Sangue escrita por Salomé Abdala


Capítulo 43
Capítulo 41 - Ressaca de amores.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/78767/chapter/43

—O pior é que nem posso chamar a outra de piranha. Porque a piranha sou eu! – disse Natasha enquanto tomava sua xicara de café.

—Mas enfim, qual o problema de pegar o cara comprometido? Todo mundo já fez isso.

—Se fosse só pegar tava bom. Mas eu acho que to gostando desse trochão.

—Então a trouxa é você.

—Não acho. Nunca concordei com esse lance de que a pessoa que tem sentimentos é mais fraca. Tipo pra mim que tava ficando com tesão e paixão foi muito mais legal do que pra ele que era só tesão.

—Disso eu não tenho duvidas, mas de todo jeito ele vai sair ganhando. Porque além de pegar você que era só tesão ele ainda vai voltar pra casa e ter a namorada por quem ele tem tesão e paixão. No fim das contas ele vai ter as duas coisas e você vai ficar sem nenhuma.

—Nossa, valeu mesmo! Isso era tudo que eu queria ouvir. Foi tipo...   super  animador.

—E você queria o que? O cara tem namorada. Ele só queria te comer, gozar. Pronto, agora ele comeu. Vai voltar pra namorada e comer ela também. Vai dizer que tava com saudade e ter uma noite e tanto com ela.

—Ai que inveja dela! – disse num tom quase desesperado.

—Ele é bom assim na coisa?

—O que você acha?

—É... pra você cair de quatro assim... tinha que ser.

—Nem me fale em cair de quatro... eu to desesperada, Chico!

—Louca pra cair de quatro literalmente, né?

—Maluca! Desesperada! Sabe, eu nem ligaria se ele quisesse só sexo comigo! Dava pra ele bem feliz! Mas pra que ele precisava me dizer aquilo tudo? Que não consegue me tirar da cabeça e tal... isso meche com a gente...

—Natasha, até hoje você não aprendeu? Meninos dizem qualquer coisa para comer meninas.

—É verdade. E eu cai nessa de novo...

—Porque quis. Vou te contar uma parte do segredo. Garotas são capazes de acreditar em qualquer coisa para comer garotos. Até esquecer que o menino é um babaca e se convencer de que na verdade ele “precisa de ajuda” vocês conseguem.

—Pra que isso, né?

—Sei lá.

—Que bobagem.

—A vida é uma bobagem.

—Ah, droga. Preferia mil vezes nunca ter conhecido ele!

—Vish! Quando a gente diz uma coisa dessas  é porque a porra tá séria.

—E tá... pior é que tá... To com um sentimento ruim... sabe quando você não quer ver ninguém?

—E tudo te irrita, e você quer se isolar do mundo, mas ao mesmo tempo nada parece mais insuportável que a solidão. Ai você procura alguém pra conversar, que no seu caso sou eu, mas tudo que essa pessoa diz te irrita, que no caso é o que eu estou fazendo agora.

—Isso ai. Você não sabe a força que eu to fazendo pra não pular no seu pescoço.

—É minha amiga, você está no fundo do poço.

—Não chega a tanto.

—Ainda não. Espera uns dias pra você ver.

Natasha cruzou os braços e colocou os pés na mesa:

—Aham. E você ta se divertindo, né? Mas me conta, como foi ontem? Vi que rolou uma treta a três entra vocês e o Michel. Vai, por favor, me conta uma tragédia pra mim me sentir melhor!

—Nada, foi bom pra caralho.

—Aham. E você não sentiu nem uma pontadinha de ciúmes?

—Não sei bem o que senti. No fundo eu sabia que uma hora ou outra isso ia acontecer.  Foi meio que uma sensação de alivio, misturada com uma sensação de que daqui pra frente vai dar tudo merda. Acho que pode acontecer de novo... foi muito bom, rolou uma química massa! Eu tenho medo que agora eles queiram experimentar sozinhos.

—Não tenha medo... tenha certeza. Eles VÃO querer.

—E como eu faço?

—Você se ferra. Tá vendo? Eu não estou no fundo do poço sozinha.

—Bate aqui!

Fizeram um cumprimento no ar.

—Melhor trocar o chá por vodka. – disse Natasha – Assim fica mais fácil encarar o dia!

—To nessa.

...

   Acordei eram quase onze da manhã, minha cabeça doía... ressaca. Fip, como de costume, já tinha levantado. Michel estava do meu lado, sem roupa.... braços abertos. Senti vontade de lamber seu peito, beijar seu pescoço. Sentia um desejo absurdo por ele! Vontade de beijá-lo, abraça-lo... mas será que eu podia? Ate quanto o que tinha rolado ontem fazia com que Fip não se importasse com isso?

E eu? Até quanto me importaria se acontecesse algo entre os dois? Ah, amar podia ser mais simples! Por que os sentimentos são tão confusos quando a gente gosta de alguém? É fácil dividir um amigo com outros. Mas um namorado.... por que a gente quer que o sexo do outro seja só nosso? Não consigo achar justo! Mas ainda assim não fico a vontade ao imaginar Fip e Michel juntos... talvez porque eu goste dos dois!

Levantei da cama antes que fizesse uma besteira. Não queria machucar o Fip, mas também não conseguiria me segurar se continuasse ali olhando para o corpo de Michel. Coloquei minha roupa e fui ao banheiro escovar os dentes, mas antes passei no quarto de Felipe para ver se ele precisava de alguma coisa:

—Bom dia. – eu disse abrindo a porta – Posso entrar?

Ele estava com uma cara feia que deus me livre! Olhou par mim e disse:

—A noite foi boa ontem?

—Foi. – eu disse entrando.

—Da pra ver, pelas suas olheiras. É bom ser jovem, não é? Curtir a vida como se não houvesse limites!

Ele falava igualzinho o diretor da minha escola quando estava passando sermão. Eu não queria passar por isso, não tinha que me sentir culpado por algo que foi tão bom para mim:

—Olha, Felipe, eu não quero confusão com você. Mas não te dei motivos para falar assim comigo.

—Ah, não?

—Não! Eu não te devo nada, devo? O que eu faço da minha vida é um problema meu!

Ele arregalou os olhos e ficou me encarando. Eu senti que tinha pegado pesado, tentei arrumar:

—Desculpa... eu... eu só...

—Não. Você tem razão. Eu que exagerei. Desculpe. É que pensei que fossemos amigos. Que eu tinha liberdade para conversar com você.

—Você tem! Mas eu também tenho. Ué, você tem o direito de me dizer que não gostou do que eu fiz. E eu tenho o direito de dizer que não gostei de ouvir isso! Ué, que amizade é essa em que os direitos não são iguais?

—Você está certo. Mas eu só falo isso para o seu bem. Meu querido, você não precisa se sujeitar a isso para ter amor!

—Mas eu amo me sujeitar a isso! Você não entende, Felipe, eu não sou como você. Eu sou sujo, eu tenho desejos, tenho vontades! E quero realiza-los! Sem culpa, entende? Eu quero finamente poder ser eu mesmo! É difícil entender isso?

—É! É difícil, porque você é um menino especial, Flavius! Você não quer essas coisas de verdade! Você não enxerga! Eu já passei por isso também! É o Francis, ele influencia a gente!  Ele nos faz querer essas coisas, mas nós não queremos!

Era engraçado, ele falava de Fip como se ele fosse o próprio demônio. Por mais bobinho que fosse eu achava graciosa essa preocupação do Felipe. Era como se ele fosse... sei lá... minha mãe. No fundo eu sentia falta de alguém que me desse bronca, que tentasse me colocar na linha. Minha tia não fazia isso. Na verdade era eu quem precisava evitar que ela bebesse demais, ou perdesse o emprego de novo. Era bom ter alguém tentando cuidar de mim, pra variar:

—Tá bom, Felipe, eu vou pensar no que você me disse. Mas e você? Precisa de alguma coisa?

—Não. Francis já me trouxe o café da manhã.

—Não quer sair desse quarto um pouco?

—Nem sonhando! Não quero nem ver a bagunça que está essa casa!

—Ahahaha, tá certo. Bem, eu vou escovar os dentes e comer alguma coisa. Volto mais tarde.

   -Tudo bem. – ele disse ainda de cara feia.

   Eu ignorei e saí. Achava fofa a preocupação dele, mas em exagero me cansava.  Depois de escovar os dentes desci para a cozinha. Antes passei pelo quarto do Fip para dar mais uma olhada em Michel. Ele ainda dormia. Senti um comichão nas pernas, mas me segurei. Desci até o Fip:

   -Bom dia pessoal.

   Estavam os dois já quase bêbados. Na hora lembrei de relance de Felipe falando sobre Fip não conseguir ficar sóbrio. Ficar incomodado com isso me incomodou. Não queria acabar como o Felipe, implicando com tudo, mas naquele momento tive a sensação de que Fip estava exagerando:

   -Bom dia, meu amor. – ele disse vindo na minha direção.

   Estava cambaleando. Em outros tempos eu acharia isso engraçado, mas nesse momento me incomodou:

   -Já está bêbado de novo, meu bem?

   -Não, eu só bebi um pouquinho! Eu e a.... é......Natasha! Nós estávamos brindando!

   -Que legal. Estavam brindando o que?

   -Nem lembro!

   Eles riram:

   -Não quer beber com a gente?

   -Não... eu não aguento não. Já estou com uma ressaca lascada.

   -Ressaca a gente cura com mais bebida.

   Sempre odiei essa insistência de quem bebe para que todo mundo beba também. É como se você estivesse cometendo um crime por não querer ficar bêbado também:

   -De boa gente, eu não to afim não. Quero comer alguma coisa.

   -Deixa, Natasha, o Flavius é fraquinho pra bebida. Não aguenta nada.

   Aquilo me fez o sangue ferver. Senti o ímpeto de quebrar a porra daquela garrafa na cabeça dele!  Em outros tempos acho que o faria, mas achei que seria covardia bater em um bêbado. Senti certo arrependimento por não ter me agarrado com Michel quando me deu vontade!  Na verdade essa seria uma boa vingança! Mas nem alimentei o pensamento.  Apenas peguei minha comida e fui pra sala ver tv.

   A campainha tocou, eu fui atender. Era minha tia:

   -Tia, o que você tá fazendo aqui? Aconteceu alguma coisa?

   -Não, querido. Só fiquei preocupada, você não avisou que ia dormir fora, vim ver se tava tudo bem.

   -Tá, ta tudo bem sim.

   -Você vai almoçar em casa?

   -Ué, acho que vou.

   -De quem que é essa voz ai? – gritou a Natasha lá da cozinha.

   -Nada, Natasha, é só minha tia.

   -Sua tia! – disse Fip aparecendo na sala – Manda ela entrar! Oi, bom dia!

   -Bom dia, querido, tudo bem?

   Eu saí de perto, estava com medo de o Fip me dar algum motivo para me envergonhar.  Ela entrou e ele fechou a porta com o trinco, eu senti que alguma coisa estava errada:

   -Tudo ótimo! Faz tempo que eu não te vejo, não é?

   Eles foram conversando normalmente até a porta da cozinha, quando, de repente, minha tia foi acertada no rosto por uma panela e caiu no chão. Eu não entendi direito o que estava acontecendo, quando dei por mim Natasha estava em cima dela enchendo a coitada de soco:

   -FIP! O QUE É ISSO? O QUE ESTÁ ACONTECENDO? – eu gritei.

   Fip me segurou:

   -Calma! Calma! Você pode se machucar!

   Natasha gritava:

   -Foi divertido me atropelar, não foi? Acha que eu não lembro da sua cara! Pois agora eu vou deixar ela tão arrebentada que nem sua mãe vai te reconhecer!

   Foi quando eu entendi! Minha tia tinha atropelado a Natasha! É verdade! Elas tinham voltado no mesmo dia! Mas como Natasha sabia? Consegui me soltar dos braços do Fip e corri até Natasha para segurá-la:

   -PARE COM ISSO, NATASHA!

   Empurrei ela com força, jogando-a no chão. Minha tia se levantou com dificuldade. Fip veio atrás de mim:

   -Calma, meu amor, não tá acontece...

   Enfiei a mão na cara dele e gritei:

   -VOCÊ FICA QUIETO QUE O ASSUNTO NÃO É CONTIGO!

   Natasha se levantou e correu na direção da minha tia. Dei um chute na barriga dela que a fez cair pra trás sem folego:

   -Sua vagabundinha de merda! – gritou minha tia pulando em cima da Natasha – Quem você pensa que é pra me bater desse jeito!?

   -PAREM COM ISSO VOCÊS DUAS!         

   Eu gritei tentando separá-las:

   -FIP! ME AJUDA!

   Ele cruzou os braços e disse:

   -Você disse que o assunto não é comigo.

   E subiu as escadas.  Soltei as duas e voei em cima dele:

   -Como você pode ser tão cretino?

   Ele conseguiu se virar a tempo e deu um soco na minha costela. Doeu tanto que eu fiquei sem reação. Não conseguia respirar:

   -É bom bater, não é? – ele disse – Quero ver se você gosta tanto de apanhar!

   Ele se preparou para me dar um chute, mas Michel chegou antes e o segurou:

   -Fip! Pare com isso! O que tá acontecendo aqui?

   -Só mais um barraco. – disse o Fip voltando a subir normalmente as escadas – Eu te disse! – ele falou olhando nos meus olhos – Que eu nunca, nunca, nunca admitiria que você me batesse de novo!

   E subiu as escadas com uma cara de nada. Michel perguntou se eu estava bem, eu não consegui responder. Ele correu até Natasha e minha tia e as separou:

   -Chega disso! – ele disse – Natasha, você já bateu o suficiente! Agora deixa ela quieta! E você é melhor ir pra casa. Não vamos ter mais brigas por aqui!

   Ele voltou a escadaria e me ajudou a levantar:

   -Você consegue andar?

   -Sim, sim!

   Então vamos para sua casa, eu vou ajudar sua tia. Ele saiu apoiando minha tia nas costas. Ela saiu escorada nele, eu sabia que um pouco era drama da parte dela, com certeza ela conseguia andar sozinha, mas não me opus, queria um pouco da presença do Michel.

   Saimos.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!