Eu sou... Scarlet Mills escrita por lljj


Capítulo 11
Satélites




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A invasão da Muralha Rose não gerou a mesma onda de desespero e violência vista cinco anos atrás. A população estava muito confusa com as notícias que chegavam para esboçar qualquer reação que não começasse com um “como?”.

Como a muralha foi rompida e depois consertada?

Como um titã ajudou na batalha?

Como que existia um garoto que virava titã?

Como?!

Enviei uma carta para Erwin exigindo respostas. Recebi duas folhas, frente e verso, narrando animadamente o que parecia ser um conto fantástico de um autor sob forte influência de alucinógenos. O garoto titã era real. Após o surgimento do titã colossal, aquele maior que as próprias muralhas, e o rompimento do portão de Trost, o tal garoto se transformou em titã e usou uma pedra imensa para cobrir o buraco aberto. Tipo, o que?! Restou as tropas de exploração e estacionárias exterminarem os titãs soltos no distrito. A população local já estava até liberada para retornar às suas residências. E além dos fatos, Erwin usou boa parte do papel para dispersar suas divagações sobre o que o aparecimento do garoto titã significava para a humanidade. “Eren é a chave para desvendarmos o segredo deste mundo”.

Que loucura!

Minha mente não concebeu nem um terço da carta, por isso, quando os jornais anunciaram que o garoto titã seria entregue para a polícia militar de Stohess, embarquei numa diligência para o distrito para acompanhar de perto essa movimentação.

Se Erwin estivesse por lá, tentaria tirar essa história a limpo pessoalmente.

— Isso tudo parece mais uma desculpa para justificar a entrada do povo de fora em Sina — julgou Renzel, se servindo de outra dose de chá. — Eles não entendem que não cabem mais imigrantes aqui. Nossas ruas já estão lotadas de pivetes.

Olhei para ele por cima da borda da xícara. Estávamos no nosso habitual ponto de encontro, uma confeitaria no coração pulsante do distrito.

— Se as autoridades tivessem o mínimo de controle, o povo de fora teria emprego e moradia e não precisaria ficar nas ruas roubando os outros.

Renzel revirou os olhos.

— Você devia ter investido no ramo de advocacia, já que gosta tanto de defender os pobres e oprimidos.

Chutei-o por baixo da mesa, e ele riu suavemente. A nova configuração do nosso relacionamento passou da fase de adaptação e, agora, podíamos compartilhar as horas juntos sem que o manto da tensão nos cobrisse — pelo menos, na maior parte do tempo.

Quando Renzel comunicou que pedira Bete em casamento levei semanas para digerir a notícia. Foi tão repentino, e coincidiu com o período que me instalei fixamente na casa de Daniel. O receio de Renzel estar usando Bete no jogo doentio de mágoas que críamos, aliado a uma sensação persistente de despeito, me fez passar semanas sem querer vê-lo. Bete viajou para Mitra especialmente para entregar o convite da cerimônia e pedir para eu comparecer. “Não seria um momento feliz sem sua presença”, disse ela, inconsciente de grande parte da história que eu possuía com seu futuro marido.

Isso só me fez ter mais raiva.

Mas eu fui ao casamento, assisti a troca de votos e parabenizei os noivos. Nem doeu. Renzel parecia satisfeito, e Bete, exultante. Compus uma canção naquela noite, as estrelas tilintando no céu como base para a inspiração. Renzel e eu tínhamos muito potencial, porém nos isolamos em nossos próprios mundinhos. Éramos satélites solitários, mas com tanto a oferecer um ao outro. Se ele pudesse amar Bete, se pudesse se libertar dos ressentimentos, então poderíamos ter esperanças. Esperanças de tirar algo construtivo de toda a dor. Nós só precisávamos de mais tempo.

Quando nasceu Isaac Willians, com os olhos azul-elétrico do pai e os cachos loiros da mãe, eu me senti pronta para erguer a bandeira de paz e abraçar Renzel pela primeira vez em anos.

Estávamos indo bem desde então.

Pelas largas janelas do segundo andar da confeitaria, captei a passagem veloz de um grupo de soldados, todos com o DMT zumbindo por entre os prédios.

— A escolta do garoto titã deve ter chegado — comentei, interessada no caminho que os soldados seguiram.

— Estou dizendo, é tudo armação — retorquiu Renzel. — A PM é tão desocupada que deve ter se prestado a atuar como se realmente houvesse algo acontecendo. Aposto meu suado dinheiro que...

Uma explosão fez estremecer os vidros das janelas. Pessoas saltaram das mesas, derrubando pratos e talheres.

— O que foi isso? — questionou Renzel, para ninguém em particular.

— Parece um disparo de canhão — respondeu um homem.

— A tropa estacionária está fazendo testes hoje? — perguntou uma mulher.

O burburinho agitado se elevou quando uma movimentação começou na rua. Pessoas saíam de todos os lugares para ver o que estava acontecendo.

Outra explosão se fez ouvir, seguida por fortes tremores de terra.

— Terremoto? — indaguei, encarando Renzel.

O rosto dele se apertou em preocupação.

— Bete e Isaac estão sozinhos — disse, já se encaminhando para a saída.

— Hick está com eles — lembrei, seguindo-o.

— O que não significa nada.

Hick era mais que capacitado em agir em momentos de tensão, mas me abstive de contradizê-lo. Os barulhos que ecoavam eram algo que jamais ouvi na vida. Após uma recente tentativa de invasão titã qualquer coisa minimamente estranha já causava temor. Não que o mesmo fosse acontecer aqui, afinal, estamos em Sina. Para os titãs nos alcançarem, primeiro teriam que passar por Rose e a situação por lá estava estável.

Então, o que estava acontecendo?

Quando uma comitiva de soldados com o símbolo da tropa de exploração passou voando sobre nossas cabeças meu coração disparou. Seja lá o que fosse, era grave. O alarde só aumentou ao encontrarmos o cordão de isolamento que impedia a passagem para a área na qual Renzel morava.

— Eu exijo passar! — exclamou Renzel para um soldado da polícia. — Minha família está aí!

O policial estava molhado de suor e sua voz estampou nervosismo ao dizer:

— Temos ordens de bloqueio, senhor. É para sua própria segurança.

— E qual é o perigo? — perguntei, atordoada pelo barulho crescente, ritmado quase como... passos. Uma corrida... E haviam gritos! Altíssimos e... cada vez mais perto. — O que é isso?!

Renzel arquejou ao meu lado, os olhos fixos à direita.

— Caralho!

Virei-me para olhar e congelei.

Nunca parei para imaginar detidamente como seria a aparência de um titã. Grande, era o que pensava, e só. Mas, de verdade, a criatura era muito maior. E muito vermelha. E rápida. E vindo em minha direção, deixando um rastro de destruição em sua passagem.

Um grito rasgou minha garganta; mais senti do que ouvi, pois o barulho que a coisa fazia abafava todo o resto. Senti alguém me puxar; Renzel ou um policial, não podia dizer. Meus olhos estavam presos naquilo, na forma fluída com que se movia, apesar do tamanho descomunal. Minhas pernas travaram no lugar e nenhum instinto de autopreservação conseguia fazê-las se mexerem.

Eu morreria esmagada?

Uma vida inteira de luta pela sobrevivência encontraria seu fim no pé de um titã?

A ideia era tão patética que comecei a rir. E foi durante a risada que alguém, um soldado, me agarrou pela cintura e nos ejetou para cima, depois, para o lado, então pousou pesadamente na beirada de um telhado. Meus joelhos cederam completamente.

— Senhora, você está bem? — questionou o rapaz, o símbolo da polícia em seu peito.

Eu queria responder que sim, mas estava ocupada demais tentando recuperar o fôlego. Quadras a frente, o titã continuava correndo, com outro ainda maior a persegui-lo.

— Por Sina... — sussurrei no fiapo de voz que me restou. — Por Rose... e Maria...

— Titãs... — o tom abismado me fez notar a presença de Renzel ali perto. — Titãs em Stohess!

As duas criaturas seguiram em direção ao limite da muralha e uma delas começou a escalar o paredão. Porra, desde quando titãs faziam isso?! Foi assim que entraram? Mas antes que o titã chegasse ao topo, um pontinho preto, provavelmente algum membro da tropa de exploração, conseguiu cortar seus dedos e a coisa despencou para o chão, onde a faixa de prédios impedia uma visão clara do que acontecia. De qualquer forma, outra coisa conquistou o foco da minha atenção.

— O que é aquilo na muralha? — perguntei, apontando para o buraco recém-aberto. — É um rosto?

Um dos policias arquejou.

— Tem um titã dentro da muralha?!

Era oficial: o mundo estava de cabeça para baixo.

~|~

Na crista da confusão, Renzel e eu fomos levados para um abrigo, no qual dezenas de civis se encontravam amontoados. Por sorte, Bete, o bebê e Hick estavam lá desde o início do... ataque? Invasão? Batalha de titãs? Ninguém sabia dizer o que acontecera, apesar de centenas de olhos terem assistido o decorrer dos fatos. Mesmo assim, ouvi pouquíssimas pessoas comentando sobre o titã enorme que havia dentro das paredes da muralha.

Ao anoitecer, quando tivemos permissão de sair do abrigo, o buraco já havia sido coberto.

Os titãs haviam desaparecido.


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Notas finais do capítulo

Capitulo curtinho, mas intenso.



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