Sangue escrita por Salomé Abdala


Capítulo 77
Capítulo 76 – Duas Conversas




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–Boa noite cinderela.

–Caralho, que horas são?

–Sei lá, quase dez.

–Puta merda.

–Então. – Fip disse se sentando na cama – Todos nós já sabemos o que aconteceu. O que te poupa de nos contar, o que, pelo que eu te conheço, seria a parte mais dolorida.

–Verdade.

–Então... eu sei que você não gosta muito de falar sobre essas coisas, então não vou perguntar nada a respeito. Só quero dizer que se você precisar de alguma coisa pode contar comigo.

–Obrigada, Chico... Sabe, eu não nenhuma espécie de dondoca indefesa que vai morrer por ficar sem seu homem. Na verdade eu nunca dei a mínima pra essa merda toda. Mas é que sei lá. Eu e o Artur.... éramos legais juntos, entende? Tava muito massa. Mas sei lá. Acho que agora não está mais legal.

–Ah Natasha, você sabe o que eu penso disso... Sei lá... eu não posso falar muita coisa, né?

–Não... definitivamente não pode.

–É que eu não acho que amor e sexo estão diretamente ligados. A gente ama poucas pessoas na vida, mas isso não significa que não possamos fazer sexo com outras. Sei lá, uma coisa não anula a outra.

–Eu sei que não. Mas é diferente. Porque tipo, não era uma coisa que estava no contrato. Se tivéssemos combinado isso eu não ligaria. Não é pelas garotas, pelo sexo, sei lá. É pela confiança que foi quebrada entende? É como se de repente eu descobrisse que o Artur não é o tipo de cara que eu pensava. Eu achava que ele não era esse tipo de moleque pegador metido a garanhão que pega as meninas mais pra aparecer pros amigos que por vontade própria. Porque eu tenho certeza que foi isso que aconteceu! Sei lá. É frustrante.

–Mas como você pode ter tanta certeza de que foi isso? As vezes foi um tesão do momento, não?

–Mesmo que seja. Nós tínhamos um compromisso. Sei lá, me faz pensar em quantas vezes isso já não pode ter acontecido antes. Ou quantas vezes poderá acontecer daqui pra frente... Ah, sei lá! Eu não quero pensar nisso. Eu vivi toda minha vida sem esse cara, posso viver sem ele daqui pra frente também.

–Mas é isso? Está decidida a dar mesmo um fim?

–Chico, eu não sou o Flavius. Eu juro se você fosse meu namorado eu já tinha te capado há muito tempo!

–Ahahahaha! Ainda bem que você não é!

–Ainda bem mesmo! Porque se fosse eu odiaria você! É sério!

–Ei! Quando foi que isso virou uma conversa sobre mim? Estávamos falando do Artur.

–Que é tão desgraçado quanto você. E você sabe disso, Chico, no que diz respeito a amor, você é uma pessoa totalmente desprezível! Sério, eu sou sua amiga, eu gosto muito de você, mas você tem que parar de ser pau no cu desse jeito! Sério, cara, estar do outro lado é muito ruim!

–Calma, Natasha. Não vai acontecer de novo.

–É bom mesmo que não. Porque se acontecer eu juro que vou quebrar sua cara! O Flavius não merece passar por isso não!

–Tá bom... tá bom... Mas eu quero saber de você... como você tá?

–Eu vou ficar bem. Vai levar um tempo, mas eu vou ficar.

–Bem, se precisar de mim no processo, pra qualquer coisa, pode falar.

–Posso mesmo?

–Claro que pode!

–Então deixa eu esmurrar seu braço. – disse dando um soco.

–EI! NÃO! ISSO DÓI!

–Foda-se. – disse dando outro soco – Preciso descontar minha raiva.

–NATASHA!

–Filho de uma égua, desgraçado! Cachorro! Cretino! – disse esmurrando o amigo – Desculpe, não é você que estou xingando, é o seu Artur interior.

–Artur interior? Que palhaçada é essa?

–Pau no cu! Cafageste! Calhorda!

–PARA DE ME BATER! – disse rindo.

–Nem fudendo!

...

–Bem... então... entre. – disse Manuel fazendo um gesto para que o menino entrasse.

Flavius entrou tentando controlar o tremor nas pernas. Sentou-se no sofá... o mesmo onde dormiu nos dias em que quis se afastar de casa... e disse olhando para o chão:

–Foi estranho, sabe... saber que era você.

Manuel se sentou de frente para Flavius e esperou que ele terminasse o que tinha pra dizer:

–Sei la... quando eu fiquei de fossa com isso tudo foi você quem me ajudou. Você me acolheu aqui! Me deu conselhos! Eu pensava que... que éramos amigos!

–E o que você pensa agora?

–Que você me fez de idiota!

–E você quer ouvir minha versão dos fatos ou quer só despejar sua frustração?

–Viu? Você está fazendo de novo.

–Fazendo o que?

–Me fazendo de idiota! Agindo como se eu estivesse fazendo uma cena ou um papel muito ridículo!

–Não... você não esta. Desculpe, é o meu jeito. Mas não pense isso. Seus sentimentos não são ridículos, você precisa falar sobre eles... fale!

–Não faça isso parecer uma seção de terapia, por favor!

–Ok, desculpe. Continue.

–Você ainda está fazendo!

–Flavius, acalme-se! O que você quer que eu faça? Esse é o meu jeito de agir com as pessoas, não posso mudar para agradar você!

–Mas é que você está me fazendo parecer ridículo!

–Bem! Nesse exato momento você está sendo ridículo! E tudo bem! As pessoas eventualmente se comportam de maneira ridícula, não há nada de errado nisso! Lide com isso!

–Desculpe.

–Não peça desculpas.

–Não me diga o que eu devo ou não fazer!

Manuel soltou uma risada:

–Então? Vamos ficar nisso? Nessa briguinha de jardim de infância?

–Ehehe... espero que não.

–Quer chá?

–Acho que vou aceitar.

–Bem. – disse se levantando – se quiser pode ir falando, posso te ouvir da cozinha.

–De repente isso ficou mais informal do que eu tinha imaginado.

–E não é melhor assim?

–Talvez.... mas fica mais difícil despejar minha raiva em você.

–Ahahaha, talvez esse seja meu truque. Mas bem, continue o que estava dizendo.

–Ah, eu não sei mais continuar. É que...Você é um cara massa, entende? Não e alguém que eu possa desprezar. E eu estou... me sentindo traído... Eu pensei que realmente fossemos amigos...

–E por que não seriamos? Eu realmente gosto de você.

–Mas você estava pegando meu namorado!

–Como se eu fosse o único.... mas bem... imagino que essa não seja a melhor coisa a se dizer. Bem... olha, Flavius. – disse se voltando para a sala – Eu não quis fazer você de idiota. Quando eu te recebi e te acolhi na minha casa eu pensei que era o mínimo que podia fazer por você, já que eu tinha causado tudo aquilo. Agora se tu quer saber se eu me sinto culpado pelo que fiz eu vou ser obrigado a dizer que não. Sabe por que? Uma porque foi ótimo e outra porque se não fosse eu seria qualquer outro. Eu aceitar ou não ficar com o Fip não o impediria de te trair. Ainda mais naquele momento em que ninguém sabia que vocês estavam juntos ou não. Veja bem, quando eu e ele começamos a ficar você estava em Alvinópolis, e quando você voltou nós cogitamos não ficar mais. Só que já tinha um lance entre a gente que não queríamos abrir mão. Então fomos adiando essa decisão até ela ser inevitável... Mas em nenhum momento pensávamos em você como um garoto idiota que estávamos enganando. Pensavamos em nós como dois idiotas que estavam magoando um cara muito legal.

–É... isso deveria soar animador ou reconfortante... mas sei lá... não soa.

–Eu entendo que não soe. Dizer isso também não me faz me sentir melhor.

–E você chega a se sentir mal com tudo isso?

–É claro que sim! Eu me sinto envergonhado. É embaraçoso. Todos nós lutamos para acreditar que somos boas pessoas, íntegros, justos. Mas nessas horas nos deparamos com a realidade de que no fundo somos um bando de cuzões.

–É... acho que somos.

–Você mesmo, nunca mentiu, enganou ou traiu o Fip?

–Bem, já fiz coisas das quais me arrependo, se é o que quer saber.

–Pois, ter ficado com o Fip esse tempo todo é uma coisa da qual me arrependo. Mas não sei se teria feito diferente se pudesse voltar no tempo. Você quer chá de que?

–Qual chá você tem?

–Maçã, camomila, chá verde, cidreira.

–Cidreira.

–Ok. Muito ou pouco açúcar?

–Médio.

–Bem, como eu estava falando. Isso tudo não foi como se estivéssemos planejado: “hehe vamos fazer o Flavius de idiota... aquele bobão”. Nada disso girou em torno de você. Foi uma coisa minha e do Fip... uma coisa que precisamos viver. E você, porventura, estava lá....

–No meio do caminho.

–Não exatamente.

–Mas me diz... você acha que... se não tivesse eu. Você e o Fip chegariam a namorar?

–Sob hipótese alguma!

–Nossa, que incisivo.

–Ahahaha. Veja bem. O que rolou entre eu e o Fip foi muito legal. Foi bom no seu tempo. Mas nossos gênios são imcompatíveis para um relacionamento.

–Entendo... era mais sexo mesmo.

–Também. Era mais o momento em que estávamos vivendo. Tinha uma efervescência ali. Estavamos ambos muito envolvidos com a dança, com a companhia, com aquele espetáculo. Havia uma sintonia, entende? Um universo que só a gente compartilhava.

–Um universo que eu estava de fora.

–É... você e o resto do mundo. Não leve a vida como se tudo girasse exclusivamente em torno de você. – disse entregando-lhe o chá – Isso vai te fazer muito mal.

–Mas é que... sei la... É difícil não achar que tudo gira em torno de você quando se está conversando com o amante do seu namorado sobre o caso que os dois tiveram.

–É... pode ser. – disse se sentando – Mas sei lá. Seu namorado é uma pessoa tão complexa quanto você. E ele também tem anseios, carências, desejos e vontades que estão além do seu alcance. Como você também tem, entende? Ou se não tem deveria aprender a ter.

–É... eu entendo. Mas entender com a cabeça é uma coisa, com o sentimento é outra.

–Eu sei, o sentimento é mais lento pra digerir as informações.

–É... mas posso saber mais uma coisa?

–Acho que sim.

–E comigo? Você ficaria?

–... Err... Flavius... você não acha que essa história toda já está complicada demais?

–Não! Não é uma proposta. É uma pergunta hipotética. Eu sou uma pessoa interessante?

–Sim, você é. Eu já me peguei interessado por você muitas vezes. Mas toda a situação me impediu de tomar qualquer iniciativa.

–Mas não te impediu de viver o que viveu com o Fip.

–Flavius, não torne as coisas mais difíceis. Estavamos nos acertando.

–Mas por que é diferente?

–Porque eu conheço o Fip há muitos anos. Porque eu o vejo todos os dias. Porque somos amigos, dividimos a mesma profissão, os mesmos sonhos, o mesmo palco.

–É... faz sentido.... Ah... eu me sinto tão mesquinho conversando essas coisas. Sei lá. No fundo eu me sinto mesmo é frustrado por não ter meus próprios amigos.

–Calma. Você acabou de chegar de Alvinópolis. Com o tempo terá suas próprias amizades.

–Será?

–Tenho certeza disso.

–Eu estou sendo muito ridículo?

–Estará se falar nisso de ser ridículo mais uma vez.

–Ok, parei.

–Agora tome seu chá.


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Notas finais do capítulo

Eu sei o que vocês estão se perguntando: "Hazuuk e esse combo mortal de capítulos? Como assim??"... Poisé. Eu tenho me sentido muito culpado em relação a essa fic. Ela tem sido negligenciada por mim de uma maneira imperdoável. Passo meses e meses sem atualizar e não dou a menor satisfação. A verdade é que fico a escrevendo lentamente para que ela não acabe. Mas vamos encarar os fatos? Faz mais de dez anos que estou escrevendo essa história, está na hora de completá-la. Tenho outros projetos literarios para começar e não posso ficar para sempre empacado nesse. Por isso estou me dedicando exclusivamente à essa história até terminá-la. E sim.... faltam poucos capítulos.
Eu poderia guardar o que tenho escrito e ir postando um capítulo a cada semana, mas encarem esse combo como um pedido de desculpas pelo tempo em que estou enrolando.



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