abriu sem aviso prévio algum, o ômega fitou a pessoa que entrava. — Estava dormindo? — Kyungsoo perguntou e Minseok afastou-se para o lado num convite silencioso para que o gêmeo se aproximasse.

E Kyungsoo teria corrido na sua direção se a barriga de nove meses não estivesse tão pesada. O Kim quase riu da visão que era o irmão indo até si, meio desajeitado, tentando ser rápido. Ele enfiou-se embaixo do lençol, ao seu lado, deitou de lado de modo que sua cabeça ficasse bem apoiada no travesseiro. Minseok virou-se de frente para si e o fitou, havia um bico emburrado nos seus lábios.

— O que aconteceu? — perguntou delicadamente, odiava a forma como Kyungsoo estava sendo afetado naquela história inteira.

Seu irmão caçula era o único que deveria ficar isento de tudo e mesmo Junmyeon concordava com isso, quando acabava por deixar que Chanyeol entrasse e saísse da alcateia, tão livre quanto possível. Tinha limitado sua presença em duas vezes ao dia, sem chance para que passasse a noite ali, mas ainda assim era melhor do que o nada a qual Minseok tinha sido designado.

— Quero que isso acabe. — confessou e Minseok juntou as sobrancelhas em confusão até o momento em que entendeu o que acontecia, sorriu.

— Já está no final. — assegurou ao colocar a mão sobre a barriga do irmão.

— Está demorando. — reclamou mais um pouco da sua gravidez.

— Ele é preguiçoso como você. — Minseok brincou e Kyungsoo mostrou-lhe a língua apenas para rir no segundo seguinte.

Eles fitaram-se, o riso morreu aos poucos e o mais velho limitou-se a virar de peito para cima. Kyungsoo fitou o seu perfil e comprimiu os lábios. Bem podia notar que o outro estava um tanto mais magro além de recluso, mas sabia que a culpa disso era mais da gravidez do que por outra coisa. Não lembrava-se de ter tido tantos enjoos quanto Minseok estava tendo. Tantos, que o impediam de terminar um prato de comida e mesmo com os chás e remédios que os pais faziam para si, não havia muito efeito.

— Jongin estava te procurando. — Kyungsoo se escutou de dizer depois de um tempo e o gêmeo virou o rosto para fita-lo. — Quer que experimente o traje da Cerimônia.

Minseok bufou. Kyungsoo riu. Achava engraçado a forma como o irmão parecia sentir cada vez mais horror da festa de casamento de Jongin e Junmeyon, e a culpa nem mesmo era desse último. Tudo se resumia aos gostos duvidosos de Jongin, que acabavam por se estender ao que Minseok teria que usar na Cerimônia das Cores, quando era um dos ômegas de honra.

— Deveria contar a ele. — Kyungsoo disse.

— Deixo-o se divertir. — negou.

Não pretendia dar palpite algum na ornamentação da cerimônia e muito menos nos trajes, deixaria que Jongin se divertisse com aquilo, que se distraísse o suficiente para não notar a forma como não se importava. Estava usando o pretexto da festa para armar sua pequena travessura. Não precisava de muito, no fim das contas. Eram necessárias algumas horas fora dali, depois voltaria, pediria perdão a Junmeyon. Quem sabe se se ajoelhasse para mostrar sua submissão conseguisse evitar alguma punição mais grave, afinal líderes gostavam daquele tipo de coisa e principalmente, alfas.

— Mas e você, não se diverte? — o gêmeo questionou-o com uma firmeza que pegou Minseok de surpresa.

— O casamento é dele. — respondeu simplesmente e começou a se levantar.

Odiava quando o irmão entrava naquele assunto, como se Minseok tivesse alguma razão para ficar feliz. Não conseguia ver o copo meio cheio da forma que Kyungsoo fazia, via tudo do jeito era exatamente e isso, só servia para que seguisse em frente fazendo o que prometera fazer.

— Minseok. — Kyungsoo chamou, a urgência delicada na sua voz não serviu para compadecer o coração do ômega. — Eu sei que...

— Só não diga nada. — sentou-se na beira da cama e não fitou o irmão, sentia-se tão irritado com aquilo que bem poderia acabar dizendo qualquer besteira.

Kyungsoo calou-se e Minseok virou o rosto na sua direção, ofereceu-lhe um meio sorriso um tanto amargo que o gêmeo devolveu, mas logo sua face estava contorcendo-se em uma careta. O Kim franzio a testa e se aproximou ao mesmo tempo que ele colocava a mão na barriga e sentava-se, apressado.

— O que foi? — perguntou com urgência.

— Está doendo. — os olhos estavam arregalados e Kyungsoo formou um sorriso nos lábios, apenas para gemer em dor depois.

Estava acontecendo, Minseok pensou. O bebê estava chegando.

Afastou-se do irmão, saiu porta afora com a promessa de trazer ajuda. Correu direto para o quarto dos pais, mas não havia ninguém lá. Chamou pelos pais e não obteve nenhuma resposta até o momento em que saiu na varanda. Ryeowook estava sentado ali, observando a chuva que descia pela alcateia. Minseok parou na entrada, fitou o pai com intensidade, meio ofegante e não precisou dizer a frase inteira para o que ômega mais velho soubesse o que estava acontecendo. E o que se seguiu foi uma correria desajeitada.

Minseok correu até a Sede, a chuva molhou seu cabelo e roupa, mas quando Junmyeon o viu soube que algo urgente estava acontecendo e quando a notícia saiu da sua boca, meio quebrada e aos ofegos, o alfa o acompanhou de volta até em casa, mas não sem antes ligar para Chanyeol, afinal, mesmo Junmyeon não podia negar a importância daquilo na vida dos dois.

Encontraram os pais na casa. Heechul estava agitado andando de um lado para o outro, o jaleco molhado no corpo, fazendo Minseok saber que ele correra até ali. Leeteuk estava por ali, sentado no sofá da sala, parecia não saber o que fazer e alguma coisa em Minseok não quis que o pai se aproximasse do irmão. Ryeowook estava no quarto com o gêmeo, ajudando-o a manter a respiração, fazendo-o andar e contando os minutos entre uma contração e outra.

— Onde está Chanyeol? — o irmão perguntou assim que o percebeu na entrada do quarto.

— A caminho. — o tranquilizou e Kyungsoo sentou-se na beira da cama, lançou um sorriso para si e Minseok se viu sorrindo de volta.

— Como está? — Junmyeon surgiu de lugar nenhum atrás de si, o loiro afastou-se da entrada para que o irmão mais velho entrasse.

— Nervoso. — Kyungsoo confessou e Junmyeon riu ao tocar-lhe o ombro.

Ryeowook, sentou-se ao lado do filho e Minseok os observou da porta. Deu um passo para trás e depois outro, apenas para sair dali logo. Seguiu direto para a cozinha, aquela correria toda tinha lhe deixado com sede. O lugar estava vazio quando entrou, por isso apenas se concentrou em ir até a geladeira e encher um copo de água.

Encostou-se na bancada da pia e encarou a chuva através da janela, que existia acima da pia. Parecia estar no fim, percebeu. Os pingos já não desciam com a mesma energia de antes e o céu não parecia tão cinzento como se estivesse se abrindo apenas o suficiente para receber o bebê do seu irmão, quase sorriu com isso. Era um pensamento bonito de se ter, afinal parecia certo enfeitar um pouco os acontecimentos para contar a posteridade.

Quando chegasse a sua vez, seria assim? O clima seria chuvoso ou seu bebê nasceria durante a noite, uma madrugada qualquer? Meio sorriu com isso, deixou o copo vazio sobre a bancada, deslizou a mão sobre a barriga. Não tinha nenhum volume ainda. Quase dois meses, pensou. Nada no seu corpo parecia ter mudado ainda. Na verdade, havia perdido peso por conta dos enjoos constantes, mas não parecia como se estivesse com uma aparência ruim. Ninguém lhe dizia se estava ruim. Seu pai Ryeowook o encorajava e Heechul parecia pronto para escutar todas as suas lamentações, contudo, Minseok não tinha nenhuma.

Escondera todas, o mais fundo que conseguia. Estava disposto a não ser aquele que fazia de tudo um drama. Alguma coisa em si queria ver o lado bom daquela confusão inteira, mas também havia alguma coisa em que estava trabalhando por si mesmo. Um lado inteiramente egoísta, que lhe causava calafrios. No entanto, no fundo, dizia a si mesmo que tudo aquilo era para proteger seu filhote.

— Onde ele está? — escutou a voz de Chanyeol.

Espalmou as mãos sobre a bancada da pia e respirou fundo, então virou-se de costas para a mesma. Encarou a porta aberta da cozinha e viu o alfa passar por ali, apressado em direção ao quarto em que Kyungsoo estava. Não notou sua presença. Afastou-se da pia, foi até a entrada e colocou metade do corpo para fora, olhou para onde Chanyeol tinha ido e escutou as vozes altas do mesmo e Kyungsoo. Havia risadas também e consequentemente, Minseok sorriu.

O irmão merecia aquilo. Precisava que Chanyeol estivesse ali, o apoiando naquele momento importante. Era o certo. Felizmente, Junmyeon entendia isso.

— Minseok.

O ômega saiu por completo, virou-se para fitar quem o chamava. Era Henry. O cabelo escuro úmido, colando-se na testa e o casaco pesado de chuva. Os sapatos também estavam sujos de lama e Minseok engoliu em seco quando percebeu o rastro de terra que o Lu trazia de fora para dentro da casa.

— Junmyeon está aqui? — ele perguntou, os lábios estavam vermelhos e as bochechas pálidas de frio.

— No quarto. — Minseok indicou e esperou que o Lu passasse por si, mas não aconteceu. — Algum problema? — lançou um olhar para o amigo.

— Como você está? — a delicadeza da pergunta pegou o ômega de surpresa, mas não recuou.

Deu de ombros, não havia muito o que contar. Estava preso na Alcateia. Não tinha nenhuma notícia de Baekhyun ou qualquer coisa fora do território e todos pareciam saber mais si e seu estado que ele mesmo. Incomodava, mas ao menos o poupava de ser obrigado a manter conversas amigáveis com quem não queria e isso incluía o médico com quem se consultava por conta da gravidez.

Henry riu, soprado, um tanto sem graça realmente. Olhou para o lado como quem procura alguém, mas estavam sozinhos naquele corredor. Minseok sentiu que ele gostaria de dizer mais alguma coisa, contar algo importante, mas não parecia saber como. Molhou os lábios e quis insistir na conversa, porque odiava a forma como ficava curioso, contudo, deixou o assunto para outro momento quando o gemido de dor de Kyungsoo chegou até seus ouvidos alertando para a real importância daquele dia.

— O que está acontecendo? — o Lu perguntou, os olhos arregalaram-se levemente e ele fez menção de passar pelo Kim, de ir ver com os próprios olhos o que acontecia no quarto.

— São as contrações. — Minseok contou, as mãos juntaram-se atrás de si, segurou os dedos uns nos outros, quieto, a postura reta como se falasse de algo puramente cientifico. — Kyungsoo vai ter o bebê logo.

Henry ergueu uma sobrancelha e então, sorriu. Dessa vez, um sorriso verdadeiro e Minseok sentiu os ombros relaxarem.

— Já era sem tempo. — aliviou-se e Minseok sorriu. — Vou dar-lhe um oi. — preparou-se para passar pelo amigo, o Kim o deixou ir.

Lançou um olhar pelo caminho que o amigo fizera, o rastro de terra molhada indicava bem para onde o outro ia. Suspirou. Teria que limpar aquilo logo, percebeu, mas não sentia vontade alguma, então apenas seguiu em direção a sala. Avistou o pai alfa sentado no sofá, a tevê ligada, mas com os braços cruzados ele não parecia assistir o que passava na tela. Desviou os olhos para a janela e viu que a chuva começara a ficar forte novamente. O céu parecia mais nublado e o clima mais frio, apertou os braços em volta de si mesmo e percebeu que suas roupas estavam molhadas, que na sua correria não lembrara-se de trocar. Deveria ir até seu quarto e procurar alguma coisa quente para vestir, mas abandonou a ideia no momento em que viu a porta abrir e Heechul entrar acompanhado de um garoto.

O pai ômega ainda usava o jaleco, estava molhado, as mangas colavam-se nos seus braços e o garoto ao seu lado, tinha a roupa úmida também, mas menos molhada. Não o reconheceu e não achava que ele fizesse parte da alcateia.

— Está é o Zitao. — Heechul o apresentou quando notou a expressão do filho. — Ele é amigo de Kyungsoo e veio visita-lo.

Minseok piscou os olhos e foi em sua direção, estendeu a mão em cumprimento ao passo que o outro a apertava. Era um adolescente ômega apenas, notou.

— Onde se conheceram? — perguntou.

— Kyungsoo passou um tempo no Santuário quando estava se recuperando do acidente — contou. — Nós éramos colegas de quarto.

— Ele está no quarto. — Heechul falou ao mais novo. — Começou a ter as contrações faz pouco tempo. — começou a guia-lo em direção ao corredor e em seguida, em direção ao quarto.

Então, Minseok estava sozinho de novo. Sozinho com o pai alfa. E como se sentisse a apreensão do outro, Leeteuk virou o rosto na sua direção e o fitou, ao passo que Minseok desviou os olhos, os lábios comprimidos no desagrado que o alfa aprendera a suportar. Nenhum dos dois disse coisa alguma e o ômega agradeceu pelo silêncio, não estava em condições de ter qualquer discussão com aquele homem e muito menos vontade ainda mais em um momento delicado como aquele, por isso, limitou-se a seguir em direção a varanda.

A chuva estava forte, mas a falta de vento, servia para deixar a varanda menos molhada. Os pingos caiam de cima, em linha quase reta, não molhavam o lugar, deixava qualquer um protegido o suficiente ali. Minseok sentou-se no lugar vago, abraçou o próprio corpo e se repreendeu mais um pouco. Deveria trocar logo de roupa antes que pegasse um resfriado, contudo a repreensão de nada adiantava se não tinha vontade de segui-la. Então, apenas permaneceu. Observou a chuva por tempo demasiado.

Tanto, que o sol começou a ir embora. A noite chegou aos poucos, o frio ficou mais forte e quando achou que estava na hora de parar de ser o garoto teimoso, escutou a porta se abrir. Virou o rosto em sua direção e encontrou Henry saindo.

— Você está aqui. — falou amigavelmente, fingiu não notar a forma como o outro se encontrava pálido de frio. — Kyungsoo quer sua presença lá. — avisou.

Minseok se pôs de pé, enfiou as mãos nos bolsos da frente da sua calça. Henry continuava na porta da casa, não afastou-se para o outro entrar e o Kim o fitou, desconfiado. Esperou pelo momento em que a mão dele fosse se fechar no seu braço, mas nada aconteceu além do som do suspiro escapando dos lábios do outro. Molhou os seus próprios lábios, estava pronto para perguntar o que acontecia, mas as palavras saíram primeiro da boca do Lu:

— Sinto muito. — deu suas condolências acerca do casamento fracassado do amigo.

Minseok comprimiu os lábios. Odiava a forma como todos tratavam aquilo, como se, de repente, alguém tivesse morrido, como se Baekhyun tivesse o largado, jogado-o fora depois de se divertir o suficiente. O irritava em demasia porque fazia-o se sentir um objeto. Um brinquedo quebrado, totalmente culpado pelo abandono.

— Está tudo bem. — optou por dizer e quis que Henry saísse da frente para poder fugir daquela conversa, mas ele não saiu.

— Preciso te contar algo. — o ômega mudou de assunto e Minseok o fitou no momento em que desviou os olhos de si. — Vou voltar para a França.

O Kim arregalou os olhos, não esperava por aquilo. Henry parecia bem com seu trabalho na Sede dos Kim’s e ainda era o braço direito de Lu Han, além do mais os Lu’s estavam estáveis ali, todos com suas casas, bem alojados e com as barrigas cheias. Seguros. Parecia totalmente estranho que Henry escolhesse ir embora tão assim, do nada.

— Por que? — perguntou de uma vez, não sabia que soaria tão indignado até escutar o próprio tom de voz.

— A Organização me ofereceu um emprego na sede e eu aceitei. — Henry parecia firme na sua decisão, as mãos enfiadas nos bolsos do casaco e o queixo erguido deixavam isso claro. — Estarei indo depois do casamento de Jongin.

— Isso é... incrível. — Minseok tentou soar otimista, feliz pelo amigo, mas Henry pegou o nervosismo na sua voz, contudo, aceitou a tentativa dele ao lhe sorrir em resposta. — Vai se sair bem lá. — ergueu a mão e tocou-lhe o ombro. — Tenho certeza. — e dessa vez ele parecia sincero o suficiente para que o Lu sentisse o peito aquecer. — Vai me escrever, certo?

— Mandarei postais e ligarei nas madrugadas. — disse e Minseok sorriu de volta, então abriu os braços e acolheu o amigo.

Henry era quente contra seus braços, o que foi perfeito porque estava com frio depois de tanto tempo sentado naquela varanda. O Lu o abraçou de volta, apertado, enfiou o rosto na curva do seu pescoço e ficou muito tempo ali como se estivesse gravando seu cheiro e textura, mostrando a Minseok que, talvez, eles não fossem se ver por bastante tempo. 

— Como seus irmãos reagiram a isso? — perguntou baixinho contra o tecido do seu casaco.

— Eles não sabem. — Henry respondeu no mesmo tom, o hálito quente tocou-lhe a pele de um jeito gostoso. — Você é o primeiro a quem conto.

Minseok riu, baixinho, travesso. E Henry o acompanhou.

— Saiam da frente. — a voz agitada de Chanyeol os separou.

Minseok afastou-se, puxou Henry junto consigo e os dois viram o momento em que o alfa passou pela porta com Kyungsoo nos braços. Atrás dos dois, os pais ômegas do Kim se apressavam. Ryeowook lançou-lhe um olhar urgente e não precisou mais para que o loiro entendesse que estava na hora. O bebê estava pronto para nascer. O aperto no braço de Henry ficou mais forte, denunciando todo o nervosismo do ômega para com seu irmão gêmeo.

— Vamos. — Zitao subitamente disse ao ser o último a passar pela porta.

Henry e Minseok o seguiram em direção ao hospital da alcateia, mas ao chegar lá não puderam entrar na sala de parto. Ryeowook entrou junto de Kyungsoo e Chanyeol, mas apenas eles. Minseok ficou do lado de fora, apreensivo, esperando notícias boas do irmão. Zitao estava do lado de fora também apesar de ter tentado entrar.

— Se acalme. — Heechul pediu ao filho e Minseok o fitou. — Vai ficar tudo bem.

E Minseok sabia que sim.

***

Semanas antes

Hyuna cruzou as pernas, apoiou os cotovelos na mesa e apoiou o queixo na palma da mão, então, meio sorriu para seu acompanhante. O alfa, sentado à sua frente na mesa daquele restaurante, a fitou com a sobrancelha erguida, desconfiado. Nunca havia sido muito fã daquela mulher e além do mais, aquele encontro soava suspeito quando a ômega destruirá sua vida anos antes.

— Deixe-me ver se entendi. — ele começou, limpou a boca com o guardanapo de pano. — Quer que a ajude?

A mulher riu, encostou as costas no encosto da cadeira.

— Prefiro chamar de troca de favor. — esclareceu e o alfa riu.

— E qual foi o favor que me fez? — devolveu e a mulher, pela primeira vez, pareceu envergonhada.

— Impedi sua morte. — falou, por fim e o alfa riu mais um pouco.

O homem lançou um olhar para o lado, a parede de vidro que separava o restaurante da rua, deixava-o fitar o lado de fora e conferir o movimento. Não havia muito para olhar. Só havia humanos vivendo suas vidinhas medíocres, preocupados com o que comer no dia seguinte ou dali uma hora. Todos profundamente enfiados nos seus problemas simplórios, nenhum pouco preocupados com a forma como estavam sendo descartados aos poucos, o jeito como entre eles andavam também outros tipos, uma espécie mais antiga, que estava trabalhando por baixo dos panos para recuperar o lugar no topo da cadeia alimentar.

— Para me usar no futuro. — ele continuou rebatendo. — Como agora, por exemplo.

Hyuna descruzou as pernas e o fitou, séria. Odiava a forma como aquele lobo parecia tão cheio de si. Ele devia lhe agradecer por ainda estar vivo, pela forma como agora podia andar livremente por qualquer lugar sem ter qualquer ômega da Organização de olho nos seus passos como se fosse um criminoso. Contudo, admitia que ainda existia uma ficha com seu nome, guardada na pasta de lobos perigosos, aqueles em que eles deveriam manter um olho sempre atento.

Mas ele não via desse jeito. Estava constantemente a desafiando, jogando na sua cara toda uma verdade que Hyuna não gostava, no entanto, deixava porque perder aquele aliado só serviria para dar-lhe dor de cabeça e já tinha isso o suficiente quando tinha que lidar com os lobos antiquados do Conselho. Zhou Mi, o ômega que ela achara que seria o mais fácil de manipular, parecia ser o mais desconfiado das suas boas intenções. Dava voz para as paranoias de Kibum e tentavam levar Sungmin para o seu lado apesar deste ser o único confuso e disposto a ajudar a ômega, mesmo que não entendesse um por cento do que a mesma planejava.

— Não parece disposto a ser usado. — ela rebateu e o alfa riu.

Ele arrumou os talheres sobre seu prato vazio, retirou o guardanapo de cima das suas coxas e o colocou ao lado do prato. Fitou-a, o começo do sorriso no canto da boa. Hyuna sentiu vontade de socar-lhe a face, arrancar toda aquela pose de alfa de si. Odiava-os, todos eles. Alfas.

— Eu aceito — ele acabou dizendo e a mulher, deixou as mãos relaxarem sobre a mesa. — com uma condição — deixou-a saber e ela esperou. — quero alguém em troca.

Hyuna comprimiu os lábios. Não gostava do rumo daquilo, mas estava preparada para aquele pedido, apesar de tudo, afinal era esperar demais que aquele alfa esquecesse as dores do passado ainda mais uma dor causada por um dos seus lobos. Choi Yifan não estava errado em ser rancoroso, mas ela tentou se enganar que depois de tantos anos, aquilo pudesse ter se apagado da sua memória, contudo, não havia. E pela forma como ele a fitava, sabia que nunca apagaria.

— Se assim desejar. — cedeu e o líder dos Choi’s sorriu-lhe, totalmente satisfeito. — Ele irá até você.

— Então, temos um acordo.

***

Atualmente

Kim Junmyeon encarou os papéis que Henry lhe entregara. Estava sozinho no quarto do irmão, quando todos os outros haviam ido até o hospital para acompanhar o parto de Kyungsoo. Ele ficara, precisava dar uma olhada naqueles documentos ainda naquele dia. Talvez, precisasse assinar alguma coisa. Não sabia ainda.

Esperava que não, afinal não queria perder Henry ainda. O ômega dissera não ao seu pedido para que voltasse ao cargo de secretário na Sede e mesmo Lu Han, que dissera que podia convencê-lo a aceitar, não teve sucesso algum, fazendo com que só restasse a Junmyeon encontrar outra pessoa para ocupar o cargo. Contudo, ainda não aparecera ninguém qualificado o suficiente para o cargo. Então, Henry continuava o ajudando.

Estava temporariamente de volta ao cargo até que alguém aparecesse. Junmyeon trabalhava para encontrar alguém, quando tinha ao menos três entrevistas agendadas para a semana. No entanto, a daquele dia havia sido cancelada quando Minseok apareceu no seu escritório com a notícia de que seu irmão estava em trabalho de parto. Pedira a Henry para transferir tudo para o dia seguinte, mas ainda haviam aqueles documentos para dar uma olhada.

Eram coisas sobre seu casamento com Jongin. A lista do custo de tudo que o noivo queria havia chegado em suas mãos e Junmeyon, estava ocupado fazendo contas, tentando conciliar uma festa grande com todo o dinheiro que tinha disponível. Não queria dizer ao noivo para ir com calma, afinal ele parecia mais animado de qualquer um naquela alcateia e o trabalho com a escolha do tema e a compra de acessórios estava mantendo todos os outros lobos distraídos, quietos. E mesmo Minseok, que achara que podia ser o mais resistente em participar da celebração, estava se saindo bem ao aceitar os caprichos do quase cunhado.

Então, só lhe restava arranjar um jeito de bancar tudo. Era provável que Sehun o ajudasse com isso, afinal ainda eram parentes apesar do desencontro de interesses e também, não era como se o Oh fosse rancoroso. Eles se falavam normalmente. Não havia desentendimentos, mesmo que Junmyeon ainda notasse o olhar triste todas as vezes que falava alguma coisa do seu irmão, Minseok.

Notou que havia uma carta em meio aos documentos que o Lu lhe trouxera. Verificou o remetente e comprimiu os lábios quando reconheceu o nome. Não recebia noticia deles há vários meses, mas achara que estava tudo bem, contudo, no momento em que abriu a carta e leu seu conteúdo se deu conta que não era o único a ter dívidas. Só que o caso do seu tio Hangeng*** parecia mais urgente.

Sentou-se na beira da cama, a carta em mãos e suspirou. Não sabia como ajudaria o tio sem tornar a festa dos sonhos de Jongin menor, contudo, o maior problema naquilo nem sequer era o tio pedindo um empréstimo, mas a forma como o mesmo havia se auto convidado para sua festa de casamento. Dobrou a carta e a guardou de volta no envelope. Aquilo era dinheiro demais até mesmo para Sehun, pensou. Comprimiu os lábios e soltou mais um suspiro logo em seguida, odiava quando as coisas saiam do controle como aquilo. Deveria apenas ter tido uma conversa com Jongin desde o começo, afim de evitar aquele tipo de situação, mas para cada vez que via a forma como o noivo estava empolgado, acabava deixando o problema para mais tarde e agora, não havia mais como empurrar com a barriga.

Seu tio precisava de ajuda e era dever de Junmyeon ajudar, já que a falta de aliados dos Kim’s foi justamente culpa da parte coreana da alcateia, culpa do seu pai alfa. Jungsoo os havia feito afundar em dívidas depois da quebra de contrato com os Oh’s e fora a ajuda clandestina de Baekhyun que os erguera minimamente, contudo, a contraparte chinesa ainda estava passando por maus bocados apesar de Hangeng ter conseguido contornar a maior parte dos problemas.

Não havia uma saída bonita, sabia disso. Sehun, talvez, lhe ajudasse com parte do dinheiro. Era possível que Lu Han também o fizesse, mas que tipo de lobo ele pareceria diante do irmão do seu noivo, pedindo dinheiro para o casamento quando dissera algum tempo atrás que podia bancar tudo? Seria patético. Não podia voltar atrás sem se mostrar um grande idiota e se Jongin soubesse disso... nem conseguia imaginar a face de decepção do noivo, já bastante o tempo em que tinham adiado aquilo.

Jogou-se na cama, encarou o teto. Precisava de uma solução urgente. O mais rápido possível quando seu tio chegaria na próxima semana para o casamento. Todavia, não havia uma saída bonita sendo pintada em seus pensamentos. Era abstrata ainda, suja, na verdade. O tipo de coisa que o fazia se odiar antes mesmo de conceber o pensamento por completo, mas dado as circunstâncias não via outra saída.

Havia uma única pessoa que podia lhe oferecer o dinheiro completo, sem nenhum drama e o mais rápido possível, mas entrar nisso seria o mesmo que vender a alma ao diabo além de que, não era bem a sua que teria que vender. E se odiava apenas por pensar nisso, mas tinha certeza que se odiaria mais se chegasse a executar aquilo.

Pegou o celular no seu bolso, destravou a tela e procurou o contato de Byun Baekhyun. Observou-o por bastante tempo, mas desistiu de ligar. Não podia fazer aquilo. Estaria reduzindo seu irmão a um mero objeto. Não podia vende-lo daquela forma, só faria Minseok se afastar mais e mais de si, e isso era o que menos queria. Sentou-se na beira da cama, travou o celular e o deixou sobre a cama, ao seu lado. Com certeza não faria aquilo.

Ficou de pé, passou a mão nos cabelos e suspirou, de olhos fechados. Afastou aquele pensamento da sua mente. Podia encontrar outra saída, tinha certeza. Só não sabia como, mas isso não importava naquele momento, o que importava era forma como não faria aquilo com Minseok. Abriu os olhos e fitou o celular, então, decidiu ir até o hospital saber como Kyungsoo e seu sobrinho estavam.

Era o melhor a se fazer, pensou.

Quando chegou na sala, seu pai alfa não estava ali. A tevê estava desligada e Junmyeon acreditou que ele poderia ter ido em direção ao hospital, afinal ainda era seu filho e seu neto ali. Apesar do sangue Byun correndo nas veias da criança, o Kim não achava que o pai pudesse rejeitar aquela criança tão inocente, sem culpa alguma da forma como fora concebida e consequentemente, chegara ao mundo. No entanto, mesmo com isso, não achava que fosse uma boa ideia o pai ir até lá.

Ryeowook e Minseok não o haviam perdoado e apesar de Kyungsoo também não tê-lo feito, achava que o irmão estava a um passo disso, quando teve sua memória danificada e por isso, parecia não ter tanto rancor ou raiva como ele e Minseok tinham.

Saiu de casa a passos lentos, temia encontrar o pai alfa no caminho. Não achava que seria algo bom para os dois, por isso, decidiu evitar e quando, chegou no hospital sem maiores problemas, acreditou que estava isento daquela amargura, mas suas suspeitas se tornaram verdadeiras quando reconheceu o perfil de Leeteuk sentado em um dos lugares na sala de espera.

Henry estava lá também, sentado na filara atrás do alfa. Mas Heechul, Minseok e Ryeowook não estavam lá. Supôs que Chanyeol deveria estar com o irmão na sala de cirurgia, fazendo-o companhia do jeito como mandava a cartilha de bons alfas. Henry o viu primeiro que o pai e levantou-se, veio na sua direção. Ainda usava o casaco pesado, escuro e molhado, parecia não se importar com o frio apesar de Junmyeon notar as bochechas muito pálidas e além disso, o cheiro do Lu estava um tanto acentuado.

— Ele está descansando. — o ômega contou e Junmyeon entendeu que ele se referia a Kyungsoo. — O bebê nasceu. — ele sorriu e o alfa acompanhou.

— Eu posso vê-lo?

— Minseok está com o senhor Heechul no berçário, mas Kyungsoo só vai receber visitas mais tarde. Ele precisa descansar. — contou e o alfa assentiu.

Entendia a condição do irmão, por isso não insistiu. O deixaria em paz na presença do seu alfa, pois bem sabia o quanto era importante ter o companheiro ao seu lado, lhe dando suporte. Ômegas eram dependentes por natureza, mas pareciam se tornar mais quando estavam gestantes, quando, por vezes, necessitavam do cheiro do parceiro para ter uma noite de sono tranquila. E de repente, pensar na forma como Kyungsoo deve ter sofrido no cativeiro em que Jongdae o escondeu, só o deixou com raiva daquele alfa e consequentemente o fez pensar em Minseok.

Mas Junmyeon não era como Jongdae. Não havia sequestrado ninguém. Tudo que estava fazendo era apenas proteger o irmão ao acalmar a alcateia com a ausência e a quebra de contrato com os Byun’s, isso fazia aqueles lobos se darem conta de que Minseok não era um traidor quando ainda estava com eles, no mesmo território, longe daqueles Byun’ s e para isso funcionar era importante que ninguém além dos Kim’s Principais e amigos próximos do ômega soubessem sobre sua gravidez, afinal não sabia como os seus lobos podiam reagir a isso. Já bastava a negatividade que viera sobre si quando a fofoca sobre paternidade do bebê de Kyungsoo se tornara frequente nas rodas de conversas dos lobos.

Sabia que eles não estavam felizes assim como tinha certeza que ficariam mais insatisfeitos se fosse Minseok a ser descoberto, afinal Baekhyun parecia ser aquele a quem os lobos odiavam mais. Chanyeol era o segundo na linha de sucessão, contudo nunca fora muito ativo nas questões da própria alcateia e o tempo em que passara na China trabalhando na fronteira das alcateias Kim’s e Byun’s, serviu para que os lobos Kim’s adquirissem alguma simpatia por si, mas não o aceitavam. O suportavam como quem suporta comer verduras porque faz bem para o corpo, no entanto, eles não achavam que Chanyeol fazia algum bem para a alcateia.

Havia um certo tipo de pacto envolvendo o bem-estar do mais novo dos Kim’s que parecia unir todos eles. O desaparecimento de Kyungsoo havia os impactado mais do que Junmyeon esperara e a sua volta ainda era vista como um presente da Deusa e Chanyeol tornava-se o preço a pagar para ver aquele ômega baixinho e de sorriso fácil feliz, saudável e protegido, bem onde todos podiam ver.

— Para que lado fica o berçário? — perguntou ao Lu.

— Eu levo você.  — Henry disse e subitamente segurou em sua mão.

A mão dele estava incrivelmente quente quando tocou a sua, notou. Encarou o ato, mas não por muito tempo, pois Henry o puxou para fora da sala de espera e o guiou pelo corredor, indo em direção ao berçário, que não ficava tão longe da sala de espera. O ômega soltou sua mão e Junmyeon fitou-lhe as costas, quando ele parou em frente a parede de vidro, as mãos delicadas se espalmaram ali e ele encostou a testa no vidro, como que tentando ver os bebês do outro lado. O alfa se aproximou, parou ao seu lado, forçou-se a não fita-lo mais.

Deixou que sua atenção fosse roubada pelo irmão ômega, dentro do berçário, no fundo, ao lado de Ryeowook em roupa branca de enfermeiro. Minseok segurava o sobrinho e de onde Junmyeon estava, o bebê parecia tão pequeno. Uma coisinha cor-de-rosa embolada em verde, sendo ninada no colo do tio ômega. Junmyeon sorriu com a cena, porque até aquele momento não tinha visto os olhos do irmão brilharem tanto ao mesmo tempo que sorria.

Heechul estava ao lado de Ryeowook e parecia esperar sua vez para segurar o bebê. O alfa olhou para os lados, procurou a porta de entrada. Queria ter sua vez com sobrinho também, no entanto o ofego de Henry impediu seu ato de ir até a porta. Ele fitou o ômega preocupado, notou as bochechas dele tornando-se vermelhas e os olhos fechando-se com força.

— Henry? — chamou.

O Lu abriu os olhos e o fitou. O violeta bonito brilhou diante de si, a testa estava úmida, conseguiu notar as gotículas de suor e o outro pareceu notar também quando ergueu a mão e limpou a testa, jogando o cabelo escuro para trás.

— Eu preciso ir para casa. — ele disse, por fim, soltando o ar pela boca como se evitasse respirar pelo nariz.

— Está se sentindo mal? — Junmyeon ergueu a mão e tocou-lhe o ombro, mas o ômega se afastou com brusquidão pegando o Kim de surpresa.

— Preciso ir. — Henry deu um passo para trás e depois outro, então simplesmente correu para longe de Junmeyon.

O alfa franzio a testa para o que acontecera. Não entendia o que se passava com o outro, mas parecia terrivelmente tentado a ir atrás dele. A fragrância do Lu parecia ter ficado apenas para incita-lo nesse desejo sem sentido. Balançou a cabeça, tentou afastar isso de si. Era Henry, seu quase cunhado, não era seu ômega.

Não era seu ômega.

— Jun? — escutou ser chamado e virou o rosto em direção a voz apenas para encontrar a figura do pai Heechul na entrada do berçário, o corpo meio dentro meio fora e a mão segurando a maçaneta da porta. — Quer conhecer seu sobrinho? — ele sorriu, gentil e Junmyeon sorriu de volta, animado.

— Mas é claro. — seguiu o pai para dentro do berçário.

Ao longe, Henry apertava o casaco contra seu corpo enquanto corria em direção a sua casa. Não falou com ninguém no caminho apesar de ter escutado o seu nome sendo chamado aqui e ali, não tinha tempo para aquilo. Precisava chegar em casa logo, tomar seus remédios e esconder-se embaixo da coberta em sua cama pela próxima semana, onde pediria a Deusa que aquele período não fosse tão doloroso.

A verdade, era que Henry estava entrando no cio. Fazia alguns meses que isso não acontecia e dado os estresses naquele ano, não achou que fosse acontecer em algum momento em parte porque o remédio que usava para reduzir os efeitos da Marca também desregulava o seu cio e por vezes, fazia com que não acontecesse. O Lu gostava da parte quando não acontecia, afinal não precisava se preocupar com nada além da sua alimentação e coisas do dia a dia.

E depois que aumentara as doses do remédio, acreditara que o cio não viria tão cedo, mas devia ter previsto que tempo em que passou sem tomar o remédio somado as doses altas iriam bagunça-lo por inteiro. O resultado estava ali, estampado nas suas bochechas coradas e nos ofegos que soltava vez ou outra quando sentia o cheiro de qualquer alfa Kim que via no caminho.

Agradeceu por sua roupa estar úmida, pelo tecido do casaco ser gelado contra sua pele, afinal aquilo parecia aliviar o calor que subia por suas pernas, parava no seu baixo ventre e então, espalhava-se aos poucos por todo o corpo. Sentia o suor acumulando-se no meio da costa, na nuca e na testa. Por vezes, ergueu a mão e limpou a testa, suspirou, parou por um momento e respirou fundo de olhos fechados. Estava tentando se manter sob controle. E internamente, torcia para que Lu Han não estivesse em casa. Não queria ter que responder perguntas sobre seu estado e muito menos escutar a mesma ladainha sobre porque deveria voltar a trabalhar para Junmeyon.

Quando passou do lago, Henry quase sorriu em alívio. Estava próximo o suficiente da sua pequena vila. Ele se obrigou a avançar mais um pouco, quase se viu correndo em direção a sua casa e no momento em que abriu a porta, fechou-a às suas costas e ficou parado ali, de olhos fechados e um suspiro aliviado escapou dos seus lábios, acreditou que estava seguro. Tudo o que precisava fazer agora era correr em direção ao seu quarto depois de tomar um banho gelado, tomar seus remédios e torcer para que os supressores fizessem algum efeito.

Odiava se medicar daquela forma, mas não via outra saída quando seus cios eram terrivelmente dolorosos, como se a Marca o estivesse punindo por ter negado o seu alfa. A prova disso era que não conseguia se satisfazer com nenhum outro parceiro, seja ômega, alfa ou beta. Tudo parecia doer mil vezes mais quando seu lobo se dava conta de que não era o dono da marca ali e sim, um lobo qualquer. Era como ter facas enfiadas em si, mas no momento em que abriu os olhos e se preparou para ir em direção ao seu quarto, sentiu como se alguém tivesse enfiado uma faca bem na boca do seu estômago, porque o mal-estar que o acometeu bem poderia ter sido causado por isso, principalmente quando achou que fosse cair de joelhos ali mesmo e vomitar tudo o que tinha comido durante o dia.

Havia um cheiro, notou. Havia a droga de um cheiro enjoando-o por completo. Sabia que não era o de Lu Han porque conhecia o cheiro do irmão e sabia também que não era Jongin. O mais novo havia ido até a cidade fazer algumas compras para o seu casamento.

Ele segurou a barriga, meio inclinou-se para frente e sentiu as pernas fraquejarem. Teria caído se alguém não tivesse ido em seu auxilio e o segurado. As mãos tinham se fechado firmemente em seus ombros e aquele cheiro fitou tão forte, que tudo o que Henry conseguiu fazer foi ceder de uma vez a todo o mal-estar. O corpo ficou mole e os olhos se fecharam.

Henry havia desmaiado, Sehun se deu conta ao ter nos braços o corpo do ômega. Segurou-o com força, virou o rosto em direção à Lu Han, assustado, surpreso, nervoso. O alfa era uma confusão de sentimentos, mas a preocupação era mais forte. Observou quando o outro ômega veio em sua direção, preocupação tão presente nele quanto em si.

— Droga. — Han xingou ao seu aproximar do irmão e tocar-lhe a testa. — Vem comigo. — ele se apressou em ir pelo corredor e Sehun foi atrás de si levando o Lu nos braços. — Coloque-o aqui. — indicou a cama.

O alfa colocou o Lu deitado e olhou em volta, notou o porta-retratos sobre a cômoda. Eram Jongin, Henry e Han inegavelmente mais novos, sorridentes e sujos, do jeito que crianças naquela idade costumavam ser. Teria sorrido para aquilo se não estivesse tão preocupado com o ômega. Viu Lu Han sair do quarto, pensou em segui-lo, mas achou melhor ficar e tomar conta do outro Lu. Foi para perto da sua cama e pela primeira vez, o olhou de verdade.

As bochechas estavam muito coradas, o cabelo escuro colava-se na testa e o pescoço rosado brilhava em suor. Sehun ergueu a mão e tocou-lhe a testa. Henry estava queimando em febre, mas acima disso havia um cheiro desprendendo-se da sua pele, inundando o quarto por inteiro. A fragrância suave do seu lobo. O alfa foi obrigado a fechar os olhos e apreciar a forma leve com que era envolvido naquele cheiro um tanto almiscarado, mas nenhum pouco ruim quando o lírio-do-vale se destacava aqui e ali sob notas de magnólia.

Henry tinha cheiro de floresta. De um dia de sol ao ar livre. Incrivelmente, aquele Lu tinha cheiro de liberdade. Um convite delicado para que chegasse mais perto e aproveitasse mais do cheiro que saía da sua pele e como que preso em um transe foi o que Sehun fez. Chegou perto demais, sabia que estava muito perto. A ponta do seu nariz tocou-lhe a bochecha macia e como se Henry soubesse sobre sua presença, escutou-o ofegar, tão baixinho que — talvez — não escutasse se não estivesse tão perto.

— O que está fazendo? — escutou a voz sussurrada do ômega.

— Você tem um cheiro gostoso. — sussurrou de volta, os lábios praticamente tocando a pele do outro.

As mãos de Henry o seguraram e Sehun achou que seria afastado, e por isso começou a se afastar por si próprio. De repente, pareceu entender que havia ultrapassado alguma linha, que havia invadido o espaço do Lu e não queria ser o tipo que faz o que quer simplesmente porque é um alfa, além do mais devia imaginar como aquilo era mil vezes pior dado o seu passado traumático.

Eles se fitaram, as mãos de Henry estavam fechadas no seu pulso e Sehun não sabia dizer o que ele queria. Havia uma inconstância estampada nos olhos dele, que ora se tornavam violeta ora voltavam ao costumeiro castanho que era familiar ao Oh. Ele piscou, demoradamente, e quando voltou a fita-lo tinha os olhos clarinhos, beirando o violeta, mas ainda assim um tanto acastanhados. Tão bonito, que Sehun quis se aproximar de novo e talvez, fosse o que Henry queria quando o puxou para perto.

Mas se eles se beijariam ou não, o alfa nunca saberia, pois o ato foi interrompido por Han, que voltara ao quarto naquele momento. O ômega segurou-o pelo braço livre e o puxou para trás, para longe do ômega na cama. Sentiu quando a mão de Henry largou o seu braço, quase tropeçou nos próprios pés devido ao puxão repentino, usou a mão para se apoiar contra o criado mudo perto da cama do Lu. Ergueu o rosto e fitou a face demasiadamente séria de Lu Han.

— Fique longe. — mandou, tão terrivelmente firme que o alfa engoliu em seco ao mesmo tempo que dava um passo para longe da cama.

Han deixou o copo com água, que trouxera, em cima do criado mudo. De onde estava, Sehun observou o momento em que ele segurou Henry pelos ombros e o fez sentar na cama, tirou-lhe o casaco do corpo e começou a abrir os botões da sua camisa branca. O Lu não mostrou resistência alguma e mesmo Sehun, que sentia-se sobrando ali, não ofereceu resistência em continuar olhando. Havia uma vozinha na sua mente, dizendo-lhe como devia se afastar, mas parecia tão distante que não prestava atenção.

O cheiro de Henry cada vez mais acentuado só servia para embaçar os seus pensamentos e ações, então só permaneceu. Não se afastou e muito menos se aproximou, deixou que seus olhos vagassem por cada pedaço de pele que Lu Han revelava do irmão, o tom dourado parecia brilhar diante dos seus olhos. Viu a marca do ômega, bem localizada no ombro, destacando-se em um rosa vivo, como se pulsasse na sua pele, provavelmente chamando seu causador.

Henry o pegou olhando, no momento em que a camisa deslizou por seus braços e a roupa foi abandonada sobre a cama. Ele desviou o olhar para a face do Lu, o encarou de volta. E os olhos dele nunca estiveram tão violeta. Era a coisa mais linda que já havia visto, se deu conta. Tão bonito, que sentiu como se o ar lhe faltasse. Deu um passo para trás.

Recuou diante de tanta beleza.

Era questão de sobrevivência, disse a si mesmo. Se continuasse ali, seria mortalmente esmagado, rendido diante daquele ômega que mal conhecia. Ele saiu do quarto, as pressas, encostou-se na parede ao lado da porta aberta e respirou fundo de olhos fechados.

Precisava se recompor.


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Notas finais do capítulo

*Antigamente, nos primeiros casamentos, o lobo dominante, no caso o alfa, costumava marcar seu parceiro no dia do casamento na frente dos convidados. Esse tipo de coisa acabou ficando mal vista com o tempo e por isso, acabou se transformando na marca simples no pulso, em parte por conta da Lei de Dois Anos que dizia que se o casal ficasse sem filhos depois de dois anos de casamento, podiam se separar e tentar encontrar outros parceiros.
**Chenggyecheon é um parque famoso na Coreia do Sul. Conhecido como o maior parque horizontal urbano do planeta. Tem 11km de extensão e atravessa o centro de Seul, o parque simplesmente é formado em volta desse riacho. É um lugar realmente bonito. Ele foi citado pela primeira no Capítulo XVI da primeira Fase e depois, no Capítulo XVII. Foi onde Minseok combinou com Baekhyun de se encontrarem de modo a promover o reencontro de chansoo. E consequentemente, aquele foi meio que o primeiro encontro de baekmin.
***Hangeng é primo em segundo grau de Heechul e por isso primo em terceiro grau de Junmeyon, Minseok e Kyungsoo, mas os garotos acabaram o adotando como tio. Ele apareceu pela primeira no Capítulo III da primeira Fase. Foi com ele que Kyungsoo perdeu a virgindade. Aconteceu durante uma das visitas do chinês à Alcateia Kim. Bom, ele é o líder Kim da contraparte chinesa dos Kim’s.



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