Uma Nova Alvorada escrita por MoonLine


Capítulo 4
Capítulo 4- Tempestade de Areia




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       Mal consigo abrir meus olhos, a areia bate com tanta força que posso sentir cada grão tentando perfurar minha pele, o calor misturado com o vento e esses mesmos grãos dificultam, não somente, minha respiração, como minha visão. A dificuldade em me locomover exige mais energia do que eu esperava, sinto meus pulmões queimando a cada tragada de ar, minhas pernas tremem a cada novo passo... E pensar que sequer cheguei a lutar com algum soldado. Me pergunto se foi sorte ou estratégia.

       Se estivesse me preparando com base no início do teste eu estava totalmente ferrada. Com o amanhecer todas as novatas foram acordadas para então sermos direcionadas para lugares completamente isolados uma das outras, sequer tive tempo para trocar uma ou duas palavras com Rin. Sendo bem sincera, tudo parecia ser muito mais fácil do que está sendo agora, os grãos começaram se agitar lentamente. Primeiramente, o calor era o principal inimigo: sem água para nos hidratar e sem nem uma proteção contra o sol, todo esforço seria muito grande e pesado. Me enganei. A areia se mostrou ser digna do lugar de chefe dessa área, limitando todos os meus sentidos, inclusive minha audição, que estava prejudicada não só pelo vento, como pelas areias que insistiam em penetrar meu corpo de qualquer forma.

     Fomos levadas ao local em um daqueles caminhões de transportes (os lordes chamavam de viatura de transporte especializados), não era o maior conforto do mundo, mas estávamos bem posicionadas para nos sentirmos confortáveis na medida do possível, o banco era frio e estávamos com sutis vendas nos olhos, para que não fosse possível reconhecer o caminho, nem mesmo saber quem seria a pessoa mais próxima de cada uma. Na verdade, a sensação era de andar em círculo por diversos momentos, como em uma tentativa de nos privar ainda mais de qualquer noção de espaço ou tempo.

         Não fazia ideia de quanto tempo estava nesse inferno na terra, mas sabia que era impossível derrotar um lorde com tanto poder em suas mãos, levando em consideração meu cansaço físico e mental com tão pouco tempo de treinamento... Não poderia imaginar como lutar nesse ambiente. Infelizmente não tive muito tempo para pensar em como lutar, já que pude ver um breve e rápido vulto se aproximando de mim pela lateral, para logo em seguida sentir um golpe no braço, que apesar de não ter muita força, foi o suficiente para sentir a areia arranhar minha pele com a pressão. Me virei assustada, pronta para me defender de outro golpe, quando percebi que o soldado usava uma roupa que aparentava ser quente, mas com certeza o protegeria mais do que meu velho moletom e uma blusa fina que vestia, assim como um óculos que facilitava e muito seu lado.

       O golpe não veio e tentei dar uma rápida e eficaz rasteira no homem, mas enquanto me abaixava desequilibrei nos montes fofos de areias que se formava por debaixo dos meus pés. Pensei que tudo estava perdido nesse momento, porém o homem não fez esforço para me parar ou sequer se defender. Assim, finalizei a rasteira com “sucesso” e ele ficou deitada no chão, como se ele fosse o nível 1 daquela fase, assim, não seria tão difícil vencê-lo. Fazia muito sentido essa lógica: um caminho que, conforme você avança, “desbloqueia” oponentes cada vez mais fortes, até chegar no nível máximo, nesse caso, o lorde.

      Me recompus do leve devaneio e logo tirei o óculos do soldado, minha audição e respiração ainda estavam sendo afetadas, mas agora teria comigo um óculos para proteger meus olhos e facilitar minha visão, mesmo que não totalmente, já seria mais do que eu poderia imaginar conseguir. Não havia sido mencionada nenhuma regra impedindo tal ato, assim como o soldado não se mexeu para me dizer que eu estava errada. Então me coloquei a seguir em frente, mesmo que sem saber para onde estava indo, poderia traçar uma linha com base no borrão claro que o sol formava em meio a tempestade, claro que tentei ficar o máximo atenta possível a sua locomoção com o decorrer das horas.

       O caminho parecia longo, ao mesmo tempo que estava assustada por ter que lutar com algum oponente a sério, também me sentia aliviada por ser gradativo o quanto de energia deveria investir em cada um, no final, estaria tão cansada que seria um milagre andar em direção ao lorde Suna.

     O óculos certamente facilitou minha vida até o momento, mas o ataque não veio ao alcance dos meus olhos, senti uma forte pancada em minhas costas e cai apoiada em meus joelhos e braços. Ao olhar para trás, não puder avistar o responsável por minha atual situação. A adrenalina fervia em meu corpo, o medo de ter errado a lógica utilizada durante o teste falava mais alto do que a capacidade de manter a calma e me atentar a outro possível ataque. Não conseguia manter meu olhar em uma única direção, sequer fazer com que meus movimento fossem dignos de uma luta, quando senti outro impacto, dessa vez atingindo minha coxa e me colocando ao chão novamente.

    -Droga Amaya! Você precisa se concentrar... Isso não é uma luta, porque você está brincando de pega-pega com seus irmãos!

     Repetir essas palavras em voz alta me ajudaram a tentar me acalmar. Puxei o ar com toda dificuldade que poderia imaginar: a dor dos pulmões ao tragarem um ar com pequenos grãos, a sede, a boca seca, e o desespero estampado em meus olhos. Fechei os olhos por alguns segundos, tudo que ouvia era o vento fazendo com que os grãos de areia se chocassem incessantemente, não era algo estável, não conseguiria dizer somente por isso de onde viria outro golpe, mas pudesse ouvir passos pesados, arrastados, quase como se alguém tivesse se arrastando por debaixo de toda aquela areia.

    Meus instintos me pediam para me mexer imediatamente, mas implorei por só mais alguns segundos de calma, porque assim que os sons cessassem, seria o momento de me defender. Aguardei, esperançosa de conseguir acertar ao menos um golpe no soldado, era tudo que eu pensava “só preciso de um golpe, um único golpe e terei fé”.

      Assim que o som parou, abri meus olhos e pude, repentinamente, ver o vulto do meu lado esquerdo, fechei meu pulso com toda a força que podia e lancei meu braço em direção aquele borrão. Senti o impacto corroer os dedos da minha mão como se fossem quebrar a qualquer instante. Fechei os olhos e tentei golpear mais uma vez, dessa vez com meu braço esquerdo, e consegui. Um soco na cabeça e outro no estômago e o soldado estava no chão com as mãos envolvendo o abdômen. Meu corpo todo tremia, seja de medo, adrenalina, ou felicidade por mais um nível ter chegado ao fim. Só queria continuar até conseguir passar por todo aquele tormento.

     -Me pergunto como lorde Suna consegue ficar usando seus poderes por tanto tempo, inclusive, por quanto tempo isso irá durar?! Não parece ter fim, estou andando a tanto tempo... Enfrentei somente dois soldados e tenho certeza que falta muitos ainda pela frente.

       Antes de voltar para a longa jornada que ainda me esperava, tentei pegar a blusa do soldado para prosseguir, além de me ajudar a suportar a dor de cada grãozinho ralando minha pele, ainda me protegeria do efeito dos raios solares. Perguntei ao soldado se ele ficaria ali, ele negou, pedi a ele para que pudesse pegar a blusa, logo explicando que nenhuma regra a respeito de pegar objetos foi mencionada, ele não respondeu. Levantei-me do chão e antes de dar um passo sequer, ouvi um sonoro “sim”, voltei meu corpo para ele e logo retirei sua blusa pesada. Colocá-la, de certa forma, pesou, além de claramente me fazer suar mais ainda, no entanto, a proteção era mais importante, nesse ritmo eu iria, não somente perder liquido, como queimar.

         Parar de tremer foi uma tarefa difícil, enquanto andava, cada passo saia de forma mal executada. Estava cansada, com medo, sozinha... O óculos e a blusa me ajudaram a prosseguir sem a dificuldade que se fazia presente no início do teste, mas psicologicamente estava destruída. Os golpes doíam, mas não saber o que me esperava, ou melhor, ter uma vaga ideia do enorme desafio que eu ainda iria enfrentar, consumiam cada pequena porção de força que lutava para me manter em pé. Foi nesse momento que a imagem do último encontro que tive com Rin apareceu em minha cabeça: o sorriso forçado, os olhos vazios, as palavras duras e frias... Meu pensamento, agora, não era mais em como eu iria prosseguir, mas sim como ela estaria agora e se ela iria conseguir.

        Meus pensamentos são interrompidos quando ouço um choro, o que logo me faz entrar em posição de combate. Olho ao meu redor já suando e voltando a tremer, avisto um pequeno corpo deitado ao chão, com as mãos na cabeça. Me aproximo devagar, minha ideia era ter certeza se isso era uma encenação para me pegar, ou se alguém realmente precisava de ajuda. Mesmo ao me aproximar continuo olhando para os lados, não conseguia ver outra ameaça e baixo minha guarda por alguns instantes.

          -Você está bem? – não obtenho resposta – Você precisa de ajuda? Quer que eu te levante? Você está ferida?

          -Por... favor...

        Tento levantá-la, mas sou interrompida por uma voz que, embora fosse grave, não demonstrava nenhuma ameaça, não que isso fosse o suficiente para me fazer parar de tremer. Olho para trás e vejo um soldado todo coberto com uma blusa que o fazia se camuflar em meio a tanta areia. Meus olhos deveriam mostrar o medo que eu tanto tentava esconder no fundo do meu coração, pois o jovem soldado apenas ficou ali, sem fazer movimentos que pudessem me assustar, nem mesmo pronunciou mais palavras depois do simples aviso.

       -Ela desistiu, então, por favor, solte-a. Não posso permitir que ajude uma desistente a continuar.

     -Vocês irão levá-la para outro lugar? – ele negou com a cabeça – Posso deixar essa blusa com ela? Para protegê-la.

      Ele não disse nada, apenas a olhou por alguns segundo antes de voltar o olhar compassivo para mim, então ele fez um sutil movimento de cabeça, afirmando que poderia cumprir meu desejo. Não esperei, apenas me abaixei e a cobri, enquanto a mesma ainda chorava e repetia “por favor”. Quando me virei para agradecê-lo, não o avistei mais.

       Devido minha guarda abaixada, senti um forte impacto contra minha cabeça, em sua parte direita, cai no chão e, confesso que, não queria levantar, no então, essa opção era impossível pra mim. Alguns grãos de areia entraram no óculos, o que não só doeu bastante, como fez minha visão se limitar novamente. Me forcei a mantê-los abertos pelo tempo necessário. “Após isso eu poderei descansar por breves minutos”, era o que se passava na minha mente naquele momento. Me coloquei em posição de combate apenas para sentir outro golpe, dessa vez em meu estômago.

        -Como é possível eu não estar vendo esse cara?! Que droga!

       E outro golpe me acerta. A dor vinha em ondas, mas eu precisava me recompor e por alguns segundos eu vi seus passos na areia fofa. Respirei fundo com toda minha força, o ar quente e as partículas de areia queimavam meus pulmões de uma forma muito mais intensa do que já havia sentido até aqui. Antes de receber outro golpe, me abaixei rapidamente, assim que seu corpo foi para frente devido à falta de apoio (vulgo meu rosto), levantei junto ao um gancho que o acertou em cheio no queixo. Por sorte, fui forte o bastante para deixá-lo inconsciente no chão, não quis esperar para ver se o mesmo iria se recompor, usei o resto de forças que tinha enquanto a adrenalina estava alta para correr dali.

    -Só apanhar nessas lutas vai me render várias dores quando finalmente puder descansar. Deveria ficar mais atenta a esse tipo de ataque. Mas que droga! Como eu poderia? Estou acabada.

      O sol estava sumindo no horizonte, a tempestade não diminui em força sequer por um momento, o que me levou a pensar que talvez ninguém ainda teria conseguido chegar até o lorde. Quanto mais caminhava, mais o calor deixava a areia e agora o ar era preenchido por ventos frios. Através das pequenas partículas, era possível ver o tom do céu mudando gradativamente, o azul deu espaço ao alaranjado e ao roxo, e logo não seria possível avistar nenhuma cor. Meus dedos da mão estavam roxos e eu batia queixo sem parar, mesmo que ainda tivesse um restinho de luz bem longe. A partir desse momento eu vagaria sem nenhum rumo, afinal, se antes o sol me orientava, agora eu não conseguira obter nenhuma referência, a lua não estava no céu e era difícil focar em apenas uma estrela com tantos outros grãos batendo em meu óculos.

     Enquanto me perdia nas sensações que meu corpo estava me proporcionando, avistei bem de longe uma silhueta perfeita e alta. Os soldados não se deixavam a mostra assim, então logo deduzi que finalmente havia chegado ao fim daquele teste. A felicidade de estar próxima ao fim, mesclada ao medo da luta que eu deveria travar, foram suficientes para me fazer esquecer o frio. Meu corpo inteiro se enrijeceu, e sem pensar duas vezes corri em sua direção sem proferir nenhuma palavra, segurando a respiração em uma (não tão boa) tentativa de não denunciar minha posição. A densidade da areia nesse lugar era extremamente diferente dos outros, era como se ali fosse seu verdadeiro domínio, seu reino por completo.

      Como imaginava, minha tentativa ficou apenas na tentativa, porque assim que aproximei da silhueta, ela sumiu, se explodindo em milhares de partículas de areias. A força da explosão foi tão grande que os grãos conseguiram quebrar meu óculos, sem contar o quanto doeu sentir cada um deles se chocando contra minha pele, principalmente contra meu rosto. Tentar manter a calma já não era possível. O desespero corria por minhas veias e o único pensamento que eu tinha é que precisava ficar viva, precisava tentar o meu melhor pra isso.

     Assim que abri meus olhos, estava caída no chão e pude ver o lorde Suna se aproximando vagarosamente e de forma elegante, me olhando fixamente nos olhos. De repente pude ver areias se acumulando em volta de seu braço, quase como se fosse uma extensão de seu corpo, para então formar em sua ponta uma espada, ou algo equivalente a isso. Piscar não era possível, não devido a areia (já que a mesma não estava mais presente em meu espaço pessoal durante esse confronto), mas sim ao medo de essa ser a última vez que poderia abrir meus olhos. Engulo a seco, desejando que aquilo fosse um sonho, sentindo meu corpo pesar e meus olhos implorarem para serem fechados. E a última coisa da qual me lembro, é de ver o lorde Suna na horizontal, desfazendo seu braço/espada e logo em seguida, o breu.


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