Sangue escrita por Salomé Abdala


Capítulo 33
Capítulo 31 - Uma noite interminável.




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‘’-Como está se sentindo sem o gesso? – perguntou o Felipe com aquele ar abobalhado de boa política que ele tem.

—Sem coceiras. – respondeu Natasha.

Eu estava tão acostumado a vê-la sentada na cadeira de rodas que demorei a me acostumar com o fato de ela ser tão alta. Tinha uma figura elegante, esguia. Muito bonita mesmo! Mas me irritava nela, agora, tudo o que saía de sua boca! Ela havia plantado em mim a semente da discórdia, da dúvida! O desassossego! E eu a repudiava por saber que atrás de seu sorriso havia a consciência desse ato e o mais fétido júbilo por tê-lo cometido. Natasha era sádica como eu, e lhe causava apreço saber de minha agonia!

Observava aos dois conversando informalmente com um ódio cretino no coração; como eles podiam permanecer tão tranqüilos enquanto uma traição da pior espécie poderia estar acontecendo? Flavius e Michel poderiam estar juntos agora! Pelas minhas costas! Na minha casa! Felizes e fogosos enquanto eu estou aqui! Trancado dentro dessa conversa estúpida e completamente incapaz de me defender deles!!! É um absurdo! Como pode doer tanto? Eu juro que adoraria esfolar os dois e depois moer suas carnes! Carnes essas que podem estar se enroscando agora! Malditos!

Como eu odeio Flavius e toda essa sua pose de menino confuso! Ele nunca se decide! Nunca me dá uma posição clara de o que eu devo sentir! Com aqueles olhos marejados e sua pose de ‘’não me toque, por favor! Minha fragilidade pode não suportar seu amor!’’. Enquanto seus atos revelam a mais pura e ardilosa maldade e egoísmo! Deve rir muito pelas minhas costas, aquele pequeno bobalhão. Julgando-se muito superior por conseguir deixar a mim, Fip – o piedoso, de quatro a lamber seu chão! E pensar que, a princípio era ele o meu joguete, meu brinquedo de estimação, e hoje se revela um excelente algoz, com seu amor, empunhado feito um chicote flagelando meu coração.(ok, sei que essa não foi uma das minhas melhores metáforas, mas o que posso fazer? Serve para ilustrar o que esse cretino é capaz de fazer comigo! Flavius consegue fazer Fip se passar por ridículo, admito! E atire a primeira pedra quem nunca se enlameou assim por alguém!)

E Michel? Com aquela conversinha de paixão platônica, de estar triste por perder o namorado! Tudo mentira! Ele é uma víbora! Um conquistador barato que sai ficando com qualquer um que lhe aparece! São dois traidores! Eles não me amam! Não me respeitam, uns falsos, mentirosos! Vou odiá-los pelo resto da minha! Por todas as mentiras, traições e enganações que fizeram comigo!

Vou desaparecer do mapa, sem deixar vestígios! É o que farei. Trancarei aquela maldita casa e vou embora! Para qualquer lugar onde eu possa ficar sozinho, longe de toda essa falsidade, de todo esse amor! .... Droga, Flavius deve ter se sentido mais ou menos assim quando me viu na cama com Michel.... E agora está tentando se vingar! É claro! Ele não vai pensar duas vezes antes de me trair com aquele loirinho metido a besta! Michel, ele é quem se da bem com tudo isso! Não está apaixonado por ninguém, só se aproveita de nossos corpos! E nós (Eu e o Flavius) aqui, sentindo nossas vísceras se retorcerem:

—Vamos pedir uma pizza? – disse Natasha.

—Eu quero aquela com alho. – respondi me sentando no sofá.

Eu não posso me permitir tamanha mediocridade! Me sentir assim por causa de um sexo? Uma noite tola entre esses dois! Uma noite que nem vai ser boa, aposto! O jeito do Flavius e do Michel na cama não combina! Eles não vão saber se satisfazer... droga, na verdade vão sim! Mas eu tenho minhas vantagens! Eles só vão se transar por alguns instantes, mas eu continuarei no topo dessa cadeia alimentar! Ainda serei o rei! E, além do mais, eles devem se divertir também. Eu mesmo já não fiquei com os dois? E com muitos mais? E isso não mudou o que eu sinto pelo Flavius. Por que essa noite entre ele e o Michel pode interferir em alguma coisa?

Além do mais, eu sou o Fip! O grande Fip, Michel nenhum no mundo poderia me substituir!........... Eu acho. E tem outra! Eu e Flavius nem temos nenhum compromisso! Não seria nenhuma traição se os dois transassem... Mas então por que eu sinto como se fosse?

—Chico? Que cara amarrada é essa?

—Estou entediado.

—Por que?

—Porque achei tão divertido passar o dia todo no hospital vendo o médico tirar os seus gessos que agora nada mais me diverte.

—Não seja por isso. – ela respondeu – Eu posso quebrar seu braço toda vez que você se entediar, assim estará sempre vendo gessos se partirem.

Droga, Natasha! Odeio o modo como minha ironia não funciona com você! Acabei por me calar. Não adiantava mesmo me debater, foda-se aqueles dois! Se eles estão a se divertir abertamente sem mim, ótimo! Bom para eles! Se eu não estou me divertindo nem um pouco aqui olhando para a cara de parede do meu primo enquanto ele e a Natasha conversam sobre o último capítulo da novela das oito, maravilha! Está tudo bem! Eu é que não vou ficar morrendo por causa disso! A vida é assim mesmo! Tenho certeza que, durante a minha vida toda eu me diverti muito mais do que aqueles dois que nunca saíram daquela cidade monótona.... É.... pensando bem, eu estou melhor do que eles........

—Eu não acho que a Suzana devia ficar com o Carlos! Eles não tem nada a ver! – disse Natasha.

—Ah, mas eu li numa revista que ela vai ficar mesmo é com o Daniel!

—Ah, sério? Eu não aredito!

.....é..... eu estou na pior....... maldito seja o dia em que inventaram o amor!’’

...

‘’Não posso negar que me senti sim vitorioso por saber que Fip ficava de quatro por mim.’’ – pensou Flavius ao ouvir as palavras relatadas no diário – ‘’Estava sempre tão vitorioso em sua pose de imperador que era prazeroso vê-lo se rebaixar.’’ – Sorriu.

—E o que aconteceu entre vocês aquela noite? – perguntou Rebeca.

Flavius e Michel se entreolharam. O primeiro lançou-lhe um olhar como quem diz: ‘’E então? O que falamos?’’, Michel deu de ombros e perguntou:

—Quer a versão oficial ou a verdade?

—A verdade,óbvio. A versão oficial deve estar no diário.

—Bingo! Ok, vamos lá. Quer contar Flavius? Ou conto eu?

—Eu conto. Se achar que deve me interrompa.

—Ok.

...

Voltei para casa hesitante, sabia que havia ali uma oportunidade que poderia não se repetir! Michel estava sozinho em casa, havia sido simpático comigo! Eu poderia ter certas chances! Devo ou não voltar? Olhei para trás um tanto aturdido. Meu corpo todo tremia de modo que meus queixos chegavam a se bater. Já desejou alguém a esse ponto? A ponto de sentir todo seu corpo incapaz de fazer qualquer coisa que não fosse correr até o ser desejado? Dei meia volta e parti em direção a casa de Fip. No meio do caminho pensava em que desculpa usar para minha volta. Não poderia chegar lá de mãos abanando, sem nenhuma desculpa ou motivo para a minha presença:

—Vou perguntar se Fip já se foi, que tinha algo importante a lhe dizer, dependendo de como ele reagir eu me convido para entrar! Não, eu posso simplesmente perguntar se ele vai passar a noite sozinho e convida-lo para ver um filme... não, não, atirado demais.... o que eu digo a ele? – a porta estava se aproximando e eu não conseguia pensar em nada para dizer – Calma, Flavius, calma! Tem que ser bastante frio nessa hora! É a sua grande chance, não pode botar tudo a perder! – toquei a companhia, ele abriu- O...oi... – eu disse, já pensando em que desculpa usar(vou dizer que acho que esqueci as chaves na cozinha ), mas ele disse antes que eu continuasse.

—Oi, Flavius! Que bom que voltou! Estava mesmo pensando se faria bem em te convidar para jantar!

Sorri encabulado. Ele me queria! Sei que sim! Não falaria uma coisa dessas se não quisesse! Agora era uma questão de tempo! Só deveria deixar as coisas rolarem... vai acontecer! Eu sei que vai!.... sorri, entrei.

...

—Sabe, eu não gosto de ficar nessa casa sozinho. – eu disse – Parece que a presença do Fip fica incrustada nas paredes e que ele está sempre nos observando. Você tem essa sensação?

Flavius sorriu como se forçasse os músculos para achar graça. Senti que ele estava se esforçando para me agradar, sorri de volta, sentia um formigamento na virilha, como se esperasse o momento certo de agir. Flavius era um menino bonito, sempre achei, mas nunca me senti seguro para me aproximar dele e, depois disso, a relação complicada entre ele e o Fip não me deixava espaço para ação. Agora que eles estão separados pode ser que eu tenha uma chance. Sei que o menino foi apaixonado por mim, mas acho que a essa altura ele entenderia que não rolaria nada além disso entre nós:

—Como conheceu o Fip? – perguntei para puxar assunto, Fip já havia me contado, eu achava a história curiosa, gostaria de conhecer a versão de Flavius.

—Foi logo depois que... que voltei do hospital... eu passei mal na rua, minha tia estava de viagem, ele me socorreu.

Uma versão mais simplória, que escondia muitos detalhes que, eu imagino, eram constrangedores para ele. Mas não o culpo, também eu esconderia muitos detalhes se me fizessem a mesma pergunta. Poxa, como o Fip tem o dom de conhecer pessoas em situações extravagantes!

—Mas duvido que ele nunca tenha te contado! – continuou o rapaz com um olhar predatório que me assustou – Fip adora essa história.

—Hahahahah! É verdade! Só queria conhecer a sua versão dos fatos.

—Ou puxar assunto!

Bingo! Ele andou aprendendo a dar essas respostas com o Fip? Era intrigante esse menino! Ora tão submisso e inseguro, ora tão ousado e predatório. Não me espanta que Fip tenha se interessado em jogar seu jogo. Eu preferiria não me arriscar a me embrenhar nesse mundo, mas reconheço os motivos que levariam a alguém como Fip a querer se perder atrás desse olhar. Eu, por minha necessidade de segurança, preferiria manter certa distância, Flavius parecia uma bomba relógio, prestes a explodir mágoa e vingança, por toda a humilhação que seu olhar alegava ter sofrido. ‘’Toda e qualquer rejeição um dia será vingada!’’ – seu sorriso anunciava, e Fip seria a vítima primeira, as costas largas que esse coração ferido tentaria açoitar. Eu me manteria seguro aqui no porto, mas não nego que por vezes desejei me atirar nesse oceano desconhecido para ouvir seu canto de sereia. E por isso fiz o que fiz:

—Também. – disse – Para que não fosse embora.

—Pensei que minha presença te incomodasse.

—Sua presença me intriga, não me incomoda.

—Intriga? Por que?

—Porque nunca sei o que se passa por trás desses seus olhos.

—Sou uma pessoa fácil de ler.

—Você pode ser muitas coisas, Flavius, mas fácil de ler seria a última característica que eu atribuiria a você.

—E a primeira? Qual seria?

—Intrigante. Imprevisível. – disse fixando meu olhar no seu – E você?

—Eu o que? – disse sem desviar os olhos.

—Que característica usaria para me definir?

—Atraente.

...

‘’-Ciúmes doem, não? – eu disse a Felipe quando estávamos a sós na varanda.

Natasha havia dormido ha muito e eu, mergulhado em meus sentimentos confusos, era incapaz de sentir qualquer vestígio de sono. Felipe que, imagino eu, havia se levantado para buscar água, parou no meio do caminho para ter comigo:

—O que disse? – ele perguntou.

—Que é duro sentir ciúmes.

—Eu sei. – ele disse se sentando ao meu lado – Isso é tudo que me fez sentir enquanto estivemos juntos.

Ora! Mas quem esse melodramático de esquina pensa que é para comparar os sentimentos dele aos meus? São duas situações completamente diferentes! Eu e ele tivemos um namorico adolescente, quase vulgar! E ele a comparar uma coisa com a outra! Era só o que me faltava:

—E bem que motivos tinha! – eu disse com um sorriso frouxo – Aquela foi uma época em que aproveitei a vida!

—Disso eu sei. Ainda me lembro de cada um daqueles meninos que você levava para a casa.

—E as meninas também. Você não sentia ciúmes delas porque achava que não precisava, mas precisava sim!

—Obrigado por ajudar! – disse ele num tom ressentido.

—Eu não quero ajudar! Mas aceito seus agradecimentos.

—Você é asqueroso, Francis!

—Um asqueroso adorável, que você adoraria ter em seus braços.

—Eu deveria ter deixado meu tio pegar você! Deveria mesmo!

—Mas não deixou! E agora tem que fugir dele para sempre!

—Se é do Flavius que você sente ciúmes nesse momento! Se é ele quem tira o seu sono! Eu devo lhe dizer que torço para que seus ciúmes não sejam infundados e que você o encontre feliz nos braços de outro quando chegar lá pela manhã!

—Isso doeu.

—E a propósito. – ele disse voltando – Ele não está na internet, e olha que ele costuma ficar online a essa hora.

Ui! Essa rasgou! Está bem, eu mereci.’’

...

—Atraente? Eu?

—Não digo só no sentido físico, de aparência. Eu falo no sentido de ser uma pessoa que atrai, que queremos estar perto.

—Nossa, sempre pensei que me achava um idiota.

—Você sabe que não. Fip já te falou o que eu penso de ti.

—Bem... ele tem as teorias dele.

—Um tanto exageradas, espero que saiba.

—Ah é? Em que ponto ele exagerou? – disse o rapaz já embriagado pelo vinho.

—Não sei o que ele disse. Não posso argumentar em minha defesa.

—Em defesa de que? De desejar algo? De me achar atraente?

—É. Sempre nos sentimos expostos quando desejamos alguém sem reciprocidade.

—E quem disse, rapazinho, que não havia reci... recipo.... reci....

—Reciprocidade.

—Isso! Quem te disse isso?

—Sempre soube.

—Esteve enganado esse tempo todo.

Beijaram-se.

...

—Claro que dissemos para o Fip que nada tinha acontecido. – disse Michel. – Não sei se ele chegou a saber que transamos naquela noite.

—Chegou sim. – disse Flavius – Anos mais tarde eu contei a ele.

—Ah, mas o Chico sempre desconfiou. Volta e meia ele tocava no assunto. Me perguntava se eu achava que eles estavam falando a verdade. Ele dizia que o olhar entre os dois não era bom. Era um olhar de quem escondia algo. No fundo ele sempre soube.

—Acho que essas coisas a gente sempre sabe. – disse Pierre.

—Então cuidado rapaz. – sorriu Rebeca enquanto ambos trocavam olhares furtivos.

Natasha olhou para os meninos como se dissesse: ‘’Porra, agora essa! Tenho que ficar agüentando esse clima de namoradinhos?’’. Michel sorriu:

—Bem, vamos continuar? – disse Natasha.

—Claro.

...

—Chico! Dirige essa porra mais devagar! Eu não quero me enfaixar toda de novo!

—Eu estou com pressa, Natasha!

—Pelo amor de deus criatura! A essa hora os dois já devem ter tido uns dez orgasmos! Chegar lá em meia hora a menos não vai mudar nada!

Chico freou o carro bruscamente, me olhou com uma fúria assassina e disse:

—Sai do carro agora!

—Sai você! Eu é que não vou ficar jogada na estrada de novo!

—Mas agora eu bem que entendo porque aquele seu namoradinho fez isso!

—E eu entendo porque seu pai te descia a porrada!

Ficamos em silêncio olhando um para a cara do outro como se fossemos nos arrancar os dentes, depois começamos a rir sem parar:

—É por isso que eu te amo, sua vaca! – ele disse.

—É por isso que às vezes eu fico em dúvida se te amo ou não.

Ele riu, me xingou de um monte de nome que eu não me digno a lembrar e correu menos. Chegamos em casa na hora do almoço, Michel estava sozinho. A paz voltou a reinar na floresta... por enquanto.


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Notas finais do capítulo

Desculpem a demora. Esse ano tenho sido um péssimo autor, mas minha vidinha anda um caos com estágio, emprego, tcc, tudo junto. Mas agora a maioria dos meus compromissos estão cumpridos e vou voltar a postar periodicamente. Juro que vou =D



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