Mirtilo escrita por OmegaKim


Capítulo 10
VIII - O tempo que nos transforma




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Kyungsoo rolou na sua cama de modo que ficasse de frente para a cama do irmão gêmeo. Estava vazia. Por um ano inteiro, ainda estava vazia. Suspirou, meio cansado e meio frustrado. Sentia saudade de Minseok de uma maneira avassaladora, como se alguém tivesse levado o seu braço direito. Porque eles eram cúmplices assim, sempre compartilhando tudo, acobertavam um ao outro. Lembrava-se da primeira mentira que Minseok contara para salva-lo. Deviam ter seis anos de idade quando Kyungsoo comeu os biscoitos escondido do pote, e por isso sabia que iria levar uma bela bronca. Mas o irmão gêmeo se meteu, dizendo que tinha sido ele e mesmo os pais sabendo que era mentira, puniram Minseok mesmo assim.

E essa foi a primeira vez, Kyungsoo pensou. Depois vieram outras e mais outras e mais outras. Sempre com Minseok contando mentiras no seu lugar, dissimulando emoções ou pintando o irmão como um belo ômega quando era ele quem costumava fazer o trabalho pesado. Não era engraçado pensar que o loiro protegia mais o moreno do que o contrário? Porque era isso que acontecia. A maioria das pessoas achava que Kyungsoo, com o seu jeito rebelde — indisciplinado — era quem tendia a ser o primeiro a se meter em brigas para defender o irmão, já que Minseok sempre fora mais frágil e doce.

No entanto, Kyungsoo sabia que eles estavam errados, porque ele podia sim ser a pessoa que daria o primeiro soco, mas era Minseok quem tinha as melhores ideias estratégicas quando brincavam de caçar na floresta com os primos e Junmeyon. Era de Minseok que partia a certeza de que eles iam conseguir, porque sempre fora mais confiante que o gêmeo, nos seus planos. Era Minseok que inventava as melhores histórias para faltar a escola, era ele que dissimulava melhor do que ninguém, que sabia chorar de mentira e ainda parecer real. Era ele que conhecia as melhores ervas para fazer um bom chá, seja para dor de cabeça ou para simplesmente fazer mal.

Era ele, com aqueles óculos de grau arredondados, que passava despercebido entre tantos outros alunos na escola. Nunca chamando a atenção, sempre quieto e nunca fazendo mal a ninguém — contanto que não mexessem consigo. Enquanto Kyungsoo era ensolarado, capaz de fazer qualquer pessoa olha-lo ou simplesmente quere-lo. Era fácil, quando se tinha uma personalidade tão agitada e alegre. E de alguma forma, se combinavam assim. Era gêmeos, afinal. Duas partes de um todo e por serem metade, que Kyungsoo se sentia meio cheio, um copo de água pela metade.

Estava com saudade de Minseok. Muita saudade do irmão.

Tudo bem, que tinha ficado feliz quando o loiro fora aceito naquela escola francesa, mas também tinha ficado triste. Pois, de uma maneira totalmente egoísta não queria que Minseok fosse embora. Queria que ele ficasse ali, do seu lado do jeito que sempre foi, então os dois continuariam dividindo um quarto e indo para a escola juntos. Ele ainda acordaria com o loiro a cutuca-lhe a bochecha para que fosse se arrumar logo, antes que se atrasassem. No entanto, o destino havia destruído isso, pois agora o irmão estava na França. Tão imensamente longe, que fazia os olhos de Kyungsoo marejarem.

Sentia falta do cheiro do irmão, dos olhos gateados dele, do modo como se deitava na sua cama com um livro na mão. Mas agora só tinha isso na mente, pois todas as vezes que fechava os olhos era capaz de imagina-lo perto mais uma vez. E mesmo que o ômega lhe escrevesse cartas e que eles se falassem sempre por telefone, o Kim mais novo ainda achava que aquilo não era suficiente. Tinha tentado ocupar a sua saudade com Chanyeol e com seus amigos da alcateia, mas sabia que a falta do melhor amigo era algo que não podia ser substituído por qualquer um. Nem mesmo Chanyeol, que era o que mais amava ter perto, supria sua necessidade.

Afinal, ele e Minseok tinham uma cumplicidade invejável. Eles se entendiam só com um olhar e até mesmo tinham um sinal secreto para quando quisessem fugir de um jantar chato de negócios do pai. Era só morder o lábio inferior perto do irmão e então o outro ia dar um jeito de ajudar na fuga. Kyungsoo tinha cansado de contar as vezes que Minseok o ajudou a fugir.

Mas já passara um ano que o loiro estava na França. Faltava pouco até que ele voltasse, certo? Afinal faltava apenas um ano para que o ensino médio terminasse e até onde Kyungsoo sabia, o gêmeo estava na França terminando o ensino médio. No entanto, quando se animou com essa ideia e comunicou isso ao gêmeo, recebeu a terrível notícia de que o loiro não voltaria ainda. Queria fazer um curso de alguma coisa, o Kim mais velho contara na carta e deixara — sem saber — o gêmeo triste.

E foi assim que mais um ano passou. Kyungsoo se formara no ensino médio e conseguiu passar para uma boa faculdade, enquanto Minseok continuava na França cursando a sua faculdade de Designe. O Kim mais novo conseguiu um ano de intercâmbio nos Estados Unidos, o pior e melhor ano da sua vida, pois ao mesmo tempo que ficava longe de Chanyeol, conhecia coisas totalmente novas. E quando voltara, trazia tantas ideias novas na cabeça e a certeza de que amava Chanyeol mais do que tudo.

Completara três anos de namoro com Byun Chanyeol e três anos de uma amizade estranha com Byun Baekhyun, que de alguma forma estava sempre a acobertar os dois na falta de Minseok. Nunca tinha pensando em Baekhyun como aliado no seu romance proibido até o dia em que ele se deixou ser pego pelo pai com a humana que namorava escondido. Achou aquilo tão admirável vindo do Byun mais velho, que não pode se impedir de se tornarem amigos. E nos dois anos seguintes, quando a amizade entre Kim’s e Byun’s se tornou instável devido ao ataque de Byun’s chineses contra os Kim’s, também, chineses, Kyungsoo não tinha em quem confiar além de Baekhyun.

Já que Chanyeol estava preocupado demais com sua faculdade e com a ideia de apresentar o Kim para o pai, que não se importava com os acontecimentos entre as alcateias. E mesmo Junmeyon, que era o seu irmão e sucessor da Alcateia Kim, não lhe contava o que de fato estava acontecendo. Então, era Baekhyun que lhe dizia com clareza como os Byun’s chineses estavam agitados por causa da morte de um deles e todas as pistas apontavam para alguém da Alcateia Kim, e por isso os Byun’s queriam justiça pelo lobo morto. E tudo ficava pior quando Siwon, o líder Byun, inflamava mais os nervos dos chineses com essa ideia.

Kyungsoo lembrava-se do modo como tudo parecia estar prestes a explodir, principalmente quando viu o pai e o irmão indo para a China, afim de tentar resolver isso. Eles tentariam um acordo, Kyungsoo sabia disso porque havia escutado a conversa do pai com os anciãos da aldeia deles. Mas quando se passou dois meses inteiros sem que o pai voltasse e sem que Baekhyun lhe desse qualquer notícia sobre o que acontecia, o ômega foi obrigado a contar tudo para Minseok.

Os pais tinham achado melhor não preocupar o ômega na França, por isso Kyungsoo estava proibido de contar qualquer coisa ao irmão. Contudo, tudo tinha se tornado tão insuportável naquela aldeia, que não pode se segurar. Precisava desabafar com alguém e não havia ninguém melhor do que Minseok, seu melhor amigo e irmão. Mas ao contrário do que esperou, o loiro não pareceu surpreso, mesmo que ele tenha sorrido envergonhado e arregalado os olhos durante a ligação de vídeo, Kyungsoo sabia que era falso. Como não podia saber? Eles eram metade, e uma metade sempre reconhece os trejeitos da outra.

No entanto, deixou isso passar porque estava tão estressado com toda aquela situação que achara que estava vendo coisas. E foi por achar que estava vendo coisas que nos dois anos seguintes, enquanto a briga entre Kim’s e Byun’s se acalmava, que o ômega começou a perceber algo estranho. Contudo, deixou passar, pois estava tão preocupado com a ideia de ter o seu romance descoberto, ainda mais quando a família começou a pressiona-lo para apresentar o seu namorado secreto, que o Kim só conseguia ocupar a sua mente com uma única ideia: não ser morto por seus pais quando soubessem quem era o seu alfa.

Era nisso que estava pensando, exatos cinco anos depois que Minseok tinha ido embora, sentado na beira da sua cama enquanto detinha a carta que o irmão enviara para si, na mão, comunicando que estaria pisando em solo coreano no fim da semana. Exatos uma semana antes do grande festival da lua, onde todos correriam pela floresta em suas formas de lobos, celebrando em volta de uma fogueira a sorte que era nascer um lobo.

Todos estariam lá, pensou. Todas as alcateias e isso incluía os Byun’s... e Minseok estaria lá também, seus pais estariam felizes pela volta do filho. A Alcateia Kim estaria feliz pela volta do segundo herdeiro... e todos estariam celebrando a vida longa da Grande Deusa Lua. Sem preocupações, sem brigas. Parecia o momento perfeito para falar com seu pai alfa sobre Chanyeol, já que Leeteuk estaria emotivo pela volta do seu filho ômega.

Sorriu com esse pensamento, porque era o plano perfeito. No fim das contas, Minseok não podia ter voltado em melhor hora, pensara.  

***

Baekhyun estava terminando de se arrumar, quando Chanyeol entrou no seu quarto. O mais velho viu através do espelho quando o irmão sentou-se na beira da sua cama, apenas para no segundo seguinte jogar-se na mesma, os braços longos abertos e um suspiro saindo por entre seus lábios. Revirou os olhos com isso, porque conhecia Chanyeol o suficiente para saber que o lobo estava fazendo uma cena dramática só para chamar atenção.

Deixou os seus olhos castanhos vagarem até os botões da sua camisa, no pulso, os abotoou e então ajeitou a gola da sua camisa social azul-clara antes de se virar e pegar a gravata azul-marinho, e começar a coloca-la. Era o seu primeiro dia no emprego, desde que fora promovido pelo pai. Coisa que achava precipitado da parte do pai promove-lo tão cedo ao cargo de vice-presidente, mas também sabia como o alfa estava cansado daquele lugar. Era por isso que Baekhyun não duvidava que com mais um par de meses se tornasse CEO da empresa, o primeiro a subir tão rápido e tão novo a esse cargo.

— Não vai perguntar o que eu tenho? Por que pareço tão triste? — Chanyeol soltou quando recebeu nada além de silêncio do irmão mais velho.

— Por que eu deveria? — devolveu terminando o nó na gravata e procurando o seu paletó e só então estaria pronto.

— Porque eu sou seu irmãozinho. — fez manha e Baek soltou uma risadinha antes de virar-se para fitar o irmão, ficando de costas para ao espelho.

Mesmo tendo vinte anos, Chanyeol continuava sendo um crianção. Baekhyun achava isso bom, porque mostrava como a essência pura de Chanyeol tinha sido bem conservada, provando que ele tinha tido sucesso em proteger o irmão. No entanto, também era ruim, pois o irmão tendia se tornar indisciplinado, ainda mais quando se juntava com o namorado ômega, Kyungsoo. E indisciplina era algo que Siwon, seu pai, odiava com todas as forças. Afinal, já tinha cansado de contar as vezes que fora punido por algum erro bobo.

— Tudo bem, meu irmãozinho, o que lhe aflige? — perguntou divertido enquanto procurava sua pasta pelo quarto, tinha certeza que deixara sobre a cama...

— O Festival da Lua é na próxima semana. — contou o que Baekhyun já sabia.

Tinha pensado em não ir, porque realmente estava sem vontade de correr com um bando de desconhecidos e suportar as conversas superficiais dos outros lobos. Mas sabia que não tinha opção, era o sucessor da Alcateia, era estritamente crucial que ele aparecesse ainda mais depois do embate entre os Kim’s e Byun’s chineses há dois anos. Mesmo que eles tenham conseguido resolver aquilo com um acordo, não era como se ambas as partes tivessem ficado felizes e se ele, um Byun Principal, não comparecesse no Festival da Lua, ia ser como inflamar os nervos outra vez. Era melhor ir contra a sua vontade do que começar uma guerra sem sentido.

— E daí? — soltou meio desinteressado e Chanyeol bufou.

— Kyungsoo quer me apresentar para os seus pais no Festival.

Baekhyun ergueu a sobrancelha ao mesmo tempo que pegava a sua pasta e sentava-se na beira da sua cama, ao lado do corpo de Chanyeol. Era estranho pensar em Chanyeol como seu irmão mais novo, quando ele era grande e forte, com ombros e braços largos, muito maior do que Baekhyun. Mas o Byun sabia que o irmão mais novo tinha puxado os traços do pai alfa, enquanto ele tinha herdado os traços da sua mãe ômega, os traços dos Park’s — pequenos e inteligentes.

— Isso não é bom? — perguntou com cuidado, porque já fazia cinco anos que eles estavam nesse namoro escondido e só Baekhyun sabia como os dois estavam sendo constantemente pressionados para apresentar o outro a família.

E Baekhyun sabia que eles não iam poder se esconder para sempre, ainda mais por causa de Kyungsoo, que era o ômega herdeiro da alcateia Kim e por isso logo seria oferecido em casamento para algum alfa ou beta importante, afim de selar alianças. Porque não havia nada melhor do que selar um acordo com um casamento. Ele mesmo logo seria oferecido em casamento para alguém, já que estava na idade de casar. Vinte e um anos, pensou temeroso com o seu futuro casamento. Não queria casar, não tinha vontade e não queria ter um casamento forjado a ferro quente como os dos seus pais, antes que sua mãe morresse.

— Claro que é. Nossa! É muito bom! — sentou-se na cama, o cabelo castanho bagunçado. Tinha cansado do vermelho há alguns anos e agora tendia a vagar entre os vários tons de castanho, estava estancado há um mês no castanho-mel e Baekhyun torcia para que continuasse assim antes que ficasse careca de tanto que pintava o cabelo. — É só que estamos há tanto tempo juntos... e se os pais dele me odiarem e proibirem-no de me ver?

— Não vou mentir para você, existe essa possibilidade. Você sabe como as coisas estão nervosas entre os clãs ainda, mas talvez o líder Leeteuk veja nesse namoro uma possibilidade de reconciliação, ele sempre foi o líder mais aberto a acordos. — falou calmo. — Ele pode lhe dar a mão de Kyungsoo em casamento afim de selar a paz.

Viu os olhos do irmão brilharem em entusiasmo com essa possibilidade. Era uma bela possibilidade, Chanyeol pensou e desejou internamente que isso se tornasse real, afinal o líder Leeteuk sempre lhe pareceu o mais passivo dos líderes, sempre era dele que vinha as ideias de fazer acordos.

— Isso, irmãozinho. — Chanyeol disse e passou os braços pelos ombros do irmão mais velho e o trouxe para perto, abraçando-o forte e amarrotando o terno do Byun mais velho. — Você sempre sabe o que dizer. — beijou-lhe o topo da cabeça de fios escuros e riu quando escutou o mais velho rosnar contra seu peito.

Baekhyun odiava contado físico. Sempre tão sério e racional, Chanyeol entendia porque ele tinha se tornado assim e era por isso que sempre estava transpassando por essa barreira e mantendo o Byun perto. Às vezes, tinha medo que o irmão se tornasse uma cópia do pai. Tão certinho e frio, difícil de chegar perto.

— Com certeza ele vai pensar nisso! Ainda mais agora que Minseok está voltando. — comentou ainda com o outro preso nos seus braços, o cheiro cítrico dele inundando o seu olfato. Familiar e reconfortante. — Leeteuk vai estar...

— O que? — Baekhyun se soltou dos braços do irmão com pressa, o cabelo escuro bagunçado pelo abraço repentino.

Fazia bastante tempo desde a última vez que tinha escutado esse nome. Claro, sabia quem era, não só porque era o segundo na linha de sucessão dos Kim’s, mais também porque estudaram juntos e Baek ganhara um belo chute do ômega. Não dava para esquecer alguém que tinha lhe chutado bem naquele lugar.

— Minseok. Não lembra-se dele? O baixinho, loirinho, irmão gêmeo de Kyungsoo e tem um cheiro delicioso de mirtilo?  O garoto que te chutou no ensino médio? — jogou informações sobre o ômega para o irmão, como que afim de fazê-lo lembrar. Mas Baekhyun lembrava-se muito bem, na verdade, nunca tinha esquecido.

— Eu sei quem é. — o alfa respondeu, ocupando-se em arrumar o seu cabelo afim de disfarçar o desconforto.

— Pois é. Ele chega essa semana. Kyungsoo está louco de felicidade junto com todos os Kim’s. Eles estão fazendo uma festa, sabia? Pena que só Kim’s entram. — suspirou no final, totalmente alheio ao modo rígido que Baekhyun estava. — Estou sendo negligenciado pelo Kyung. — Chanyeol fez um bico e Baekhyun revirou os olhos, nem parecia que Chanyeol era o alfa naquela relação.

— O que você esperava? O irmão dele está voltando. — ficou de pé, pegou a sua pasta e se apressou em ir até a saída do seu quarto.

— Baek, não me abandone. — Chanyeol jogou-se na cama, como uma criança mimada.

— Vai crescer, Chanyeol. — Baekhyun rebateu meio rindo.

— Mais? — o castanho entrou na brincadeira e o moreno riu alto antes de sair do quarto.

Precisava ir para o trabalho, não podia se atrasar, afinal não queria dar brecha para as pessoas da empresa falarem de si. Pois ele sabia muito bem como as pessoas daquele lugar não tinham gostado nenhum pouco do modo como ele tinha sido promovido, mas não era como se Baekhyun pudesse culpa-los, afinal eram humanos. E os humanos não sabiam nada sobre hierarquia, ainda mais na sociedade dos lobos. Às vezes, o Byun se perguntava como os humanos tinham conseguido sobreviver durante tanto tempo sendo tão bagunceiros e com aquilo de democracia. Era meio óbvio que aquilo não tinha dado nenhum pouco certo, mas ele tinha que admitir que os humanos eram um bocado corajosos em relação a muitas coisas além de curiosos. Ele só esperava que essa curiosidade não os prejudicasse, já bastava aquele escândalo que surgiu na década de 70 quando um lobo se envolveu com um humano. Ele não precisava disso no seu reinado também.

Por isso quando chegou na empresa, passou direto por seus funcionários e seguiu para a sua sala. Deixou sua pasta sobre a mesa e estava se preparando para sentar quando a porta de madeira foi aberta e sua secretária entrou. Levantou os olhos e a fitou, o rosto sem expressão alguma enquanto por dentro estava confuso com o modo como ela tinha entrado, afinal nunca fazia isso sem ser chamada. Já tinha se acostumado com o modo como a mulher deixava tudo pronto para si.

Era uma humana. Bem bonita, de pernas longas, americana. O cabelo loiro era de um tom familiar, era por isso que gostava dela mesmo que sempre fosse muito eficiente, a tinha contratado justamente por causa do tom de loiro do seu cabelo, apesar de não admitir isso a si mesmo nunca.

— Senhor Byun. — falou quando percebeu os olhos dele nela, ao mesmo tempo que Baek puxava a cadeira e se sentava.

Era tão bonito com os olhos castanhos duros, ela pensou. Sempre tão altivo e tão centrado.

O Byun esperou.

— Os documentos que pediu ontem. — ela disse se aproximando da mesa e deixando sobre a superfície um punhado de pastas coloridas.

— Ah, sim. — respondeu ligando o seu computador e não mais prestando atenção na mulher.

Ela não tinha cheiro de nada, em parte porque era humana e em parte porque Baekhyun odiava perfumes então pedia que ela não usasse no trabalho. Por isso era mais fácil ficar perto dela, o alfa sabia, pois assim o seu lobo deixaria o seu lado humano em paz. Já que a cada vez que sentia o cheiro de um ômega diferente, sempre sentia o seu interior se remexer inquieto. Às vezes se irritava com isso, principalmente porque já havia visitado o médico da sua alcateia e o mesmo não soube dizer o que havia de errado com o lobo de Baekhyun. O moreno só esperava que não fosse nenhuma doença, porque não podia ser um líder doente. Não iam aceita-lo se fosse doente.

— Tudo bem. — falou, os olhos sérios vasculhando as pastas virtuais na tela do seu computador, estava atrás da planilha que estava trabalhando ontem. — Pode ir.

A moça fez uma reverência mínima e então se retirou, os passos lentos e o som do seu salto incomodando a audição do alfa. Escutou-a fechar a porta e suspirou, desviou os olhos novamente para as pastas coloridas e pegou a primeira. Ia ser um longo dia de trabalho, previu.

***

O loiro estava com seus óculos escuros quando desembarcou, andou calmamente para fora do avião, indo em direção ao aeroporto. Uma parte sua tinha acreditado que nunca ia pôr os pés ali de novo, mas a outra estava internamente ansiosa. Não sabia o que esperar das pessoas depois de cinco anos, assim como não sabia o que esperar de si.

Era cinco anos, pensou. Cinco anos respirando ares franceses e se refinando. Eram cinco anos longe de tudo que conhecia e sendo constantemente confrontado com coisas que não deveria conhecer. Mas era como seu pai ômega tinha lhe dito: Havia sido escolhido. Escolhido para algo tão grande e importante, que o ômega não podia deixar de sentir orgulho de si mesmo ao pensar em como foram esses cinco anos fora da Coreia.

Tudo era muito diferente lá fora. Todos eram muito diferentes lá fora. Pareciam mais livres, mas não podia culpa-los, porque a vida sem as regras do seu país era realmente saborosa. Mas estava aqui agora e precisava se concentrar no presente, do jeito que havia sido ensinado.

Estava pensando nisso quando pegou suas malas na esteira e colocou no carrinho. Tinha tomado cuidado ao colocar sua mala de mão sobre as outras, afinal ela tinha sido um presente além de ter um grande valor sentimental. A pessoa que o havia presenteado tinha ficado na França. Seu grande amigo nos dias sombrios, a pessoa que lhe dava forças quando necessário. Lu Henry. Era meio surreal que havia conhecido um Lu, quando todos diziam que eles já não existiam mais. No entanto, Henry estava lá para provar o contrário.

Seguiu com o carrinho em direção a saída do aeroporto, ia pegar um táxi e ir até sua aldeia — que ficava nos arredores da cidade. Porém, assim que avistou a saída, não teve tempo de chegar até lá, já que o corpo de alguém literalmente pulou em cima de si. Tinha ficado tão absorto com a ideia de voltar para casa que esquecera de se manter alerta e por isso não tinha reparado no cheiro floral que tomava conta do lugar. E quando teve o seu corpo jogado contra o chão, não conseguiu evitar pensar que aquilo era um ataque e os anos de treinamento o fizeram entrar no automático.

Minseok passou os braços pelo pescoço da pessoa e rolou com o corpo dela pelo chão, de modo que ficasse por cima e soltando o pescoço da pessoa, segurou-lhe a gola da camisa, as mãos formando um X na hora de segurar a gola e o joelho pressionado contra a boca do estômago do indivíduo e mantendo-o estático no chão, abaixo de si, enquanto o rosto de Minseok se tornava nada além de uma máscara de pura firmeza e mesmo que as lentes escuras do óculos estivessem escondendo os seus olhos, a pessoa abaixo de si sabia que eles estavam avelã, indicando perigo.

— Minnie? Sou eu... — o loiro ergueu a sobrancelha em desconfiança e a pessoa abaixo de si percebeu e por isso engoliu em seco, o seu cheiro floral se tornando forte e irritando a ponta do nariz do irmão.

Então Minseok piscou por trás dos óculos escuros e percebeu o que estava fazendo. Sentiu o rosto corar ao reconhecer Kyungsoo abaixo de si e com vergonha soltou a gola da camisa do irmão, retirou o joelho da barriga dele e se deixou rolar para o seu lado, o corpo deitado no chão poeirento do aeroporto.

— Você me assustou, Kyungsoo. — confessou.

Tinha sido pego de surpresa, de guarda baixa e por isso seu corpo entrou no modo ataque. Foram cindo anos sendo treinado, era normal que estivesse condicionado a isso, afinal tinha recebido uma missão e não podia falhar nunca.

— Desculpe-me.  — o ômega pediu, baixo, parecia quase com medo.

E estava. O Kim mais novo sabia o horário que o irmão ia desembarcar ao contrário dos seus pais que não sabiam, porque Minseok queria fazer uma surpresa. Era por isso que estava ali, ansioso esperando pelo irmão e quando o viu, não podia simplesmente ficar parado. Simplesmente correu em direção a ele e pulou em si, estava com tanta saudade que não tinha se dado conta do quanto isso podia assusta-lo. No entanto, não sabia que Minseok ia reagir tão violentamente. Onde aprendera a dominar alguém rápido assim?

— Tudo bem. — Minseok respondeu e eles estavam mergulhados em um clima estranho.

— Onde aprendeu a fazer isso? — perguntou, as mãos se juntando sobre sua barriga, ainda podia sentir o desconforto do joelho do irmão contra a boca do seu estômago, tinha achado que ia vomitar pelo modo como aquilo irritou seu órgão.

— Ah. — o loiro estalou a língua no céu da boca e sorriu, meio nostálgico, coisa que Kyungsoo não percebeu. — Um ômega tem que aprender a se defender, ainda mais quando está longe de casa, não é? — não respondeu à pergunta.

— É perigoso lá fora? Eu fui para os Estados Unidos durante um ano e ninguém foi mal comigo. — Kyungsoo contou e viu o irmão se sentar no chão, ajeitar os óculos escuros no rosto redondo.

Estava tão diferente, o Kim mais novo percebeu. Quer dizer, parecia o mesmo. Ainda tinha o cabelo loiro e as bochechas fofas, as mãos delicadas com os dedos curtos e meio tortinhos, mas havia algo na expressão corporal dele que indicava que aquele ômega doce que conhecera já não estava mais ali. Mas Kyungsoo não queria pensar nisso, ainda tinha na memória a imagem do irmão gêmeo, tímido e meio gorducho.

— Você teve sorte. — falou ficando de pé e estendendo a mão para o gêmeo depois de ajeitar o cabelo.

Kyungsoo pegou a mão oferecida e deixou que seu corpo se içasse com a ajuda.

— Tem muita coisa pra me contar, não tem? — soltou, a voz saindo divertida e pegou um sorriso do irmão.

Parecia que estava imaginando coisas, pensou. Minseok estava ali, sorrindo do mesmo jeito de sempre.

— Quando chegarmos em casa, Kyungsoo. — foi até o seu carrinho com as malas e começou a empurrar em direção a saída.

— Arrá! Eu sabia! Aposto que você se divertiu muito com aqueles franceses. — soltou animado demais, se agitando em volta do irmão e sorrindo malicioso.

Minseok revirou os olhos e continuou andando ao passo que escutava as teorias do irmão sobre o porquê dele ter demorado tanto para voltar, enquanto tudo que o Kim pensava era em como seria de agora em diante pois de uma forma totalmente errada, já não se sentia mais parte de Kyungsoo. Odiava pensar nisso, mas era a grande verdade. Aqueles cinco anos fora o fizeram se tornar outra pessoa e essa outra pessoa tinha algo importante para fazer.


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