Sugarcoat escrita por Camélia Bardon


Capítulo 8
Hold my Girl




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Se você nunca dormiu com alguém – no sentido literal da palavra – eu posso fazer um relatório acerca das sensações, para você. Trata-se do momento mais vulnerável da sua vida e, ainda assim, a outra pessoa escolhe não desenhar no seu rosto. (no pior dos casos, o outro poderia te apunhalar, mas vamos manter tudo pacífico por aqui, sim?) É também o momento em que o belo é questionável, pois é quando conseguimos encontrar beleza numa boca escancarada, a baba escorrendo bem no cantinho para o seu braço. Mesmo assim, você abre um sorriso ao ouvir mais um ronco desconjuntado, porque isso significa que ela está bem e protegida.

Não tem cena mais digna de ser emoldurada num quadro mental, bem na seção "coisas mais belas que estes meus reles olhos já tiveram a sorte de presenciar". E olhe que só se passaram duas horas.

Certo, falando assim parece um tanto maníaco, porém eu juro que estou sendo carinhoso.

Quando Cassy se revira e acorda sem querer no processo, solta um resmungo baixo.

— Desculpa, eu te acordei? — murmura ela, abrindo apenas um olho. — Digo, está acordado há muito?

— Não, tem uns minutos, não se preocupa — nem dormir eu dormi... — Dormiu bem?

Ela assente com a cabeça, tirando um de seus braços de minha cintura para poder coçar os olhos. Sorrio com o gesto – coisa que Cassy nunca vai descobrir a respeito – e me espreguiço na minha melhor tentativa de fingir sonolência. Ela se ergue um pouco na cama para conseguir alcançar meu rosto, depositando ali um projeto de beijo. Mais rápido do que consigo calcular, sua sonolência vai embora junto quando se levanta.

— Viu, eu vou lá à recepção ver quanto fica o preço para dois no quarto, depois eu volto. Você fica aqui? Pode tomar um banho e... — mal terminando de dizer isso, ela pigarreou e olhou para cima. — Eu não quis dizer que você está fedido, é só... Fique à vontade. Entende?

— Cassy — a advirto, segurando seu rosto entre minhas mãos.

Ela ri, fazendo as bochechas estufarem. Beijo um lado de cada vez, terminando com um beijo longo em seus lábios.

— Ok, desculpe. Guarde esse entusiasmo para depois.

Cassy ri com maldade, partindo para reorganizar as coisas na recepção. Quanto a mim, permaneço observando até que ela suma pela porta, e tudo que resta é suspirar e procurar a toalha na mala embaixo da outra cama. Há algo estranho em tomar dois banhos no dia, geralmente, mas hoje é algo bem-vindo.

Assim como no Tamara's, o banheiro se localiza no final do corredor, mas agora é a única porta de frente que encontro – as outras, laterais, dão para os quartos. Cassy tem razão. Da próxima vez, procurarei uma pensão. Elas são muito mais confortáveis do que um hotel.

Capricho no segundo banho, não conseguindo driblar a lavagem de cabelo, infelizmente. Já dá para ver tudo: ele só vai secar por completo amanhã, pela noite. Enrolo-me numa roupa de frio casual, aproveitando a ventania incessante do lado de fora. Ao retornar para o quarto, encontro Cassy também enrolada num roupão. De banho? De frio? Ambos?

— Bonne nuit, mon cher — ela sorri, fingindo erguer uma taça como Leonardo DiCaprio em O Grande Gatsby. Sento-me ao seu lado, o que a faz dar um espaço extra na cama.

— Quanta classe! — gargalho, — Vai tomar banho também?

— Com toda certeza. Mas daqui a pouco.

— Tem planos para agora, senhorita?

Cassy abre um sorriso ladino, junto a uma erguida de sobrancelha questionável.

— Olha... Ter eu até tenho, mas eles não vão se cumprir sozinhos, eu precisaria de uma mãozinha a mais.

— Mãozinha? — rio da expressão, ao passo que ela se vira para mim.

— Bem... Talvez outros, também. A graça da coisa é não dizer, é mais sobre fazer e deixar acontecer no ritmo que vier a calhar, sabe?

Pisco em confusão, de brincadeira, o que a faz rir e me recostar sobre o encosto da cama. Nego ter perdido uma lufada de ar no processo, contudo ambos sabemos que isso é algo impossível de disfarçar. Cassy sorri e passa uma perna por cada lado do meu colo, nada invasivamente. Isso alivia a tensão do momento. Pressiono uma mão contra sua cintura, o que a faz morder o lábio.

— Sei. Será um prazer ajudá-la nos seus planos, se está me convidando com tanto cuidado.

Dispensando comentários posteriores desnecessários, Cassy me auxilia com as mãos, começando pelo nó do cordão do roupão. Venho a descobrir que o "ritmo que vier a calhar" não precisa de um relatório de sensações. Meu corpo já se encarrega de ser o bloco de notas, nesse caso.

════ ⋆ ☼ ⋆ ════

Sinto-me tentado a um terceiro banho, no entanto dou lugar a um descanso merecido. No segundo sono, o que eu participo, sou embalado pelo cheiro do xampu de coco da mulher maravilhosa ao meu lado.

No dia seguinte, não acordo com ela. Mesmo assim, o cheiro de café e pães frescos. Procuro meu celular – que deve estar no chão, junto com a pilha de roupas – e checo o horário. Já passa das nove da manhã. Que milagre foi esse que dormi até mais tarde?

— Bom dia — escuto, da outra cama. Olho para lá e, após um bocejo, consigo distinguir a cabeleira ondulada e volumosa de Cassy atrás do notebook. Ela sorri suavemente, com os olhos pesados, e aponta com a cabeça para o lado. — Comprei café, mais cedo. Não trabalho de estômago vazio... Chega mais, come um pouquinho.

Estou precisando mesmo.

Rolo preguiçosamente para a cama adjacente, quase me derrubando no processo. Se Cassy repara, é educada o suficiente para não parar de trabalhar e rir do meu desastre. Ao invés disso, me passa o copo de café e uma bandeja de pretzels doces. Escuto meu estômago roncar com certa culpa. Ontem estivemos tão ocupados que não tivemos a decência de comer algo.

— Obrigado — os aceito com um sorriso, e me colo a ela para ver o que está fazendo. Do outro lado da cama, vários livros estão espalhados, contrastando o monte de tecnologia que nos cerca. — Está traduzindo algo hoje?

Ao contrário do que penso, Cassy puxa o notebook para o lado, me impedindo de ver a tela, e ao invés de tagarelar como sempre faz, emite um sonoro e distinto "sim". Apenas.

Obviamente, eu franzo a testa e engulo em seco, voltando o olhar para os meus pretzels.

— Eu... Aconteceu algo?

— Não. Está tudo bem. Não se preocupe.

Está tudo errado. Eu fiz algo de errado, tenho certeza. Só pode ter sido isso. Porque ela não fez nada demais durante o tempo que estive dormindo, fez? Será que agora é a hora de reacender a teoria de que ela me odeia e ficou comigo por dó ou falta de opções melhores?

— Cassy — tento de novo, fazendo um esforço enorme para não rir de nervoso no meio do processo. Ela mal olha para mim.

— Sim?

— Por favor. Você não tem nada a perder me contando o que tem de errado... Eu só quero ajudar, se... Se eu puder, é claro — vou baixando o tom da voz gradualmente, até que ela seja obrigada a olhar para mim para continuar escutando. — Só não me deixa no vácuo... O seu silêncio está sendo o pior castigo...

Finalmente, ela respira funda antes de alcançar o celular na beirada da cama. Então, o desbloqueia e entrega-o a mim, depois de configurar o telefone para o inglês, na aba de mensagens.

 

AZEITONAS (e aqui insira um emoji de azeitona e um de... fogo?)

Lulu da Pomerânia: "acho que você deveria voltar, sim. A gente não sabe quanto tempo a vó aguenta mais."

Ana Carolina: "É, e a preciosa da vovó não ia aguentar se ela morresse sem dizer o quanto é perfeita, né?"

Lulu da Pomerânia: "Não é hora para velhos ressentimentos, Nina..."

"Por favor. Poupe-nos."

Ana Carolina: (e aqui vai o emoji da menina dando de ombros)

Lulu da Pomerânia: "Então, você vem?"

"Relaxa, Lu. Tenho umas economias, depois aviso para quando é a passagem."

Lulu da Pomerânia: "Ok. Quer que te busque no aeroporto?"

"Não, obrigada. Ainda sei o caminho de casa."

 

Releio tudo pelo menos três vezes antes de me dar conta de que aquilo é real. Então, ergo o olhar para ela e reparo que sua expressão é de pura melancolia. Ela não quer voltar. Mas é a avó dela, então se há como ela ir, então deveria. Não deveria?

— Então você vai...? — deixo a frase se completar sozinha.

— Vou. Acabei de comprar a passagem. A mais próxima que encontrei foi amanhã, praticamente junto com Sam e Yelena. É caríssima, mas... Eu posso não ter mais essa chance...

Assinto com a cabeça e volto a olhar para meus pretzels. Eles já não parecem mais tão apetitosos. Mesmo assim, tomo um longo gole de café e abraço minhas pernas para tentar afastar a onda crescente de solidão que ameaça atingir meu peito. Sam vai embora. Yelena também. E, agora, Cassy.

Nunca tive tantas pessoas e nunca vi elas irem embora tão rápido antes.

— Eu sinto muito, Ian... Eu queria poder ficar... Ou te levar...

Sua voz está embargada, o que me faz virar para ela. A primeira reação é automática: abraçá-la. Não faço ideia do que Cassy está passando, porque nunca perdi ninguém. Então, procuro tranquilizá-la, por mais que meu coração também esteja palpitando nervosamente com a perspectiva de ter de dar adeus.

Mas tudo bem.

Porque eu não sou egoísta.

Sou?

— Não se preocupe — murmuro contra seu abraço. — Cuide da sua avó. Eu vou ficar bem.

— Promete? — Cassy olha para mim, as lágrimas deixando seu rosto manchado.

— Prometo. Não deixe isso te impedir, ou então vou me sentir culpado por conta disso. Não quero ser um empecilho para você.

Daí, para confortá-la, beijo cada pedaço de seu rosto que está exposto. Ela soluça enquanto o faço, o que me deixa com o coração contraído em meu peito. Dói. Dói muito. Mas não é hora para expor sentimentalismos agora. Aperto o abraço e aproveito para manter um minuto de silêncio. Mas, como Cassy é Cassy, ela acrescenta pausadamente e num tom quase inaudível:

— Sei que dessa vez não é minha culpa, mas... É tão bom e tão forte, que eu preferia que fosse, para ter uma justificativa... Eu... Não sei se faz sentido...

— Faz. Faz sim. E... Está tudo bem — eu digo pela incontável vez no dia. Dessa vez, estou sendo sincero. — Fico feliz por tê-la conhecido e por termos passado esses dias juntos. Foram... Aliás, estão sendo os melhores que já vivi antes. Então, por que não aproveitamos a companhia um do outro nesse último dia?

Cassy olha de soslaio para mim, indicando que está ouvindo. Após um pigarro, eu continuo:

— Podemos ficar aqui, na pensão, não fazendo absolutamente nada. Você não trabalha, eu não me importo em não trabalhar também... Ficamos vestidos esperando o universo acabar.

— É, eu coloco o roupão e você coloca aquela cuequinha com estampa de estrela — ela ri, se ajeitando nos meus braços.

— Para combinar com o fim do universo?

— É!

Ambos rimos um pouco mais humorados, mediante as circunstâncias. Após um suspiro, Cassy enxuga as lágrimas disfarçadamente, apenas para olhar para mim com uma expressão curiosa estampada nos olhos castanhos.

— Ian?

— Sim?

— Perdoe-me a petulância, mas... Temo que eu esteja apaixonada por você.

Abro um sorriso, espontaneamente. Os difíceis de aparecerem. Melhor: os que apenas aparecem com ela, e que fazem o coração ficar até mais quentinho.

— Bem... Perdoe-me a petulância, mas... Esse é um temor compartilhado, señorita.

Então, lá estava o universo, me dando um minuto para segurar a minha garota.

Eu só esperava fazer jus a esse mimo.


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Notas finais do capítulo

Música do capítulo: https://www.youtube.com/watch?v=t3EgOgVQ9GY
Música citada na capa: https://www.youtube.com/watch?v=LDY4Bf8Zwn8

*desviando das sapatadas e tomates podres depois desse capítulo* Prometo que tá acabando ♥



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