Stronger than Death escrita por Pandora Ventrue Black


Capítulo 2
Cirurgia de Emergência




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Perdi as contas dos dias que se passaram desde o início do apocalipse.

Os dias estavam confusos, as horas mais ainda, parecia que estava vivendo o mesmo dia repetidas vezes. O que me salva de perder a cabeça é um grande relógio marrom na parede do meu quarto, ele tinha parado de funcionar fazia meses, por conta de suas baterias que acabaram, mas ainda assim trazia-me um certo conforto, um certo tipo de controle.

Assim que me sento na cama vou direto para o banheiro, tomo uma ducha rápida e me visto. Coloco a calça verde do meu antigo uniforme do exército e uma regata branca. Calço minha bota preta e me encaminho para a varanda da casa. Não tinha muito o que fazer, apenas observar o tempo passar e rezar para não aparecer nenhum zumbi.

Os últimos dias foram tranquilos, sem nenhum zumbi perto do perímetro. Otis, conhecido do meu pai e agora meu amigo, tinha saído para caçar. Tal serviço normalmente é atribuído a minha pessoa, mas Otis queria treinar a sua mira, logo permiti que ele levasse a minha espingarda para caçar.

Sento-me em um banco grande e observo o terreno da fazenda. A grama estava alta e, como acordei extremamente tarde, o sol estava a poucas horas de se pôr. Meu pai havia me dito que poderia dormir até mais tarde, pois hoje seria meu "dia de folga" (o que é ridículo quando se trata de um apocalipse zumbi) e que Otis seria responsável pela ronda de hoje de manhã.

A paisagem é calma e quieta, típica de uma fazenda longe de tudo e todos, isolada, exceto por um movimento rápido que percorria o gramado alto. Mesmo de longe podia distinguir as figuras que percorriam o pasto: um homem de chapéu com uma criança em seu colo.

Travo, sentindo meu coração acelerar em meu peito.

"O que diabos está acontecendo?", penso.

— Maggie, chame o papai! — ordeno e  indo em direção ao homem, que agora estava a poucos metros da varanda da minha casa.

— Por favor, me ajude! — ele fala desesperado e com falta de ar.

— Ele foi mordido? — pergunta meu pai descendo a pequena escada.

Olho para a criança, ela estava com uma poça de sangue na barriga.

— Ele foi baleado! Pelo seu amigo — o homem sibila.

— Otis?! — indago preocupada.

Sinto as mãos do meu pai tocarem o meu ombro com cuidado.

O homem olha para mim, sabia que estava prestes a chorar.

— E-Ele disse para achar o Hershel. É você? — ele fala balançando a cabeça — Ajude o meu filho!

— Leve ele para dentro! — digo guiando o homem para dentro da casa.

Não iria permitir que essa criança morra em minhas mãos.

— Patrícia, preciso do meu kit! Ele inteiro! Maggie os analgésicos, coagulantes, pegue tudo!

Enquanto meu pai comandava os moradores da casa, eu levo o menino e seu pai para um dos nossos quartos. Ajudo-o a colocar a criança na cama, fazendo questão de que o menino desmaiado ficasse confortável.

— Ele está vivo? —o pai do menino pergunta, colocando as mãos na cabeça.

Pego a fronha de um dos travesseiros e faço pressão contra o ferimento do garotinho, meus instintos foram ativados. Precisava salvar aquele menino.

Meu pai começa a examiná-lo. Sinto como se o peso do mundo tivesse caído em cima de mim. A culpa era toda minha por ter deixado Otis com a espingarda! Ele não tem o treinamento que eu tenho, na verdade, ele mal sabe atirar.

Era minha culpa.

Eu havia colocado a vida dessa criança em risco.

Ouço o coração. Está fraco.

— Deixe conosco, senhor. Preciso que se afaste — digo olhando para o pai da criança.

Ele mal se mexia, quieto, parecia estar segurando as lágrimas, que se acumulavam em seus olhos azuis como o céu.

Patrícia assume controle do que eu estava fazendo e aproximo-me dele. Me viro para o homem e olho-o nos olhos.

— Precisamos de espaço, ok? — falo tentando chamar a sua atenção, o faço quando coloco seu rosto entre as minhas mão — Hey, qual o seu nome?

— Hum… Rick… Eu sou o Rick…

— Certo. Rick, meu pai vai fazer tudo o que ele puder, ok? Mas por agora eu preciso que você se afaste, tudo bem?

— Agora, por favor — complementa o meu pai.

Rick se afasta, cambaleando, se apoiando no arco da porta. Queria, do fundo do meu coração, fazer algo para acalmá-lo, nenhum pai deveria ver o próprio filho assim.

Foco toda a minha atenção em cuidar do garoto, isso o traria um pouco de paz, tenho certeza.

— Me diga o que eu tenho que fazer pai — peço respirando fundo, controlando as minhas emoções.

Não podia ser fraca, não agora.

— Continue pressionando! Maggie, arrume a bolsa do soro!

Troco de lugar com a Patrícia e pressiono a fronha ensanguentada contra a ferida, fazendo com que minhas mãos fiquem sujas com o sangue do menino. Engulo em seco, se ele morresse, não sei o que faria, afinal a culpa era minha.

Rick volta para o quarto acompanhado por um homem alto e musculoso, de cabelos castanhos e de porte militar. Os dois, na verdade, pareciam militares. Observo-os.

Não, eram policiais, pois Rick usava um distintivo em sua calça.

— Você sabe o tipo sanguíneo dele? Ele perdeu muito sangue — Hershel pergunta me afastando de meus devaneios.

— A +, igual a mim…

— Que sorte, mas não vá muito longe — meu pai fala diplomaticamente —  Vamos precisar de você!

Vejo Otis entrar no cômodo.

— O que aconteceu? — pergunto encarando-o.

— E-Eu estava caçando um cervo. A bala atravessou… A-Atravessou direto…

Hershel assume a minha função, levantando o pano rapidamente para analisar a ferida.

— O cervo desacelerou a bala. Com certeza, foi isso que salvou a vida dele. Mas ela não entrou inteira… — ele fala pressionando novamente a ferida, assentindo para mim para que eu continue o meu trabalho — Ela partiu em pedaços. Contei seis… É necessário a extração de todos os fragmentos… 

Otis tremia, sou olhos estavam repletos de lágrimas. Ele balbucia algumas palavras e caminha até sua esposa, que o abraça com ternura. Sentia meu corpo arder, estava com raiva, furiosa.

Indignada comigo mesma.

Tudo isso poderia ter sido evitado seu eu não fosse tão preguiçosa…

— A Lori… Ela não… Ela não sabe… — diz Rick, enxugando as lágrimas com os braços.

— Não… Ela… — comenta o seu companheiro

— Minha esposa não sabe o que aconteceu… Carl, meu filho... — o homem com roupa de xerife fala deixando as lágrimas rolarem pelo seu rosto

— Vai ficar tudo bem… Você vai ver — diz o seu amigo abraçando-o.

— Rick, ei… vamos para a sala… Meu pai vai precisar tirar os fragmentos ok?

Guio os dois até a nossa sala de estar e retorno para o quarto em que Carl estava e começo a ajudar o meu pai na cirurgia. São fragmentos pequenos e espalhados, o que causaria muita dor para a criança. Assim que Hershel começa a tentar tirar os fragmentos, Carl acorda e geme de dor, ele se mexia demais na cama, tentando se afastar de nós. Seguro suas pernas e braços, fazendo o máximo possível para que ele ficasse deitado.

— Ele vai precisar de sangue… Chame o Rick, Maggie! — ordena o meu pai.

E minha irmã o faz.

Quando Rick entra no quarto percebi o semblante de dor e medo em seu rosto e meu coração se parte em milhões de pedaços. Se eu estivesse em seu lugar, mal conseguiria ficar em pé se visse minhas irmãs na mesma situação de Carl.

Não consigo imaginar o que deve estar passando na cabeça dele.

— Ei! Você! Ajude a minha filha a segurá-lo —  ordena o meu pai para o companheiro de Rick, que assente com a cabeça.

— Pai! Papai! — Carl gritava de dor, me dando calafrios.

O amigo de Rick se aproxima de mim, segurando com firme a o peito do menino e eu faço o mesmo só que com as pernas. Patrícia se encarrega de tirar o sangue de Rick. Carl grita enquanto meu pai tenta retirar os fragmentos. Sinto muita pena do garoto, queria que meu pai tivesse algum estoque de morfina, o procedimento de retirada dos estilhaços de bala é extremamente doloroso.

— Quase acabando… — Hershel deixa escapar.

— Para! Você está o matando! — grita Rick, desesperado.

— Rick, você quer que ele viva?! — fala o cirurgião, sem tirar o seu foco da tarefa.

— Por favor, confie em nós — digo segurando com força as pernas de Carl.

— E-Ele precisa de sangue… — comenta Maggie, enojada com tudo o que estava acontecendo.

— Anda logo! — o amigo de Rick grita, encarando-o e depois me olhando nos olhos.

— Vamos, garotão, aguente… — murmuro.

Quando termino de falar isso, Carl desmaia, parecia ter desistido de viver. O resto da cirurgia não pôde ser concretizado, Hershel decidiu parar a operação e esperar a criança estar melhor para continuar o procedimento, ele poderia morrer se continuássemos.

Termino de colocar as bandagens em Carl e Hershel começa a aferir a pressão do paciente.

— Pressão está estável.

— A Lori, minha esposa, precisa estar aqui. Ela nem sabe o que está acontecendo. Preciso achá-la…

— Você, Rick, não pode ir a lugar algum… — comento

— Ela é a mãe dele! O filho dela está acamado, baleado!

— E o filho dela vai precisar de sangue, do SEU sangue — meu pai fala e se vira para o amigo de Rick — Ele não pode ser afastar mais de 100 metros dessa cama, combinado?

O amigo assente.

— Ei, ei, vamos… — seu colega fala concordando com o meu pai

— Eu to bem… — Rick fala saindo do quarto, estressado.

Olho para o meu pai.

— Pai, eu…

— Vai, filha. Traga a esposa dele para cá.

Assinto e me levanto. Saio do quarto e encontro os dois conversando. Sabia que não podia encontrar a esposa dele com uma roupa completamente manchada de sangue. Subo rapidamente no meu quarto e troco de blusa,  a mãe do menino não merecia me ver coberta de sangue. Coloco uma camiseta verde de manga comprida.

Quando desço escuto a voz do meu pai:

— Ele está fora de perigo por agora, mas ainda assim preciso remover os estilhaços restantes…

— Como? Você viu como ele ficou — comenta Rick

— Eu sei, mas o pedaço que tirei foi o mais superficial. Preciso ir mais fundo para tirar os outros. E tem mais.

— Diga — fala o pai de Carl, cansado.

— A barriga dele está inchada, a pressão está caindo, ou seja…

— Hemorragia interna — digo completando a fala do meu pai e descendo por completo as escadas.

Conhecia muito bem esses sintomas. Perdi um soldado para isso na época em que o exército ainda funcionava e existia. Foi durante uma guerra no oriente médio. Ele não durou muito tempo, estávamos sem médicos, apenas eu, ele e alguns outros soldados.

O resto da conversa eu não consegui prestar atenção, estava muito preocupada com o garoto e com Rick. Sabia que o assunto seria aquela maldita escola, onde, no início do apocalipse, alguns médicos montaram uma espécie de triagem. Quase morri da última vez que fui lá…

— Chris, minha filha, vai encontrar a sua esposa e trazê-la para cá.

Meu pai me afasta de meus devaneios e olho para Rick. Ele me passa as instruções de como encontrar o seu grupo, eles estavam na floresta. Saio da casa, indo em direção ao estábulo. Coloco a cela no meu puro sangue inglês preto, ele se chama Damen e é o cavalo mais rápido da fazenda

Aceleramos em direção ao local onde supostamente sou esposa estaria. Levava apenas o meu bastão de beisebol. Cavalgava com velocidade. Escuto um grito feminino e presumo de seja Lori. Sigo o som e vejo uma mulher loira no chão da floresta com um zumbi em cima de si. Acerto em cheio a cabeça do morto-vivo com o bastão e observo o pequeno grupo.

— Eu procuro uma pessoa chamada Lori. Lori Grimes?

— Sou eu! — uma mulher de cabelos pretos como os de Carl responde.

— Preciso que venha comigo. Rick me mandou te buscar, é uma emergência. Carl foi baleado! — falo olhando cada pessoa do grupo reconhecendo um indivíduo em específico.

Daryl Dixon.

Ele não havia mudado nada, o mesmo cabelo castanho escuro meio lambido, a barba mal feita e olhar de “se você respirar eu te mato”. Balanço a cabeça, afastando a imagem do caipira da minha mente, e ajudo Lori a subir em Damen.

— Carl está vivo, precisamos ir agora!

— Mas…

— Rick comentou que há mais de vocês na rodovia, certo? Presos naquele grande engarrafamento. — falo controlando Damen para que ele fique de lado para o grupo—  Voltem até a Fairburn Road, fica perto da nossa fazenda. Prestem atenção na caixa de correio, o nome é Greene!

Após dizer todas as informações bato com os pés na lateral do corpo do cavalo e Lori agarra a minha cintura. Cavalgamos de volta para a fazenda e conto a ela tudo o que aconteceu. Assim que chegamos à casa, Rick e Lori entram correndo para dentro do domicílio.

Me encaminho para o estábulo e deixo Damen descansar. Volto para a casa e me sento no banco da varanda , esperando notícias e o resto do grupo de Rick

Não conseguia acreditar que Daryl Dixon estava vivo. A última vez que o vi eu estava vestindo a minha roupa e preparada para dar o fora do pequeno trailer em que ele vivia. Era para ser, supostamente, apenas uma noite, mas acabei passando dois dias inteiros com ele.

Não me arrependo, foi ótimo. O nosso tempo juntos foi inesquecível, mas quando o seu irmão apareceu tudo desandou. Merle é um babaca de primeira categoria. Ele ficava me agarrando pela cintura e falando merda no meu ouvido até que chutei com força entre suas pernas. Desde então perdi o contato com os Dixon.

Sou afastada de meu devaneios por Beth. Ela trazia consigo um prato com carne, duas fatias de pão e cenoura. Agradeço e ela se senta ao meu lado. Como tranquilamente, em silêncio, e quando termino Beth leva o prato para dentro.

Estava preocupada com Shane e Otis, que ainda não haviam chegado. O local para onde forma está tomado por zumbis. Da última vez que fui para lá estava a procura roupas e equipamentos médicos, mas tudo deu errado quando uma horda com centenas de zumbis saiu de dentro da escola.

O barulho de carro me faz voltar a realidade. Duas pessoas saem do veículo, um asiático que havia encontrado quando fui buscar a Lori e um homem negro que nunca tinha visto antes.

— Fecharam o portão da entrada quando passaram? — digo da escuridão de onde eu estava escondida

— Oi… — o asiático fala, assustado — Sim, nós fechamos. Pusemos a trava e tudo mais…

Me aproximo dos dois e amarro o meu cabelo lentamente, analisando-os. Era um truque para deixá-los intimidados, que sempre funciona

— Ele foi mordido? — pergunto apontando para o braço com um curativo precário.

— Não é um mordida, eu me cortei feio, só isso.

— Vou dar uma olhada nisso — digo

— Trouxemos alguns medicamentos também… — o asiático fala.

— Venham, entrem.

Fomos para o quarto em que Carl estava e depois para a cozinha. Preparo algo para comerem e começo a cuidar do ferimento do homem negro.

— Meu nome é Glenn, a propósito. E ele se chama T-Dog

— Obrigado — T-Dog fala assim que termino de limpar e chamo Patrícia para costurar a ferida

Subo para o meu quarto e fico observando a fazenda pela janela. Vejo a caminhonete velha e azul de Otis se aproximando da casa. Meu coração acelera. Desço as escadas correndo e vejo apenas Shane sair do carro. Meu coração pesa, Otis estava morto. Tudo culpa daquela maldita escola!

Sinto meus olhos se enxerem de lágrimas, me afasto das pessoas e encaminhando-me para longe da casa, perto da cerca. Me sinto da mesma forma quando perdi minha madrasta e meu meio-irmão.

Dor, vazio e solidão.

Respiro fundo para tentar conter as lágrimas. Olho para o lado e vejo Shane cambaleando tentando entrar na casa.

— Espero que eles só tenha tido uma luxação… — falo baixinho — Queria que Otis só tivesse tido uma luxação no calcanhar…

As lágrimas escorrem. Me permito chorar. Pensava na minha mãe, na minha madrasta e no meu meio-irmão. Todos morreram, foram embora, e agora Otis havia nos abandonado. Vou dormir com um peso no coração, ciente de que a vida que vivo hoje é repleta de reviravoltas e momentos de luta e sobrevivência.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!



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