VMHV - Vírus de Mutação Humana Vampiresca escrita por Bellaluna Creator


Capítulo 8
Luar


Notas iniciais do capítulo

Promessa é divida, então aqui está. Este é um dos meus capítulos preferidos. Talvez entendam o porque ao ler, talvez não. De qualquer forma, espero que gostem.

Boa leitura!S2



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Cerca de meia hora depois de ficar ouvindo Selênia se mexer na cama de um lado a outro, Alex recebeu a seguinte mensagem no celular: "Não funcionou. Sabe algum outro truque?" Ele resistiu a tentação de passar a mão no rosto em frustração. Teriam que acordar cedo para ir ao colégio, mas lá estavam eles, tarde da noite, acordados.

 

Só sei mais um. :

: Qual?

    Te dar um murro. :

Esse funciona 100%. :

Quer testar? :

 

Pôde ouvi-la bufar risonha em seu quarto, quando leu a mensagem. Os cantos de sua boca se curvaram animadamente. Percebeu que gostava de fazê-la rir. Desde a luta no tatame sentia um início de amizade entre eles que era estranhamente revigorante. Talvez, por estar a algum tempo mantendo distância — tanto emocional, quanto física — das pessoas durante os dois últimos meses, depois da traição que sofreu. A simples sensação de ter alguém aparentemente do seu lado, quando ela afirmou com convicção que o ajudaria a pegar o cretino do seu ex-parceiro, o fez sentir como se um peso que vinha carregando desde o dia da rasteira que aquele vira casaca lhe deu, tivesse saído de seus ombros. O jeito direto e sincero dela estava ganhando a confiança dele na marra, por mais que não quisesse depositar credibilidade em ninguém. Involuntária e inconscientemente estava começando a confiar nela. Não muito, apenas um pouco. O bastante para deixá-lo suficientemente confortável com sua tarefa de protegê-la.

 

    Isso não é hora de você estar acordada, vamos acordar cedo. :

Durma de uma vez. :

 

    Mandou para ela depois de um tempo sem nenhuma resposta.

 

: Já disse.

: Não estou conseguindo.

: *emoji bufando*

    E o que espera que eu faça? :

*emoji questionador*:

: Vamos jogar.

    Jogar? :

A essa hora? :

Jogar o quê? :

E por quê? :

: Jogos.

: Tipo baralho, ou jogos de tabuleiro, ou vídeo games, sei lá.

: Qualquer coisa.

: Gosto de jogar quando não consigo dormir.

    Tá, mas você não pode jogar sozinha? :

Por que tenho que jogar também? :

: Não é tão divertido jogar sozinha quanto jogar com alguém.

: E se eu ficar acordada, presumo que você vai acabar ficando também... 

: Então, por que não jogar comigo?

 

 O argumento dela era válido. Era verdade que ele acabaria ficando acordado se ela não fosse dormir.

 

    Tudo bem, vamos jogar. :

Mas só uma partida e depois vamos dormir. :

 

Precisavam estar descansados para o caso de acontecer alguma coisa. O sono deixa as pessoas lerdas e meio irracionais. Se alguma coisa acontecesse eles precisavam estar em condição de lidar totalmente com a situação.

 

: Duas.

 

Selênia tentou persuadi-lo.

 

    Uma só ou você vai jogar sozinha. :

 

"Que cara mesquinho..." ouviu-a sussurrar no outro quarto depois de ler a mensagem.

 

: Ok.

: Uma, então.

 

Conformou-se Selênia, e Alex a ouviu levantar e andar pelo quarto. Novamente ouviu as portas duplas da sacada dela abrindo. Sentou na cama franzindo a testa, e olhando sua própria sacada. "Ela quer jogar ali fora, no relento?" se perguntou, mas antes que levantasse de modo a verificar, viu-a pular na sacada dele. Arregalou os olhos, surpreso. "O que ela está fazendo? Por que não usou a porta, se queria vir aqui?" perguntou-se vendo-a bater no vidro das portas duplas, pedindo que fossem abertas. Confuso, Alex saiu da cama, e cauteloso deixou-a entrar. Com toda a naturalidade do mundo Selênia foi direto para o armário e começou a procurar alguma coisa.

— Ahm... Selênia? — Alex começou a falar, desorientado pelas ações da garota.

— Sim?! — disse ela sem se virar, fuçando o armário.

— O que está procurando? E por que pulou a sacada ao invés de usar a porta? — questionou-a, buscando entender as incongruências dela.

— Estou procurando o baralho do meu irmão. Eu costumava jogar com ele de noite quando não conseguia dormir — foi a resposta, abafada pelas paredes do móvel em que ela mexia. A metade do corpo escondida atrás das portas.

— Tá, mas por que pular a sacada, ao invés de usar a porta? — Alex perguntou mais incisivamente, massageando a ponte do nariz completamente abismado com a forma que ela entrou no quarto provisório dele.

— Costume — falou Selênia dando de ombros, e em seguida: Achei! — tirando do armário um bolo de cartas amarrado com elásticos. Sorridente, se sentou no chão e começou a embaralhar as cartas. Ao ver que Alex não a acompanhou, Selênia parou de embaralhar e olhou-o. — Vem. Senta. Vamos jogar — falou, dando tapinhas no chão à sua frente.

Ele continuou em pé, pensativo.

— Selênia... Como assim... Costume? — continuava achando aquilo tudo muito estranho, para dizer o mínimo e começava a se inquietar por ela parecer não ver nada de errado naquilo.

Vê-la entrando pela sacada, no quarto de alguém que ela mal tinha acabado de conhecer… Não conseguia explicar bem o sentimento que isso lhe trazia. Uma mistura de insegurança, apreensão, desconfiança, e… Medo. Sim. Medo do que aquele comportamento poderia significar ou acarretar. Ainda que não soubesse o que exatamente poderia ser.

— Ahm... Desde nova, quando não conseguia dormir por qualquer motivo que fosse, eu ia até meu irmão — confessou contemplativa enquanto suas mãos iam embaralhando as cartas automaticamente. — Eu não sei exatamente quando isso começou. O que sei é que escapulia pro quarto do Sebastian sempre que estava com algum problema, e ficávamos acordados de madrugada por muito tempo. Nossos pais descobriram e não gostaram disso porque prejudicava nossas atividades diurnas. Então eles passaram a trancar as portas dos nossos quartos depois da meia noite, para evitar nossas reuniões noturnas. Mas... Sebastian e eu descobrimos outro jeito de contornar essa situação — ela apontou a sacada com a cabeça sorrindo travessa. — Acabou se tornando um hábito — deu de ombros. — Mesmo depois que nossos pais já não trancavam mais as portas, continuamos usando as sacadas — terminou de contar colocando o bolo de cartas embaralhadas no chão entre eles. — Você sabe jogar trinca? — perguntou quando Alex finalmente sentou-se à sua frente de pernas cruzadas, ponderando seu relato.

— Sei — respondeu brevemente a pergunta, ruminando os pensamentos. Até poderia ser costume ela ir no quarto do irmão pulando a sacada. Mas ele não era o irmão dela. Se qualquer outra pessoa estivesse ali no lugar dele, ela faria o mesmo? Ela não tinha um senso de autopreservação, não? Eles eram somente conhecidos até o momento. Como ela podia entrar no quarto dele daquele jeito? E se ele também fosse um vira casaca como o nojento do ex-parceiro dele? Essa garota parecia não ter muita noção de perigo... No entanto, mesmo enquanto pensava nisso sabia que não era verdade. Não era isso. Ela tinha percebido ele seguindo-a, o que mostrava que ela tinha noção de perigo sim, além de um senso de atenção a detalhes apurado, pois ele fora muito discreto ao seguí-la. Então, a única outra resposta que ele conseguiu pensar foi que ela tinha confiança nele. Bastante, ao que tudo indicava. E isso talvez fosse mais assustador que qualquer outra possibilidade.

— Então você corta e dá as cartas — ela disse no intervalo que ele levou pensando consigo mesmo. Focando os olhos nela, Alex encarou-a sem falar ou fazer nada por uns trinta segundos, como se a estivesse vendo verdadeiramente pela primeira vez. — O que foi? Não quer dar as cartas? Eu faço então — disse ela, entendendo o silêncio e inatividade dele como uma negativa ao seu pedido. Contudo, ao estender as mãos para o baralho Alex segurou-as, impedindo-a. Surpresa ela o encarou. Os olhos esbugalhados. Não conseguiu pensar em nada, a mente ficou em branco. O coração bateu acelerado, assustado e confuso com a ação inesperada.

— Selênia... — ele começou a dizer de cabeça baixa, olhando as mãos dela entre as suas. Pareciam tão pequenas comparadas às dele... Não tinha reparado nisso antes. Mesmo assim eram mãos fortes de uma guerreira perfeitamente capaz de cuidar de si mesma. Podia dizer isso só pelos calos. Do tipo que só quem treina artes marciais continuamente acaba desenvolvendo. — Por que confia em mim? O que eu fiz que te fez acreditar tanto em mim? Somos praticamente estranhos... E se eu quisesse te fazer mal? Sabe que poderia te subjugar se quisesse... — prosseguiu em um lamento baixo, quase um sussurro, enquanto levantava a cabeça para olhá-la nos olhos. Buscava na sinceridade do olhar cinzento dela um conforto que nem mesmo sabia conscientemente estar procurando. É, Selênia têm os olhos cinza, um cinza furta cor. De modo que a maior parte do tempo eles parecem ter qualquer outra cor, menos o cinza. É uma característica de todo o imune, e uma informação à qual pouquíssimas pessoas têm acesso, por ser muito valiosa na identificação de imunes. Alex sabia a cor dos olhos dela por sua ficha, mas só agora de fato tinha reparado. Se pela inclinação da luz ou pela proximidade, ou até mesmo a mistura dos dois, ele não saberia dizer. O fato é que ele se sentia atraído por aqueles olhos, no momento, faminto por algo que seu subconsciente ansiava desesperadamente desde o dia que perdeu a fé nas pessoas. A honestidade que já não conseguia mais visualizar nos outros.

A amargura e angústia que transpareceu no rosto dele chocaram Selênia. Lembrando do que ele havia dito sobre ter sido completamente traído por seu ex-parceiro, sentiu seu coração apertar em solidariedade. Se o que aconteceu com ele tivesse acontecido com ela... Talvez não conseguisse nem sair de casa novamente. Acabaria maluca. Das duas, uma. Ou seguiria em frente confiando outra vez e se arriscando a ser traída novamente. Ou se tornaria uma reclusa, duvidando de tudo e todos. Alex era incrível só por estar trabalhando normalmente, com tamanha ferida emocional aberta. Uma mágoa não resolvida, que ele tentava ignorar enquanto ardia e sangrava. Trincando os dentes, fingia ser capaz de viver sem tratar o machucado que estava a infeccionar.

O coração de Selênia apertou e ela sorriu amavelmente. Diferentemente da primeira vez que sorriu assim para ele na lanchonete, esse sorriso era sincero. Suavemente soltou-se das mãos que a seguravam e se inclinou para frente, sem pensar muito no que fazia, pretendendo abraçá-lo. Mas, no que se moveu, Alex descruzou as pernas e apoiou as mãos no chão atrás de si, afastando-se instintivamente. Tarde demais percebeu a intenção dela, quando os braços de Selênia já envolviam seu pescoço. Perplexo estendeu a mão e segurou um braço dela acima do cotovelo, como se pretendesse afastá-lo, e sentiu os olhos marejar involuntariamente. Piscou rapidamente várias vezes impedindo as lágrimas de caírem, perguntando-se porquê estava sendo tão emotivo com um simples abraço.

— Você é o meu guarda-costas, Alex. Se eu não confiar em você, em quem devo confiar? — ela falou com voz baixa e suave. A bochecha roçando a dele ao falar. Os braços envolvendo-o carinhosamente. — Além do mais, do jeito que você cuidou do meu machucado, como posso pensar que você me faria algum mal? — continuou. Alex deixou a mão que segurava o braço dela cair ao lado do corpo, sem notar. — Você pode não confiar em mim, se quiser, mas eu preciso confiar em você. Então eu vou confiar. Ainda que você não confie em si mesmo, eu vou confiar. Vou confiar, por nós dois. Vou assumir esse risco e lidar com as consequências quando elas vierem — terminou de falar e se afastou sentando sobre os joelhos, um sorriso doce evidenciando a boca pequena de lábios cheios.

Alex estava sem palavras. Como ela podia dizer aquilo? Ao menos sabia o que estava falando? "Assumir o risco?! Lidar com as consequências quando elas viessem?! Droga!.." pensou ele "Se uma garota como ela diz algo desse tipo eu não posso me dar ao luxo de agir como um gatinho assustado...". Pegou-se sorrindo de volta, os lábios tremendo ao se afastarem em um meio sorriso lateral. Os sentimentos de insegurança, apreensão e medo agindo mais fortes agora do que antes, e por um motivo completamente diferente. De alguma forma, Selênia conseguiu abalar as estruturas de Alex obrigando-o a encarar de frente o monstro da suspeita que dominou-o nos últimos meses, e o fez questionar constantemente sobre o quão bem se podia conhecer alguém até poder confiar. Agora, Alex não poderia continuar a desconfiar dela, mesmo que quisesse. Ele não estava tão cego pelo rancor ao ponto de não enxergar a sinceridade quando ela se apresentava para ele tão nua e crua, sobre a suave luz tenra que se refletia em certos olhos cinzas...

— Então... Vamos deixar o jogo pra outro dia, estou cansada agora — disse Selênia. O silêncio tinha se estendido entre os dois, e ela começava a se sentir constrangida com o que tinha dito. Principiou levantar, mas Alex a impediu segurando-lhe o pulso. Ela o olhou, meio agachada, meio em pé. Uma sobrancelha levantada em uma pergunta muda.

— Obrigado... — foi tudo o que ele conseguiu dizer esperando que com isso pudesse transmitir ao menos um pouco a estranha mistura de sentimentos que começavam a lhe encher o peito. Gratidão, companheirismo, conforto... Sentiu vontade de puxá-la para um abraço, mas não o fez achando que parecia estranho agora que ela já estava indo. Selênia abriu mais um sorriso encantador ao ouvi-lo. Ele soltou-a e viu-a voltar para o próprio quarto parecendo uma fada etérea quando a luz da lua iluminou-a brevemente ao pular de uma sacada a outra.

Muito tempo depois Alex ainda estava acordado, deitado de costas na cama com as mãos atrás da cabeça olhando o teto. Um sorriso bobo não lhe saía dos lábios. Selênia tinha dito antes que ele era um cara legal, mas ela também era uma garota legal. Muito, muito legal. Alex nunca tinha conhecido ninguém como ela. O que ela falou só fez com que o dever de protegê-la se tornasse mais que apenas um trabalho. Pessoas raras como ela precisavam ser preservadas. Ele a protegeria custasse o que custasse, para que ela não precisasse lidar com as consequências de depositar tanta fé nele.





Alex seguia uma silhueta feminina que cintilava sobre a luz da lua por entre uma floresta de árvores espaçadas. Ela segurava a mão dele guiando-o sabe-se lá para onde, mas ele não se importava no momento. Sua forma era tão brilhante e calorosa que ele se sentia estranhamente confortável. De tempos em tempos ela olhava para trás e sorria. Alex sorria de volta encantado. Não conseguia ver claramente as feições do ser feminino que o estava puxando, e a mão dela que segurava a sua era levemente fria como a superfície de um vidro num dia fresco de primavera. Chegava a ser refrescante, já que a mão dele era quente. Quase como um banho frio num dia de calor.

Estava seguindo-a fazia um bom tempo quando numa dessas vezes que ela virou para trás e sorriu, ele percebeu que ela acabaria batendo a cabeça num galho baixo que estava a frente. Ele puxou-a alarmado tentando impedir o acidente. Sem querer fez com que ela acabasse arranhando o braço em outro galho que não tinha notado. Rapidamente um fino corte apareceu brotando sangue. Alex ficou triste ao vê-la ferida, mesmo tentando evitar exatamente isso.

A figura feminina apenas sorriu e colocou uma mão na bochecha dele. O frescor da pele dela sobre a sua era alentadora. Queria preservar a sensação o máximo possível, mas quando estava prestes a pôr sua mão sobre a dela… Acordou de súbito ouvindo um despertador tocar.

Como um vidro que sofre um impacto, o sonho se despedaçou em fragmentos que foram ficando cada vez menores conforme o corpo ia se focando na realidade. Como uma neblina que se dispersa lentamente ao aparecimento da aurora, o sonho se apagou completamente de sua mente ao despertar. Somente o cálido sentimento de conforto foi preservado, deixando-o com a estranha sensação de quem perde algo importante dentro de casa e mesmo procurando loucamente não consegue achar.


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Notas finais do capítulo

E aí, gostaram? Não?
Eu adoro essa interação e o modo como a relação deles começa a mudar daqui para a frente.
Alex precisava de alguém que colocasse a cabeça dele de volta no lugar. Lhe mostrando que há pessoas boas e confiáveis no mundo, e que não é preciso ir longe para encontrá-las. Ainda existe esperança afinal, só é preciso um pouco de fé.

Por favor, não se sintam preocionados a concordar com meus pontos de vista de modo algum. Podem expressar suas opiniões livremente, elas me ajudam a melhorar tanto o enredo quanto a lógica da história. Se algo ficou estranho ou incompreensivel, não deixem de comentar.

É claro, também aceito elogios, he he. Me motivam a continuar escrevendo.

Estou mais falante para compensar os caps atrasados. Tomara que gostem desse meu monólogo, mas podem dizer se não gostarem também.

Obrigada por chegarem até aqui. Beijos e até o próximo cap!