Uma Nova Alvorada escrita por MoonLine


Capítulo 7
Capítulo 7- Laços desfeitos




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/786635/chapter/7

Rin congelou quando percebeu meu olhar, sequer piscava, e também não ousei a me mexer, afinal, qualquer movimento poderia resultar em um ataque do portador daqueles olhos medonhos. Entretanto, ficar parada também poderia resultar em um acidente que (talvez) pudesse ser evitado. Sendo assim, me abaixei cuidadosamente até minha faca, que estava jogada no chão como se não tivesse a menor importância, enquanto Rin não soltava ou puxava o ar para seus pulmões.

—Rin! – chamei sua atenção para logo dar a instrução – Abaixa-se!

Ela obedeceu imediatamente e então atirei a faca naquela direção, quase como em um tiro ao alvo, acertando o olho esquerdo da fera. Olhei para Rin, que se encontrava no chão, e a mesma não conseguia esboçar nenhuma reação. Tentei andar em sua direção, mas minhas pernas falharam momentaneamente, assim, nossos olhares estavam fixos uma na outra, o medo estava presente e nossas respirações lutavam para se normalizarem novamente.

Finalmente consegui juntar minhas forças para me mexer e fui em direção ao animal morto. No olho que restou era possível ver a linda cor de esmeralda, que há poucos minutos nos deixou aterrorizadas, o pelo negro brilhava como uma noite sem lua e estrelas, mas agora estava levemente manchado de sangue, suas grandes patas poderiam facilmente esmagar minha cabeça, sem mencionar as garras e longas presas.

—Deveríamos comê-lo? – Rin se manifestou pela primeira vez – Já a matamos, então esse seu olhar de remorso e pena não vai resolver muita coisa. Sinceramente estou faminta.

—Ri...– Ela me interrompe quando levanta abruptamente do chão, como em um pulo – Espere...

—Ele está morto Amaya! – ela aumenta seu tom de voz, quase gritando, para logo se acalmar – Então, por favor, me ajude a preparar uma fogueira, seja útil.

Minha falta de reação a irritou, e enquanto a mesma bufava de raiva e buscava pelos materiais necessários para se fazer uma fogueira, eu apenas fiquei parada. Aquela não era a Rin, não era pra ser assim. Mesmo a conhecendo por pouco tempo, era possível perceber o tamanho de seu coração bondoso, ela sempre passava a impressão de quem não se esforçaria, mas ao final ela estava dando ao máximo e me ajudando.

—Não sei como explicar... – falei baixinho para mim mesma – Eu simplesmente não sinto nenhum sentimento vindo de você agora...

—O que está murmurando? Por favor, venha logo ajudar.

Finalmente decidir agir, estava com bastante fome, as frutas que encontrei mais cedo não haviam sido suficientes, precisava me manter forte... Além disso, fui a responsável pela a morte do animal, deveria dar significado a isso, pelo menos. E então, a ajudei a cortar pedaços da carne e espetá-las em gravetos para posicioná-los sobre o fogo. Tudo foi feito em completo silêncio e sem trocas de olhares também. Porém, comecei a ouvir pequenos rosnados distantes que se faziam presentes e cada vez mais próximos. Avistei dois pares de olhos brilhando, bem baixinho, próximo ao chão, para então, com a minha lanterna, poder ver dois filhotes que choravam e buscavam pela mãe.

Meu coração se partiu naquele exato momento, havia dois filhotes chorando, implorando pela ajuda de sua mãe, mas não havia mais uma mãe. Eu a matei. Deixei meu pedaço de carne cair aos pés, enquanto levava minhas mãos em direção a meu rosto, horrorizada, chorei em silêncio. Entretanto, Rin percebeu minha estranheza, se virou para mim e então olhou na direção que meus olhos se encontravam.

—Filhotes... ótimo!

—Qual o seu problema Rin? – digo em meio ao choro – São filhotes! Sua mãe morreu. Eles devem estar buscando por ela e...

—Sim! – ela me interrompe – Ela está morta, e esses filhotes logo estarão. O que você queria que eu fizesse Amaya? Você a matou para me salvar, pois fui EU quem salvou sua vida diversas vezes aqui! – ela suspira – Era ela ou nós, isso não é brincadeira. É pra valer. – ela faz uma pausa esperando por uma resposta, que não chega – Bom. Estou cheia, se você já estiver, vamos deixar o resto da carne para que, pelo menos por agora, eles não morram de fome.

A olhei assustada. Embora parecesse que ela estivesse sendo gentil, eu apenas sentia frieza de suas palavras. O sol já havia sumido por completo no horizonte “passamos tempo demais na caverna” (estranhamente, mais nenhum guarda veio em nossa direção, até o momento). Assim que esta noite acabasse, os soldados iriam nos escoltar de volta para o caminhão e finalmente poderíamos descansar em nossos quartos.

Decidi que deveria continuar, faltava pouco para mim (infelizmente, acredito que os filhotes também não teriam tanto tempo assim), então levanto e pego minha faca e lanterna. Olho para Rin, como quem aceita uma parceira de negócios, não mais uma amizade, ela entende e se levanta também. Antes de abandonarmos de vez a caverna, olhei mais uma vez para os filhotes, que ainda choravam por sua mãe, mas a devoravam com toda voracidade e fome que poderiam.

—Por que saímos da caverna? – Rin pergunta enquanto caminha logo atrás de mim – Quer dizer, parecia ser seguro, tirando o animal.

—Eles sabem onde estamos, o que quer dizer que o tempo todo que estávamos na caverna, não fomos atacas por motivos estratégicos. – me virei para ela e percebi seu olhar confuso – Eles não iriam lutar para nos matar, essa foi a ordem do lorde Kasai, mas os animais...

—hum... – ela assentiu enquanto mordia os lábios – Mas aqui eles não têm motivos para não nos atacar... O que quer dizer que a qualquer momento qualquer soldado pode aparecer.

—Foi assim que interpretei os acontecimentos.

Voltamos a caminhar. E o tempo passava sem nenhuma intervenção por partes dos soldados. No clima, prevalecia a estranheza, estava com frio, mas caminhar por aquele terreno me aquecia de alguma forma. Rin estava calada me seguindo, mas em seu rosto era possível ver a dúvida de não ter tido um simples ataque desde que saímos da caverna. Não houve mais lutas por boas horas (não que eu quisesse uma, na verdade, não aguentaria mais um soco sequer). No entanto, nosso silêncio e tensão são quebrados ao ouvir passos em nossa direção, não pareciam somente de uma pessoa, mas duas, e eles se aproximavam rapidamente e de forma desastrosa.

Katsumi caiu bem diante meus pés. Meu primeiro instinto foi me abaixar e a envolver em meus braços, logo senti algo molhar minha blusa e o medo de olhar em sua direção travou todo meu corpo, novamente. Rin estava olhando para o guarda que veio até nós, ela pegou a faca da minha mão e se colocou em posição, mas o soldado não se mexeu.

—O- o que está acontecendo? – Rin luta para conseguir se manter firme – Responda!

Mas o soldado não se manifestou, apenas ficou parado nos olhando. Tentei observar cada detalhe do mesmo, mas Katsumi segurou meu braço com força, e então me obriguei a olhar em seu rosto. Ela estava com os olhos transbordado lágrimas, o medo e o desespero eram mais do que evidente, sua boca estava trêmula e sangue escorria pela lateral direita, ela forçou um sorriso e tentei fazer o mesmo enquanto minhas lágrimas caiam sobre suas bochechas.

—Obri- obri... gada – ela sussurra com muita dificuldade – por... ter... falado... comigo.

E então sua mão me soltou, seu último suspiro chegou e mesmo assim ela estava sorrindo, mas seus olhos já não possuíam mais brilho nenhum, apenas um olhar vazio... Seu corpo estava pálido e gradativamente perdendo calor, enquanto a envolvia desesperadamente em meus braços, chorando, gritando, negando... Havia tanto sangue em mim quanto nela. E meus gritos preenchiam o silêncio da floresta.

—O que você fez com ela?... –Rin pergunta, sem tirar os olhos do soldado – E ENTÃO?!

—Eu sirvo à minha Imperatriz! – ele diz com uma risada sarcástica – Eu tornei tudo mais divertido e interessante para ela agora. Ela era muito meiga e pacifica, minha Imperatriz achou que ela era insignificante nesse jogo. Então, enquanto lutávamos, segurei bem forte minha faca e por três vezes a penetrei na barriga enquanto torcia antes de retirar. Mas ela realmente tentou lutar por sua vida, correu de mim e olha onde estamos.

Conforme o soldado ria, me encolhia cada vez mais com o corpo de Katsumi em meus braços, a apertava cada vez mais forte, e chorava cada vez mais alto. No entanto, novos passos se aproximaram. De forma serena, lorde Kasai estava com os braços cruzados enquanto olhava para toda a situação. Em toda minha vida, nunca mais fui capaz de observar um vermelho tão intenso e vivo como nos olhos do lorde, apenas ao olhar para ele, senti uma enorme fúria, que se manifestava como uma onda de calor.

  -Eu pedi para que os soldados não matassem as novatas, bem como pedi o mesmo para elas. – ele olhou para mim, com certa tristeza, mas logo voltou para seu olhar enfurecido – Então, por favor, peço que se desculpe com elas nesse momento.

 -Eu não tenho motivos para fazer isso. – embora ele falasse com arrogância, seus olhos demonstravam medo – Eu fiz algo maior, obedeci uma ordem superior.

 -Nesse campo, eu sou a ordem superior.

 Lorde Kasai o segurou pelo pescoço, ao passo que o levantava do chão era possível ver fumaça saindo de sua mão direita, o pescoço do soldado estava queimando aos poucos. O olhar do lorde não desviou por nem um momento enquanto o soldado implorava pela vida e agonizava de dor. Me apeguei ainda mais em Katsumi, e Rin estava em choque, tremendo. O soldado continuava lutando pela vida, e então o lorde o arrastou pela mata, e como apareceu, também desapareceu, novamente. O silêncio reinava agora, Rin se sentou no chão, com as pernas abertas e os braços apoiados em seus joelhos.

—Que merda! – falou enquanto soltava a faca

—Desculpem-me pela ausência inesperada. – ele se curva em respeito – A fase três se encerrou e soldados irão buscá-las para que possam descansar no alojamento. Sinto muito pelo ocorrido.

Por favor! Por favor, por favor, por favor... – grito e continuo implorando antes que o lorde pudesse dar as costas – Me deixa levar ela pra casa. Me deixa levar seu corpo de volta, enterrá-la... – minha voz estava instável, minha fala era cortada pelos soluços, mas precisava implorar por ela – Por favor...

—Eu sinto muito. Eu mesmo irei levá-la. Infelizmente ela não pode retornar ao alojamento junto a vocês...

Lorde Kasai se aproximou com calma de onde eu estava, se abaixou, e repousou sua mão gentilmente sobre a minha. Meus olhos encontraram os seus, aqueles intensos olhos vermelhos que outrora estavam vibrantes de pura fúria, agora estavam gentis, calmos e aconchegantes, no entanto, eu não conseguia saber se a dor que via refletida neles era minha ou dele. Soltar a Katsumi foi extremamente difícil, meus braços estavam tão rígidos ao seu redor que a dor se fazia presente, mas foi fácil confiar na sinceridade do lorde, então a soltei. Kasai sorriu gentilmente e segurou o corpo de Katsumi em seu colo como se fosse algo precioso para ele e enquanto se virava para ir embora, sussurrou “Sinto muito pelo meu atraso...”.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Uma Nova Alvorada" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.