Sangue escrita por Salomé Abdala


Capítulo 79
Capítulo 78 – No mais tenha um bom dia




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Natasha acordou com os olhos inchados. Olhou-se no espelho e cogitou esconder tudo aquilo com maquiagem, mas deu de ombros e abandonou a ideia. Tinha coisas mais importantes na vida que disfarçar sua dor. Passou o batom de sempre, prendeu os cabelos e saiu.

Na porta do restaurante estava Artur, mãos nos bolsos, cabeça baixa. Ele esperava por ela. A menina sentiu seu coração palpitar, mas não esboçou qualquer reação:

–Oi Artur, tudo bem?

–Natasha, querida, precisamos conversar.

–Por que? Você tem algo a me dizer?

–Claro que tenho! Eu quero esclarecer tudo! Não podemos terminar assim.

–Claro que podemos. Nós já terminamos.

–Natasha, você não pdoe fazer isso! No mínimo me dê a chance de explicar!

–Explique.

–Olha, eu estou muito arrependido por tudo isso. Isso nunca aconteceu antes! Não vai acontecer de novo! Nossa, eu estava muito bêbado, as meninas se ofereceram pra me deixar em casa, acabaram subindo, quando eu me dei conta já estava acontecendo. Não foi nada planejado... tipo, aconteceu, foi muito idiota da minha parte deixar acontecer, mas eu não planejei aquilo, eu... eu...

–Tudo bem, Artur. Aconteceu. Nem você nem eu gostaríamos que tivesse acontecido. Está tudo ok. Agora tenho que ir trabalhar.

–Mas então? Como ficamos?

–Ficamos como já estávamos... separados. Eu não to com raiva de você nem nada. Mas pra mim já era. Morreu. Foi bom. Foi bem massa na real. Mas já não é mais.

–Mas você não pode me perdoar?

–Perdoar eu já perdoei. Só que agora virou outra coisa. Podemos até ser amigos um dia, mas votlar a ter o que tínhamos nunca mais. Quebrou, Artur. Não tem como consertar. Te cuida, viu?

–Natasha...

–Tchau.

Entrou com o coração em pedaços. Sua vontade era voltar correndo para os seus braços e fingir que nada havia acontecido, mas essa não era ela. Perderia completamente o respeito que sentia por si mesma se traísse seus próprios instintos dessa maneira. Por isso respirou fundo, engoliu a dor e seguiu em frente.

...

–Você está com a cara boa hoje. As coisas melhoraram com seu namorado?

Era estranho falar dessas coisas tão abertamente com Raique, mas, por outro lado, poder lhe falar desse modo tornava Raique a coisa mais próxima que Flavius tinha de um amigo. Claro que Michel, Natasha e Fip eram amigos. Mas Raique era diferente, ele era um amigo que Flavius havia conquistado sozinho, por seu próprio mérito. Era como um tesouro particular. Alguém com quem ele podia dividir momentos que só pertenciam aos dois. E pensar nisso fazia seus pés formigarem:

–Sim.

–Sabe, eu invejo você. Morar com alguém que você transa, deve ser demais! Não ter que procurar lugar pra fazer sexo, poder ficar a hora que quiser! Isso deve ser muito tesão.

–Ah, nem sei. A única pessoa que fiquei na vida foi com ele. E desde o começo era assim, então nem sei aproveitar isso, acho.

–Tu ta brincando que nunca ficou com outra pessoa!

–Ah, tipo, eu e ele já dividimos outro cara. E eu meio que já fiquei com esse cara sozinho, mas meio que não conta, acho.

–Vocês dividiram outro cara? Tipo os três ao mesmo tempo?

–Sim.

–E como foi?

–Ah, foi bom.

–Não, eu quero saber detalhes!

–Ah, outra hora eu te conto. Aqui não.

–Ah não! Conta vai! Quem era?

–O outro cara que mora com a gente.

–Nossa! Mas e não rola mais?

–Não.

–Por que?

–Ele meio que tá namorando.

–Aaah! Que droga. Deve ser muito massa!

–É um tanto confuso. Chega uma hora que você não sabe mais quem é quem.

–Ahahahahaa. É meu sonho.

–Se quiser posso conversar com o Fip. Talvez ele tope.

–Será? .... Mas não seria estranho? Tipo, eu e você?

As bochechas de Flavius ficaram vermelhas, na verdade não tinha chegado a pensar naquilo de verdade. Ofereceu meio que por educação, mas não tinha de fato considerado fazê-lo:

–Ah, um pouco. Não sei. Talvez no começo.

–Mas ele não ficaria com ciúmes? Você não ficaria com ciúmes?

–Acho que não. Não sei.

–Nossa, eu quero. Fala com ele!

–Vou falar.

–Quando tu acha que me dá uma resposta? Amanhã?

–Calma! Hehehe. Eu tenho que achar uma oportunidade pra falar de boa. Pra ele concordar.

–Mas você acha que ele vai querer?

–É mais provável que não. Sei lá...

–Imagina que louco! Eu e você na cama com outro cara!

–Nunca imaginei nós dois na cama.

–Sério? Eu já.

Flavius arregalou os olhos:

–Como assim?

–Ah, já ué. Normal.

–Mas o que você imaginou?

–Ah para! Eu não vou contar isso assim!

–Ué por que não? Conta, eu quero saber!

–Não! Fiquei com vergonha agora.

–Deixa disso. Agora tu vai me contar!

...

–Boa tarde.

–Você está atrasado.

–Eu sei. O ensaio acabou mais tarde.

–Custava ligar e avisar?

–Então é assim que vamos começar a nos dar bem? – disse Fip puxando a cadeira – Sinceramente pai? Você acha que isso pode dar certo?

–Somos pai e filho. Não temos mais ninguém no mundo. Uma hora vamos ter que aprender.

–Você não tem ninguém. Eu tenho muita gente em volta de mim.

–Um bando de aproveitadores. Espere seu dinheiro terminar e você vai ver quantos ficam.

–Ok, vamos começar de novo? Oi pai. Como vai você?

–Vai a merda, Francisco!

–E Fip.

–Pro caralho com esse Fip. Isso nem chega a ser nome de gente! Aqui você se chama Francisco!

–Aqui nesse restaurante?

–Aqui na minha frente! – disse dando um soco na mesa.

–Ok, pra mim deu. Eu já sei como isso tudo vai acabar. Valeu a tentativa, tchau.

–Senta a porra da sua bunda nessa cadeira e come!

Fip se sentou e encarou ao pai longamente:

–Ok... e agora? Faço o que?

–Abre o cardápio e escolhe alguma coisa.

Fipsoltou um suspiro e disse:

–O que sugere?

–Esse pato recheado é ótimo.

–Que seja.

– Dois patos recheados com vinho, por favor. – disse ao garçom.

–Olha só que elegante. Você usou “por favor”. Por que não tentamos ser assim um com o outro?

–Porque eu sou seu pai. É você quem me deve respeito, não o contrário.

–Essa lógica não tem funcionado até agora. Por que não tentar mudar?

–Esse é o problema de vocês. Vocês se acham muito importantes. Acham que podem mudar toda a sociedade e as bases nas quais elas foram construídas.

–Bem, tem uma coisa que eu não queria mudar. Não queria mudar o fato de não nos falarmos. Mas você me ligou dizendo que queria reconstruir sei lá o que. Então penso que você deveria fazer o mínimo esforço.

–Você também!

–Eu estou aqui. Isso já é bastante esforço pra mim.

–Se nós não estivéssemos em público eu te enfiava a mão na cara agora mesmo.

–Vamos corrigir isso ai? Se você não tivesse numa cadeira de rodas... porque né? Eu poderia te machucar bastante se quisesse.

–Eu sou seu pai, diabo! Você tem que me respeitar!

–Respeitar? Depois de tudo que você me fez? Depois de tudo que você fez pra minha mãe? Sinceramente pai... não!

–O que eu te fiz criatura? Eu sempre te dei tudo do bom e do melhor!

–Inclusive as surras, xingamentos e humilhações!

–Disso você precisava. Pra aprender a ser gente.

–E eu aprendi?

–Pelo jeito não.

–Então você fez errado. Desista, eu sou como eu sou. E o pior é que me sai muito parecido a você. Talvez por isso eu te irrite tanto!

–Eu não sou parecido com você!

–Você é tão teimoso, petulante, mal educado e grosso quanto eu. Admita, somos iguais.

O homem fitou ao infinito por alguns segundos colocou as mãos na cabeça e disse:

–Tudo bem, vamos começar isso de novo.

–Oi pai. Tudo bem?

–Pare com essas gracinhas.

–Pare de ser tão ranzinza.

–Não fale comigo como se estivesse falando com um dos seus amiguinhos eu sou...

–Meu pai, blá, blá, blá. Tá bom. Vou tentar evitar.

–Olha, eu já vi que isso não vai funcionar do jeito que eu imaginava. Então vou direto ao assunto. Eu tenho um amigo, ele é dono do principal jornal local. Ele tem contatos com pessoas importantes. Pessoas da imprensa que podem te colocar na tv. Coisa de nível nacional. Eu conversei com ele. Ele está disposto a tentar produzir um especial de dança seu pra tv. É isso. Você é bom nessa porcaria ai. Se é isso que você quer fazer é melhor fazer pra valer. Pra ganhar dinheiro de verdade. O que você herdou do pervertido do seu tio não vai durar pra sempre.

–Você fez isso por mim?

–Deixa de besteira. Eu não fiz nada. Só conversei com ele. Ele foi lá te assistiu e gostou. Não fiz nada além disso.

–Tá, mas quem disse que eu quero fazer tv?

–Larga de ser burro menino! Isso vai te ajudar pra caramba!

–Mas tv não desenvolve um trabalho realmente artístico!

–Pro diabo com isso! Com a tv você fica conhecido e consegue grana pra fazer toda porra artística que quiser! Sendo conhecido na tv você leva publico pro teatro! Será que é difícil entender isso?

–Mas eu tenho meu próprio dinheiro. Que meu tio deixou pra mim. Não preciso disso.

–Não me fale daquele cachorro pervertido do seu tio! Esse dinheiro que ele te deu é sujo! É doente! Você precisa construir algo que é seu!

–O que torna o dinheiro dele mais sujo que o seu? O jeito que ele morreu?

–Você sabe muito bem do que eu estou falando! Do que você fez pra conseguir aquele dinheiro!

–O que eu fiz? Cuidei de um homem doente quando todo o resto da família virou as costas pra ele?

–Você sabe muito bem o que você fez!

–O que você está querendo insinuar? Que eu trepei com meu tio? É isso? Você acha mesmo que eu sou doente a esse ponto?

–Vocês são todos doentes. Não respeitam nada.

–Escute aqui! Olhe bem nos meus olhos porque eu só vou dizer isso uma vez, depois disso eu espero NUNCA mais tocar nesse assunto novamente: Eu NUNCA transei com meu tio! NUNCA! Ele nunca encostou um dedo em mim! Nunca! Entendeu bem isso? O que eu fiz foi cuidar dele! Quando todos vocês fingiram que ele já estava morto! Eu tratei ele como ser humano enquanto vocês estavam mais preocupados em espalhar por aí que o que ele tinha era câncer e não Aids. Não me venha falar que nós somos doentes! Ele era seu irmão. Vocês cresceram juntos! E você o deixou morrer sozinho. À mingua! Nem um telefonema você foi capaz de dar. Nem um. Ele perguntava por você todos os dias. Por você e por todos os outros patifes da família. Mas ninguém além de mim ficou do seu lado. Vocês só se dignificaram a se lembrar que eram a família dela quando ele morreu. Pra dividir a herança. Ai todo mundo era irmão. Mas na hora de ficar lá, ajudando, cuidando, apoiando, vocês eram completos estranhos! Não me venha falar em doença, respeito, família. Porque você só acredita nesses valores quando eles te convém. E pro seu governo. Meu tio, seu irmão, não pegou essa doença transando com outro homem. Ele era hetero, como você. A diferença é que ele era um pouco menos ridículo. Ele enxergou, no fim da vida, o que era o desprezo. E assumiu uma homossexualidade que não era dele pra tentar fazer vocês me aceitarem. Essa é a verdade. – O garçom chegou com os pratos – Você pode embrulhar o meu prato pra levar, por favor? Eu decidi que vou comer em casa.

–Po... por que você está me dizendo isso agora?

–Porque antes não conversávamos.

–Você está mentindo.

–Se acreditar nisso torna sua hipocrisia mais confortável vá em frente. Acredite. Mas você me criou. Você sabe que eu não minto. – disse se levantando quando o garçom chegou com seu embrulho – Quanto a sua proposta, se é que posso chamar assim, eu fico agradecido... agradecido de verdade. Foi muito legal da sua parte. No mais tenha um bom dia.

...


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