Mirtilo escrita por OmegaKim


Capítulo 48
XVIII - O pecador (parte I)


Notas iniciais do capítulo

Eu tive que dividir esse capítulo porque o limite do site é 25k por capítulo ;-; e esse deu 26k



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Suas mãos estavam algemadas, os pés também e havia uma coleira no pescoço, alertando-o sobre como se machucaria feio se tentasse se transformar, mas Jongdae não pretendia fazê-lo. Pretendia apenas receber sua sentença de vez, quem sabe isso lhe desse alguma paz de espírito. Foi por isso que se deixou ser guiado para aquela cela no porão da Sede da Alcateia Kim, foi por isso que não falara nada além do “eu sequestrei Kim Kyungsoo” e quando os sentinelas não acreditaram em si, entrará numa briga com eles e por isso terminou algemado, no sofá da casa de Ryeowook e mais tarde fora transferido para aquela cela escura.

O alfa se inclinou em direção as barras da cela, mas não muito, aquilo era feito de prata. O queimaria no menor toque, doeria bastante e a cicatrização aconteceria da mesma forma que a dos humanos: lenta. Mas ainda assim as barras brilhavam, naquela semi-luz do pôr do sol, elas se iluminavam diante dos seus olhos, a cor lhe trazia nostalgia, apenas não entendia porquê.

Afastou-se das barras e andou devagar, os passos eram limitados por causa das algemas nos tornozelos. Sentou-se no canto da cela, na parte mais escura. Estava frio ali, contra a parede e Jongdae sentia fome, por isso suspirou ao mesmo tempo que fechava os olhos. Seus músculos estavam doloridos da briga contra os sentinelas, por isso acreditou que era melhor dormir um pouco enquanto ninguém vinha vê-lo. Encostou a cabeça na parede, esticou as pernas e procurou o sono, coisa que não demorou a aparecer.

Acordou com o barulho de chaves. Abriu os olhos devagar, enquanto a porta da cela rangia, alto demais para sua audição sensível de alfa. Era um sentinela.

— Levante-se. — o beta mandou e Jongdae obedeceu.

Aproximou-se da saída e foi puxado pelas algemas, o que ocasionou em uma expressão nenhum pouco satisfeita em seu rosto. Mas mesmo assim seguiu o sentinela, se deixou guiar pela escada até o salão da Sede e depois, até o escritório de Kim Junmeyon. Avistou o alfa sentado à sua mesa e foi posto na cadeira a frente dele, percebeu que o beta não o prendeu à cadeira e agradeceu pelo voto de confiança. Fitou o alfa Kim mais um pouco. Estava sério, usava os costumeiros óculos de leitura, o cabelo escuro estava bem arrumado e mesmo a roupa que usava, caia perfeitamente em seu corpo. Parecia diferente do Junmyeon que usava roupas amassadas e tinha um cabelo bagunçado na época que frequentava aquela alcateia, quando ainda era o confiável chefe de segurança. De repente, pareceu-lhe que tudo isso tinha acontecido há um zilhão de anos, em outra vida, com outro Kim Jongdae.

— Os sentinelas me contaram o que aconteceu. — o Kim se pronunciou primeiro, a voz arrastada num cansaço que Jongdae não entendeu de onde vinha. — Mas eu quero ouvir de você, Jongdae. — seu nome saiu da boca do alfa de uma forma familiar, mas os olhos dele não encontraram os seus, estavam ainda concentrados no papel que segurava, vasculhavam as palavras com pressa, fazendo Jongdae se perguntar quando aquele Kim tinha adquirido aquele tipo de postura, tão terrivelmente sério, com nada da insegurança de antes escorrendo por seus poros.

— Eu sequestrei Kim Kyungsoo. — se escutou dizer sem cerimônia alguma, um pouco urgente demais, quase implorava pela atenção do Kim em si.

Junmyeon ergueu os olhos na sua direção, abandonou o papel sobre a mesa, ajeitou a postura na cadeira e franzio a testa. Estava confuso com o que escutava, Jongdae sabia, por isso molhou os lábios e se preparou para contar a história inteira. Mas quando a abriu a boca, percebeu que as palavras não faziam sentido na sua mente, não iriam fazer sentido quando externadas. Sua história era tão bagunçada, que nem mesmo parecia verdade, então voltou a fechar a boca e Junmyeon suspirou, a mão subiu para sua têmpora e massageou lá, parecia impaciente com tudo aquilo e Jongdae sentiu-se envergonhado com todo o transtorno que estava causando.

E antes que qualquer um deles pudesse tentar algo, a porta se abriu, num rompante bruto. Ambos olharam para lá e viram Kim Minseok entrando, o cabelo estava jogado para trás como se tivesse corrido até ali, assim como a boca se abria atrás de oxigênio e havia suor escorrendo pelo pescoço. Jongdae mordeu a parte interna da bochecha, desconfortável com aquela aparição porque aquilo não estava nos planos. Queria conversar com Junmyeon à sós, explicar tudo de uma vez e não ser exposto, mas fitando Minseok na entrada da porta, ainda segurando a maçaneta, Jongdae soube que aquilo nunca poderia ficar entre ele e Junmeyon, principalmente pela forma como os olhos castanhos do ômega crisparam-se em sua direção, cheios de tanta raiva, que Jongdae sentiu-se queimar.

— Olha só pra você. — Minseok sorriu, irônico. Soltou a maçaneta da porta e a fechou, então cruzou os braços e deu passos leves em sua direção, parecia tão diferente da imagem inocente que Jongdae ainda cultivava em sua mente. — Quanto tempo. — virou o rosto para o irmão. — Por que não me avisou? — ele questionou irritado, Jongdae abaixou o rosto, sentia-se um intruso ali.

— Do que eu deveria te avisar realmente? — Junmyeon cruzou os braços. — Isso é...

— Um assunto meu também! — Minseok subitamente esbravejou e até mesmo Jongdae tremeu, obrigou-se a erguer os olhos para fitar o ômega. — Você não tem a menor ideia do que este alfa fez com nosso irmão. — ele continuou ao passo que se aproximava da mesa.

Junmyeon estava respirando de uma forma ruidosa, parecia ao ponto de pular sobre a mesa e se atracar com o irmão no chão daquela sala. Jongdae acreditou que aquilo era culpa do seu instinto alfa, porque nem em um milhão de anos Junmyeon machucaria Minseok, mas o Kim também sabia que alfas eram territorialistas demais e ter um ômega dando palpites em sua jurisdição não era bem o que os alfas gostavam. No entanto, o líder Kim respirou fundo, fechou os olhos por um tempo, retirou os óculos e os colocou sobre a mesa, em cima do papel que estivera lendo antes e voltou a fitar o irmão. Eles ficaram em silêncio, parecia haver uma troca de informações por olhares, coisa que Jongdae nunca saberia explicar como era possível.

— Vamos escuta-lo. — Junmyeon decidiu, por fim, e Minseok suspirou, derrotado.

Então, ambos estavam olhando para si. Fitando-o atrás de respostas e mais uma vez naquele fim de dia, Jongdae molhou os lábios, preparando-se para falar. Mas tudo parecia estar acontecendo tão lentamente, pensou enquanto deixava seus olhos vagarem pela imagem do Kim mais novo, o loiro do seu cabelo não estava brilhante, parecia um pouco mais perto de cinza, coisa que fez Jongdae se perguntar se ele traria os fios escuros de volta e não conseguiu evitar que uma parte sua se sentisse ansiosa por aquilo, pois não lembrava-se de ter visto o ômega com o cabelo escuro. Nas suas lembranças havia o breve momento em que ele foi ruivo, o cobre deixava-o bonito de uma forma adulta demais, como se tivesse visto muitas coisas em tão poucos anos. Mas o loiro, a forma como iluminava suas feições, o jeito como tornava-se dourado quando em contato com o sol... Esse era mais frequente em suas lembranças.

Sempre seria, percebeu. Porque Minseok o tinha marcado de uma forma tão profunda e ele sentia-se tão terrivelmente culpado da forma como abusou da sua inocência, do jeito como destruiu-o por dentro, como quebrou seu coração, que se arrependia um pouco mais a cada dia e sabia que nem mesmo a pena mais pesada do mundo, seria suficiente para apagar o mau que tinha feito àquele garoto. E foi pensando nisso, que o alfa fitou-o, diretamente nos olhos e procurou dentro de si algum vestígio daquele ômega adolescente, do garoto apaixonado e sonhador que o Kim já fora e sentiu o coração partir, quando não encontrou nada além de uma dureza dolorosa.

— Eu sinto muito. — se escutou dizer, um pedido fajuto de desculpas àquele ômega, ao ômega que um dia Kim Minseok foi.

— Não preciso das suas desculpas. — Minseok o enfrentou e Jongdae se sentiu recuar diante da frieza dos atos do outro. — Preciso que me diga o que pretendia com tudo isso, Chen.

Jongdae arregalou os olhos. Faziam-se anos que não usava aquele nome e que não o escutava da boca de mais ninguém além de Kibum e Vernon. Sentiu um arrepio subir por sua espinha, alertando-o para a forma como estava encurralado, porque se Minseok sabia sobre aquele nome, então significava que sabia também sobre outras coisas.

— Como você... — começou a perguntar.

— Seu nome não é Kim Jongdae? — Junmyeon perguntou, havia um começo de decepção na sua voz.

Jongdae desviou o olhar para si, mas logo estava abaixando-os.  Todas as vezes que olhava para Junmyeon perdia a coragem, as palavras fugiam da sua mente e só conseguia sentir vontade de se encolher e chorar sua vergonha ao mesmo tempo que em sua mente passavam as lembranças dos momentos que tinham passado juntos, a forma como foram quase amigos e também, olhar para Junmyeon fazia-o lembrar-se de Kim Ryeowook, da forma como o ômega fora tão bom para si, sempre tratando-o como se fosse um dos seus filhotes, havia até mesmo costurado suas roupas e cozinhado para si tarde da noite.

 Tinha machucado tantas pessoas, percebeu.

— Também não é um Kim. — o ômega falou, respondendo o irmão.

— O que? — Junmyeon fitou o irmão, os olhos cheios de uma confusão terrível que até mesmo Minseok sentiu-se vacilar em sua pose séria.

— Jongdae não é um Kim. — o ômega disse de uma forma suave que até mesmo o alfa algemado se surpreendeu. — Ele adotou o nome Kim na adolescência por influência da família, mas até isso acontecer não passava de um órfão que atendia pelo nome Chen.

O ômega desviou os olhos para o alfa algemado, que levantou o rosto apenas para fitar o alfa sentado à mesa. Havia choque em sua face, uma decepção tão severa que o ex-Kim engoliu em seco, não havia pedido de desculpas que pudesse reparar aquilo, percebeu.

— O que...  o que estava fazendo em minha Alcateia? Por que veio pra Coréia? — Junmyeon dirigiu-se a si e Jongdae engoliu em seco, não esperava aquela pergunta tão cedo, mas Junmyeon parecia disposto a confirmar alguma suspeita.

— Eu queria o cargo de líder. — falou de uma vez, não havia mais o que esconder, afinal. — Eu precisava me tornar líder dos Kim’s, então, me aproximei de você. — ele olhou diretamente para Minseok e o ômega sustentou seu olhar. — Achei que se casássemos, se te marcasse... você era o caminho mais rápido até a liderança. — Junmyeon juntou as sobrancelhas em irritação, pois até aquele momento não sabia do envolvimento de Minseok com Jongdae. — E quando não deu certo, eu me aproximei de você. — fitou o alfa. — Como seu amigo e chefe da segurança, eu tinha livre acesso a Sede e podia arranjar um jeito de...

— Me matar. — Junmyeon completou fitando-o, a decepção estava mais evidente nos seus olhos, tão mais profunda do que a raiva que havia nos olhos do seu irmão ômega. — Você armou o duelo com aquela garota. — o alfa adivinhou e Jongdae assentiu.

— Precisava estudar sua forma de luta para poder ganhar quando fosse minha vez de desafiá-lo. — confessou.

— Mas não desafiou, — o Kim ergueu-se da cadeira, atrás da mesa, as mãos espalmadas na superfície de madeira, ameaçador. — preferiu sequestrar meu irmão.

Jongdae ficou calado novamente e Junmyeon empurrou os objetos e documentos que haviam sobre a mesa, tudo foi parar no chão com um estrondo que até mesmo Minseok assustou-se.

— Você... você ajudou a espalhar os cartazes de busca pela cidade. — o Kim disse com uma raiva tão grande que o alfa não conseguia levantar o rosto. — Você me ajudou nas buscas! — ele saiu de trás da mesa e Minseok o fitou, não fez coisa alguma quando viu o irmão indo em direção ao traidor. — Mas no fim, estava com ele esse tempo inteiro.

— Junmeyon, eu... — Jongdae teve coragem de levantar o rosto para fita-lo, bem à sua frente, em pé e com mais tristeza nos atos do que raiva.

O alfa Kim ergueu a mão e acertou o seu rosto. Tapa acertou em cheio sua bochecha esquerda, tão forte que sentiu o gosto de sangue e a ardência na pele logo em seguida. Minseok enfiou-se entre os dois, segurou os braços do irmão e começou a empurra-lo para longe do alfa.

— Junie, por favor. — Minseok pediu. — Assim não.

Junmyeon tentou-se soltar do irmão, queria partir para cima daquele mentiroso, quebrar sua cara, fazê-lo gritar de dor para quem sabe assim se sentir melhor, porque cada parte sua estava rachando, caindo aos pedaços de tanta decepção. Como se tornou amigo daquele lobo? Havia sido tão ingênuo e ficava pior quando lembrava-se dos avisos do seu pai Heechul.

— Me solte. — Junmyeon empurrou Minseok, mas o ômega segurou-lhe o braço, torceu-o para trás, fazendo o alfa inclinar-se de dor ao mesmo tempo que soltava um grito.

O alfa algemado observou aquilo tudo, a bochecha ainda ardendo e o coração se tornando mais pesado em culpa, porque conseguia ver muito bem a forma como tinha machucado Junmeyon. O fracasso subia por suas pernas e se alojava no seu peito. Havia chegado tão perto, percebeu. Tão perto de ter amigos novamente, de ter um lugar, de ter uma família, mas havia estragado tudo por causa de um punhado de palavras sem valor. No fim das contas todos haviam sido enganados, quis rir disso, mas sabia que se começasse, ia acabar chorando. E alfas não choram, recordou-se do que Kibum costumava dizer para si quando criança, preso naquele Orfanato, depois de ver o único amigo ir embora.

Minseok soltou o irmão, quando notou que ele parecia mais calmo ou pelo menos tão calmo como poderia estar numa situação daquelas e virou-se para fitar o alfa, foi na sua direção tão preciso quanto qualquer alfa seria naquela posição. Definitivamente, havia estragado algo naquele ômega, teve certeza, porque o Minseok que conheceu nunca seria tão ameaçador quanto aquela pessoa. E perceber isso, o fez se perguntar o que tinha acontecido na França. Onde Minseok aprendera a segurar uma arma? Onde aprendera a lutar daquele jeito? Onde aprendera a ser tão frio?

O ômega segurou-lhe o rosto, o fez fita-lo diretamente nos olhos.

— O que fez com Kyungsoo? — perguntou e Jongdae engoliu em seco, tentou desviar o olhar, mas Minseok travou seu olhar no dele novamente.

Sem escapatória.

— Eu fiz uma pergunta. — o ômega apertou-lhe o queixo, com força, machucando-o.

— Não fiz nada. — respondeu com os dentes cerrados, odiava a forma como Minseok parecia tão superior a si.

Seu orgulho alfa começava a deixa-lo irritado com a inversão na hierarquia.

— Se tiver tocado nele... — era Junmyeon aproximando-se novamente.

— Eu não o machuquei. — se defendeu mais um pouco.

— E quanto ao acidente? — Minseok confrontou e Jongdae calou-se, o que só serviu para que o ômega soltasse seu queixo e cruzasse os braços à sua frente. — Poderia tê-lo matado. — o Kim indignou-se. — Que tipo de monstro é você? — então, seus olhos estavam muito brilhantes, parecia ao ponto de chorar, ali, na frente do alfa prisioneiro, mas Jongdae sabia que aquilo não aconteceria.

Esse Minseok não fazia o tipo que chorava na frente de alguém, ainda mais alguém como ele. Um monstro como Kim Jongdae.

— Por que o fez participar disso? — Junmyeon perguntou. — Se você queria a liderança, deveria ter duelado comigo como um alfa de verdade, em vez de colocar uma pessoa inocente no meio das suas artimanhas.

— Eu não ganharia de você em um duelo — Jongdae disse e os irmãos o fitaram. — mas sabia que se soubesse como Kyungsoo corria perigo, então entregaria a liderança em um estalar de dedos.

Junmyeon não hesitou em ir em direção ao alfa, rápido assim as mãos se fecharam envolta do pescoço do alfa, apertando tão forte que Jongdae sentiu o ar faltar imediatamente. A cadeira virou e Junmyeon caiu sobre seu corpo. Ergueu as mãos e tentou empurra-lo ao mesmo tempo que Minseok tentava tirar o irmão de cima de si. E como não conseguia, porque o Kim sempre teria mais força por ser um alfa, o ômega mordeu-lhe o braço, fazendo o aperto fraquejar e só então empurra-lo para longe.

— Vai mata-lo desse jeito! — o ômega esbravejou para o mais velho.

— Era o que eu deveria fazer! — Junmyeon gritou de volta, usando a voz ativa de alfa sem perceber, mas Minseok não se encolheu diante disso.

No chão, Jongdae rolou para ficar de peito para baixo enquanto tossia e puxava o ar de jeito sôfrego. Ele tentou levantar-se, mas estava fraco devido ao recente ataque, os braços não estavam firmes o suficiente, por isso caiu de volta no chão. Com certeza, Junmyeon ia mata-lo se continuasse a ataca-lo daquela maneira e se dar conta disso, fez Jongdae agradecer por Minseok estar ali, porque se não fosse o ômega, já estaria morto há muito tempo. No entanto, não era isso que merecia? Havia cometido tantos crimes, quebrado tantas regras, enganado tantas pessoas boas... Não era certo que recebesse a pena de morte que Junmyeon oferecia? Pois, não passava de um monstro. Tudo que ele tocava se desfazia, ia embora, se quebrava.

Era só olhar para Minseok, para tudo o que tinha feito com aquele garoto. Céus! Nem ao menos conseguia se perdoar, então porque esperava que Junmyeon ou qualquer Kim o fizesse? Era mais fácil a morte, quem sabe morto todos pudessem ter suas vidas em paz e então, ele mesmo poderia ter um pouco e aí não poderia pensar no real problema.

Tentou se levantar mais uma vez, mas desistiu. Acabou rolando, para ficar com peito para cima, puxou um pouco de ar pela boca. Sua garganta estava latejando, mas conseguia respirar melhor. Tinha certeza que ficaria com marcas no pescoço da mesma forma que ficaria com a mão de Junmyeon moldada na bochecha, quase podia imaginar a forma dos dedos do Kim presos na sua pele, a prova do seu ódio por si.

— Apoio você nisso, líder Kim. — Jongdae teve coragem de dizer, interrompendo o impasse que os irmãos se encontravam. — Se quer saber, Jun, eu o machuquei, sim. — se referiu ao caçula dos Kim’s.

Minseok, que estava de costas para si, segurando os braços de Junmyeon e o impedindo de se aproximar si, intensificou o aperto na pele do irmão diante do que ele falava. Jongdae mordeu o lábio enquanto os olhos de Junmyeon tornavam-se vermelhos na sua direção, fazendo-o perceber que ele estava há um passo de se deixar dominar por seu lobo e vir em sua direção.

— Kyungsoo escrevia cartas para vocês todos os dias e eu mentia para ele todos os dias, dizendo o quanto vocês o desprezavam e que não o queriam de volta por ter sido um covarde. — continuou e Junmyeon rosnou para si ao mesmo tempo que tentava se levantar, mas com aquelas algemas ficava difícil, decidiu ficar sentado no chão.  — Eu lhe disse coisas terríveis. — e queria rir, mas seus olhos estavam enchendo-se de lágrimas. — E eu... eu tentei...

O loiro soltou os braços do irmão e virou-se lentamente de frente para si, os olhos estavam tão claros. Não era o costumeiro avelã, era apenas o castanho de sempre. O castanho-claro que o diferenciava entre tantos, brilhava em lágrimas nunca derramadas, mas não eram lágrimas normais, Jongdae percebeu. Minseok queria chorar, mas era de raiva, era ódio o que tinha estampado no castanho e transbordava devagarinho ao mesmo tempo que as mãos dele se fechavam em punho. E Jongdae admirou o fato de que até mesmo daquela forma, Minseok ainda era bonito. Terrivelmente, bonito enquanto brilhava em tanto ódio por si. O cabelo loiro-acinzentado não parecia tão apagado quanto pensara antes e as roupas lhe caiam bem mesmo que não fossem suas, sabia desse último fato por causa do cheiro. Sentia o cheiro de Baekhyun estampado naquele ômega, no tecido da roupa, na pele, estava ali como um aviso alto e claro de que ele pertencia à alguém. Mas fitando Minseok daquela forma, quando ele estava no limite entre se deixar levar pelas emoções e ser sensato, Jongdae se deu conta de que não havia jeito de Minseok pertencer à alguém.

Ele era mais do que um objeto ou um status, era mais do que só o ômega de um líder alfa. Aquele Kim era uma força incontrolável.

— O que você fez? — Minseok inquiriu numa voz baixa de tão controlada, fez o alfa sentir medo, principalmente quando deu um passo em sua direção.

Jongdae não disse nada. O alfa sabia que o silêncio seria seu melhor aliado naquele momento, deixaria que o ômega enlouquecesse de uma vez com aquela possibilidade, aquela horrível possibilidade, porque precisava tanto se autopunir que não media a consequência das coisas que os fazia acreditar e foi por isso, que não se surpreendeu quando o Kim aproximou-se de si mais um pouco ao mesmo tempo que Junmyeon passava as mãos nos cabelos, puxando-os para trás num nervosismo que não combinava com o momento e não parecia nenhum pouco disposto a impedir a aproximação do Kim mais novo.

— Diga! — exigiu, mas Jongdae se limitou a rir.

O ato encheu Minseok de tanta raiva, que quando deu por si já havia acertado o punho fechado no queixo do alfa. Jongdae caiu para trás, pego totalmente de surpresa e arfando de dor, não achava que Minseok teria a mão tão pesada, mas não teve tempo de reclamar porque logo o ômega estava segurando-o pelo colarinho da camisa, apertando envolta do seu pescoço e Jongdae gemeu de dor. Mas logo estava sendo solto, jogado aos pés do ômega. Minseok balançou a cabeça, como alguém que sai de um transe, parecia arrependido da sua explosão e iria começar a se afastar quando Jongdae decidiu falar mais um pouco, afinal não podia deixar que o outro fosse embora assim, sem acabar com a sua vida de uma vez.

— Não fiz o que acha.  — Minseok parou os passos, ficou muito rígido.

A porta se abriu e Jongdae viu quando Junmyeon saiu da sala, provavelmente atrás de um sentinela para tira-lo dali, afinal o alfa já estava tão perto do descontrole. Mas Minseok ficou, o encarando, esperando o resto das palavras que Jongdae não sabia mais se queria dizer. No entanto, o caminho já havia sido trilhado, se deu conta, as palavras estavam na ponta da língua, tão perto de machucar mais um pouco aquele ômega.

— Sabe, Kyungsoo não faz o meu tipo. — porque sabia que tinha que tocar na ferida, forçar, causar dor para que Minseok lhe desse o que queria de uma vez. — Eu, definitivamente, prefiro os loiros.

Ele não tirou os olhos do seu rosto nem mesmo quando a primeira lágrima desceu, solitária pela bochecha, escorreu pela pele e pingou do queixo até a roupa. Um ato tão simples, tão lento, tão malditamente doloroso, que Jongdae se sentiu morrer mais um pouco. Mas ao contrário do que pensou o Kim não se aproximou. Ele apenas ergueu a mão e limpou a lágrima do rosto, então lhe deu as costas e começou a ir em direção à saída.

— Eu pensei sobre aquela noite por muito tempo. — Jongdae falou muito alto, chamando a atenção do ômega de volta pra si. — Sempre achei que estava errado, mas não e sabe por que? Porque você disse sim, aposto que queria aquilo tanto quanto eu.

Ficou em silêncio.

Minseok voltou-se pra ele, suas bochechas estavam molhadas denunciando seu choro silencioso.

— Eu te amava. — disse. — Te amei desde a primeira vez que te vi e quando me correspondeu... — balançou a cabeça, meio sorriu entre as lágrimas. — você só estava jogando, não era? Eu não passava de uma peça no seu tabuleiro assim como Junmyeon ou Kyungsoo. E quer saber de uma coisa, não vou deixar que me manipule novamente. — então, subitamente, Minseok sorriu ao mesmo tempo que Jongdae arregalava os olhos, havia sido pego na própria armadilha. — Não vou fazer o que quer e espero que Junmyeon também não o faça. — deu um passo para trás. — Vou rezar a Dal para que viva por muito, muito, muito tempo e que nunca esqueça dos crimes que cometeu.

Segurou a maçaneta da porta, abriu-a e limpou o rosto antes de começar a sair da sala. Jongdae o observou, não havia mais nada para dizer. Não havia mais nenhuma carta na manga, o que lhe restava era aguentar seu castigo ainda vivo, carregar até o fim dos seus dias os seus crimes nas costas.

— Minseok! — ainda chamou, mas o ômega já estava longe.

Escutou a porta se abrindo novamente, mas era Junmyeon acompanhado do sentinela. O alfa não olhou para si quando mandou o beta leva-lo de volta à cela e Jongdae se viu chamando seu nome, se debatendo nos braços do guarda, implorando por sua morte. Mas o Kim não o escutou, apenas se limitou a fechar a porta. Tranca-la, na verdade. Precisava de um descanso daquilo antes que desmoronasse de vez.

Deixou-se escorregar até o chão, abraçou os joelhos, precisava respirar fundo e se recompor. Era um alfa e um líder, tinha que ser um exemplo de resistência. Levantou-se e começou a arrumar a sua mesa bagunçada, colocou os documentos no lugar, jogou seus óculos no lixo porque as lentes tinham se quebrado no seu ataque de fúria. Sentou-se à mesa, voltou a trabalhar, fingindo que nada daquilo tinha acontecido.

Enquanto isso Minseok corria pela floresta, as lágrimas secando no seu rosto. Sentia-se tão pequeno, tão indefeso, tão terrivelmente fraco. Era como voltar à aquela noite, estava revivendo os mesmos sentimentos, quase podia sentir o cheiro de Jongdae no seu corpo e quis rasgar sua pele, tirar aquilo fora a força. Ele correu em direção ao lago e mergulhou de roupa e tudo, precisava de um banho frio, demorado, precisava esfregar aquela sujeira da sua pele de uma vez e foi o que exatamente fez. Esfregou seus braços com a mão e depois usou a sua camisa molhada, desceu-a com brutalidade por todo o pedaço de pele que encontrava, soluçava alto na beira daquele lago. Voltou a mergulhar, ficou bastante tempo embaixo d’água, o suficiente para voltar a superfície buscando ar como um desesperado e então, estava chorando de novo e repetindo o processo de limpeza. Fez isso por tanto tempo que acabou ferindo as pernas, os braços, a barriga. Deixou sua pele vermelha, cheia de escoriações. Ardiam quando saiu da água e caminhou em silêncio até a casinha na árvore.

Era o único lugar que restava para voltar, pensou. Era o único lugar para o qual podia fugir mesmo que tenha sido ali que tudo aconteceu. Ele deitou-se no chão sujo daquele lugar e fitou o teto de madeira. Não parecia que alguém tinha visitado aquele lugar desde que se casara e uma parte sua agradeceu por isso, porque não suportaria perder ao menos aquilo. Deitou-se de lado, abraçou os joelhos e chorou, baixinho da forma como sempre fazia quando aquele sim doía demais no peito.

Minseok chorou a confirmação que nunca deveria ter vindo, chorou sobre o sentimento tão bonito que um dia nutriu por aquele alfa, chorou pela situação de Kyungsoo... chorou porque sempre seria sua culpa, afinal, tinha dito sim.

***

Siwon encarou o filho mais novo, estava sentado à sala da casa de Heechul com Ji Eun nos braços enquanto, no quarto, Donghae descansava. O almoço na casa de Ryeowook havia ido bem apesar dos ocasionais comentários sarcásticos de Jungsoo, mas Siwon havia feito esforço para manter uma aparência neutra, ainda mais em respeito a presença de Kyungsoo, que havia voltado há pouco tempo para casa e em respeito ao próprio marido, que não estava totalmente recuperado do ataque aos Byun’s. Claro, ele ainda podia sair e andar um pouco, mas não era o recomendado. Precisava de repouso por bastante tempo além de precisar da presença constante do alfa Byun, por conta da marca.

Mas Siwon precisava cuidar da filha e precisava descansar também, andava tão exausto ultimamente que Heechul estava frequentemente dormindo ali, afim de dar algum suporte com os cuidados com o bebê. No entanto, Siwon sabia que era só uma questão de tempo até que Donghae se recuperasse e eles dois pudessem se reversar nos cuidados com Ji Eun, afinal a transfusão de sangue havia dado certo. A Marca fez dar certo, do jeito que Lu Henry prometera.

— Acho que ela está com fome. — Chanyeol ergueu o rosto para fita-lo de volta ao mesmo tempo que a pequena filhote em seus braços começava a chorar.

O alfa mais velho se ergueu da poltrona e foi até a cozinha, procurou na geladeira a mamadeira para a filha enquanto o Byun mais novo balançava a irmã nos braços, bem lentamente, tentando acalmá-la. O pai não se demorou muito na cozinha, pois logo estava correndo em sua direção, apressado de um jeito engraçado que Chanyeol quis rir, mas não o fez porquê se sentia a beira do desespero com aquela criança nos braços, chorando alto.

Siwon pegou a filha nos braços e a alimentou com a mamadeira. Ji Eun sugou o leite dali com avidez, provando que Chanyeol estava certo sobre sua fome.

— Omma não pode alimenta-la? — o filho perguntou curioso e Siwon não o fitou quando respondeu, estava ocupado com a filha.

— Ele está dormindo.

Chanyeol assentiu e voltou a se sentar no sofá, enquanto via o pai alfa fazendo o mesmo. Parecia tão fácil cuidar de uma criança, pensou, será que ele se sairia tão bem se fosse ele no lugar de Siwon? Desde que virá a barriga de sete meses de Kyungsoo, estava frequentemente se perguntando isso, porque nem havia como questionar sua paternidade, quando o tempo de gravidez do Kim batia com o tempo em que toda aquela confusão aconteceu, batia com à época em que Minseok casará com Baekhyun. No entanto, Kyungsoo parecia não saber disso quando nem ao menos o reconhecia e o alfa não culpava o ômega. Ele também não se reconheceria se tivesse na mesma situação, pois não havia sido um bom alfa e mesmo agora, ainda estava fugindo.

— Pergunte de uma vez. — o pai interrompeu seus pensamentos e Chanyeol suspirou, jogando-se no sofá para ficar deitado.

— O filhote que Kyungsoo carrega é... — não sabia de onde vinha a insegurança em completar a frase, mas felizmente seu pai o conhecia como ninguém.

— É seu. — confirmou e nem ao menos estava olhando para si, continuava prestando atenção em Ji Eun. — Só um idiota não perceberia isso. — Siwon ergueu os olhos na sua direção, uma sobrancelha arqueada e Chanyeol encolheu os ombros em vergonha por ter feito aquela pergunta.

Ele não sabe disso. — falou.

— Então, por que está se lamentando comigo? — o pai soltou depois que afastou a mamadeira vazia da irmã, colocou-a no chão, aos pés do sofá e começou a ajeita-la para que arrotasse.

— Eu não estou... — a frase morreu na sua língua quando pegou mais uma vez as sobrancelhas arqueadas do pai na sua direção, encolheu-se mais no sofá.

Estava se lamentando.

Reclamando para o pai, sem realmente tentar nada. Era um alfa patético, se deu conta. Como fizera Kyungsoo se apaixonar por si? Chanyeol era totalmente diferente dos outros alfas, sua personalidade não combinava com a aparência e com toda certeza, não combinava com o Kim. No entanto, eles haviam tido um romance e agora, iriam ter um filho, mesmo que o ômega não tivesse a menor ideia desse último fato. Suspirou audivelmente, cansado de si mesmo e de seus dramas tão patéticos. Queria ser mais como Baekhyun, tão sério e firme nas suas decisões que nem ao menos conseguia deixar ninguém se aproximar. Ainda se surpreendia pela forma como Minseok tinha feito seu caminho para além daquela armadura do irmão.

Virou o rosto para encarar o pai e Siwon, já havia voltado a ninar a filha nos braços. Ela estava quase dormindo novamente.

— Appa. — chamou e logo os olhos do alfa estavam em si. — O que eu faço?

Siwon suspirou.

— Pare de fugir. — disse simplesmente e Chanyeol continuou o fitando. — Você vai ser pai agora, precisa amadurecer.

O mais novo sentou-se e assentiu. Sabia que seu pai tinha razão. Agora não era mais sobre Kyungsoo, era sobre o filhote que o Kim carregava, um filhote que tinha o seu sangue também. Estava na hora de assumir responsabilidades, de amadurecer e se tornar alguém de quem Kyungsoo pudesse ter orgulho e acima disso, precisava tornar-se alguém de quem o seu filhote pudesse ter orgulho. Ele levantou-se e foi até o pai, abriu os braços e o abraçou, tomando cuidado com pequena Ji Eun. E Siwon deixou um tapinha em sua costa.

— Boa sorte. — o pai desejou e Chanyeol sorriu quando se afastou.

Ele parecia-se com Donghae, o alfa admirou. Havia neles dois a mesma inocência, a simplicidade dos atos do filho sempre lembraria o seu pai ômega e Siwon ficou feliz por isso, porque sabia que Chanyeol tinha um coração sincero e dedicado. Era um bom garoto, no fim das contas, só precisava de uma oportunidade para mostrar seu valor.

— Eu vou atrás de Baekhyun. — de repente pareceu animado enquanto se afastava.

— Se encontra-lo, diga para vir nos visitar. — Siwon pediu, porque até mesmo havia visto Baekhyun no almoço, mas o seu filho fora arredio na sua presença.

E depois, quando terminaram de comer, nem ao menos conseguiu falar consigo pois o outro desapareceu tão rápido das suas vistas, que Siwon estranhou. Baekhyun não era daquele jeito, principalmente quando seu omma havia sofrido um ataque. Ele com certeza já deveria ter aparecido e se mostrado preocupado. Aquele silêncio não combinava nenhum pouco com o Byun mais novo.

— Tudo bem. — Chanyeol concordou, mas antes que chegasse a porta, virou-se para o alfa, só naquele momento lembrou-se do porquê tinha ido até o pai. — Appa. — chamou e Siwon voltou a fita-lo, esperou.

Chanyeol voltou para perto de si, respirou fundo e começou a contar a coisa estranha que acontecera consigo mais cedo, na sala da casa de Ryeowook. Falou numa pressa nervosa, o jeito como um alfa desconhecido sentara ao seu lado quando tinha Ji Eun nos braços, as mãos algemadas e com um olhar sinistro para cima de si. A forma como sua boca se abriu e falou aquelas coisas. Byun Jongdae. E Siwon escutou tudo com a expressão neutra, quieto, enquanto Ji Eun se mantia alheia a todas aquelas palavras em seus braços.

— Que bobagem. — Siwon disse e Chanyeol aliviou-se, porque seu pai não fazia o tipo que tinha filhos fora do casamento e também, não parecia o tipo que trairia Donghae. — Eu não tenho outros filhos além de vocês três. — assegurou e Chanyeol sorriu.

Agora tinha certeza que aquilo não passara de uma brincadeira de mal gosto. Voltou a se afastar, iria atrás de Baekhyun e depois, quem sabe, tentaria falar com Kyungsoo. Despediu-se do pai mais uma vez correu porta à fora, mais tranquilo e confiante. Foi até a casa ao lado, pois tinha quase certeza de que Baekhyun estaria lá, afinal era onde Minseok estava. Riu fraco com essa constatação, porque seu irmão nem ao menos disfarçava a forma como estava terrivelmente encantado com o Kim.

Isso o deixava feliz, porque Baekhyun merecia um descanso, merecia um lugar neutro para descansar os pensamentos e acima disso, merecia ser feliz. Seu irmãozinho mais velho, que já fizera tanta coisa por si, merecia todas as coisas boas do mundo.

Entrou na casa de Ryeowook, a porta sempre ficava destrancada, percebeu. Avançou pela sala, onde não havia ninguém e foi até a cozinha, mas lá também não tinha ninguém. Chamou pelo nome do Kim, mas não teve nenhuma resposta. Ao que parecia a casa estava vazia, o que era bem estranho porque haviam tantos Kim’s morando ali, cada um com seu horário estabelecido. Suspirou, frustrado e decidiu que era melhor voltar em outro momento, então avançou pelo corredor em direção a porta de saída que ficava na sala, mas parou na entrada da cozinha quando notou a presença de um Kim ali.

— Oi. — Kyungsoo cumprimentou, havia um copo de água na sua mão enquanto encostava a cintura na bancada da pia.

— Oi. — Chanyeol cumprimentou de volta, sem conseguir desviar os olhos. — Como você está? — tentou ser casual, mas sabia que sua expressão o denunciava, porque Kyungsoo ergueu a sobrancelha direita, desconfiado, enquanto bebia a água.

— Bem. — ele deixou o copo vazio sobre a bancada da pia. — E você?

— Bem também. — disse e ficaram em silêncio.

Continuavam se fitando, nenhum dois fazia esforço para sair daquilo. E Kyungsoo tinha olhos tão bonitos, Chanyeol pensou, que bem poderia passar o resto dos seus dias o fitando. Mas o ômega tinha um pensamento diferente, porque estava desviando os olhos de si, um movimento tão natural que machucou o Byun. 

— Não lembra-se de mim? — se escutou perguntar quando o silêncio começou a sufocar Kyungsoo.

— Sei que é irmão de Byun Baekhyun.

— Não foi isso que perguntei. — tentou mais um pouco ao mesmo tempo que o Kim sentia-se mais desconfortável.

Mas Kyungsoo negou, balançando a cabeça devagar. Realmente não lembrava, contudo, sabia que já o tinha visto em algum momento, que eles dois conviviam bastante, o problema era que o ômega não tinha nenhuma lembrança desses dias.

— Nós éramos amigos? — inquiriu inseguro.

Chanyeol desviou os olhos para baixo, fitou o chão ladrilhado da cozinha e mordeu o lábio.

— Nós éramos namorados. — disse de uma vez e não viu quando os olhos de Kyungsoo arregalaram-se. — Eu... eu sou seu alfa. — ergueu o rosto, procurou seus olhos numa urgência que não valia a pena ter, porque a expressão de Kyungsoo era apenas surpresa, nada de reconhecimento, não parecia que havia recordado-se de algo.

O Byun tornou a abaixar os olhos, a mão subiu para a nuca, um tanto envergonhado pela forma que parecia tão sedento por algum sinal de que aquela pessoa na sua frente, carregando seu filho, ainda era o mesmo Kyungsoo por quem tinha se apaixonado. Puxou os cabelos na nuca e suspirou. Não havia nada que pudesse fazer além de esperar, tentou se tranquilizar, pois Junmyeon havia explicado tudo, contado sobre o diagnóstico médico. Não havia nada para fazer além de esperar, porque forçar Kyungsoo poderia trazer consequências nada boas e tudo que o alfa menos queria era piorar a situação do ômega quando já tinha feito tanto para contribuir para aquele estado.

Não era burro, pelo menos não tanto como todos achavam. Chanyeol entendia e aceitava muito bem sua culpa no estado em que Kyungsoo se encontrava. Se tivesse sido mais corajoso, quem sabe as coisas tivessem sido diferentes.

Voltou a erguer o rosto e preparou-se para pedir desculpas pelo que tinha falado, não queria que Kyungsoo tivesse nenhuma emoção forte, algo que poderia prejudicar o bebê. Ele pegou o olhar do Kim em si, ainda preso na surpresa de descobrir que tinha um alfa.

Sonolento é seu também? — o ômega falou antes que perdesse a chance.

— O que? — Chanyeol franzio a testa, confuso, mas a mão do Kim deslizou por sua barriga, alertando que não ‘o que’ e sim ‘quem’, a expressão de Chanyeol se iluminou. — Sim. — assentiu, havia um sorriso gigante em seu rosto, que até mesmo Kyungsoo sorriu, um pouco mais contido.

O alfa deu um passo em sua direção, parou, esperou algum tipo de permissão. Não queria se invasivo, não queria assustar Kyungsoo. E como que para dizer que não estava assustado, o ômega deu um passo em sua direção também. Não lembrava-se realmente dele, só estava se deixando guiar por toda aquela vontade arrebatadora de estar nos braços dele, alguma coisa em si lutava enlouquecidamente, estava preso no seu interior e se pelo menos Kyungsoo pudesse acessar aquela parte escura de si, se pelo menos tivesse alguma lembrança, porque a cada dia se sentia mais cansado de ter sempre que confiar nos seus instintos, da forma que estava fazendo naquele momento.

O Byun deu mais um passo em sua direção e então, mais outro e então, eles estavam frente a frente. Suas mãos ergueram-se e a palma pairou acima da cabeça do ômega, desceu silenciosamente por sua bochecha, mas não tocou a pele. Havia uma distância segura, disse a si mesmo. E Kyungsoo se sentia seguro por isso, nada de toques indevidos, nada que ele não quisesse. Mas o ômega sabia que o mais alto queria tocá-lo, afundar os dedos na sua pele, enfiar a ponta do nariz na curva do seu pescoço, segura-lo tão forte que o ômega ficaria sem ar. Não era tão difícil perceber isso, estava transbordando pelos olhos dele, escorrendo pela ponta dos seus dedos e uma parte de Kyungsoo quis se tocado.

Estava com sete meses de gravidez, sentia-se tão carente, tão sozinho. Seu lobo implorava por atenção de um parceiro, por qualquer coisa mais intima. E o cheiro de Chanyeol o estava deixando louco, tão perto daquele jeito, o sufocava em desejo por mais do que olhares e a forma como havia dito que era seu alfa, só tinha piorado tudo, porque seu lobo o queria. Era tudo o que seu lobo estivera pedindo desde que acordara do coma: um parceiro.

Kyungsoo era puramente instinto, nada de lembranças, só a vontade avassaladora de ser tocado, por isso ergueu as próprias mãos e segurou a mão de Chanyeol, quase no seu queixo, quase pronta para ir embora. Aproximou-a do seu rosto e fechou os olhos com o toque, mordeu o lábio quando sentiu o cheiro do outro se intensificar, estava o excitando de uma maneira surreal. Definitivamente, era um ômega necessitado de atenção.

A mão do alfa era quente sua pele, áspera contra a sua bochecha. Culpa de algum tipo de trabalho braçal?, se perguntou, mas deixou esse questionamento para outro momento, porque em seguida abria os olhos e fitava o mesmo. Ele era tão alto, que Kyungsoo soube que sempre teria que se colocar nas pontas dos pés para beijá-lo e quis rir com esse pensamento, mas o sorriso morreu no canto dos seus lábios quando sentiu uma dor na parte de trás da cabeça. Ele piscou os olhos, tentando afastar a dor. Voltou a fitar o alfa, que não tinha abandonado a atenção de si. Percebeu quando o castanho dos seus olhos foi tornando-se muito claro para dar lugar ao azul. Um azul tão límpido que o próprio Kyungsoo soltou a mão de Chanyeol e as ergueu em direção ao rosto do outro, a ponta dos seus polegares deslizaram por sua bochecha enquanto ficava na ponta dos pés e Chanyeol deixou, não parou de fita-lo em nenhum momento.

Ele era tão terrivelmente familiar. A presença dele o confortava, o instigava a se enroscar nele, desejava os braços dele a sua volta porque estava com saudade. O sentimento ganhou nome no seu pensamento, queimou no seu peito e Kyungsoo sentiu seus olhos encherem-se de lágrimas, tentou pisca-las para longe, mas não adiantou porque logo estava com as bochechas molhadas. Havia sentido tanta saudade daquela pessoa, tanta saudade que seu peito doía agora. Afastou as mãos do seu rosto e o abraçou, o mais apertado que conseguia com aquela barriga de sete meses. E Chanyeol o abraçou de volta. Forte. Seguro. Confortável.

***

Ryeowook puxou uma cadeira e sentou-se em frente a cela de Kim Jongdae, ainda preferia chama-lo assim mesmo depois de Junmyeon ter dito que seu nome era Chen. Não, afastou a ideia, para si ele sempre seria Kim Jongdae. Alisou a maleta de primeiros socorros que tinha sobre as coxas e esperou, um tanto nervoso por seu paciente. Esperava que o alfa cooperasse, mesmo que não soubesse muito bem com o que ele deveria fazê-lo. Junmeyon, seu filho, havia apenas chamado-o ali para cuidar dos ferimentos no alfa. O prisioneiro, como seu filhote se referia, havia tido um mal comportamento e tentara colocar a cabeça entre as barras da cela, havia se queimado com a prata.

O beta, o sentinela, que veio consigo, se aproximou da cela quando o ômega deu sinal. Estava pronto para ser apenas o enfermeiro ou pelo menos foi aquilo que acreditou. Viu quando o guardião o puxou o alfa com brutalidade demais nos atos, para fora da cela, mas o Kim não reclamou de dor alguma. Na verdade, parecia não se importar com a dor ou talvez, estivesse doendo tanto que ele nem ao menos sentia mais, Ryeowook pensou. Costumava acontecer com algumas pessoas que tinham sofrido algum trauma físico grave, a dor se tornava tanta que em algum momento a pessoa parava de senti-la.

Jongdae foi posto na cadeira à sua frente, não havia nada entre eles além da maleta branca com cruzes vermelhas sobre as coxas do ômega mais velho.

— Seus machucados estão bem feios. — Ryeowook disse baixo, avaliou os estragos no pescoço e mãos, pulsos. — Você pode tirar as algemas? — perguntou ao sentinela.

— Não é recomendado, senhor Kim. — ele respondeu. — O prisioneiro se mostrou violento. — alertou e Ryeowook suspirou, abaixou a cabeça em negação, não podia trabalhar daquela maneira.

— Por favor, tire. — pediu ao beta e o mesmo abriu a boca para negar, mas percebeu o olhar do Kim sobre si tornando-se irritado, por isso obedeceu. — Deixe-me ver suas mãos. — Jongdae não tinha os olhos em si, a cabeça estava baixa e o cabelo escondia suas feições, quando estendeu as mãos na sua direção. — Isso vai deixar cicatrizes. — o ômega lamentou, mas se viu acariciando a lateral da palma do alfa, como quem diz está tudo bem.

E como quem responde não está, Jongdae chorou. Ryeowook desviou os olhos para o guarda ali, ergueu a mão, pedindo que ele saísse dali. E quando, à sós, o ômega levantou-se e se aproximou o suficiente para abraça-lo. Ficou muito tempo com o alfa nos braços, escutando seus soluços e deixando que suas lágrimas molhassem sua camisa. Ele parecia tão frágil, tão pequeno nos seus braços, que Ryeowook não conseguia se impedir de querer protege-lo e olhar para todas aquelas feridas no seu corpo, só fazia essa vontade aumentar.

Por um momento, sentiu raiva de Junmyeon por ter machucado tanto aquele Kim, afinal não lembrava-se de ter criado um brutamontes. E até onde sabia, o filho só deveria levar Jongdae para um interrogatório e não, a uma sessão de tortura. No entanto, logo estava abandonando esse pensando ao lembrar do que o guarda havia dito. Jongdae havia mostrado um comportamento violento. Mas por que?, se perguntou, ele nunca fora violento na sua presença. Sempre lhe pareceu calmo e um tanto tímido.

— O que aconteceu? — perguntou ao alfa, baixinho enquanto acariciava seus cabelos.

Jongdae permaneceu quieto, soluçando contra seu ombro e apertando-o com força, como um filhote assustado. Ryeowook deixou, porque não sabia mais o que poderia fazer além de esperar. Contudo, não demorou muito até que começasse a escutar um sussurro abafado contra seu ombro, seguido de um fungar. Era Jongdae, finalmente, falando.

— E-eu sinto muito, senhor Kim. — Ryeowook entendeu o que ele dizia e franzio a testa, não sabia sobre o que falava e muito menos porquê se desculpava.

Afastou-se um pouco para poder fita-lo, segurou-lhe o rosto, queria olhar em seus olhos.

— Do que está falando? — perguntou.

Os olhos do alfa estavam molhados e vermelhos, por culpa do choro, mas sua aparência ficava pior quando Ryeowook somava o cabelo bagunçado e as feridas espalhadas no corpo. Não parecia nenhum pouco o vilão que Junmyeon lhe alertara sobre, só parecia um lobo perdido, alguém cheio de dor que se machucou de propósito numa forma de frear essa dor.

Jongdae afastou-se braços, limpou os olhos com as costas das mãos e voltou a ficar com a cabeça baixa, o cabelo escuro escondendo toda a sua culpa. Ryeowook tentou se aproximar de novo, segurar suas mãos, mas o alfa o afastou, novamente.

— E-eu o machuquei... — começou baixinho ao mesmo tempo que o ômega sentava-se à sua frente. — O acidente de Kyungsoo, foi... foi culpa minha. — continuava de cabeça baixa e por isso não viu quando os olhos do ômega arregalaram-se. — E Min-Minseok... eu também... eu... — então estava soluçando novamente, mas dessa vez Ryeowook não se aproximou para consola-lo, só permaneceu onde estava, chocado demais com o que escutara.

Como assim provocara o acidente de Kyungsoo? Seu filho tinha sofrido o acidente há dois meses, exatamente na mesma época que Jongdae desapareceu. Mas mesmo com isso, sua mente não conseguia conectar os fatos... as duas coisas pareciam distantes demais para si, por que como Jongdae sabia onde Kyungsoo estava? Ninguém sabia. Todos estavam o procurando e ele mesmo, lembrava-se muito bem do empenho de Jongdae nas buscas. A não ser que ele tivesse encontrado o seu filho, então tentará o trazer para casa quando sofreram o acidente. Sim! Isso parecia mais plausível. Contudo, e quanto a Minseok? Por que ele estava citando Minseok daquela forma?

Ryeowook sabia sobre a forma como eles tinham sido namoradinhos na adolescência, do jeito como não deram certo porquê Minseok escolheu ir para França em vez de continuar com o alfa. E não parecia que alguém tinha se machucado nesse processo. Foi um término saudável, como o próprio alfa tinha dito.

— O que disse? — se viu perguntando mesmo assim, sua mente estava tão confusa.

Os ombros do alfa tremeram mais um pouco, chorando baixo. Ryeowook suspirou pois sabia que não teria uma resposta do alfa tão cedo se ele continuasse naquele estado de tristeza misturado com culpa. Então, decidiu que era melhor confortá-lo, deixa-lo calmo para que pudesse escutar a história completa da sua boca. Estendeu as mãos na sua direção e segurou o seu rosto, ergueu na sua direção e tentou passa-lhe alguma segurança. Nunca tinha visto um alfa chorar tanto, pelo menos não desde que Donghae fora atacado e Siwon quase desfez-se em lágrimas.

Jongdae pareceu relaxar com aquilo, mas o lábio inferior ainda tremia quando seus olhos se focaram com os do ômega. Ryeowook sorriu para si. Está tudo bem, pensou enquanto soltava o rosto do garoto.

— Deixe-me cuidar desses ferimentos. — falou, então abriu sua maleta de primeiros socorros e procurou o algodão e o álcool, iria limpar aquela vermelhidão da pele dele.

Deslizou o algodão molhado de álcool sobre a ferida do Kim, tentou ser o mais cuidadoso possível, mas sua mente estava começando a se agitar em agitação pelas palavras que escutara de Jongdae. Tentou focar a atenção ali. Costurou os cortes mais fundos, embalou seus pulsos com ataduras e esparadrapo. Guardou seus equipamentos em silêncio, os olhos evitavam ficar a face do alfa.

O Kim já tinha parado de chorar. Estava em silêncio, agora, os olhos vidrados em um ponto cego atrás de Ryeowook, fazia o ômega se perguntar que tipo de coisas ele tinha visto ou ouvido para chegar até aquele estado. Esse comportamento tinha haver com a conversa que tivera com Junmyeon antes?

— Jongdae. — chamou baixinho, queria segurar suas mãos, mas quando tentou, o Kim as desviou, pegando o mais velho de surpresa.  — O que aconteceu? — insistiu mesmo assim, usando tom suave que sempre apaziguava os ânimos de Kyungsoo quando criança.

O alfa ergueu o rosto na sua direção. Os olhos estavam manchados de vermelho e Ryeowook ainda podia ver os cantos úmidos, culpa das lágrimas de antes. Mas a não ser isso, o Kim mais novo parecia sério. Os tons de roxo no queixo e têmpora, só pareciam servir para deixa-lo ameaçador, mas Ryeowook não tinha medo. Era impossível para si sentir medo daquela pessoa tão quebrada por dentro.

— Pode me contar tudo, querido. — continuava com o mesmo tom.

Ergueu a mão para toca-lhe o rosto, queria acariciar a bochecha para tentar passar-lhe alguma segurança, mas Jongdae o evitou — mais uma vez — ao virar o rosto para o lado. Ryeowook abaixou a mão, confuso e constrangido pela forma como suas investidas foram rejeitadas. Pousou as mãos sobre sua maletinha vermelha e branca, encarou a superfície de plástico e quis se levantar, ir embora. No entanto, seu instinto o mantia ali, refém da necessidade de cuidar de alguém.

— Eu menti sobre Minseok. — o alfa disse subitamente, fazendo-o levantar o rosto para fita-lo, ávido por alguma explicação. — Não foi um término pacifico. — continuou diante da expressão confusa do ômega. — Ele me deixou porquê o machuquei.

Ryeowook engoliu em seco diante daquela informação, a língua tornou-se pastosa na boca. Olhou em volta atrás de um pouco de água, quem sabe aquilo lhe ajudasse a digerir aquilo que escutava. Não havia água em nenhum lugar ali, os cantos estavam vazios e frios, da mesma forma que começava a se sentir. No entanto, tentou se tranquilizar. Não queria pensar que o machucar que Jongdae estava usando se referia ao significativo primitivo da coisa, quis acreditar que eles tinham se machucado daquele modo bobo que namorados fazem, quando brigam por besteiras. Ele mesmo já tinha se machucado assim na adolescência.

Nada tão grave, pensou.

— O que você fez? — mas a pergunta pulou da sua boca mesmo assim, cheia de preocupação. O instinto de omma ficando evidente na forma como apertava a maletinha nas mãos.

— Ele tinha 16 anos e eu, 18. — quase riu, desistiu quando percebeu os olhos do ômega muito sérios na sua direção. — Estávamos há um ano juntos... eu achei que... — as palavras morriam na sua língua, amargas desciam por sua garganta. — Você entende, não é? — procurou alguma compreensão no rosto do mais velho, mas o Kim parecia mais horrorizado a cada minuto e Jongdae sentiu-se morrer mais um pouco.

Alguma parte sua ainda procurava aprovação para o que fizera, esperava que alguém dissesse “não foi tão ruim”, só para que conseguisse dormir em paz. No entanto, a cada vez que abria a boca para contar seus crimes, se dava conta do quão ruins tinham sido. Eles pareciam subir um grau a cada vez que os olhos de Ryeowook se enchiam de lágrimas, a cada segundo que o ômega percebia o quão ruim era aquele alfa à sua frente. E Jongdae sentiu vontade de chorar novamente queria se jogar nos pés do mais velho e implorar para que não o deixasse, que não o odiasse, mesmo que merecesse isso para o resto da vida.

— Você... — o ômega começou, a voz estava tremendo com aquela possibilidade.

— Eu. — Jongdae assumiu a culpa.

Era o mínimo que podia fazer, se deu conta. Suas desculpas não serviam para nada, o que lhe restava era assumir tudo o que fizera. Não havia mais porquê fugir disso, pensou. Já estava morto, de qualquer forma.

Não, corrigiu quando viu Ryeowook abaixar a cabeça para chorar, se sentia morrendo. Para cada pessoa que Jongdae machucava, morria um pouco. Doloroso, como ferro quente na pele. E acreditava que sentiria aquilo para sempre. Não morreria de verdade, estaria sempre perto. O quase queimou na sua mente seguido da palavra maldição. Dal o estava amaldiçoando... Para sempre perto, mas nunca lá.

Ryeowook levantou-se, ainda segurava a maletinha de primeiros socorros como se aquilo pudesse o salvar da certeza de que seu filhote, seu amado filhote, fora machucado daquela forma. De cabeça baixa, o Kim soluçou. Estava queimando em seu peito, doendo da mesma forma que doeu quando soube o que o ex-marido fizera aos filhos. Ele andou até a parede mais próxima, encostou a testa na superfície dura, áspera, gelada, e chorou mais um pouco sobre toda a sua impotência. Era um péssimo pai, disse a si mesmo. Como não notou o que havia acontecido? Por que Minseok nunca lhe disse nada? Não era confiável?

O que havia de errado consigo, afinal? Por que seus filhotes estavam sempre sendo machucados? Por que não conseguia protegê-los? Bateu a testa contra a parede e chorou mais um pouco. Sentia como se fosse culpa sua, sentia-se a pior pessoa do mundo inteiro, porque agora que as imagens de um Minseok adolescente lhe vinham à mente... a forma como ele passou bastante tempo sozinho, evitando até mesmo a presença de Kyungsoo. Mas Ryeowook achara que não era nada demais. Adolescência, Leeteuk tinha lhe dito.

Tentou piscar as lágrimas para longe, só que mais uma vez que estavam ali, não queriam mais ir embora. Então, só chorou mais um pouco, de costas para Kim Jongdae, com a maleta de primeiros socorros sendo esmagada em suas mãos. Podia sentir o plástico cedendo diante da maneira que a apertava, forte demais. Ômegas também tinham sua parcela de força, nada comparado aos alfas, mas ainda assim servia para esmagar uma maletinha de primeiros socorros sem muito esforço.

Soltou aquilo no chão em um baque necessário para cortar os seus soluços. Limpou os olhos e virou-se para encarar o alfa. Não podia ficar chorando ali, certo? Não na frente daquele canalha.

— O que fez com Kyungsoo? — perguntou, a voz estava tremendo mas não gaguejou.

Jongdae não o fitou, se encolheu mais na cadeira, parecia ao ponto de se desfazer inteiro em culpa.

— Eu o sequestrei. — confessou.

Ryeowook mordeu o lábio inferior para impedir que o choro voltasse, mas as lágrimas estavam descendo novamente pelo rosto. Era realmente um péssimo pai, se culpou mais um pouco. Havia levado o sequestrador do seu filho para dentro de casa e o tratara como se fosse da família. Escutara seus lamentos, lhe dera conselhos, agira como se ele fosse seu filhote, enquanto seus próprios filhos estavam... Abaixou o rosto e chorou com a mão em frente a boca. O amargor da decepção tomava conta da sua boca, deixava seu estômago enjoado. Mas não sabia dizer com quem estava decepcionado: com Jongdae ou consigo mesmo. Talvez, os dois.

Havia se deixado enganar, novamente. Havia confiado demais, da forma como sempre fazia. Deveria parar de ser tão bonzinho, quis gritar para si mesmo. Mas tudo que fez foi soluçar mais alto e então, estava se afastando. Não queria mais ficar ali, respirando o mesmo ar que aquela pessoa. Precisava de um pouco de ar, precisava de um tempo sozinho, precisava de uma máquina do tempo. Precisava voltar quando Minseok tinha 16 anos e salvá-lo, precisava voltar no dia do casamento e salvar Kyungsoo. Precisava fazer alguma coisa, qualquer coisa para diminuir aquela culpa enorme no seu peito, estava sufocando. Estava desmoronando.

Ele correu dali, passou pelo guarda, os olhos cheios de lágrimas tornavam sua visão péssima. Mas Ryeowook conhecia aquele lugar como a palma da mão, sabia bem para que lado ir, só precisava ir. E foi, apressado, correndo, soluçando, com o peito queimando em tanta impotência. Escutou seu nome ser chamado, mas não parou. Só queria correr até Minseok e Kyungsoo, queria segurá-los bem forte e protege-los de qualquer coisa. Queria se desculpar, queria ajoelhar à sua frente e pedir perdão por ser uma porcaria de pai, por não ter feito nada para protege-los, seja de Jongdae ou de Leeteuk.

Oh, droga! Se odiava tanto quando saiu da Sede e se odiou um pouco mais quando percebeu que não conseguiria voltar para casa. Não conseguiria encarar os filhos, não conseguiria nem se encarar. Queria fugir de si mesmo. Limpou as lágrimas, mais uma vez, tentou respirar fundo para olhar para os lados. Tinha que escolher uma direção, no fim das contas. Mas então, estava voltando a soluçar. Se viu sentando-se nas escadas da Sede, escondeu o rosto com as mãos e chorou mais um pouco.

Por que aquilo parecia ser sempre o que aconteceria? Ryeowook seria legal com alguém, apenas para terminar machucado no final. Quer dizer, seus filhotes terminavam machucados e isso doía mais do que se fosse ele no lugar. Na verdade, desejava estar no lugar deles, receberia tudo aquilo de bom grado se seus filhotes ficassem seguros e saudáveis no final.

Abraçou os joelhos, encolheu-se inteiro. Era uma bola de arrependimento e dor. Incompetência brilhou na sua mente.

— Wookie. — sentiu algo tocar seu ombro e o nome ser chamado.

Levantou o rosto, lágrimas ainda descendo por seus olhos, o lábio inferior tremendo. Soltou os joelhos quando reconheceu o cabelo escuro de Heechul, empertigou-se na sua direção, abraçou-lhe as pernas, da forma que uma criança assustada faria. Ele se sentia assim... assustado com a forma como doía. Sentia que seus membros iam despregar-se do corpo tamanha a dor que havia no seu interior.

Sentiu os dedos de Heechul no seu couro cabeludo, afastando os fios com cuidado. E depois, estava sendo levantado.

— Venha. — o amante disse suavemente e Ryeowook foi, porque não sabia mais o que deveria fazer.

O Kim foi guiado até o laboratório do outro. Uma escolha interessante, pensou quando decidiu limpar as lágrimas dos olhos mais uma vez. O lugar estava vazio, tinha um cheiro esquisito de alvejante misturado a mil e outras coisas que Ryeowook não soube identificar e nem queria, porque o único cheiro que o interessou foi o de Heechul. O bergamota estava em todo lugar, espalhado em todo canto daquele laboratório. Mas Ryeowook não se importou com isso, só agarrou o Kim com força, enfiou o rosto na curva do seu pescoço e ficou ali muito tempo, sorvendo seu cheiro como uma droga, acalmava-se aos poucos.

Heechul o abraçou de volta. Forte. Transbordava segurança, que era tudo o que precisava naquele momento. Ryeowook necessitava de segurança. Ninguém disse nada. Havia o barulho dos ponteiros do relógio na parede, alguma coisa apitava a cada cinco minutos, o som de refrigeração. Tudo isso parecia ajudar o ômega a se acalmar, porque depois de bastante tempo em pé, não havia o som de soluços ou lágrimas derramadas. Elas haviam secado em suas bochechas, deixando-as geladas.

Eles se afastaram devagarinho quando ficou seguro o suficiente, sentaram-se de frente um pro outro no chão daquele lugar. Era gelado, Ryeowook notou, mas não tanto. Heechul acariciou-lhe as bochechas, colocou a palma contra elas, tentando aquece-las e isso fez o Kim mais novo rir. E então, eles estavam se aproximando e beijando-se, devagar, o mais lento possível.

Heechul o apertou contra seus lábios, com força demais. Parecia atrás de alguma coisa e Ryeowook deixou, em parte porque estava cansado demais de lutar contra o desejo latente que sentia pelo outro e em parte, porque estava destruído o suficiente para querer se distrair daquela dor. E quando o ômega deslizou a mão por baixo da sua camisa, os dedos traçando um caminho perigoso na sua pele, Ryeowook soube que Heechul estava procurando consolo. Então, se afastou.

Descolou suas bocas, procurou seus olhos e depois o trouxe para perto num abraço. Suas mãos ainda estavam embaixo da sua camisa, a palma era quente contra sua pele. Confortável. O apertou forte contra si, tentava mostrar à ele que nem tudo precisava terminar em sexo, mesmo que Heechul fosse o tipo que encontrava segurança no ato.

Foi apertado de volta, recebeu um beijo no pescoço, fechou os olhos com mais força do que queria. Não assim, quis dizer ao ômega. E talvez, tenha retesiado o corpo, porque logo, Heechul estava parando, limitando-se a só trazê-lo para perto. Permaneceram assim, sem palavras, só perto um do outro. Ficaram tanto tempo nisso, que Ryeowook se sentiu sonolento.

Se viu deitando a cabeça no ombro do ômega e cochilando um pouquinho. Despertou com o som do riso de Heechul, os ombros mexiam-se de levinho embaixo do seu rosto e Ryeowook se sentiu corar quando percebeu que o outro ria de si.

— Cale a boca. — mandou, o que só serviu para que Heechul aumentasse o grau das risadas.

— Não acredito que estava babando na minha roupa. — provocou.

— Eu não estava! — rebateu afastando-se um pouco para fita-lo, totalmente distraído da sua dor.

— Há controvérsias. — Heechul provocou mais um pouco e então, estava se aproximando, deixando um beijo estalado na ponta do seu nariz.

Os olhos de Ryeowook se arregalaram com o ato, o que só serviu para que o Kim risse mais um pouco, ainda o tinha nos braços, emburrado e surpreso. Bonito assim, percebeu. Aproximou-se novamente, dessa vez atrás da sua boca. Beijaram-se na mesma lentidão de antes, sem chance de aprofundar. E para o bem da verdade, Heechul não queria realmente. Ele só queria companhia, tocar em alguém lhe dava segurança, fazia-o não se sentir tão sozinho e quando esse alguém era Ryeowook, o ômega só conseguia acreditar que não havia lugar para estar do que ao lado dele, porque o Kim sempre lhe olhava daquela forma... como se Heechul fosse apenas Heechul, digno de confiança, digno de receber todo o seu amor.

— Eu amo você. — ele sussurrou de olhos fechados, sua boca ainda formigando do recém-beijo.

A mão do ômega mais novo subiu até o seu rosto, acariciou sua bochecha esquerda.

— Também amo você. — e suas testas estavam juntas.

Heechul nunca tinha se sentido tão confortável quanto naquele momento. Nem mesmo Kyuhyun lhe provocara tamanha comodidade, parecia ser apenas Ryeowook. Cada detalhe daquele ômega gritava casa, cheirava a lar. Era para onde Heechul desejava voltar a cada fim de dia, era onde seus pensamentos estavam, era onde sentia vontade de descansar, de tirar a máscara, de revelar as feridas, de contar os medos, de sussurrar palavras bobinhas, de rir de piadas ruins. Era só Ryeowook que sempre estava no seu pensamento e a marca sabia disso, porque ardia a cada vez que eles estavam juntos. Uma dor suportável diante de toda a leveza que o ômega lhe proporcionava.

Afastaram-se apenas para voltar a se abraçar. Os dois sentiam-se mil vezes mais leves.

— Quer me contar agora? — Heechul se pronunciou. — Sobre porque estava chorando.

O corpo do ômega retesiou-se nos seus braços denunciando seu desconforto. Bem podia imaginar Ryeowook mordendo o lábio, da mesma forma que fazia quando estava nervoso ou ansioso, um gesto que Minseok tinha herdado.

— É sobre Kim Jongdae, não é? — forçou mais um pouco e dessa vez, o Kim não aguentou e soluçou contra seu ombro. — Wookie... as coisas que ele confessou... — nem mesmo Heechul sabia sobre como falar aquilo, mas havia a necessidade em si de fazê-la.

— O-o que ele fez com Kyungsoo e... — mais um soluço. — c-com Minseok. — apertou-se mais no amante. — Os meus bebês.

Heechul sentiu o peito afundar. Eram seus bebês também, queria protege-los tanto quanto Ryeowook. E ele bem poderia sair dali e matar Kim Jongdae, mas não adiantaria de muita coisa. O mal já havia sido feito, todos já estavam machucados o suficiente e o Kim não queria ser preso por assassinato, mesmo que já se sentisse morrer um pouco a cada vez que lembrava do que Junmyeon lhe contou sobre os crimes daquele alfa.

— Ele vai pagar pelo que fez, Wookie. — Heechul mais tranquilizou a si mesmo do que o ômega nos seus braços. — Junmyeon vai julgá-lo.

Ryeowook pareceu se tranquilizar diante daquilo, pois seus ombros relaxaram. Ia ficar tudo bem.

Voltaram a ficar em silêncio. Depois, houve alguns beijos, sussurros engraçadinhos sobre qualquer coisa que não fosse o que haviam escutado da boca de Kim Jongdae. Então, quando o sol começou a ir embora, eles decidiram que estava na hora de sair daquela bolha de conforto e ir enfrentar a vida. Ryeowook segurou a mão do Kim quando saíram do laboratório. Seguiram assim até a casa do Kim mais novo.

O céu manchava-se de laranja e rosa, era bonito. De alguma forma as cores tranquilizam os dois Kim’s. E quando entraram em casa, o cheiro familiar os acertou. Ambos sorriram sem perceber. Aliviados demais com a presença do filhote ali para conseguir disfarçar. Eles se aproximaram do sofá, onde o Kim mais novo estava sentado, a barriga de sete meses despontando de uma forma incrível, mas mesmo assim Heechul achava a barriga pequena.

Lembrava-se da forma como ficou terrivelmente redondo quando grávido de Junmeyon, o jeito como todos achavam que ele carregava gêmeos, da mesma forma que Ryeowook. Costumava chamar o filhote de espaçoso e Leeteuk ria disso, parecia ser a piada interna deles.

— Como você está? — Ryeowook perguntou primeiro, segurou-lhe o rosto e beijou a testa do filho.

Depois era Heechul o fazendo com o bônus de deslizar a mão por sobre a barriga do filho. Era um avô babão, tinha plena certeza disso assim como Ryeowook o acompanhava nessa.

— Estamos bem. — Kyungsoo assegurou os pais e sorriu, o coração bonito nos seus lábios.

Ele parecia feliz, Heechul pensou. Estava mais corado também, um pouco mais gordinho. Saudável, era a palavra certa.

— Onde está seu irmão? — Ryeowook perguntou levantando-se.

— Não apareceu ainda. — Kyungsoo pareceu lamentar. — Ele saiu depois de conversar com Henry e não voltou até agora.

Heechul lançou um olhar para o amante, que devolveu o mesmo olhar desconfiado. Por que Minseok sairia assim quando estivera doente? Porque Heechul sabia bem que Ryeowook tinha enchido o filho de cuidados, mimado o suficiente para exigir que ele ficasse de repouso. Mas a teimosia parecia vir no sangue nos Kim’s. Quase bufou diante disso. Às vezes, Minseok se comportava como um irresponsável. Impulsivo demais.

— Ele deve estar com Baekhyun. — Kyungsoo continuou. — Chanyeol disse que eles andam muito próximos. — havia uma animação engraçada nas suas palavras, que fez Heechul rir.

Ainda era o mesmo Kyungsoo.

— Chanyeol esteve aqui? — Ryeowook se interessou pelo assunto.

E como um adolescente apaixonado, os olhos de Kyungsoo brilharam.

— Ele veio me visitar. — a animação estava presente nas palavras. Os Kim’s esperaram por mais palavras. — Sabiam que ele é o pai do meu filhote? — Heechul ergueu a sobrancelha, esperando o momento em que Kyungsoo fosse sair pulando pela casa.

Ryeowook parecia estar esperando a mesma coisa, porque sorriu ao mesmo tempo que se afastava até a cozinha. O mais velho imaginou que logo ele voltaria com alguma comida, era sempre assim. Ryeowook adorava alimentar todos à sua volta. Cuidar. Então, Heechul focou sua atenção no filho.

— O que você fez durante a tarde? — fez a pergunta de ouro.

Kyungsoo virou-se para si, quase vibrando em animação quando a boca se abriu e o relato daquela tarde ganhou vida diante dos olhos do pai. Tudo parecia terrivelmente enfeitado, mas era engraçado mesmo assim e Heechul se pegou rindo de algumas coisas, ficando feliz por outras e agradecendo Chanyeol por ter distraído Kyungsoo por tanto tempo, quando todos eles desmoronavam em alguma parte da alcateia. E uma parte sua, uma parte bem pequena, agradecia por Kyungsoo ter esquecido tudo sobre todos e até mesmo sobre Kim Jongdae, porque ao menos alguém não seria afetado e Heechul não aguentaria ver o seu garotinho ômega, que sempre foi tão cheio de vida, murchar por conta de tudo que havia sofrido nas mãos daquele alfa. Ao menos, aquelas lembranças ruins não estavam mais ali. 

Ryeowook retornou à sala, trazia uma bandeja cheia de guloseimas. Doces que Heechul não tinha visto até aquele momento.

— Onde isso tudo estava escondido? — perguntou e o ômega se limitou a ri.

Eis mais uma coisa que Minseok herdou de você, Heechul pensou amargamente. Ambos tinham mania de esconder doces para comerem sozinhos.

Estendeu a mão em direção a bandeja e pegou um pedaço de chocolate. Quebrou em dois e deu um para Kyungsoo. Os três fitaram a tevê, procuraram outro canal e terminaram voltando a conversar, rindo de coisas banais. Kyungsoo fazia perguntas simples sobre o passado, queria saber curiosidades sobre sua infância e Heechul se divertiu contando todos os maus bocados que passou quando era sua vez de tomar conta do filho.

— Minseok era quieto apenas quando estava sozinho. — Ryeowook disse. — Quando vocês dois estavam juntos, era uma loucura.

— Pior era quando conseguiam arrastar Junmyeon para suas peripécias. — Heechul riu. — Eu lembro bem do dia da lama.

— Aquilo foi horrível. — os olhos de Ryeowook brilharam com a lembrança. — Nunca passei tanto tempo em um banheiro.

Kyungsoo riu, parecia lembrar-se bem desse dia e Heechul ficou feliz porque era uma boa lembrança. Nada de coisas ruins para você, ele desejou a Dal. Permaneça assim, Ryeowook fez o mesmo.

Permaneça feliz.

— Ah! Eu tenho algo. — Heechul se animou, ficou de pé muito rápido e saiu da sala correndo.

Os ômegas que ficaram, se fitaram, sem entender o que tinha acabado de acontecer, mas se pegaram rindo da reação do outro Kim. Parecia ser tão típico de Heechul se comportar daquela forma, animado demais. No entanto, logo o ômega estava voltando à sala, sentando no mesmo lugar e colocando sobre a coxa um pesado álbum de fotos. Ryeowook se sentiu animar com aquilo. Adorava ver as fotos dos seus bebês, lembrar de coisas do passado, lembranças boas. Contudo, notou que aquele era o álbum de Heechul e não o seu, então, de repente, estava curioso sobre as lembranças do amante.

— Isso pode ajudá-lo a recordar melhor. — falou para o filho e estendeu o álbum na sua direção depois que abriu em uma certa página. — Aqui começam as fotos de vocês. — se referiu aos filhotes e Kyungsoo assentiu ao pegar o álbum, tocou com a ponta dos dedos a primeira foto.

— Esse é Junmeyon. — Ryeowook notou a animação, aguda, na sua própria voz. — Era tão fofo. — suspirou e Heechul riu. — Que bochechas fofas.

Kyungsoo desviou os olhos para baixo, havia mais algumas fotos de Junmeyon. Sozinho, porque Junmyeon nascera quatro meses antes dele e Minseok. Então, não se surpreendeu com o tanto de fotos que havia do alfa junto dos pais. Havia algumas com Ryeowook, o pegando desajeitadamente no colo, a barriga denunciando o avanço da gravidez.

— Ele parecia tão bonzinho. — Kyungsoo comentou e Heechul fitou as fotos com nostalgia.

Junmyeon sempre fora o mais calmo entre seus filhotes. Lembrava-se da forma como ele quase nunca chorava, estava sempre com os olhos bem abertos, fitando tudo à sua volta. Muito curioso e muito dependente de Heechul. Adorava estar no colo do pai ômega e quase não gostava de ficar tanto na presença do pai alfa, costumava se irritar fácil. Heechul achava que era o cheiro de Leeteuk que sempre fazia Junmyeon desconfiar de si, tinha um olfato sensível. Os filhotes costumavam ser assim, sensíveis demais aos cheiros.

Não era à toa que Yixing preferia a presença de ômegas, quando estes tinham cheiros mais suaves e também por ter sido criado numa alcateia, sem nenhum alfa. Contudo, o chinesinho gostava de Junmeyon. Era o tipo de coisa que Heechul achava engraçado de ver, os bracinhos de Yixing sempre se erguiam em direção ao alfa quando o via. E Junmyeon sempre o pegava no colo. Talvez, fosse culpa da natureza calma do seu filho, do cheiro não tão forte que ele tinha, da postura de alfa líder, que fazia todos se sentirem seguros ao seu lado. Mas seja o que fosse, Heechul estava orgulhoso do que Junmyeon havia se tornado.

Havia o criado bem.

— Com toda certeza. — concordou com o filho mais novo. — Junmyeon sempre foi muito calmo. — ele passou uma página e então apontou para uma foto. — Quando você nasceu.

— Eu não sabia que tinha uma foto do dia do parto. — Ryeowook se inclinou sobre o álbum para ver melhor.

— Claro que eu tirei. — Heechul riu. — Meus gêmeos favoritos estavam nascendo. — Kyungsoo sorriu para o pai e o mesmo se aproximou e deixou um beijinho na testa dele. — Minseok era tão pequeno, olha só. — apontou para o embrulho que Leeteuk segurava. — E você, tão gordinho. — apontou para o embrulho que Ryeowook segurava.  — Fofos.

— Ah, eu lembro disso. — Ryeowook riu ao apontar para a imagem de Leeteuk segurando Minseok.

Heechul acompanhou.

— O que? — o filho ficou confuso.

— Junmyeon colou chiclete no cabelo do seu pai e eu tive que cortar. — riu mais um pouco.

— Você cortou de propósito. — Ryeowook acusou rindo.

— Eu nunca faria isso. — Heechul se defendeu e Kyungsoo riu ao mesmo tempo que notava o jeito como o cabelo de Leeteuk não estava uniforme, havia um desfalque no lado esquerdo da sua cabeça.

Ryeowook passou as páginas até parar em uma que Donghae estava presente. Franzio a testa, confuso, principalmente quando reconheceu o bebê que ele segurava.

— O que é isso? — apontou para a foto e fitou Heechul, que teve a decência de encolher os ombros, envergonhado de ter seu crime descoberto daquela maneira. — Por que Donghae está segurando Minseok?

Kyungsoo desviou os olhos para o pai ômega e depois para a foto. O ômega ali, o cabelo escuro estava curto, e ele estava sentado em um sofá com um bebê sentado sobre suas coxas. Os olhos do filhote arregalados e uma chupeta quase caindo dos lábios, usava sapatinhos de crochê e roupinhas de bebê que pareciam quentinhas e macias. O Kim mais novo, se viu morrendo de amores por aquele filhotinho, por toda aquela fofura que Minseok exalava desde tão pequeno.

— Ah, não é nada demais. — Heechul riu, nervoso. — Eu o levei para um passeio e nós encontramos com Donghae e seu bebê. Então, ele me convidou para tomar um chá na sua casa e... — apontou para a foto com o queixo. — Minseok nem o estranhou.

Ryeowook olhou a foto mais uma vez. Realmente, não parecia que Minseok estava odiando aquilo, parecia tão calmo na presença de Lee Donghae e o jeito como o ômega sorria, percebeu que não era só seu filhote que estava à vontade. Então, deixou pra lá. Desviou sua atenção para as outras duas fotos da página. Em uma, reconheceu Siwon segurando um bebê de cabelo preto e rosto emburrado. Não era nenhum dos seus filhotes. 

— Baekhyun estava num dia ruim. — Heechul falou e Kyungsoo piscou os olhos diante da foto.

Quem diria que Baekhyun havia sido fofo até mesmo quando irritado, pensou e quis rir com isso. Focou sua atenção na foto pequena, no canto da página. Reconheceu Heechul, mais novo e terrivelmente animado, com Baekhyun nos braços. O pequeno alfa dormia, a chupeta na boca e o cabelo escuro arrepiado.

Viraram algumas páginas e descobriram várias fotos de Siwon e Donghae, as vezes com Kyungsoo ou Minseok no colo. Haviam algumas com Junmyeon também. Era engraçado de se ver, porque fazia Kyungsoo pensar em como seu pai ômega não estava ligando para a birra do seu pai alfa com os Byun’s. Ele continuava conservando sua amizade com Siwon e Donghae e pelas fotos que via, nem mesmo Siwon parecia se importar com o que Leeteuk pensava. E Donghae parecia tão doce ao segura-lo nos braços, percebia isso pelo sorriso que sempre havia no seu rosto em cada foto diferente.

— Está é a minha predileta. — Heechul apontou e ambos os ômegas fitaram-a. — Baekhyun e Minseok. — soltou um risinho.

Ryeowook arregalou os olhos para a sequência de fotos. Seu filhotinho estava dormindo ao lado de Baekhyun, em um berço. Pareciam tão relaxados, quietinhos, cansados — talvez — de tantas brincadeiras. Se pegou rindo da outra foto, ambos já acordados, sentados ao lado um do outro, os olhos arregalados para a foto como se alguém os estivesse chamando e depois, Baekhyun havia se inclinado em direção a bochecha de Minseok, os dentes fechados na pele do seu filhote. E então, na última foto, Baekhyun estava chorando ao passo que Minseok tinha a chupeta dele nas mãos.

— Eles tinham um ano de idade. — Heechul comentou. — Foi a última vez que levei qualquer um deles para visitar Siwon e Donghae.

E Ryeowook bem podia imaginar porquê. Lembrava bem da restrição que Leeteuk tinha colocado em Heechul, havia até mesmo deixado ordens para os guardas não o deixarem sair da alcateia com os filhotes, mas na época, o Kim não tinha entendido e agora, olhando aquelas fotos... Heechul não precisava explicar nada.

***

O lugar estava vazio à sua frente, na mesa. Yesung ajeitou o colarinho da sua camisa enquanto que ao seu lado, Shindong abaixava os olhos, fitava os próprios pés. Eles estavam em silêncios, haviam chegado cedo demais. Culpa da ansiedade de Yesung, o Doutor pensou.

Era quinta-feira. Verão, eles sabiam, o que explicava o calor e a necessidade de abandonar os casacos e roupas grossas. O Shin se via constantemente querendo um lugar fresco, roupas leves e muita água. E para o bem da verdade, o calor não contribuía para o humor do seu superior, Yesung. Fitou-o de canto de olho, percebeu o jeito como seus lábios se crispavam em desagrado e então, seus olhos se arregalando no momento em que alguém se aproximava da mesa deles.

O Dr. Shin ergueu o olhar para encontrar a figura de um velho sentando-se no lugar vazio à sua frente. Parecia não se importar com o calor, porque um casaco grosso estava sobre seus ombros, contudo não o estava vestindo. E ao lado da mesa, um segurança ficou em pé, o rosto sério, olhando para todos os cantos.

— Obrigado por vir, senhor Lee. — Yesung se pôs de pé para cumprimentar o outro.

Shin apenas se limitou a mexer a cabeça num aceno, da mesma forma que o homem o fez para Yesung.

— O que tem pra mim, Yesung? — o homem perguntou quando Yesung sentou-se.

— Eu tenho algo que pode gostar. — se pronunciou e então, virou o rosto na direção de Donghee. — Mostre à ele.

O doutor encarou o chefe, sem saber muito bem o que ele deveria mostrar. No entanto, mesmo com isso se viu escorregando a mão até a sua mochila, procurando o caderninho onde mantia todas as suas anotações sobre os lobos. Abriu-o sobre a mesa, empurrou com cuidado na direção do homem mais velho. Não sabia quem era aquele tal Lee, assim como não sabia porquê Yesung estava revelando aqueles detalhes sobre os lobos. Aquilo era assunto deles, uma pesquisa que pertencia à eles.

O homem esticou a mão em direção ao caderno e Donghee sentiu o estômago estremecer em nervosismo. Aquele encontro parecia mais estranho a cada segundo, principalmente pela forma como o Lee arregalava os olhos para as descobertas de Shindong, não de surpresa... era algo mais denso que isso.

— Então, tem novos espécimes? — perguntou, os olhos focados nas coisas que Donghee tinha escrito.

Avaliou os desenhos, alisou com a ponta dos dedos, o fascínio escorria de si, mesmo que Donghee achasse que não ia ser capaz de ver aquele brilho nos olhos de mais alguém que não fosse aquele homem. Yesung, ao seu lado, mexeu-se nervosamente no assento, parecia tão inquieto quanto seu parceiro se sentia.

— Sim. — Yesung respondeu, os dedos se mexiam juntos por baixo da mesa. — Descobrimos coisas novas, como por exemplo, há mais uma classe deles. — limpou a garganta, lançou um olhar para o parceiro ao seu lado. — Ômegas.

O Lee ergueu os olhos do caderninho e fitou os dois, de repente, terrivelmente interessado. Shin conseguia sentir cada vez mais calafrios sob sua pele, subindo por sua coluna, a cada vez que aquele homem mexia-se, quando demonstrava interesse. No entanto, antes que pudesse desviar os olhos do homem em puro nervosismo, teve uma desculpa quando uma garçonete se aproximou da mesa. O cabelo escuro preso em um rabo de cavalo impecável e um bloco de notas na mão, a caneta na outra.

— Os senhores gostariam de pedir agora? — perguntou, desviou os olhos para o bloco, esperando as palavras que deveria anotar.

O segurança, em pé, ao lado da mesa deles, perto o suficiente para proteger seu chefe, se manteve sério. Era como se ele não tivesse vendo nada, Shindong admirou isso. Impassível. Diferente de si, que não conseguia nem esconder seu desconforto diante daquela reunião.

— O especial do dia, por favor. — o mais velho pediu, sem consultar nenhum dos outros dois homens na mesa. — Querem algo?  — quase se inclinou em direção aos outros dois. Quase pareceu educado para o Shin.

Yesung negou enquanto Shin sorria, nervoso, desconfortável, também o fazia. Não conseguiria comer sentindo aquele bolo amargo na garganta, mesmo que já sentisse seu estômago dando sinais de fome. O homem assentiu e dispensou a garçonete, voltou a fita-los, esperando que um deles retomasse a conversa.

— Me falem sobre esses ômegas. — pediu ou mandou, nem mesmo Shin saberia distinguir.

Aquele homem era todo cheio de uma educação, que soava forçada para si, como se ele fosse atirar em sua cabeça e dizer sinto muito por isso.

Fatal.

— Diga à ele. — Yesung mandou, a voz saindo um pouco firme demais, pegando o outro de surpresa.

Engoliu em seco, as mãos estavam úmidas quando as esfregou contra o jeans da calça que usava, mas não adiantou muito quando ele podia sentir a nuca ficando gelada, o suor secando na sua pele. Fazia-o se sentir patético. Então, ergueu os olhos em direção ao homem, apenas para desviar no último segundo, estendeu a mão e puxou o caderninho na sua direção, procurou a página que dedicara inteiramente aos ômegas. Seus favoritos.

— Alguns lobos os descreveram como os parceiros ideais para os alfas. — começou, os olhos ainda sobre as páginas. — Apresentam um comportamento mais dócil e o cheiro... o cheiro é mais agradável que o dos alfas. — virou o caderno com a página marcada para o homem. — Esse é um esboço da sua fisionomia. — o Lee puxou o caderno para mais perto. — Tendem a ser menores, apresentam uma forma mais delicada do corpo.

— Curvas...  — o velho comentou e Shin desviou o olhar para Yesung, sem entender o comentário, o outro não o fitou de volta.

— M-mas ainda podem se metamorfosear em lobos. — continuou voltando a olhar para o senhor Lee. — E o mais interessante é que, — molhou os lábios enquanto via o homem fita-lo, curioso. — todos dessa classe, sejam do sexo masculino ou feminino podem engravidar sem problemas.

Ergueu a mão em direção ao caderno, virou a página, apontou para as fotografias coladas ali. Eram as fotos da autópsia que fizera não muito tempo, quando finalmente teve a oportunidade de abrir o corpo de um ômega.

— Aqui fica o útero. — contou. — Há também a presença de glândulas que quando estimuladas, liberam uma secreção lubrificante. — de repente, se sentiu animado por contar aquelas coisas. — Acredito que deva acontecer da mesma forma que com mulheres humanas durante o ato sexual. — explicou.

— Isso é interessantíssimo. — comentou e desviou os olhos para Yesung. — São eles que tem a me oferecer?

Shin desviou encarou Yesung de soslaio, parecia ter começado a entender o que estava acontecendo, o real porquê de estarem ali. E pensar nisso, só fez seu nervosismo aumentar.

— Seu pedido, senhor. — a garçonete tinha voltado, dessa vez com uma bandeja nas mãos.

Ela se aproximou, deixou uma tigela de frango frito sobre a mesa. Outras duas com molho e algumas bebidas. Donghee a agradeceu quando ninguém fez e a observou ir embora de canto de olho, parecia uma garota simpática. Quando voltou a fitar a mesa, o senhor Lee estava pegando uma asa de frango frito e mergulhando no molho. Escutou quando ele começou a comer e beber, o canto da boca se sujando de molho, vermelho sangue.

Esses são mais fáceis de adestrar que alfas, menos agressivos. — Yesung disse, as mãos foram parar sobre a mesa. Ele puxou uma das garrafas de soju na sua direção e abriu, bebeu direto do gargalo.

— Acha que funcionariam como? Não ando precisando de guardas.  — o Lee rebateu depois de terminar de comer a asa de frango.

Donghee se irritou com o barulho da sua mastigação, o jeito como ele chupou os ossos, atrás de qualquer resquício de carne ali. E então, estava partindo pra outra, as unhas sujas de óleo de fritura assim como as pontas dos dedos e os lábios murchos.

— Pode ensina-los a fazer qualquer coisa. — Yesung tornou a falar. — São animais.

O doutor fitou o seu chefe, um pouco descontente com o que escutava. Os lobos pareciam bem mais do que só animais, eles carregavam um DNA fabuloso além de todos aqueles atributos. Notara a forma como eles tinham se divido em classes, designado quem mandava em quem de acordo com o tanto de força que possuía. Era assim que sabia que os alfas estavam no topo, depois viriam os betas com sua calma e então, os belos ômegas. Dóceis, obedientes e com um cheiro tão diferente dos primeiros na cadeia. Contudo, esses, mesmo sendo os últimos, lhe pareciam os mais importantes, quando podiam gerar os filhotes, sem precisar necessariamente, de um alfa. Podiam fazer entre si ou com betas.

Esses animais eram dotados de uma inteligência extrema, já que estavam vivendo entre humanos durante tanto tempo e sem nenhuma chance de serem descobertos tão cedo, se não fosse Yesung e sua obsessão por eles. Às vezes, Dr. Shin se questionava sobre tudo isso, sobre o porquê faziam tudo isso com animais que não estavam fazendo nada contra eles, os humanos. Byun Baekhyun e seus lobos estavam ganhando a vida honestamente, Lu Han e os seus estavam tentando se proteger... não havia nenhuma notícia, qualquer documento, sobre ataque de lobos contra humanos. Pelo menos, não algo da forma como eles estavam fazendo.

No entanto, naquele momento, enquanto — finalmente — entendia do que se tratava a sua presença naquela reunião, Donghee só conseguiu sentir repulsa de si mesmo. Yesung estava mesmo negociando os lobos daquela forma? Como se não passassem de cães?

— Yesung. — chamou, o tom de reprimenda não passou despercebido por nenhum dos dois. E quando teve os olhos do chefe sobre si, sentiu-se encolher. — Eu vou ao banheiro. — decidiu fugir.

Levantou-se muito rápido e praticamente correu até o banheiro mais próximo. Entrou rápido na primeira cabine vazia que encontrou e sentou-se no vaso, afundou o rosto entre as mãos. Sabia que estava sendo um covarde, mas também sabia que não servia para aquilo... essa coisa de ir contra seus superiores e aqueles homens na mesa, pareciam bem superiores. Era tão patético.

Suspirou contra suas mãos, podia sentir a nuca úmida e o cheiro de alvejante daquele banheiro, não ajudava seus nervos a ficarem normais. Segurou os fios dos cabelos, puxou-os levemente, de olhos fechados, respirou fundo. Não podia ser tão patético assim. Contudo, sentia nas suas entranhas, que era mesmo. O mais patético de todos, da forma como sua família o tinha acusado durante os anos. Todos sempre rindo de si, chamando-o de fracassado, quando dizia que não podia comentar sobre o trabalho que fazia e também da forma como tinha sido expulso do exército.

Tentara entrar, queria ter uma patente alta, queria impressionar o pai. Desejara que o pai o exibisse com o mesmo entusiasmo com o qual exibia seu irmão, a profissão que ele tinha. Mas isso não dera certo. Tudo que conseguira para o pai foi desgosto quando foi expulso do exército por porte de drogas. Em sua defesa, não era tanta droga assim, não passava de alguns cigarros de maconha. Para desestressar, dirá ao pai, mas tudo que recebeu foi uma bela surra. Então, entrara para a faculdade de medicina e depois, quando formado, não arranjou o emprego dos sonhos que toda a família esperava.

Conheceu Yesung, que lhe promete uma ótima oportunidade ser alguém importante, de fazer diferença. E estava ali, escondido na cabine de um banheiro, não tão cheio de esperança assim e tendo mais certeza a cada segundo sobre o quão patético era. Idiota.

Respirou fundo mais um pouco e resolveu sair dali. Não podia se esconder pra sempre e além do mais, Yesung não parecia ser o tipo que venderia os lobos daquela forma. Ele conhecia as regras do trabalho que faziam, tudo precisava ficar apenas entre eles e seus superiores, afinal era arriscado demais se expor por aí, como animais que tinham uma aparência humana. Eles não podiam sair por aí com um daqueles a tira colo dizendo que são capazes de se metamorfosear em lobos, quando estes não pretendem fazê-los em momento algum. No entanto, o vídeo vazado daquele lobo branco correndo por Seul... aquilo era uma prova e tanto, era só uma pena que ninguém acreditasse muito naquilo.

Destrancou a porta da cabine, saiu. Estava sozinho naquele banheiro. Agradeceu por isso. Andou até a pia e lavou o rosto, quem sabe um pouco de água gelada podia acordar seus sentidos. Saiu do banheiro depois de limpar o rosto. Voltou para a mesa. Yesung ainda estava falando, gesticulando, vendendo seu peixe. Isso irritou o Shin.

Por que, droga, ele estava fazendo aquilo?

Sentou-se ao lado dele na mesa, nenhum olhou para si. Os dois estavam imersos nos próprios negócios. E Shin acreditou que podia passar despercebido. Mero engano, pensou amargo quando o senhor Lee decidiu que estava na hora dele participar da conversa.

— Senhor Shin, o que acha sobre a utilização de ômegas para prazer sexual?

Ele arregalou os olhos diante da pergunta, virou-se para fitar Yesung, que não o olhou de volta. Estava ocupado terminando de beber o soju da sua garrafa. Que tipo de pergunta era aquela?

— Senhor Lee, os lobos não... não servem pra isso. — se escutou dizer e pela forma como Yesung o fitou, sabia que falara besteiras. — Eles... eles...

— Não copulam com humanos? — o senhor Lee parecia interessado, mas de uma forma errada. — A fisionomia seria a mesma, certo?

— Sim, mas não somos lobos. — Shindong continuou mantendo seu ponto. — Acredito que não exista satisfação sexual para eles.

— E para nós?

— Isso... isso é... bom, depende. — molhou os lábios, fitou de canto de olho o seu chefe, mas Yesung continuava fora de órbita. — Eu não recomendaria. — disse um pouco mais firme. — Eles podem ser violentos também.

— Violentos quanto?

— O suficiente para arrancar sua cabeça. — alertou e o homem riu.

Ele fitou o seu parceiro.

— Realmente, gostei disso. — falou à Yesung, que sorriu de volta. — Temos um negócio, senhor Kim. — Yesung se inclinou sobre a mesa, os olhos escuros de entusiasmo enquanto Shin se tornava horrorizado com o que escutava. — Me traga um ômega e então, terá seu cheque.

— Combinado. — ele estendeu a mão em direção ao velho, que a apertou sem cerimônia.

O homem estendeu a mão em direção a Donghee, que se recusou a aperta-la, decidiu apenas balançar a cabeça em um aceno. Não queria que o homem o achasse um mal-educado, mesmo que não sentisse nenhuma vontade de ser simpático com ele. Ficou de pé depois de puxar o seu caderninho para perto, aperta-lo entre os dedos. Só queria ir embora dali, precisava de um banho para tirar aquela podridão do seu corpo. O que eles estavam fazendo? Os lobos eram seu objeto de pesquisa, apenas isso. Nunca quis fazer mal a nenhum, mas mesmo quando dizia isso a si mesmo... Oh, Deus! O que ele estava fazendo?

Yesung saiu primeiro, se afastou com passos firmes. Parecia tão sério quanto da primeira vez que o viu e Shin o seguiu, tentando não tropeçar nos próprios pés. Não queria parecer um idiota logo ali, na frente de tantas pessoas. Era por isso que preferia o cheiro de álcool do seu laboratório, preferia a comodidade de ter seu próprio lugar de trabalho e fazer isso sozinho. Dissecando corpos, anotando, desenhando, formando teorias acerca do que descobria. Às vezes, interrogava outros lobos, pedia por informações, oferecia coisas em troca.

Eles andaram em silêncio, não olharam para trás e Shin esperou o momento em que o chefe chamaria um táxi para que voltassem a até o local de trabalho. Mas não houve nada por uns bons trinta minutos, estava até mesmo se deixando relaxar, preparando a pergunta na mente. Eles eram relativamente próximos, o suficiente para que Donghee pudesse perguntar coisas. Nada pessoal, é claro.

— Senhor. — chamou e Yesung o fitou de canto de olho, as mãos estavam enfiadas nos bolsos da frente da sua calça jeans.

Shin se perguntou se ele não estava com calor, quando o sol estava tão alto.

— Diga. — deu permissão.

— Por que fez aquilo? — se referiu a venda. — Eles não são esse tipo de mercadoria, são só animais.

— Está passando tempo demais com eles, Donghee. — falou, o rosto continuava sério, o cabelo escuro ia para trás por conta do vento. — E eles podem ser o que quisermos.

Era bonito, mas só isso. Uma bela aparência que não compensava toda a frieza que habitava em si.

— Mas... mas vende-los assim não é contra as regras?

— Dinheiro é sempre bem-vindo. — não respondeu sua pergunta. — E além do mais, não podemos pagar suas pesquisas apenas seguindo regras.

Donghee engoliu em seco, não sabia mais o que podia falar. Sentia-se tão sujo quanto o parceiro. Então, ficou calado e se limitou a segui-lo.


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