Sangue escrita por Salomé Abdala


Capítulo 5
Capítulo 3 - Fip




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/78767/chapter/5

 ‘’Havia se passado um ano desde que a casa do velho Francisco entrara em reforma, todas as fofoqueiras da cidade comentavam o fato: ‘será que os Perez voltarão a mandar por aqui?’. Os Alvinos, família fundadora da cidade, estavam preocupados, a família Perez fora a única, na historia da cidade, capaz de enfrenta-los politicamente. O clã Perez, formado por antigos barões do café e coronéis bem armados, ajudou a fundar, explorar e dominar a cidade, mas há cerca de vinte anos, um escândalo envolvendo o nome deles e a minha família abalou o nome deles e o clã desapareceu. Não sei ao certo o que aconteceu, pois não se comenta o fato na cidade, mas um belo dia o temido e amado coronel Francisco, foi obrigado, pela matriarca dos Alvinos, a abandonar a cidade.

Depois disso, uma série de escândalos destronou de vez a família Alves, minha família, deixando o caminho livre para o monopólio político dos Alvinos, que era regido pelas mãos de ferro em luvas de seda, da matriarca Guilhermina Alvino de Souza. ‘Isso não dura’ – disse o representante dos Angoti, uma família de industriais recém chegados à  região, com uma sede de poder tão grande quanto seus pátios industriais. ‘Isso não dura’ – disse se referindo ao massacrante domínio dos Alvinos. Mas o fato é que durou... a era dos coronéis acabou nas outras bandas do país, mas aqui, os Alvinos continuam a dominar, e sua voz continua a falar mais alto que a lei.

Mas um dia a casa do velho Francisco entrou em reforma e a sombra dos Perez voltou a rondar a região. Todos se colocaram de sobreaviso, esperando a reação dos Alvinos. Mas quase um ano se passou e nenhum Perez apareceu. ‘Eles não vão voltar. Devem ter vendido a casa, isso sim.’ ... e aos poucos a cidade foi se esquecendo do assunto até que Fip apareceu...

Fip surgiu em Alvinópolis como uma bomba, excitou a curiosidade de todos. Chegou em um grande carro luxuoso, com uma série de grandalhões que carregavam suas as malas e móveis. Ditava ordens para todos os cantos escondendo os olhos por detrás de grandes óculos escuros que, segundo muitos moradores ‘pareciam de mulher’. Depois disso entrou na casa e ali se fechou. Não se manifestou como todos esperavam, foi gentil com quem pôde ser, recusou ou não respondeu centenas de convites de jantar e não ingressou em nenhum partido de direita. Assim, logo o nome Perez voltou a ocupar seu lugar na penumbra... embora muitos acreditassem que o ‘messias’ estava apenas esperando o momento certo de aparecer.

Eu não acompanhei a chegada de Fip, não ligava para nada disso, estava no hospital... eu tinha cortado os pulsos...

Voltava, depois de uma semana internado em um hospital na capital. Estávamos voltando, minha tia Sofia e eu. Morava com ela, minha mãe estava morta e nunca tive noticias de meu pai. Ela estava possessa, eu sabia que sim; ela teve que fazer uso de muitos amigos influentes para evitar que eu fosse internado compulsoriamente. Estava furiosa. Eu não queria exatamente morrer, ambos sabíamos disso, mas ninguém afronta a própria vida dessa forma sem um propósito, ambos sabíamos disso também. Sofia se sentia desconfortável com toda aquela situação. Ela não olhava para mim, não falava comigo, apenas dirigia. Todo aquele silencio gritava nos meus ouvidos, sentia-me mais sozinho do que nunca; precisava conversar, queria alguém que me compreendesse, que me ouvisse e não me julgasse ou me mirasse com olhares de pena... esperava que qualquer alguém aparecesse do nada e diminuísse minha dor, esperava alguém que me ajudasse a ser feliz... e esse alguém, essa felicidade abstrata que esperamos tão veemente na adolescência, nunca chega a vir. Nunca chega a existir. Mas só chegamos a descobrir isso tarde demais, depois de muito procurar em outros uma felicidade que talvez sequer exista....

Meus olhos ardiam, meu peito estava apertado e minha cabeça parecia prestes a explodir, me sentia só. A presença da minha tia me sufocava... queria desaparecer de perto dela... como seria viver agora que não consegui morrer?

O caminho de casa pareceu tão longo e minha vontade de desaparecer nunca foi tão absurda... Engoli o choro, com muita dificuldade, fechei os olhos e senti uma imensa amargura... o tempo, agora, parecia se perder... chegamos em casa, todos meus pensamentos se voltara à minha tia. Pensei no quanto eu já a incomodei, no quanto atrapalhei sua vida e, finalmente, consegui quebrar aquele silêncio:

—Me... me... desculpa... eu não...queria causar problemas...

Sofia saiu do carro sem olhar para mim e respondeu:

—Da próxima vez que decidir tentar se matar, faça o favor de conseguir. Siga o exemplo da sua mãe, ou admita que nem para morrer você serve.

Me encolhi abraçando os joelhos e chorei. Por que ela fazia questão de me lembrar sempre do suicídio da minha mãe? Não desci do carro, ela não foi me buscar, a noite caiu... e assim foi o dia em que Fip chegou...

...

            ‘’Ah...a primavera! Ela sempre foi, para mim, um divisor de águas. Todas as grandes mudanças da minha vida se passaram durante ela... mas isso de fato não convém, pelo menos não agora...

            A primavera do ano 1998 marca o fim de Francisco Ivan Perez III e o nascimento de Fip... acho que já comentei sobre esse renascimento, mas de fato, é sempre bom frisar o meu prazer em poder ir e vir quando e para onde quiser.  E eu sempre quero voltar e recomeçar. Mas, enfim, vamos ao que interessa... ou não...

            Acabo de completar 18 anos, puxa como isso demorou, e pude, finalmente, tomar posse da herança deixada pelo meu tio... a herança consiste em algumas casas, uma certa quantia de dinheiro vivo, e um carro... o suficiente para um bom começo de vida, né?

            Uma dessas casas, talvez a maior e mais bonita, é a casa que pertenceu ao meu avô. É uma casa grande, antiga, com um jardim imenso, um belo porão e muito, muito espaço...mas, infelizmente, fica jogada num buraco bem longe da civilização, numa ‘cidade’ conhecida como Alvinópolis. Não sei exatamente de que pesadelo essa cidade saiu, mas o fato é que a casa dos meus sonhos estava lá, e eu, queria me afastar mesmo da capital por uns tempos...não tanto, eu confesso... mas fazer o que? A liberdade tem seu preço.

       A mudança foi tranqüila, não me lembro de grandes acontecimentos ou problemas dignos de nota ( ou seja, foi um tédio ). Assim que cheguei na casa tratei de fazer umas pequenas ‘adaptações’, a começar pelas paredes. Tenho horror a paredes brancas, tratei logo de entupir as paredes com desenhos, poemas, trechos de livros, fotos e etc. O porão foi transformado em uma academia de dança, com espelhos, barras e tudo o mais. Também coloquei uns abafadores de som nas paredes para poder tocar instrumentos musicais ali... se bem que meu piano ficou na sala, mas acho que isso é irrelevante. Caso eu me lembre de mais algum detalhe importante falo depois. Afinal de contas, tenho uma vida inteira para narrar.

            Não há como descrever a minha euforia, finalmente, depois de anos de escravidão, eu posso respirar aliviado. Posso me sentir livre... terminar meus estudos, ensaiar com mais liberdade ( sem precisar me esconder do maníaco do meu pai ) e posso dormir com total tranqüilidade. O dia da viagem foi cansativo, mas gratificante, posso dizer que valeu a pena...’’ 

...

 

  –Flavius... Flavius, meu deus, você ainda esta ai? – entrou no carro – já são três da manhã, meu filho. Ei... ei... você está chorando? Shhh, não fique assim, queridinho, me desculpe. Eu estava muito nervosa com toda essa historia. Deus...eu não sei... o que seria de mim...se você...se acontecesse com você igual....com a sua mãe...

—Por que?

—Porque eu te amo. – ela demorou um pouco procurando palavras – E eu me sinto frustrada por não poder te fazer feliz. Eu sei que... que você nunca superou a morte da...da sua mãe... mas você não pode se martirizar para sempre por causa disso... você não pode se culpar...ela era louca Flavinho...

A respiração do jovem começou a se alterar. Sofia continuou:

—Foi uma morte trágica, eu sei, ficamos todos chocados... eu imagino você, que viu tudo e ouviu aquelas coisas horríveis que ela disse....mas...a vida continua... não vale a pena a gente ficar chorando para sempre por causa dela...os mortos não voltam só porque estamos sofrendo...

Antes que Sofia terminasse a frase, o jovem saiu do carro e correu em direção à casa. Ela tentou alcança-lo mas Flavius já havia se trancado no quarto:

—Flavius, meu querido, abra a porta...

...não houve resposta...

—Abra meu queridinho, por favor...

...

—ABRA ESSA PORTA! – chutou a porta – ABRE ESSA MALDITA PORTA, SEU FILHO DUMA PUTA! – gritou enquanto esmurrava a porta. – SEU BASTARDO! SEU PUTO DESGRAÇADO! VOCÊ É UM FRACO IGUAL A SUA MÃE!!! V1ocê acha que ia adiantar alguma coisa ela estar viva??? Acredita mesmo que seria tudo diferente se seu pai não tivesse fugido?  NÃO! NÃO SERIA!!! Sabe por que? PORQUE ELA ERA UMA FRACA VAGABUNDA IGUAL VOCÊ!!! E por que você gosta tanto dela? ELA TE ABANDONOU? Ela amarrou uma maldita corda na porra do pescoço dela quando você não era mais do que um bebê! E VOCÊ CHORA POR ELA SEU PUTO!!! E eu?? EU TE CRIEI! Te criei como se você fosse meu filho. ABRI MÃO DA PORRA DA MINHA VIDA POR VOCÊ! E como você me agradece? VOCÊ CORTA A MERDA DOS SEUS PULSOS!!! Na minha casa! NA MERDA DA MINHA CASA! E eu tenho que gastar um grana com médico, hospital, psicóloga!  E AINDA TIVE QUE LAVAR A PORRA DAQUELE SANGUE TODO NO CHÃO! E eu não sou boa o suficiente para você? SEU DESGRAÇADO! – parou por uns segundos – POR QUE DIABOS VOCÊ NÃO ME RESPONDE?! O seu silêncio grita nas minhas orelhas!!! Todo dia, toda hora nesse maldito silêncio!

Sofia caiu no chão e chorou. Flavius se encolheu no canto da parede temendo que a porta fosse arrancada... mas não foi... e logo o silêncio se acomodou sob a casa... Os vizinhos, já estavam tão acostumados a esses pequenos escândalos que já nem se incomodavam. Assim a noite prosseguiu... as pessoas dormiam tranqüilas em suas casas e as horas continuaram a passar... 

...

Oito horas da manhã, Fip acordou ao som de Celly Campello cantando ‘’Estúpido cupido’’ na rádio, e sentiu seu sangue fervendo novas esperanças. O jovem se levantou e foi até a sacada de eu quarto, sua casa fica em frente à praça principal e, de lá, ele pôde ver todo o movimento matinal da pequena cidade. E ela não lhe pareceu tão deplorável agora, aliás, seus olhos já conseguiam vê-la como um lugar atraente e cheio de novas perspectivas. Depois de tomar o café da manhã, Fip foi até a praça principal respirar os ares de seu novo lar e conhecer as novas pessoas que, a partir de agora, fariam parte de seu convívio diário. O jovem dançarino se sentou em um dos bancos próximos ao coreto e de lá observou tudo o que acontecia a sua volta... não que acontecesse muita coisa...

...

      O Sol já espalhava suas primeiras lâminas de luz quando Sofia se levantou. Ela era uma mulher de quarenta e poucos anos, quase chegando aos cinqüenta. Bonita, robusta, de profundos olhos pretos, que agora estavam bastante avermelhados. As lágrimas ainda corriam seu rosto empalidecido pelos últimos acontecimentos, e seus cabelos ruivos ( coloridos artificialmente ) estavam desgrenhados. Olhando para seu rosto no espelho do banheiro, Sofia decidiu que sua existência não poderia continuar assim. Sua vida estava fora de controle. Ela não podia se culpar por tudo que ele fazia, Flavius já era quase um homem feito, e ela já havia feito por ele tudo o que podia. Pensando nisso, Sofia saiu... trancou as portas, entrou no seu carro seguindo sem destino... precisava se afastar de tudo aquilo para conseguir pensar com calma.

...

      ‘’Nem cinco minutos foram necessários para que eu me cansasse de tanta monotonia. Aquele clima bucólico da cidade que parecia ter parado no tempo era lindo! Era poético, me dava uma sensação de paz interior muito acertada... mas emergir nisso por mais de meia hora já havia me consumido. Esperar por uma salvação divina não fazia meu tipo, por isso decidi me levantar e caminhar!

Pois bem, eu andei, andei, andei.... as pessoas me olhavam de um jeito espantoso, como se eu fosse um alien ou qualquer coisa parecida. É claro que eu adorei a sensação, mas achei estranho, ainda assim. Juro ter visto esperança no fundo dos olhos de alguns deles, juro que parecia que muitos deles sabiam quem eu era... mais tarde que eu fui descobrir que eles realmente sabiam e que tais olhares cheios de esperança se faziam valer pelo fato de eu carregar o sobrenome Perez.’’

...

               Nove horas da manhã. Flavius abriu a porta de seu quarto, procurando algo para comer na geladeira, mas não encontrou nada. Sua mente estava confusa e ele não conseguia organizar seus pensamentos com clareza, por isso não percebeu, de imediato, a ausência de sua tia. ‘’Acho que um pouco de Sol me faria bem’’... Mas a porta não abriu... ‘’Onde estão as chaves?’’ – não estão na fechadura  ‘’Tia, onde estão as chaves da porta? Eu preciso pegar umas coisas no carro’’ ... nenhuma resposta ... ninguém no quarto... nenhum sinal do carro lá fora .. ‘’MALDITA! ELA ME DEIXOU TRANCADO AQUI DENTRO!’’ – ira – ‘’O que você pensa que eu sou?! Um animal?? EU NÃO VOU FICAR ENJAULADO!’’... não há mais televisão, cômoda ou mesa de vidro, está tudo quebrado e  jogado pelo chão.  O barulho deve ter chamado a atenção dos vizinhos, mas ninguém se manifestou ... ‘’EU NÃO VOU FICAR AQUI!!’’... a janela se estilhaçou... Flavius pulou para o lado de fora decidido a não voltar mais... mas ele estava mais fraco do que pensava e ele só se deu conta disso quando perdeu a consciência...

...

—São nove da manhã. Já está na hora de levantar! Onde é que já se viu? Ficar acordado até uma hora dessas? Levanta já dessa cama e vai tomar seu café!

Depois de dizer isso, Caroline fechou a porta e se dirigiu até a mesa à espera de seu filho. Michel se levantou a contragosto, ainda com sono, esfregou os olhos, e foi até o banheiro tomar banho. Enquanto Caroline brincava de esfaquear um pedaço de queijo com a faca de cortar pão, seu marido lia o jornal na sala  e a empregada na cozinha preparava o almoço.

Assim que Michel se sentou à mesa, Caroline perguntou:

—Você já sabe da ultima novidade?

—Depende de qual ultima novidade você está falando. -  respondeu completamente desinteressado pelas fofocas da mãe.

—Sabe a casa que entrou em reforma no inicio do ano?

—A mansão do velho Francisco? – respondeu ainda mais desinteressado, temendo que a conversa tomasse rumos políticos.

—Essa mesmo!

—O que tem ela? – respondeu ao perceber que sua mãe não desistiria de comentar o assunto.

— Foi ocupada ontem. A Madalena disse que quem ocupou a casa foi o neto dele. Veio morar sozinho aqui, esquisito não? Um menino assim, tão novo, morando sozinho numa cidade dessas. Aí tem coisa você não acha? A Suzana disse que o padeiro falou com ele. Disseram que é um moço simpático, bem nascido, ‘’com uma estirpe típica dos Perez’’ ele disse. Ela falou que ele é muito bonito, apesar de ter um jeito meio esquisito de gente da cidade grande. Mas isso é normal, os jovens lá da capital são todos meio esquisitos mesmo, cheios dessas modernidades de vocês. Só espero que ele não queira trazer essas modernidades para cá, porque você sabe, Alvinópolis é uma cidade muito conservadora. Me estranha muito ele morar sozinho, não é? Sair assim da casa dos pais sem se casar nem nada. Pode ser problema com droga, não acha? Você bem que poderia...

—Não! Pode esquecer essa idéia!

—Que idéia meu filho? É que você anda tão sozinho ultimamente e, depois de tudo que aconteceu ano passado. Eu pensei que seria bom para você ter um amigo da nossa estirpe. – repetiu a citação do padeiro gostando da palavra. – E pode ser que o menino precise de ajuda pra se recuperar. É sempre bom fazer o bem.

—Não seremos amigos!- disse se levantando.

—Mas, meu filho!

—Deixa ele, Carol. Depois eu converso com ele.

...

‘’ Como eu disse, depois de morrer de tédio naquela praça chata, resolvi passear um pouco para passar o tempo. Andei pra burro e não encontrei nada interessante. Uma casinha bonitinha aqui, uma estátua gracinha numa praça ali, mas nada demais... quer dizer... na verdade eu encontrei sim, quando já estava voltando para casa, numa rua a três quarteirões da minha...encontrei a pessoa mais interessante de toda minha vida...

Ele era pálido, cabelos desnivelados pretos. Tinha uma carinha de idiota, o corpo gelado e estava desmaiado no jardim da casa que eu julguei que era dele. E ele parecia totalmente abandonado do mundo. Tentei chamar alguém dentro da casa e não tinha ninguém. Decidi leva-lo pra casa.

Era a coisa mais sensata a se fazer nessa situação? Claramente não. Mas na hora pareceu uma boa ideia... Vai dizer que você nunca teve 18 anos?’’

 

...

 

Hora do almoço, Michel se sentou à mesa com sua família. O silêncio reinava absoluto sobre o doce ritual familiar... cada um perdido em seus próprios pensamentos e destilando seus venenos internos. Tensão, silêncio e intrigas não faladas... assim eram as reuniões do clã Angoti. Uma das três famílias mais ricas da região. Há anos os Angoti e os Perez se aliaram para derrubar os Alvinos, mas seus planos foram interrompidos pelos escândalos que obrigaram o velho Francisco e seus filhos a abandonarem a cidade. Por muitos anos acreditou-se que os Perez haviam realmente desaparecido...mas agora uma chama de esperança fez-se vibrar no coração de Caroline Angoti... o jovem neto do Francisco estava na cidade... os Perez estavam de volta! E continuavam muito ricos, deduzia-se pelos gastos calculados pelas beatas sobre a reforma na mansão. Ela só precisava se aliar a ele e destuir os Alvinos... ‘’Depois fica fácil convencer o garoto a sair da cidade. Ele é jovem e não vai agüentar viver aqui por muito tempo. Eu só preciso convencer o Michel a se aproximar dele e...’’

Michel fitou sua mãe quase lendo suas intenções. O almoço foi servido e a família Angoti finge serena felicidade...

...

Flavius acordou assustado... ele estava sozinho em um quarto desconhecido, ouvindo alguém cantando qualquer coisa em espanhol no andar de baixo. Era uma voz masculina, bonita. As ataduras foram trocadas e ele sentiu um doce cheiro de medicamentos se misturar ao da comida. O jovem tentou entender o que se passava, buscando em sua memória alguma lembrança que lhe explicasse o que aconteceu, mas foi em vão. Confuso continuou sentado na cama. Não demorou muito até Fip aparecer cantando e trazendo uma bandeja com a comida:

—Até que enfim você acordou. Pensei que fosse ficar a manhã inteira esticado na cama. – deixou a bandeja na escrivaninha ao lado e disse – Meu nome é Fip – fez uma reverencia – e o seu?

Flavius, um pouco confuso, acabou ignorando os cumprimentos de Fip e perguntou:

—Onde estou?

Fip deixou um leve sorriso escapar de seus lábios e respondeu com malícia:

—Você está no meu covil, e não vai sair daqui até me dizer seu nome.

Flavius pareceu não dar importância para aquela cena:

—Foi você quem trocou minhas ataduras?

—Foi sim. – sentou-se ao lado de Flavius – Eu já fiz isso algumas vezes.

Flavius não entendeu exatamente o que Fip quis dizer. Não sabia se ele já havia cortado os pulsos ou cuidado de alguém que o tenha feito, mas se sentiu mais tranuilo com a naturalidade com que Fip tocou no assunto e quase sorriu ao perguntar:

—Ainda estamos em Alvinópolis, não é? – Fip fez um sinal afirmativo com a cabeça – Eu nunca te vi por aqui. Você é o garoto que acabou de se mudar?

—Como as noticias correm por aqui. Sou eu mesmo, o dono dessa casa e futuro imperador do universo. E você, quem é, jovem mortal?

—Me chamo Flavius. – abaixou a cabeça – Como vim parar aqui?

—Eu estava fazendo uma turnê pela cidade e vi você esborrachado no chão. Como não achei ninguém que se responsabilizasse por ti eu peguei você pra mim. Algum problema?

—Acho que não. Absolutamente ninguém vai sentir minha falta mesmo.

—A partir de agora, eu vou... – sorriu.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!