Sangue escrita por Salomé Abdala


Capítulo 69
Capítulo 67 – Arrependimento e luto.




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–Flavius vai ficar a vida toda pendurado naquele telefone?

–Está com ciúme, Michel? – retrucou Natasha antes de levar o pedaço de pizza à boca.

O menino se limitou a cruzar os braços e fechar a expressão. Pierre disse:

–Ele está a falar com o marido, não é?

–É. – disse Michel rispidamente.

Rebeca olhou na direção do jardim, onde Flavius estava, e ,por alguma razão, desconfiava daquilo tudo. Ela tinha uma espécie de faro para essas coisas. Sabia quando algo lhe estava a ser escondido:

–Bem. – ela disse- Sabe o que estou pensando? Que talvez fosse bom se nós voltássemos para a capital. Acho que já recolhemos o que precisávamos daqui. Que acham?

Natasha passou a mão pelo sofá:

–Penso que gostaria de ficar um pouco mais. Não sei se chegarei a ver essa casa novamente.

–Como não sabe? Ela não é de vocês agora?

–É do Flavius. Penso que ele deixará que a tia more aqui.

–É justo. – disse Michel.

–Mas não gostaria que essa casa deixasse de ser nossa.

–Tudo tem um fim.

...

–É claro que não contei para eles. – mentiu – Nosso segredo está guardado.

–Você mente muito mal Flavinho. Diga-me a verdade. Eles sabem ou não que estou vivo?

–Não! – insistiu – Pensa que eu seria imprudente a ponto de coloca-lo em risco? Não admito que faça esse juízo de mim!

–Tudo bem! Não precisa ficar assim! Se você está dizendo acredito em você.

–Não é o que parece!

–Está bem, meu amor. Vamos deixar isso de lado. Diga-me, quando volta? Saiu daqui falando que não se ausentaria por mais de uma semana e já faz mais de mês que não te vejo. É a terceira vez que muda a data da passagem!

–... Eu ainda não sei. Temos muito que fazer ainda.

–Muito que fazer? Flavius, não me diga que está mesmo levando a sério essa história de entrevista? Você não precisa se expor dessa maneira. Já disse muita coisa, já cuidou da sua parte na herança,( A herança. Penso que, no fundo, é só isso que te interessa!) agora chega disso e volte pra casa... estamos com saudades.

–Também estou com saudades. - (Mas não de ti... de mim) – Mas tenho coisas a resolver aqui.

–Que tipo de coisa, meu bem?

“Não sou seu bem.”

–Coisas minhas! Coisas minhas! Estou entre meus amigos! Há anos que não os vejo! Acabo de perder Fip! Preciso de um tempo para organizar as coisas!

–Perder o Fip? Do que está falando? Você e o Francis já não tinham nada faz tempo! Por que está revivendo essas coisas Flavinho? Isso não te faz bem!

–Eu sei o que me faz bem! Deixe-me em paz! Eu vou voltar para casa – “se voltar” – quando tiver terminado tudo por aqui e pronto!

–... entendi... eu entendi... bem, não vou te importunar mais. Faça o que bem entender. Mas saiba que eu não concordo! Nunca concordarei! Mas bem, quando você estiver em casa conversamos melhor sobre isso! Tchau.

Desligou. Flavius arremessou o celular contra a parede num ímpeto de fúria e se sentou no chão:

–Chato desgraçado! Como eu aguentei passar tanto tempo do seu lado?!

Tentou chorar mas as lágrimas não vieram. Por fim desistiu. Estava cansado de se sentir impotente, talvez fosse finalmente hora de tomar as rédeas de sua vida. Estava decidido: não ia voltar! Levantou-se e caminhou até a sala onde estavam Rebeca, Pierre, Natasha e Michel. Ficou a observar seu rapaz, a sorrir e contar anedotas, ele e Natasha pareciam tão plenos um ao lado do outro que faziam Rebeca e Pierre parecer invisíveis. Será que ele, a sua maneira, junto aos dois parecia invisível também ? A que lugar pertenceria seu mundo ? A quem ele pertenceria de verdade agora que Fip estava morto?

De súbito uma lacuna se formou em seu peito. Teria sido ele um completo idiota em ter abandonado seu Fip? Seu pequeno lugar ao Sol? Com as mãos trêmulas se permitiu o arrependimento. Tinha sido orgulhoso, estúpido, imprudente. Deixara para trás a luz de seus dias e agora que alternativa teria a não ser se juntar a seu amado? Observou seus amigos, seus grandes amigos, com uma sensação deliberada de despedida e se deixou prostrar em alguma cadeira da cozinha. Estava decidido, morreria junto a Fip. Talvez essa fosse sua única solução... e por que o medo? Sempre sentiu, no fundo do seu ser, que seu destino seria esse. A pergunta que lhe rondava o peito era: como? Como o faria? Retalharia a própria garganta? Explodiria os miolos? Beberia veneno? Nada disso parecia lhe convir. Morrer exigia uma força que ele não tinha. Quem dera fosse simples como se deitar e jamais levantar. .. ser consumido pela dor até virar pó.

Fip... seu pequeno Fip. Com todas as brigas, ódios e traições, era seu único remédio no mundo. Que estúpido havia sido em abandoná-lo... que estúpido orgulho! E agora? Agora só lhe restava a morte, percebeu que não tinha forças para recomeçar.

Natasha entrou silenciosamente e se sentou ao seu lado:

–Meu lindo, o que aconteceu?

–Eu sinto falta dele Natasha... sinto falta dele...

A amiga o abraçou com uma força delicada:

–Eu também, meu querido. Eu também.

...

Michel observava a cena de longe e se perguntava se devia ou não intervir. Rebeca e Pierre se entreolharam e decidiram subir até seus quartos deixando o rapaz sozinho com sua indecisão. Não sabia em que pé estava sua relação com Flavius. No começo tudo pareceu de uma simplicidade esplêndida, mas, de súbito um peso colossal recaiu sobre os dois. Como continuariam a viver com o fantasma de Fip a lhes pairar a memória? Sentia, em parte, como se tivesse a trair o amigo. Por outro lado sentia que estava a trair Flavius, obrigando-o a abandonar toda a fuga e isolamento em que ele viveu confortavelmente nos últimos anos.

Mas o que seria mais justo? Deixá-lo a sós com sua dor ou permitir que superassem juntos ao luto? Por fim decidiu entrar, afinal ele sentia falta de Fip tanto quanto os dois. Natasha abriu os braços para inclui-lo no abraço e ali permaneceram os três, juntos como uma ninhada de gatos a esperar que a dor passasse.


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