Mirtilo escrita por OmegaKim


Capítulo 45
XV - Alma cor de prata




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Oh Sehun observou seus lobos dançando ao passo que Yifan se inclinava na sua direção, uma taça de vinho na mão esquerda. Estava bebendo fazia algum tempo e Sehun bem podia notar a fala arrastada dele assim como o cheiro de álcool ficando cada vez mais forte. Esperou que a mão de Yifan parasse sobre seu ombro, não olhou na sua direção.

— Não vai se juntar à eles? — o mais alto perguntou e Sehun negou levemente.

Nunca participava do Festival, apenas observava. Antes podia culpar sua doença, dizendo que o esforço de ter que dançar e se relacionar, era demais. Mas depois de alguns acontecimentos, só não sentia mais vontade de fazê-lo.

— Não. — externou, ergueu as mãos para bater palmas no ritmo da música. — Mas pode se juntar à eles se quiser. — deixou o convite em aberto.

— Seria melhor se viesse comigo. — Yifan tentou mais um pouco e dessa vez, Sehun obrigou-se a olhar para si.

— Estou bem aqui. — recusou simplesmente.

Yifan bebeu o resto do vinho em sua taça, apenas para sorrir no minuto seguinte e ficar de pé. Sehun o observou se afastar em direção aos ômegas que dançavam em volta da fogueira, o chinês ergueu os braços numa dança engraçada e logo os pés estavam acompanhando. Era estranho ver Yifan tão solto e sem a presença de Jeonghan, mas o Oh até que preferia essa face do outro, porque parecia mais inofensivo, mais fácil de confiar.

Olhou para o lado em busca da mãe e a encontrou na entrada da sua casa, conversando com o empregado humano de Yifan. Eles pareciam ter se dado bem mesmo que Sehun desconfiasse que a mãe só estava curiosa sobre a real relação de Jeonghan com alfa Choi, do mesmo modo que si. Mas pelos dias que havia observado eles dois e até mesmo Jeonghan sozinho, não parecia como se Yifan fosse um monstro. Jeonghan estava numa posição importante, era secretário do alfa e por isso, parecia ter alguns privilégios. Sehun tinha curiosidade em perguntar quais eram, se Jeonghan tinha família, se queria fugir... Achava que a mãe tinha os mesmos questionamentos e que naquele momento, poderia estar tentando arrancar um pedido de socorro daquele pobre humano.

Yifan dançava à sua frente. Divertindo-se com os lobos Oh’s. As garotas pareciam impressionadas com o porte viril do alfa, todas terrivelmente interessada no chinês. Os ômegas machos eram mais desconfiados, mais leais, Sehun achava, já que não se aproximavam muito do homem. Ou talvez, só fossem tímidos demais para isso. Sabia que na sua alcateia o índice de rejeição para com ômegas machos era alto, influência do modo de vida que os Oh’s levavam, tão colados aos dos humanos. Depois dos Byun’s, apenas eles tinham tantas relações com os humanos, no entanto, diferente dos Oh’s, os Byun’s não tinham problemas entre seus lobos.

Eles apenas se apaixonavam e tinham filhotes.

Sehun já ouvira falar de casais entre alfas, entre ômegas e entre betas. Parecia estranho para si, principalmente quando pensava em dois alfas juntos. Se fossem machos, não poderiam ter filhotes e ainda havia a falta de lubrificação nos momentos mais íntimos, isso já deveriam ser implicações suficientes para fazê-los desistir desta ideia. Mas mesmo quando pensava sobre isso, também pensava em Minseok. Apaixonara-se por ele sendo ômega, mas acima disso, Minseok era um homem. E ele, Oh Sehun, era um homem. Se eles não fossem nada além de humanos teriam uma vida complicada... E pensar nessa possibilidade, só fazia o lobo perceber que tudo dependia do ponto de vista empregado.

— Senhor Oh. — escutou ser chamado e desviou os olhos da mãe e Jeonghan e os focou na garota que, agora, parava na sua frente. — Recebemos um chamado.

— Ainda trabalhando, Jisoo? — Sehun a interrompeu, colocou o cotovelo sobre o braço da cadeira e apoiou o queixo na palma da mão. — Achei que a veria vestida de verde.

Diferente do que acontecia na Alcateia Byun, Kim e Park, os Oh’s usavam o verde para representar os betas.

— Não hoje, senhor. — ela fitou-o, séria, como que tentando mostrar que o assunto era importante. — Aconteceu algo. — foi mais incisiva e dessa vez, teve a atenção do Oh. — Recebemos um pedido de ajuda.

Sehun franzio a testa.

— O que?

— O sinal foi captado por nosso sistema, mas não há certeza de que veio realmente para o nosso clã. — Jisoo estendeu o papel onde pontos e quadrados se faziam presente, codificados na linguagem secreta dos Oh’s.

Sehun ficou ereto na cadeira, segurou o papel e tentou ler o que estava ali, sob a luz precária da fogueira, do luar e das luzes da frente da sua casa. Era realmente um pedido de ajuda, como podia ver. Alguém estava alertando sobre uma invasão e pedindo reforços. Não parecia ser para eles, Sehun quis acreditar. Podia ter vindo de um sinal de televisão, alguma criança brincando com um rádio antigo. Não seria a primeira vez que acontecia, mas as palavras ali pareciam carregar uma urgência que Sehun não queria ver.

— O sinal rastreado é a dez minutos daqui. — Jisoo continuou. — E o senhor sabe o que há a dez minutos daqui.

A Alcateia Byun, o lugar onde Kim Minseok estava.

As sobrancelhas de Sehun arquearam-se e o corpo ficou de pé, de repente, terrivelmente consciente da urgência daquele pedido.

— Prepare uma unidade para verificar o local. — mandou. — Tente não levantar suspeitas, não quero que os lobos entrem em pânico ou algo do tipo. — Jisoo assentiu ao passo que Sehun lhe entregava o papel e começava a segui-la para longe da festa e dentro de casa. — Prepare meu carro. — continuou, a voz saia firme o coração dava saltos de ansiedade, não queria pensar no pior, mas e se Minseok estivesse machucado? E se Baekhyun não tivesse o protegido adequadamente?

— Mas senhor... — Jisoo achava que não seria uma boa ideia que seu líder se aventurasse por aí, na noite, com uma saúde tão frágil.

— Apenas faça o que eu digo. — demandou antes de dobrar no corredor, em direção ao seu escritório.

Precisava saber se Kim Minseok estava bem.

***

Kyungsoo não conseguia dormir.

A imagem de Lee Hi continuava voltando em seus pensamentos, roubando seu sono e o deixando agitado. Ela brilhava em curiosidade para cima de si, como uma canção travada em um eterno repete, ecoando em sua mente a todo momento. Estava o deixando louco.

Rolou na cama, ficando de lado e observou Tao dormindo calmamente. Nada de pesadelos, nada de caretas, apenas o garoto ômega de quatorze anos. Ainda era noite, madrugada, na verdade. Talvez, três da manhã? Não tinha como conferir naquele momento, pois para conferir o horário no relógio de parede perto da porta, teria que ligar a luz e isso com toda certeza acordaria Zitao. Deitou de peito para cima, ficou de olhos abertos sem ver nada, apenas por ficar, numa tentativa do sono vir, mas nada veio. Estava pensando de novo na bruxa, no jeito como ela o tinha olhado, reconhecido. Havia o reconhecido, tinha certeza.

Mas se era isso mesmo, então por que não falara nada sobre? Aquilo frustrava o ômega em um nível avassalador. Quem sabe se Zitao não o tivesse interrompido, poderia ter arrancado dela alguma informação. Quem sabe ela pudesse saber quem era o pai do filhote que carregava na barriga. Deslizou a mão por cima dali, acariciando e percebendo que Sonolento também estava tão desperto quanto si.

— O que acha que o papai deve fazer? — sussurrou para sua barriga, tão baixinho que achou que havia só pensado.

O bebê chutou, como que incitando o pai a ir atrás da bruxa. Ou só fosse Kyungsoo vendo o que queria.

— Tem razão. — sussurrou de volta. — Nós precisamos de respostas.

Jogou a cobertor para o lado e levantou-se, andou devagar até a porta e saiu, pisando levemente, tentando não fazer nenhum barulho. Pegou o mesmo caminho de antes, quando foi visitar a mãe de Zitao. A festa ainda acontecia no centro da alcateia, quando alcançou os corredores externos, podia escutar os gritos de euforia, a música, sentir o cheiro de sexo e embriaguez no ar. Cobriu o rosto com o capuz ao sair do Santuário e praticamente correu até o bordel, onde sabia que encontraria Lee Hi. Alguns alfas tentaram o abordar no caminho, mas conseguiu se esquivar deles há tempo.

No entanto, quando chegou ao seu destino, notou as portas fechadas. Tentou abri-las, mas estavam trancadas. Quis bater, mas logo se deu conta de que não valia a pena. Lee Hi não estava ali. Parecia ter ido participar do Festival, Kyungsoo pensou, contudo as roupas que ela vestia não representavam nada, pareciam fora de contexto com o Festival. Podia ter ido para qualquer lugar, se deu conta.

Olhou para o caminho que viera, arrependido das suas escolhas. Porém, não queria voltar, não queria se deixar derrotar assim. Sentou-se em frente a porta, apertou a roupa em volta do corpo e decidiu que esperaria. Sabia que Lee Hi morava ali, então, ela teria que aparecer em algum momento.

***

Estava frio apesar do fogo da fogueira, Lu Han achava. Mesmo que estivesse sentado em um tronco perto do calor, ainda sentia a ponta dos dedos fria. Puxou a manga da sua jaqueta, tentando cobrir até metade da palma da mão, mas não deu muito certo, pois logo, o tecido estava voltando para os pulsos. Então, ergueu as palmas e posicionando-as perto do fogo, apenas para rir no minuto seguinte ao notar Henry e Yixing rodopiando do outro lado da fogueira, rindo de si mesmos. Olhou em volta, encontrou Jongin e Junmyeon não muito longe, rindo e conversando e podia jurar que os dois estavam corados, mas não sabia se era culpa do frio, da bebida em suas mãos ou do sentimento que havia no peito de cada um, mas apostava que era uma mistura dos três.

Heechul tinha chegado há algum tempo, ofegante e com os cílios molhados. Lu Han podia apostar que ele estivera chorando, mas qualquer que fosse o motivo, parecia ter evaporado no momento em que o ômega pôs os olhos em Ryeowook. Eles estavam conversando baixinho na entrada da floresta, gesticulando e tentando sussurrar. Parecia algo importante, porque os olhos de Heechul brilhavam numa ansiedade que o Lu nunca vira, parecia constantemente convidando Ryeowook a se aproximar.

— Acho que alguém está cansado. — Henry disse ao sentar do seu lado no tronco, um Yixing sonolento no seu colo.

O líder Lu desviou as mãos do fogo e as estendeu na direção do filho, que se empertigou na sua direção. Estava querendo o calor e o cheiro do pai. Lu Han enfiou o nariz no topo da sua cabeça, aspirou o cheiro de erva-doce que vinha dos fios, culpa do shampoo infantil que usava. Yixing resmungou alguma coisa numa fala embolada de criança enquanto Lu Han o apertava contra seu peito, escondendo-o dentro da sua jaqueta.

— Você parece cansado também. — comentou ao desviar os olhos para Henry.

— Não tanto. — tentou negar, mas o bocejo que se seguiu estragou seu plano.

Lu Han sorriu ao mesmo tempo que sentia os bracinhos de Yixing em volta do seu pescoço.

—Vá dormir. — encorajou. — Está tarde de qualquer forma. — usava aquele tom paternal, que vez ou outra aparecia para dar conselhos a Jongin ou para acalmar o filhote.

Henry levantou o rosto, observou a lua. Não sentia nenhum efeito em seu corpo. Talvez fosse culpa do supressor que tomara mais cedo, isso explicaria a ausência de vontade de dançar em volta da fogueira, de prestar tributo à Deusa, de procurar um parceiro para aquela noite, mas Henry não achava que fosse culpa disso realmente. O vazio que estava em seu peito era novo, inexplicável o suficiente para que não quisesse se aprofundar nele e descobrir os reais segredos. Esperava que Dal tivesse piedade e o mantivesse na ignorância.

Desviou os olhos para Lu Han, seu irmão e líder. Estendeu a mão e alcançou a do Lu.

— Tem algo estranho comigo. — começou a dizer e Han ergueu as sobrancelhas, assustado pelo tom urgente que o irmão estava usando. — O meu lobo... — a palavra certa se embolou na sua língua, de repente ele parecia com medo. Lu Han apertou sua mão enquanto Yixing adormecia de vez com a cabeça encostada no ombro do pai.

Henry olhou para a forma como suas mãos estavam juntas, o aperto firme de Lu Han o deixava mais calmo, mas o medo ainda estava ali e acima dele, havia o vazio deixando o seu lobo triste e inquieto, como alguém há muito tempo numa fila. Esperando, esperando, esperando... Engoliu em seco e afastou a mão da de Lu Han, não queria pensar nisso. Era como chamar para si, era como dar algum gás para que seu lobo continuasse alimentando aquela eterna espera.

— Eu não sei. — abaixou o rosto, envergonhado do que sentia, da confusão.

Lu Han esticou a mão na sua direção e a colocou sobre seu ombro, e quando Henry levantou a cabeça para fita-lo, percebeu que ele sabia. Mas como não saber? Eles eram irmãos, melhores amigos, estavam juntos em tantos momentos, inclusive no momento em que Henry voltou para casa há seis anos, o ombro esquerdo sangrando e os olhos cheios de lágrimas. Foi Lu Han que o recebeu, abraçou-o e o consolou por dias, enquanto Nini era novo demais para entender a gravidade da situação.

É a marca? — perguntou calmamente e Henry não teve como negar.

— Existe algo de errado. — confessou.

Não sabia o que era. Desde que voltara a tomar os remédios, o meio tempo em que ficara sem a toxina no organismo, aquilo tinha afetado-o de alguma forma. As doses que tomava antes tornaram-se fracas e por isso teve que aumentar a dosagem além de diminuir o tempo entre uma dose e outra, achava que isso seria por algum tempo, que em algum momento seu organismo se ajustaria ao padrão criado. Mas seu lobo estava agitado, estava implorando por alguma coisa da qual Henry não queria saber e para cada vez que ignorava seu pedido, sentia como se estivesse perdendo partes de si. Alguma coisa estava quebrada, estava ferindo mais fundo, estava deixando-o louco com tantos pesadelos, o verde perseguindo-o de uma forma que nunca acontecera antes.

— Sinto como se estivesse sendo sufocado aos poucos, meu lobo fica em silêncio o tempo inteiro durante o dia, mas à noite sou perturbado por sonhos.

Lu Han engoliu em seco.

— O remédio...?

— Estou tomando mais doses, mas preciso de uma nova fórmula, algo mais agressivo. — suspirou, as mãos subiram até seus cabelos. — Eu... eu acho que ele pode me ouvir. — o lobo, Lu Han sabia.

Um alfa sempre pode ouvir seu ômega. Era o que lhe passaram de geração em geração, os ensinamentos sobre a aliança mais preciosa que poderia existir, a prova do amor, a prova da possessão, do medo... Depois do que acontecera com Henry, Lu Han não conseguia encarar a marca como uma coisa boa. Ela não passava de uma coleira, feita perfeitamente para que ômegas tornassem nada além de um acessório para seus alfas. E ver Henry aterrorizado na sua frente, só o deixava mais certo de que a marca não passava de medo e posse.

— Ele não está escutando. — assegurou. — E mesmo que estiver, eu não deixarei que o leve. — a mão subiu e acariciou o rosto do chinês. — Nenhum Lu te deixara ir embora com alguém daquele tipo. — os olhos do ômega se encheram de lágrimas e Lu Han engoliu em seco novamente, porque Henry nunca chorava.

Ele era doce e gentil, inteligente e meio mau-humorado, mas eram raras as ocasiões em que derramava uma lágrima. O líder Lu podia contar nos dedos as vezes que ele o tinha feito. Uma no dia que foi marcado, outra no dia que Yixing nasceu, mais uma no dia que Jongin se formou e agora, tomado pelo medo de ser encontrado e levado.

Lu Han passou a mão por sua nuca e o trouxe para perto, encostou suas testas e encarou os olhos de Henry apenas para vê-los se fechando. Eles respiraram fundo ao mesmo tempo, no velho exercício de respiração que aprenderam na Academia. Inspire. Expire. Inspire. Expire.

“Não sejam uns molengas. Emoções não servem de nada, só atrapalham seus raciocínios.”

— Do que você precisa? — Lu Han perguntou subitamente e Henry se afastou enquanto limpava os olhos e ficava de frente para a fogueira. — Do que precisa para uma nova fórmula? — reformulou a pergunta quando o chinês ficou muito quieto.

— Oh Sehun. — respondeu baixo, fazendo o irmão franzir a testa em confusão. — Ele tem os equipamentos e as pessoas certas para me ajudar — contou. — além de que é lá que está — molhou os lábios. — a matéria-prima.

— E como pretende se aproximar? — desconfiou, afinal não existia mais um vínculo entre os Kim’s e Oh’s.

— Darei um jeito. — observou o fogo, a madeira avermelhada.

— É melhor que não seja nada ilegal. — Lu Han disse sério, mas o irmão notou a diversão no canto da boca deste quando o fitou de pé, Yixing totalmente adormecido no seu colo.

— Talvez, eu tenha que pular algumas cercas. — deu de ombros com o mesmo humor.

— Que péssimo exemplo pro seu sobrinho.

— Cale a boca. — riu e Lu Han começou a se afastar rindo, estava indo em direção a casa de Ryeowook, onde deixaria Yixing dormindo.

Henry observou-o indo embora, os passos firmes de alguém que sabia o que queria e por quem lutaria. Lu Han era forte assim, como o bambu, sempre envergando nas ventanias, mas nunca quebrando. E se ele não quebraria, então Henry faria o possível para não quebrar também, afinal, era assim que funcionava entre eles: um sempre tinha que estar pronto para segurar o outro. Só que Lu Han nunca caiu, nunca quebrou. Ele sempre tinha sido daquele jeito, como se carregar uma alcateia nas costas não fosse nada, como se ser largado pelo parceiro não fosse nada, como se criar o irmão mais novo não fosse nada, como se ficar de luto pelo ex não fosse nada... Lu Han tinha sido feito para aguentar.

Ficou de pé também. Enfiou as mãos nos bolsos da frente do jeans e olhou em volta, Jongin ainda estava ali rindo com Junmeyon. Ryeowook e Heechul pareciam ter entrado em algum tipo de acordo, porque estavam dançando em volta da fogueira com outros ômegas e alfas e betas — Kim’s e Lu’s juntos. Levantou o rosto para observar a lua, estava ficando amarelada, enorme. Lua Cheia. Pensou em abrir a boca e fazer um pedido, mas antes que pudesse começar o ato, teve sua atenção tomada pelo uivo de um lobo.

Todos, de repente, pararam o que estavam fazendo. A dança parou no meio de um passo, Heechul encarou Ryeowook, procurando no seu rosto alguma resposta para aquilo ou apenas a certeza de que ele também tinha escutado. Jongin olhou para a expressão assustada e surpresa de Junmeyon. Henry abaixou o rosto e olhou para o lado, direto para a floresta como que esperando que o lobo viesse por ali, mas só o silêncio restava. Era como se tivesse sido um sonho, uma impressão, como vapor no vidro, uma hora estava ali, outra não estava. Junmyeon acompanhou o olhar do chinês e também fitou a floresta. Ryeowook apertou a mão de Heechul com força ao mesmo tempo que o ômega desviava o olhar de si, estava olhando para o caminho que viera, para dentro da Alcateia Kim.

O uivo veio mais uma vez. Rasgando como uma lâmina cega, com força e desespero. E dessa vez, todos puderam ver que não vinha da floresta. Vinha de dentro da alcateia. Junmyeon foi o primeiro a correr, apenas para ser seguido por seus pais ômegas, então Jongin estava ficando de pé, olhando para si e sentindo-se receoso em ir ver. Medroso. Henry desviou os olhos do irmão mais novo e se apressou em seguir os passos dos outros.

Correu para mais dentro da alcateia. Eles afastaram-se da borda da floresta e correram em direção ao terceiro uivo que se seguiu. Era um chamado, Henry, percebeu. Parecia com os que Lu Han dava em sua forma de lobo, pedindo para que reagrupassem, pedindo que fugissem, avisando sobre perigo, dependia da entonação. Mas aquele uivo não era assim, havia uma nota de tristeza, algo grave tinha acontecido, algo doloroso. Henry não sabia se era porque era ômega ou por ter aprendido a diferenciar os uivos que Hannie dava, mas quase conseguia ver o pedido de socorro no tom daquele lobo e quando chegou perto, percebeu que estava certo.

Havia uma roda envolta deles, Junmyeon entrou primeiro, afastando os sentilenas, perguntando o que tinha acontecido para seus oficiais. Heechul deu passos vagarosos em direção ao lobo, o enorme lobo branco manchado de vermelho, as mãos estavam estendidas como que pedindo calma ou só mostrando que não era uma ameaça. Henry parou, dez passos antes, escutou Jongin parar atrás de si, os passos deslizando — assustado — sobre as pedrinhas.

— O que é aquilo? — ele perguntou e Henry não conseguia parar de olhar.

O lobo estava sentado, o focinho para o alto, uivando e uivando. Branco, enorme, manchado de vermelho. O vermelho se espalhava pelas patas, descia pelo pescoço e Henry acreditava que estava em suas costas também.

Sangue. — respondeu e então correu, finalmente se dando conta da gravidade a situação.

Havia sangue naquele lobo.

Ele estava uivando de dor.

E Henry o conhecia.

Byun Siwon.

Empurrou os sentinelas para entrar no aglomerado e ver mais de perto o horror, mas estancou no momento em que Siwon abaixou o focinho e tocou em algo no chão, ganindo como um filhote ferido. O chinês se viu desviando naquela direção apenas para encontrar Lee Donghae deitado no chão de terra batida, embebido em sangue, os olhos fechados. Seus olhos se arregalaram e os joelhos falharam, mas antes que caísse, sentiu seu corpo ser segurado, levantou o rosto apenas para encontrar Lu Han ali, segurando seus ombros, firme. Mas o Lu não estava olhando para si, ele fitava toda aquela cena sangrenta, com uma expressão tão séria que Henry sentiu medo.

— Siwon, precisa se afastar. — Heechul estava dizendo, tentando se aproximar e fazer o lobo deixar o corpo de Donghae para que Ryeowook pudesse fazer alguma coisa. — Siwon... — o Kim tentou, a voz saindo tremida, evitava olhar pro corpo do Lee, as mãos estendidas só serviam para que Siwon uivasse mais uma vez, sentado.

Com dor, Henry sabia. A marca estava se apagando, estava apagando tudo o que eles eram, estava deixando Siwon vazio e disso Henry entendia.

— Fique aqui. — Lu Han mandou, mas Henry não tinha coragem de se aproximar, por isso obedeceu.

Viu Lu Han tomar as rédeas da situação do jeito como sempre fazia, um líder nato. Ele transformou-se em lobo e se aproximou de Siwon, encostou seu focinho no pescoço do alfa, uma, duas, três vezes até que o lobo branco o olhou. Eles ficaram daquele jeito, imersos em alguma coisa que Henry não entendia, mas imaginava que era aquilo. Aquilo que sempre acontecia quando eles se descontrolavam por completo, quando o lobo tomava o controle de vez. A consciência humana ia para algum lugar inalcançável, a humanidade se recolhia apenas para se tornar espectador do extinto animal tomando controle.

O Lobo do qual todos falavam, o Lobo que Henry escutava chorando dentro de si, tinha ganhado vida em Siwon transformando-o em nada além de alfa. Henry respirou fundo e se aproximou ao mesmo tempo que Ryeowook, que aproveitava a deixa de Lu Han. Junmyeon estava tentando controlar o aglomerado em volta de Siwon e Donghae, queria abrir um espaço para que o corpo pudesse ser levado. O chinês parou ao lado de Ryeowook, de joelhos na terra, esperou — desejou — que o Kim encontrasse algum pulso de vida.

Ele está esperando um bebê, pensou em dizer mas nenhuma palavra veio. O que veio foram os seus olhos indo naquela direção, como se só de olhar para a sua barriga pudesse saber que o filhote ainda vivia. A barriga não se mexia, Donghae não se mexia, mas o sangue continuava descendo, como a seiva de uma árvore, grosso contra o chão, vermelho demais para aquela noite.

— Tem pulsação! — Ryeowook gritou aliviado e Heechul lançou um olhar choroso para o marido ômega, como se aquela fosse a melhor notícia de todas.

— Temos que tira-lo daqui. — Henry pareceu recuperar sua voz, os olhos cravados na marca entre o ombro e o pescoço de Donghae, vermelha contra sua pele pálida, parecia pulsar diante dos seus olhos.

Está se desfazendo, pensou.

— Me ajude. — o Kim pediu e Henry apressou-se.

Lu Han continuava com Siwon e Heechul estava perto, como que cuidando para que ele não visse Donghae indo embora. Mas Henry sabia que ele sentia, como agulhas contra a pele, Siwon podia sentir Donghae indo embora. Inalcançável.

Junmyeon se afastou com um grupo de sentinelas depois de perguntar ao pai se estava tudo bem. Eles iriam até a Alcateia Byun. Jongin ainda se aproximou do namorado Kim, apreensivo enquanto pedia com os olhos um pouco de proteção, mas tudo que recebeu foi um abraço e um beijo na testa. Não podia roubar Junmyeon dos seus afazeres, então se resignou em voltar para dentro da casa, iria tomar conta de Yixing, era o que lhe restava, no fim das contas.

O ômega chinês levou Donghae até a enfermaria da Alcateia, não ficava tão longe assim de onde eles estavam. Foram recebidos com urgência pela equipe ali, Ryeowook se juntou à eles enquanto Henry ficava parado na sala de espera, sem saber o que mais poderia fazer. Levou as mãos até os cabelos, puxou os fios e tentou respirar fundo, mas havia algo de errado consigo. Não sabia se estava impressionado pelo modo como a marca de Donghae estava se desfazendo, mas a sua própria marca começava a doer e o seu lobo se agitava.

Pare com isso, Henry implorou ao mesmo tempo que sentava-se em um dos lugares vagos na sala de espera. Pare com isso, mandou e o lobo obedeceu. Calou-se tão rapidamente, que Henry acreditou que tudo podia melhorar agora. No entanto, ao respirar fundo, sentiu aquele cheiro. Aquele maldito cheiro, que ainda vivia nos seus pesadelos. Sabia que era algum tipo de alucinação provocada por seu lobo, sabia que não podia se render tão fácil assim, todavia, o pavor já estava ali. Abraçando-o, deixando um rastro frio por sua pele.

— Henry? — escutou alguém chamar.

Levantou o rosto rapidamente, queria um motivo para afastar aqueles pensamentos. Encontrou Heechul o fitando, havia preocupação no seu rosto.

— Ele está ali dentro. — referiu tanto a Ryeowook quanto a Donghae.

Heechul soltou a respiração e aproximou-se para ocupar o lugar ao seu lado. O chinês fitou o espaço vazio até o momento em que foi ocupado, numa tentativa de abandonar a forma como seu lobo estava tentando o seduzir, estava tentando tomar controle e ir atrás daquele que o marcou. Voltou a olhar para baixo, suor frio se acumulava na sua costa e palma. Quis ignorar isso e perguntar ao ômega mais velho que tinha acontecido com Siwon, porque havia tanto sangue, onde estava Lu Han. Mas antes que pudesse fazer isso, o cheiro tornou-se mais forte e então estava lembrando da marca de Donghae, do jeito como pulsava contra sua pele ao deixar de existir. Inclinou-se para frente, querendo vomitar seu próprio lobo. Heechul colocou a mão sobre seu ombro e Henry obrigou-se a fita-lo.

— Está tudo bem? — perguntou devagar e o ômega assentiu mesmo que sentisse os cabelos da nuca molhados de suor.

E talvez, Heechul estivesse com a necessidade de ter alguém perto ou só tivesse visto a forma como Henry estava abalado, porque logo a mão estava escorregando até metade das suas costas e o puxando para perto num abraço reconfortante. O chinês aspirou o seu cheiro e fechou os olhos, Heechul pareceu fazer o mesmo e pela primeira vez, o ômega mais novo sentiu-se relaxar, ainda mais quando Heechul deslizou as mãos por sua costa, fazendo círculos carinhosos, o mesmo tipo de carinho que seu pai costumava fazer em si quando criança. A familiaridade do ato parecia até mesmo afetar o seu lobo, que tornava-se mais calmo.

Não se conteve em abraçar o Kim de volta, numa forma de retribuir. Eles podiam se consolar naquele momento, mesmo que nenhum dos dois compreendesse a confusão no peito do outro.

***

Hyukjae encarou as fotos sobre a mesa do seu quarto-escritório, eram as que tinham chegado para si naquele dia, mas por conta do Festival não tivera tempo de olha-las e também não estava dando muita importância para elas quando os Byun’s — seu alvo principal — nunca fazia nada de interessante. Contudo, ao abrir o envelope naquela madrugada, poucas horas antes do sol nascer, depois que o Festival se encerrara, acabou percebendo o quanto estava enganado.

Ao que parecia Siwon e Donghae haviam saído para dar uma volta, o que era proibido pelo estado avançado da gravidez do ômega. Não dava para esconder uma barriga daquele tamanho sem levantar suspeitas, mas ao que parecia Siwon havia tomado cuidado em levar Donghae no próprio carro e depois até um restaurante de alguém de confiança, alguém com sangue de lobo.

Não havia fotos deles dentro do restaurante, havia deles saindo. O horário escrito na borda esquerda da foto. Não tinham demorado mais que duas horas, uma refeição curta. Hyukjae culpou a gravidez de Donghae, era possível que seus pés estivessem inchados, a costa doendo, essas coisas que ômegas gestantes sempre sentiam. Contudo, quando achou que as fotos acabariam ali, foi surpreendido por mais algumas, só que essas não eram de Siwon e Donghae.

Primeiro, ofegou. Encarou a foto como se ela fosse feita de sal e pudesse se desfazer nos seus dedos, todavia, o papel continuava tremendo em sua mão, tamanho o seu horror em ver aquilo, em ver aquela pessoa ali. Fechou os olhos e fez uma contagem mental, achava que era culpa do álcool ingerido naquela noite. Podia ser culpa de Dal, o castigando por ter tentado roubar o ômega do próprio sobrinho ao fazer seus lobos o encurralarem daquele jeito no saguão, então o estava fazendo alucinar. No entanto, ao abrir os olhos aquela pessoa continuava ali.

A foto tinha sido tirada rápida. Pegada de relance, enquanto abaixava o rosto e o vento vinha fazer o cabelo esconder sua identidade, mas Hyukjae reconhecia aquela silhueta, a ponta do queixo e curva do seu pescoço. Em mil anos de saudade, Hyukjae jamais havia esquecido nenhum detalhe daquela mulher, que um dia tinha sido uma garota e então, sua irmã. Sua. Sangue do seu sangue. Eternamente, sua.

Park Jihyun.

— Você devia estar morta. — balbuciou.

E então, riu. Eram mais de vinte anos vivendo um luto, velando o corpo da irmã mais nova, desejando que pudesse ser diferente, acreditando que apenas a vingança podia lhe dar alguma paz de espírito. Mas ela estava ali... viva. Andando, respirando, tendo encontros secretos com Byun Siwon e Lee Donghae, agindo como uma maldita vadia! Ela o tinha enganado! Siwon havia ajudado!

Amassou a foto em suas mãos e num ato de fúria jogou a foto para longe de si, então segurou na borda da sua mesa e a virou. Sentia-se tão furioso, como se fogo estivesse correndo nas suas veias.

São mais de vinte anos!, pensou. Sua querida irmãzinha estava se escondendo de si há mais de vinte anos!

Andou pelo quarto procurando os seus cigarros e quando os achou, sentou-se no chão, diante da foto desamassada de Jihyun e fumou. Os olhos fitando sua imagem como se ela fosse a coisa mais preciosa do mundo e para o bem da verdade, Jihyun era o bem mais precioso de Hyukjae, o único bem que ele nunca foi digno de ter. Mas isso ia mudar logo, logo, percebeu. Porque se ela estava viva, era só uma questão de tempo até que a encontrasse e a fizesse tomar o lugar rainha da Alcateia Park, mesmo que ela tivesse um filho com Siwon, não achava que o alfa ia fazer alguma questão da ômega. O Byun já tinha um ômega, estava se preparando para a chegada do seu terceiro filho, não tinha espaço para aquela mulher.

No entanto, quando pensava nisso, se perguntava se Siwon sempre soubera. Se a tinha acobertado por todo aquele tempo e se ele sabia, era de se esperar que Baekhyun também soubesse. Isso explicaria porque Baekhyun era tão invasivo em todas as vezes em que Hyukjae tentou manipula-lo contra o pai ou a forma como disse não ao seu plano de derrubar o pai do poder e tomar a alcateia para si, afim de vingar a morte da sua mãe. Esses detalhes estavam se encaixando de uma maneira doentia na sua mente, coisas que ele nunca tinha cogitado muito, surgindo, fazendo sentido, deixando-o cada vez mais ansioso.

Apagou o cigarro contra o piso de azulejo, ao lado da foto de Jihyun. Segurou a foto mais uma vez, aproximou do seu rosto e então fechou os olhos ao beijar a face da mulher da foto.

— Vou te trazer para casa. — prometeu ao se afastar.

Os olhos estavam brilhando em prata, a mesma cor que havia na alma de Jihyun. E por mais que ela tenha tentado esquecer isso, fazer de conta que não fazia parte de si, Hyukjae ia lembra-la, da mesma forma que lembraria a Baekhyun, porque uma vez Park, sempre Park.


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