Sangue escrita por Salomé Abdala


Capítulo 21
Capítulo 19 - Quando a música para.




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’Flavius entrou no quarto atropelando tudo. Mal me dei conta do que estava acontecendo e ele já estava ali me puxando pelos cabelos:

—Seu desgraçado! – ele gritou!

Não vi direito o que aconteceu no meio da confusão. Quando dei por mim já não havia nem sombra de Michel no quarto e Flavius estava ali me xingando de todos os nomes que ele conhecia, exigindo uma explicação:

—Porra, Flavius eu estava transando! Você sabe o que é isso! Já teve aulas de educação sexual!

—Por que você fez isso comigo?- dizia aos berros.

—Eu não fiz isso com você, Flavius. Eu fiz com o Michel! Fiz porque me deu vontade. A minha libido não gira em torno do seu umbigo! Apesar de eu gostar bastante de transitar minha língua por ele. – disse olhando para sua barriga.

—SEU DESGRAÇADO! PATIFE! VOCÊ ACHA DIVERTIDO MACHUCAR AS PESSOAS? ACHA ENGRAÇADO? MAS NÃO É! SEU ANIMAL! BRUTO! DESGRAÇADO!

Ele saiu correndo em direção à sala. É uma droga mas essa merda toda já está começando a ficar repetitiva.’’

...

Estava fora de controle quando desci as escadas. Nem havia me dado conta de que Michel estava ali. Queria chorar, gritar, esmurrar o Fip, morrer, matar, explodir, tudo ao mesmo tempo! Meu corpo se movimentava freneticamente, fora do meu controle. Eu não sabia direito onde estava, quem era e o que devia fazer. Parecia que não cabia no mundo, parecia estar numa freqüência diferente do tempo!

—Flavius... Flavius, eu sei que pode não ser a hora mas... eu quero falar com você!

Disse Michel, que estava enrolado no lençol. Eu olhei para ele umas sete vezes até conseguir me acalmar. Seus olhos estavam desesperados, ele estava realmente preocupado comigo. Aquilo me acalentou de certa forma. Ele não estava me traindo, Michel não sabia do sentimento que eu nutria por ele! Não tinha culpa alguma:

—Po.. pode falar.

Disse já desconcentrado pela visão de seu corpo quase nu. Seu corpo era bonito! Não era definido e trabalhado como o do Fip, tinha um certo ar natural, ombros largos, sardas... Era a primeira vez que o via assim. Ele prosseguiu falando:

—Olha... eu não sabia! Juro que não sabia que vocês estavam juntos, me desculpa!

—Ju..juntos? Nós? Fip e eu? Nã... não! Não estamos juntos!

Ele parou e olhou para mim assustado:

—Como não? E por que fez tudo isso então?

Tremi inteiro. Como eu pude ser tão estúpido? Agora não havia nada que justificasse a minha ação! Droga! O que ele pensará de mim agora? Que sou um descontrolado maníaco! Que sou louco! Como poderia ter feito todo esse escândalo por nada? Como vou me explicar:

—Be...bem... é... é que... eu.... o ... O Fip.... err...

—Ele ta tentando dizer que gosta de você. – Disse o Fip descendo as escadas – E ficou bravo comigo porque eu sei que ele gosta de você e fiquei contigo mesmo assim.

Todo meu sangue congelou. Senti meus membros ficarem dormentes. Não conseguia me mover, nem pensar, minha mente girou. Michel esta ali, olhando para mim. Ouvindo Fip dizer isso! Fip! Eu queria matá-lo, pular no seu pescoço e apertar até ele morrer! Mas não conseguia me mover! Não conseguia ao menos respirar. Michel olhou para mim e disse:

—Bem... é... é que.... isso não justifica, bem, não justifica tal ação... err... eu quero dizer... bem... quero dizer....

—Ele quer dizer que não te corresponde, mas está procurando uma forma delicada de explicar.

Ai que inferno, Fip! Será que você não pode nunca deixar as coisas serem mais fáceis! Agora estávamos eu e Michel olhando um para o outro sem saber o que dizer. Senti o suor frio escorrendo pelo meu rosto, Michel tentou dizer:

—Bem... é... mas, bem... nós mal nos conhecemos.... bem quer dizer... isso pode mudar... com o tempo... não é?

—Ele quer dizer que poderia pensar no seu caso se você não fosse um pirralho pitizento.

—Chico, é melhor você ficar calado. – disse Natasha do sofá.

—CALEM A BOCA TODOS VOCÊS! EU NÃO QUERO VER VOCÊS NUNCA MAIS NA MINHA VIDA!!! – gritei.

—Mentira, Flavius. Nós somos as únicas pessoas que falamos com você nessa cidade. Se não vier visitar a gente nunca mais vai conversar com quem? Com a louca da sua tia?

Não vi mais nada. Corri para longe daquela casa.

...

Estavamos ali, Fip e eu, transando desesperadamente quando Flavius entrou enfurecido no quarto. Ele partiu para cima do Fip xingando-o de vários nomes. Eu me enrolei no lençol e saí correndo de lá. Quando desci dei com Natasha e Felipe me olhando com os olhos esbugalhados:

—O ... o que está acontecendo?

—Eu não faço idéia! – disse Natasha.

Mas que coisa, eles eram namorados! É óbvio! O jeito como conversavam, o modo como Flavius falava do Fip, a intimidade que ele tinha para freqüentar a casa e tudo o mais! Como pude não perceber isso antes? Que coisa, Michel!

Os dois brigaram um bom tempo lá em cima até Flavius descer. Eu senti que devia me desculpar. Eu não sabia que eram namorados, não queria ser parte de um problema entre os dois. Por tudo que há de mais sagrado, não queria mesmo ser responsável por uma briga de casal:

—Flavius! Me desculpe! Eu não sabia! Juro que não sabiam que vocês estavam juntos!

Ele estava visivelmente perturbado! Olhos vidrados, as mãos frenéticas, andava de um lado para o outro sem saber o que fazer. Tive medo que ele me atacasse também. Flavius parou de andar, olhou para mim e disse completamente atordoado:

—Não! Não! Não somos namorados!

Fiquei atônito. Eles não eram namorados? O que eram então? E por que ele se irritara desse modo? Que loucura é essa? Não fazia o menor sentido alguém invadir um quarto, fazer um escândalo desses sem ter um motivo muito forte! Se eles não eram namorados, se não estava rolando aí uma traição, o que era então?

—Por que você fez esse escândalo todo então? Está louco?!

—Nã... não! Não. É.... é que.... que....

—É que, o que?

—É que ele é apaixonado por você! – disse Fip lá de cima – E eu sabia disso, então ele considerou uma traição que eu estivesse trepando contigo.

Eu não acredito! Como alguém pode fazer tudo isso por causa de um motivo tão idiota? Apaixonado por mim? Mas nós nem nos conhecemos! Nunca nem conversamos! Eu sempre soube que ele era um menino muito esquisito, mas não imaginei que chegasse a esse ponto! O que ele pensa que é? Meu dono? Mas que tipo de perturbação esse menino tem??

—Olha! – eu disse – Nã... não – ia dizer tudo isso a ele, mas fiquei com medo, ele estava visivelmente perturbado e, sabe-se lá deus como ele poderia reagir. Era melhor não bater de frente com ele agora!

—O que? – ele perguntou.

—Ele quer dizer que não gosta de você! – disse Fip.

Droga Fip, não deixe as coisas piores do que estão! Se esse menino pensar assim, bem ele pode sair totalmente do controle:

—Não é isso! ... é que.... bem... nem nos conhecemos... não é....

—Ele não vai gostar de você, Flavius, por que você é um mimado pitizento!

O Fip disse quase lendo meus pensamentos, mas eu não queria que as coisas fossem expostas desse jeito! Não naquele momento! Por mais mimado que ele fosse, ainda tinha sentimentos que deveriam ser respeitados! Não queria feri-lo assim!

—CALA SUA BOCA! CALEM A BOCA TODOS OCÊS! DESAPAREÇAM DA MINHA VIDA! DESAPAREÇAM DE PERTO DE MIM! EU NÃO QUERO OUVIR VOCÊS! NÃO QUERO VER VOCÊS NUNCA MAIS!!! – ele esbravejou.

—Larga de ser mentiroso. – disse o Fip num tom impaciente – Quem além de nós vai ter paciência pra agüentar você?! Você vai ter que voltar, pirralho, se não vai morrer de solidão!

Acho que essa foi a gota d’agua porque depois disso Flavius saiu correndo e Felipe foi atrás. Natasha continuou vendo televisão e eu subi até Fip para ver se ele não tinha se machucado:

—Não se machucou?

—Dessa vez, pelo menos, não me bateu.

—Você precisa dar um jeito nisso Fip! Ele não pode te tratar como bem entende!

—Ele não pode mesmo. – ele disse olhando para a porta – Mas você... você bem que podia me mostrar um pouco mais daquele tratamento... – olhou para mim com um olhar languido que me derreteu. Não demorou muito para que estivéssemos novamente no quarto terminando o assunto que havíamos começado.

...

—Sai de perto de mim! – Flavius gritou ao avistar Felipe.

—Calma! Calma! – disse segurando-o fazendo o garoto parar de correr – Você não pode ficar assim!

—E como quer que eu fique? Hein? Me solta! Eu já disse que não quero nenhum de vocês perto de mim!

—Eu não sou nenhum deles! Eu não te fiz nada! Quero ser seu amigo! Estou aqui pra te ajudar! Você não pode descontar em mim uma coisa que o Fip te fez!

Flavius parou de esbravejar e falou:

—É verdade... me desculpa.

—Tudo bem. Eu sei como se sente. Fip não é um filho da puta só com você.

—Por que ele faz essas coisas?

—Eu não sei. Também gostaria de entender.

—Ele já sacaneou muito você?

—Muito mais do que eu poderia suportar.

Flavius olhou para Felipe com uma certa dó, percebeu que seus olhos estavam cheios de lágrimas, falou:

—Não fique assim. Vamos pra minha casa, lá a gente pode conversar melhor.

...

‘’Olhando pela janela enquanto Michel dormia passei a pesar o que havia feito. Era uma droga que tivesse que ser assim. Mas Flavius e essa mania de se fazer de coitado me irrita profundamente. Que droga de menino! Sempre querendo tudo para si! E ainda jogando esse peso em mim! Como se eu fosse o monstro! O errado! A aberração! Já não suporto mais! Sempre eu! Sempre eu! A ovelha negra da família, o destruidor de corações, quando as pessoas vão parar de me tratar como se eu fosse uma aberração?

Eu não agüento mais existir. E respirar dói em minha'lma porque, quando respiro, lembro que minha vida insiste em permanecer... Meu drama, tão sacana, não me permite apenas seguir. Por ele (o drama) eu me arrasto, encolho-me ... me mato... A morrer delicadamente dessa bruta flor que é viver... permanecer, respirar....
E insistir num dia a dia roto, torpe, fragmentado. Que não convence... não se move. Ser qualquer um, O ninguém, um você. Mirar um espelho vazio e contemplar um sorriso amarelo que nega qualquer apego, apelo ou afeição. Não saber quem é ou por quem quer ser...
Estar distante. Diante do inimigo... que é o público, o púlpito... o desrespeito linear. Viver é estar exposto ao ridículo, ao julgamento pelos olhos de outrem... Outros espelhos que não amam e não entendem seu jeito de (se) amar. Queria sorrir e amar qualquer um que não ria de mim.... mas me arrancaram os dentes e meu sorriso não sorri mais... Odeio todos vocês por terem me coibido o direito de me amar... odeio todos vocês, Flavius, e um dia vou me vingar!’’


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