Sangue escrita por Salomé Abdala


Capítulo 76
Capítulo 74 – o dia seguinte.




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Acordei no dia seguinte e a imagem daquelas duas garotas deitadas na cama de Artur foi a primeira coisa que me veio à mente. Tentei transferir a raiva que sentia para elas, mas não pude. Era ele meu namorado, era ele quem tinha qualquer compromisso comigo, não elas. Não era justo despejar sobre elas a minha raiva e perdoá-lo. Tinha de encarar os fatos: ele era um grande bosta.

Me virei para o lado, estava na cama de um rapaz ruivo. Parecia bonito, mas eu não tinha ideia de quem ele era ou de onde eu estava. Minha cabeça doía. Levantei e fui andando pelo quarto procurando minhas roupas. Olhei no meu celular, tinha um monte de chamadas não atendidas do Artur, dos meninos e do pessoal do trabalho. J´á eram três da tarde? De verdade? Merda! Faltei no trabalho e nem avisei ninguém! Logo agora que estava indo tão bem! Vou ter que inventar uma desculpa muito convincente! Logo no sábado que é um dos dias mais movimentados! Passei a mão no rosto, estava me sentindo um lixo.

O rapaz deitado na cama começou a se mexer. Ele abriu os olhos lentamente e disse:

–Olá... já acordada?

–São três da tarde!

–Tudo isso! – ele se sentou apressadamente – Droga! Tinha que estar no trabalho às onze!

–Você também? Bem vindo ao grupo.

Ele riu:

–Vou ter que inventar uma boa desculpa.

–É... eu também... Trabalha em que?

–Sou escrivão... sabe... na polícia. E você?

–Nossa... tá ai uma profissão que não se vê todos os dias... Eu sou chef de cozinha. No restaurante Mits.

–No Mits? Jura? Eu como lá quase todos os dias.

–Então sabe que a comida é uma bosta.

–Ahahaha. Não seja injusta com seu trabalho. Pelo menos você faz o que gosta. Eu simplesmente passei num concurso e estacionei.

–Mas você não gosta?

–Você sabe. Dartilografar crimes e depoimentos não é exatamente o sonho de ninguém.

–Bem... acho que seria o meu. Ouvir problemas cabulosos dos outros deve fazer nossa vida parecer bem descomplicada.

–É... olhando por esse lado você tem razão.

–Viu só? Sempre tem um lado bom.

–Desculpe, mas... eu realmente não me lembro seu nome.

–Ahahahaha, temos isso em comum. Meu nome é Natasha e o seu?

–Diego.

–Prazer.

–Ahahaha, é uma situação engraçada, não acha?

–Por que? Não faz isso com frequência?

–Transar com semi desconhecidas? Não!

–Deve ser o único homem que conheço que não faz isso.

–Ah, pare com isso. Nem todos os homens são iguais.

–Acredite, hoje não é um bom dia para falarmos sobre isso.

–Por que não? Alguém partiu seu coração?

–Não fale isso com esse tom de deboche. Acabei de terminar um namoro. Não um namoro qualquer.... um daqueles legais, sabe? – senti que as lagrimas me vieram aos olhos, mas não ia passar um desses vexames agora.

–Ah sim... entendo. – Ele disse num ar meio decepcionado.

–Entende o que?

–Eu fui um sexo de vingança.... bem, valeu.

–Claro que não!.... Err... Bem... talvez. Mas que seja, provavelmente nunca mais nos veremos. E você deve ter se divertido.

–Se eu me lembrasse de alguma coisa, talvez pudesse usar isso como consolo.

–É, também não me lembro de muita coisa.

–Talvez pudéssemos... sei lá... tentar repetir agora que estamos em condições de nos lembrar.

–Querido, desculpe. Mas agora não estou em condições que querer me lembrar de homem algum.

–Tudo bem... eu só precisava tentar.

–Para garantir sua posição de macho?

–Um pouco disso.

–Guarde isso para os seus amigos. Afinal é para eles que vocês se comportam desse jeito tão idiota.

–Eeei! Não fui eu quem quebrou seu coração. Guarde duas criticas para o rapaz que as merece.

–Não fale em quebrar coração como se eu fosse uma princesa da Disney. Agora se me da licença, eu preciso ir pra casa.

–Desculpe, não quis te ofender.

–Não ofendeu.... olha.... você pode até ser um cara legal e tudo mais. Mas hoje não é o dia, ok? Se eu continuar aqui vou acabar despejando toda minha merda em você.

–Tudo bem. Acho que posso entender isso. Não quer pelo menos comer alguma coisa antes de sair?

–Pelo amor de deus, sim!

...

(Desculpe você ter que sair daquele jeito. Mas é que ficamos realmente preocupados com a Natasha e tivemos que sair para procura-la. Mas foi uma noite maravilhosa. =p)

Enviei a mensagem com um formigamento nos dedos. Natasha estava deitada no sofá dormindo. Havia chego há cerca de uma hora. Parecia um pouco anestesiada e não queria falar no assunto. Fip estava falando com Artur no telefone. Explicava para ele que já a havíamos encontrado, que estava tudo bem, mas que ele não a procurasse por enquanto. Pelo menos não até que ela se mostrasse disposta a falar com ele.

Eu, recuperado do susto, agora podia voltar a pensar na noite anterior. André. Estaria eu me apaixonando? Tão rapidamente? O fato é que ele não levou mais de meia hora para chegar. Estava com maquiagem em um dos olhos, a parte comprida do cabelo amarrada para cima e vestia umas roupas meio rasgadas. Tinha um brinco de mulher em uma das orelhas e trazia, em uma garrafa pet, uma espécie de chá medicinal indiano que sua tia havia feito. Cheirava a mato molhado, mas ele garantia que o gosto era bom.

Tinha feito uma tatuagem na mão direita. Um desenho super realista de um olho:

–Não vai interferir nos seus papéis no teatro? – perguntei.

–Que se foda. Não quero fazer teatro convencional mesmo!

Admirava-me aquela espécie de paixão inconsequente. Gostaria de crer que o mundo podia ser assim.

Ele seguia falando sobre algum livro de astrologia que estava lendo. Explicou-me algo que não absorvi sobre a influência de saturno nas pessoas com a Lua em virgem. Nada que eu tivesse o interesse de entender. Mas ele o dizia com uam paixão tão voraz que não ousava interrompe-lo. Era fascinante vê-lo falar pelo simples fato de ouvi-lo. Não era preciso entender ou prestar atenção no que ele dizia.

Conversamos por toda noite praticamente sem interrupções. Já tinha abandonado completamente a ideia de que pudesse rolar qualquer investida sexual quando, no meio de um daqueles silêncios entre os assuntos, ele me beijou sem nenhum aviso.

Transamos loucamente umas duas ou três vezes. Até que meu telefone tocou. Ignorei a principio, mas, como a pessoa do outro lado insistia, tive de atender. Era Artur perguntando por Natasha. Explicou por alto o que havia acontecido e perguntou se ela tinha chegado bem. Quando nos demos conta de que ela não havia chego iniciamos uma busca.

Isso, claro, obrigou André a partir imediatamente. E não tivemos uma despedida apropriada. Não pensei em nada que não fosse encontrar Natasha até que, por volta das quatro da tarde ela retornou minha ligação. Disse que estava bem e logo voltaria para casa. Voltamos então, todo nós, e tentamos organizar um ambiente receptivo para que ela se sentisse acolhida. Ela chegou, tomou um pouco do milagroso chá do André. Disse que aquilo estava uma bosta. Resmungou algo sobre não querer falar sobre o Artur, encostou-se no sofá e dormiu.

(Tudo bem chuchu ;p. E sua amiga? Está bem?)

(Sim, ela está. E você?)

(Estou tentando praticar um novo tipo de meditação. Se eu não responder nas próximas horas é por isso. Bj. Se cuida.=**)

Sorri. Me peguei imaginando a cena. André sentado de pernas cruzadas entoando algum mantra antigo enquanto tentava esvaziar sua mente borbulhante. Devia fazer alguma cena interessante... Fip se aproximou e disse com um sorriso estampado na cara:

–E então? Vai me contar o que aconteceu ontem?

...

Os meninos conversavam algo sobre a noite anterior quando Flavius passou por eles e disse:

–Queridos, vou dar uma volta pelo parque, volto agorinha. Alguém quer alguma coisa da rua?

–Não, meu bem. – respondeu Fip – Você quer algo Michel?

–Não.

–Ok, já vou.

E saiu. Tinha ouvido algo sobre Michel estar gostando de um rapaz e tentava fazer uma reflexão sobre como seu coração encarava aquilo. Sentia um formigamento estranho, mas não chegava a ser dor. Era uma espécie de ciúme, sentia que não queria saber muito a respeito desse tal rapaz. Mas não era um ciúme igual ao que sentia pelo Fip. Era uma outra espécie de sentimento. Era como se tivesse medo de encarar que tipo de rapaz era capaz de fazer os olhos de Michel brilharem.

E se fosse alguém muito mais bonito que ele? Algum menino do tipo que ele nunca seria igual? Sentiria-se diminuído? Humilhado? E se fosse um completo idiota? Seu sentimento e admiração por Michel diminuíram? Ou o pior... se fosse alguém, em algum nível, comparável a ele? Sentiria que poderia ter tido uma chance?... E se fosse alguém por quem ele próprio se interessaria?

Sacudiu a cabeça tentando afastar o pensamento. Michel era seu amigo e merecia encontrar seu próprio parceiro. Ouviu seu telefone tocar e atendeu sem olhar quem estava telefonando:

–Oi.

–Oi Flavius, como está?

–Estou bem... Quem está falando?

–É o Raique, caralho! Não ta reconhecendo minha voz?

–Pelo telefone fica diferente. Como você tá?

–Aconteceu uma coisa que preciso contar pra alguém!

–O que foi?

–Eu peguei meu vizinho hoje a tarde.

Flavius interrompeu sua caminhada:

–Como assim? Eu não sabia que você gostava de meninos.

–É claro que sim né? Como assim não sabia?

–Sei lá. Eu acho que nem tinha chegado a pensar a respeito. Mas enfim. –Sentiu como se de repente começasse a se interessar pelo garoto – Como foi?

–Ah... foi bem ruim na real. Ele era meio tímido e sei lá, não parecia a vontade. Disse que foi o primeiro menino que ele ficou. Mas sei lá, ele é bem bonitinho.

–Sei. Mas e como rolou?

...

O apartamento parecia absurdamente pequeno comparado a casa em Alvinópolis. Flavius observava as paredes pintadas e cobertas de desenhos e refletia sobre como tudo ali parecia tão diferente de quando moravam ali. Deixou as mala sno chão e correu para a varanda, precisava abrir os vidros, ali dentro estava muito abafado.

Pensava em talvez se mudar para a cobertura no futuro... mas ainda era cedo demais para voltar àquele lugar... Cedo demais. Michel o abraçou pela cintura e disse:

–Já se sente em casa?

–Essa foi minha casa por muito tempo. É rápido me acostumar.

–Essa é sua casa agora. – Beijou seu pescoço.

–Sabe Michel. Eu vou ter que voltar para Argentina. Eu preciso terminar as coisas adequadamente. Não posso acabar com meu casamento assim... por telefone.

–Eu sei... mas não vamos falar sobre isso agora, ok? Não quero estragar esse momento.

–Você tem medo, não é? Medo que ao chegar lá eu perca a coragem e acabe não voltando.

–Não é bem medo... é praticamente uma certeza de que isso vai acontecer. Não sei... chegando lá você vai encarar tudo que está abrindo mão e se esquecerá rapidamente de nós.

–Eu sei. Por isso eu estive pensando... por que vocês não vão comigo? Isso diminuirá os riscos.

–É uma viagem cara, Flavius. Não sei se terei dinheiro. Além do mais tenho o trabalho e tudo mais.

–Temos dinheiro agora. Podemos nos dar ao luxo.

–Não sei. Eu preciso pensar.

–Pense com carinho. Você ia adorar conhecer Buenos Aires.

–Vou pensar. Vamos falar com a Natasha e ver o que ela acha.

...

Manuel estava estirado na cama quando a campainha tocou. Levantou-se devagar e caminhou até a porta:

–Hey Flavius! Boa tarde! A que devo a honra?

–Eu já sei de tudo... acho que precisamos conversar.


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