Sangue escrita por Salomé Abdala


Capítulo 65
Capítulo 63 – À Capital




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Segue aqui um desabafo que escrevi na época e julgo importante para o diário. Beijos, espero que gostem:

Flavius chega hoje, faz semanas que não nos vemos. Cada dia arrastado como uma melodia ruim. Encontrei-me com meu pai por acaso na rua, ele quase sorriu para mim. Está feliz com o fim que Felipe levou e provavelmente acredita que eu o tenha matado... Melhor assim. Nesse caso é melhor assim... Michel parece quase convencido de minha inocência, mas há instantes em que capto a interrogação em seu olhar. Vejo-o medindo meus atos, minhas palavras, meus sorrisos, como se buscasse neles algo que delatasse um assassino. É uma sensação dúbia a que sinto diante disso. Ver-me (diante de seus olhos) como uma pessoa fria e perigosa causa-me (ao mesmo tempo) profunda indignação e certo comichão entre as pernas que me dá vontade de foder.

Mas, apesar de minha constante vontade, Michel se recusou a se deitar comigo de novo. Evidentemente por causa de sua amizade com Flavius e o respeito que ele pensa que deve ao menino. Não o julgo, em verdade sinto-me lisonjeado por compartilhar amizade com alguém assim... quisera eu ser um pouco menos egoísta e me importar mais com essas pequenas(?) coisas... Mentira. Na verdade meu lisonjeio se deve única e exclusivamente ao fato de saber que se Michel se recusa a se deitar comigo por respeito ao Flavius ele também se recusará a se deitar com ele por respeito a mim. E isso torna as coisas mais fáceis quando penso que vamos viver todos juntos. Afinal Natasha mal tem parado em casa e os dois ficariam muito tempo sozinhos.

A ausência de Natasha também tem me irritado. Talvez porque eu sinta certa inveja de imaginá-la transando com aquele namorado tão bonito que ela arrumou... talvez porque eu esteja realmente sentindo falta de ter minha amiga por perto. Acho que um pouco das duas coisas. Mas o lance é que o Artur não se enturmou muito bem com a gente... não que ele seja antipático, mas simpááááááático ele também não é. O típico garoto que é tão ‘na dele’ que chega a irritar. Não há, com ele, um único assunto que vingue que dure mais que duas frases curtas e um silêncio entediante. Tentar conversar com ele é... devastador.

Natasha por sua vez tem ficado um tanto diferente. Um tanto distante, aparece com umas piadas novas que eu mal entendo... coisas dos dois... Fala muito do seu trabalho, que vai ser promovida, que fez um curso de sei lá o que... que ela e o Artur tem planos de abrir o próprio restaurante... balela! O que ela sente por ele é ilusório! Está na cara! Só não vê quem não quer! O namoro dos dois é amor de pica, tem prazo de validade curto, pra que se iludir fazendo planos juntos? Pra que? Que vontade de dar na cara dessa idiota! Logo a Natasha que era tão forte, tão esperta, caindo nessa bobagem de amor!

Mas falando em amor, então, o Flavius chega hoje (e esse foi o motivo de eu ter começado a escrever isso aqui) e eu estou muito feliz com isso! Foram duas ou três semanas onde aconteceram tantas, mas tantas coisas que me parece ter percorrido meses. Confesso ter certa insegurança sobre o que sentirei ao encontra-lo. Se nosso amor permanecerá intacto, se estará murcho e insólito ou vibrante e saudoso... A última vez em que ele esteve aqui as coisas estavam tão... frias... estranhas... Tenho medo que dessa vez esteja tudo pior.

Manuel me disse que isso é normal, que o namoro não mantém aquela empolgação inicial para sempre e que uma hora a paixão aterradora dá lugar a um amor tranquilo de leves sentimentos lógicos... Peço aos deuses que ele esteja errado. Não suportaria viver assim. Aliás, falando em Manuel, ando cada vez mais interessado por esse vagabundo. Pensei que, depois de passar toda uma vida imaginando transar com ele faria com que o sexo fosse uma merda. Afinal expectativas acumuladas por tantos anos costumam se converter facilmente em frustração quando se tornam reais. Mas sou obrigado a confessar que, no caso de Manuel (e rezo para que esse jamais seja o caso de Flavius e Michel) a realidade se demonstrou uma doce e empolgante surpresa. Não só seu corpo é muito mais maravilhoso e torneado do que parecia como sua performance na cama ultrapassou todo o esperado. Sem contar sua inteligência, sua criatividade, sua maturidade... Manuel é o tipo de homem que eu mereço.

Não é que eu esteja desmerecendo o Flavius. Ele é o cara que eu amo, mas é bom me relacionar com alguém do meu meio, alguém que tem muito a me acrescentar. Manuel é um bailarino experiente, um coreógrafo criativo, um artista impressionante. Mal consigo crer que estejamos a viver essa história... tão rica e tão intensa! Tento trabalhar minha mente para não receber a chegada de Flavius como uma pedra no meu caminho. As vezes... só as vezes, e que os deuses me perdoem por isso... sinto uma vontade quase secreta de que Flavius não descida voltar. Mas nessas horas eu me obrigo a confrontar uma foto sua, encaro seu sorriso bobo e me perco na vontade de tê-lo logo em meus braços... eu sou um grandessíssimo filho da puta por isso? Ou só uma pessoa que assume seus sentimentos? Acho que no fundo não são duas coisas tão diferentes...

Enfim, está na hora de busca-lo na rodoviária. Espero que meu coração se alegre ao me deparar com seus olhos. Espero que ele não me receba com aquela frieza que ultimamente tem se tornado tão habitual. ”

...

–Olha bem, o que você acha?

–Não sei, acho que preferia do jeito que estava antes.

–Tem certeza? – disse Artur observando a cômoda.

–Certeza eu não tenho. É só uma impressão.

–Ah, queria mudar um pouco a cara da casa.

–Então deixa assim por um tempo, se você enjoar muda de novo.

O rapaz passou as mãos pela cintura de Natasha e beijou seu pescoço:

–Essa casa está mais viva desde que você começou a frequentá-la.

Natasha sorriu:

–Meu corpo também se sente mais vivo desde que você começou a frequentá-lo.

–Hmmm, acho que gostei disso.

Natasha segurou as mãos de Artur e as apertou firme:

–Obrigada pelos dias divertidos que temos passado juntos.

–Por que você não vem morar aqui?

–Qual é Artur. A gente já conversou sobre isso. Ainda é muito cedo pra isso.

–Qual é Natasha. Você praticamente já mora aqui! Você dorme mais aqui do que na sua casa!

–Mas é que daqui eu posso ir a pé para o trabalho, posso dormir até mais tarde um pouquinho.

Artur encarou Natasha como que dizendo: “Me engana que eu gosto”. A menina retrucou segurando o riso:

–É sério.

–Então, mais um motivo para você se mudar pra cá. Essa casa fica tão ruim quando você não está!

–Essa casa ou você?

–Eu.

–Você não acha assustador? A velocidade com que isso está acontecendo? Estamos juntos faz pouco tempo e... e já estamos assim.

–Apaixonados?

Natasha encarou o menino longamente, o peso dessa palavra a aterrorizava, talvez não estivesse pronta para admitir um sentimento desse tamanho:

–É... – respondeu – Talvez.

–Então, eu penso assim, sentir isso por alguém é tão raro, tão difícil que a gente não pode perder tempo fingindo que não está acontecendo! A gente tem mais que se jogar e viver isso o máximo que der. Se lá pra frente der errado foda-se, pelo menos teremos vivido uma história massa que talvez nunca mais se repita. Além do mais eu não vejo lógica em você se matar de trabalhar pra pagar o aluguel e as contas de uma casa que você nem mora! Fala sério! Você nem fica naquele apartamento! O dinheiro que você gasta lá você pode guardar pra fazer os cursos de gastronomia que você quer! Melhorar de emprego, ganhar mais trabalhar menos! Ai se a gente for dando certo com o tempo a gente aluga um lugar maior, sei lá... A gente podia pelo menos tentar.

Natasha encarou o teto longamente... talvez Artur tivesse razão. É certo que a relação de ambos não seria um eterno caminhar nas nuvens, mas por que não aproveitá-la ao máximo enquanto estivesse assim?

–Está bem. – Respondeu – Vou pensar. Vou conversar com o Fip e o Michel, afinal a gente alugou o apartamento contando com o dinheiro dos três e pode ser sacanagem largar eles na mão.

–Ah Natasha, até parece! O Fip tem dinheiro pra bancar o apartamento sozinho, além do mais o tal Flavius não tá mudando pra cá? Ele fica no seu lugar. Acho que isso não é um problema.

–Calma Artur, calma. Eu vou pensar, juro!

–Pensa com carinho. – disse afagando seus cabelos e beijando seu rosto – Promete?

–Já jurei, não preciso prometer.

–Então está bem! Eu vou esquentar aquela lasanha de micro-ondas pra gente.

–De jeito nenhum! – ela disse se levantando – Eu vou fazer uma batata recheada que aprendi hoje no restaurante, você vai adorar!

...

–Oooooi! – disse Flavius abrindo os braços e o sorriso.

Fip o abraçou um tanto intrigado:

–Oi meu bem! Como você está?

–Com saudades! Estava ansioso para chegar logo. Toma as chaves da sua casa. Eu e minha tia demos uma faxina antes de eu sair de lá, cobrimos os móveis com panos, tá tudo bem direitinho lá. Me ajuda com aquela mala? Ela está meio pesada. Nossa eles reformaram a rodoviária? Aqui parece diferente.- Abraçou Fip mais uma vez – Estava com saudade de você!

–Eu também meu amor. – disse segurando seu rosto – Você está bem? Está tão elétrico, tão falante, não é o seu normal.

–Sei lá, estou empolgado com as possibilidades. Morar na capital, voltar a estar contigo. Os dias andam muito chatos em Alvinópolis, estou empolgado!

Seus olhos vibravam, Fip deixou escapar um sorriso, jamais havia visto seu menino nesse estado. E ao perceber a alegria estampada em seu rosto percebeu o inevitável: Fip o amava. Amava seu sorriso, sua tristeza, sua existência. Mesmo que a razão prática levasse seus sentimentos a Manuel era Flavius quem fazia seu coração se encher de glória! Algo na forma simples como ambos se entendiam fazia do mundo um lugar familiar (seguro) quando estavam juntos. Flavius era seu lar.

–Então vamos! – disse pegando duas de suas malas – Michel, Natasha e aquele namoradinho dela estão nos esperando no apartamento. Fizemos um grande jantar pra te receber! Vamos comemorar nossa nova vida!

Flavius sentiu um calor lhe percorrer a face. Uma nova vida, amigos que o recepcionam com uma festa, chegar e ser bem vindo! A felicidade da vida estava entregue a esses simples momentos. Ter amigos, sentir-se querido... por quanto tempo isso lhe foi negado? Mas que importa? Hoje não era dia para permitir que os pensamentos tristes emergissem. Era hora de comemorar, aos novos ares, à nova vida... ao Fip, ao amor... à capital.


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