Os segredos de Sakura escrita por NinjadePapel


Capítulo 19
Sonhos


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Sakura abriu os olhos abruptamente, assustada e alarmada. Os instintos shinobi sinalizaram que ela estava em local estranho e no segundo seguinte ela estava absorvendo os detalhes de seu entorno. A sala era escura e completamente fechada, luzes frias no teto eram a única fonte de luz do local. Ela estava deitada em uma espécie de maca no centro da sala, travas grossas de metal restringiam seus movimentos lhe prendendo a mesa.

 

O que estava acontecendo? As lembranças pareciam como areia em seus dedos e quando mais apertava mais vazavam e lhe fugiam. A respiração estava rápida e descompassada e ela puxou e puxou mãos e pés mas nada se moveu. Ela percebeu resignada que não tinha nenhum chakra a sua disposição, algum tipo de selo provavelmente a estava restringindo. Lágrimas não derramadas já embaçavam sua visão e ela queria gritar de frustração.

 

Calma, calma, fique calma, recitou mentalmente.

 

Ela respirou profundamente e parou de se mover, os músculos foram lentamente relaxando conforme ela tentava se acalmar e a respiração enviou energia para suas células. Sakura fechou os olhos e lentamente limpou sua mente, tentando se localizar e lembrar de como havia ido parar ali, onde quer que alí fosse. As lembranças vieram como um tapa. Sarada inconsciente, a voz do inimigo antes de ela ser apagada, a dor na base do pescoço lhe lembrando do momento. Aquele lugar deveria ser uma base de Yoshiro. Ela respirou fundo, escolheu fazer aquilo para proteger e salvar Sarada, a lembrança derradeira dela com os olhinhos fechados e inconscientes lhe abriu um buraco no peito, ela ficaria bem, Sakura estava alí para garantir isso. 

 

A Haruno soprou uma mecha do cabelo para o lado, ela sentiu ele roçar o pescoço e pinicar sua pele. Oito anos fugindo e agora estava alí, ele finalmente havia conseguido lhe alcançar. Ela olhou para o teto  e para a luz tentando não pensar no que viria a seguir, milhares de cenários se desenharam em sua mente fértil e ela suspirou cansada, quando tempo tinha passado desacordada? Sakura levou seu olhar para o pulso onde a fileirinha de feijões vermelhos se unia em uma pulseira e seu coração se apertou mais.

 

Uma porta se abriu e ela ficou alerta. O som de passos calmos foi registrado por sua mente treinada em batalha e não demorou muito para a figura de Yoshiro aparecer logo acima dela, Kimono branco, cabelo branco, sorriso de dentes brancos, olhos de citrino, a visão da pura malícia com traços bonitos. Ele lhe sorriu viperino e ela cuspiu nele, infundindo toda a sua raiva.

 

O sorriso branco não se desfez quando ele pegou uma mecha de seu cabelo, e Sakura odiou o fato de não poder se mexer, mas se resignou a olhá-lo com o mais puro ódio destilado do fundo de sua alma cansada quando ele lhe falou - Bem vinda a seu novo lar minha flor.



&



O vento da aurora acariciou levemente seu rosto e braços lhe enviando arrepios por todo o corpo. Mais frio do que aquilo no entanto, era ódio gelado que maculava sua alma enquanto encarava o sorriso viperino do homem à sua frente.

 

Sakura odiava a forma como ele lhe chamava de florzinha. Era um misto de todo tipo de sentimento repulsivo que despertava nela ao ouvir aquilo, nojo, raiva, indignação, mágoa, uma vontade ridiculamente poderosa de arrancar a língua dele. Ela nunca havia gostado quando ele lhe chamava assim, e desde o começo, quando ainda confiava nele, era nos momentos em que ele a chamava assim que os alertas apitavam em sua mente.

 

“Eu devia ter ouvido esses alertas” pensou resignada.

 

Ele era uma criatura perigosa, sorrateira e muito inteligente para ser subestimado. Afinal, quão sorrateiro um daimyo teria que ser para não apenas se ausentar de sua agenda de compromissos, como também se esgueirar para dentro de uma das mais poderosas aldeias ocultas do mundo shinobi e ter a audácia de marcar um encontro dentro de seus muros? Ele era, e era pior ainda, Sakura jamais o subestimaram outra vez.

 

Ela olhou para sua figura ainda imóvel a sua frente, lhe estudando com os olhos maquiavélicos. Ela respirou fundo e decidiu ser o mais direta possível, estava alí pelo bilhete que o pássaro trouxe, não estava exatamente em sua melhor forma, mas ainda podia se defender, e o quanto antes aquilo terminasse melhor - Você mencionou Sarada em seu bilhete.

 

O sorriso de Yoshiro se enlargueceu e ele deu um passo em direção a Sakura - Que falta de educação Sakura, não vai nem mesmo me cumprimentar? Não vai me perguntar como estou em minha posição de daimyo? O que tenho feito? 

 

Sakura afastou a vontade de arrancar aqueles olhos maldosos das órbitas. A floresta nos arredores de Konoha começava a acordar com a chegada da manhã, o chirriar de uma coruja próxima lhe manteve alerta observando os passos do homem à sua frente - Eu não tenho interesse algum em você ou no que quer que esteja fazendo, eu só quero saber o que você tem para me dizer sobre Sarada. 

 

Ela queria mesmo era pular nele, lhe estapear e perguntar se ele estava por trás do coma de sua filha, mas tinha que ser paciente, e não podia lhe dar informações que não tinha certeza se ele tinha. Embora o pássara tenha ido diretamente para ela no hospital, não podia ter certeza se era por que ele sabia sobre o estado de Sarada ou se apenas deduziu que ela como médica estaria no hospital. Precisava ser paciente, e odiava isso porque essa nunca foi uma das suas melhores qualidades.

 

Ele riu ainda mais, e deu mais um passo em direção a Sakura, que permaneceu firme onde estava. Ela não ia recuar - Você deveria repensar sobre isso minha doce flor, o que ando fazendo diz respeito tanto a você quanto a seu adorável brotinho.

 

— O que você quer dizer? - já estava cansada daquele jogo e eles mal tinham começado.

 

Yoshiro deu mais um passo na direção da rosada, e outro, e outro, até estar a distância de um braço dela. Apesar de não se mover, aquilo deixava Sakura nervosa, e não o tipo bom de nervosismo quando um homem chega perto, não eram borboletas no estômago, era ânsia de vômito. Ele lhe olhava com olhos estreitos e observadores, o albino levou a mão para perto da lateral do corpo dela, os dedos pairando pela lateral do rosto feminino. Ele tentou tocar uma mexa do cabelo dela e imediatamente Sakura afastou a mão com um tapa.

 

Ele levou a mão para o peito, olhou para ela com olhos de topázio incandescente. Uma fúria assassina e quente borbulhando logo abaixo da superfície. Sakura teria medo se não tivesse algo ainda maior fervendo por baixo, seu temperamento inflamado e alimentado por todo o ódio que o simples pensamento em sua filha desacordada lhe trazia. Seus olhos de jade em combustão.

 

Ele sorriu de repente - Seu cabelo está maior desde a última vez que a vi, e você ainda mais feroz.

 

— Se eu não estivesse presa em uma maca e drogada você teria tido uma prova da minha ferocidade - as lembranças do mês que passou sob domínio dele mal eram um borrão em sua mente perturbada. Momentos vagos de consciência entre drogas e torturas, a voz melodiosa de Yoshiro em seu ouvido..

 

“Eu sei que você lembra, diga a fórmula para mim”

 

Era sempre uma experiência inovadora quando ele recebia um não.

 

“Eu odeio fazer isso com você minha flor, mas você está pedindo”

 

Era sempre seu argumento.

 

Pra a felicidade de Sakura a toxina estava a tanto tempo em seu corpo que era impossível distingui-la do resto mesmo com as mais avançadas técnicas que o homem usasse. E se dependesse dela falar...

 

— Isso é uma das coisas que mais me fascina em você - ele voltou a falar, ainda lhe estudando como se fosse um quebra-cabeças - sua ferocidade e esse temperamento intempestivo. E há tanto mais, por isso você sempre me fascina, não importa quantas vezes olhe para você, há sempre algo novo para observar. Eu adoro a cor única dos seus cabelos, uma mutação tão adorável não é mesmo?

 

Sakura já estava cansada daquilo, daquela conversa e de tudo o que estava relacionado a ele - Se você não tem nada de relevante para me dizer eu estou indo embora - Ela aguçou seus sentidos ao máximo e para ser o mais teatral possível, mesmo contra todo o seu treinamento, deu as costas para o inimigo e um passo para longe.

 

— Não tenha pressa minha flor, sua menina não vai a lugar nenhum hoje - ela parou a menção da filha - mas se não quiser me escutar, temo que terá que visitar o cemitério muito em breve para um velório.

 

Uma mão muito gelada se fechou no coração de Sakura ao ouvir aquelas palavras. Trêmula e com olhos arregalados ela se virou para olhar para o rosto de Yoshiro que parecia um jogador tirando sua carta da manga, satisfação e malícia escorrendo dos olhos amarelados - O que quer dizer com isso? - sua voz mal superando o murmúrio do vento.

 

Ele sorriu e deu um passo curto para o lado, as longas mangas do kimono de seda alva tocando o chão quando ele se abaixou para colher uma flor de um arbusto próximo. Um pequeno raminho pontilhado de branco retirado do que mais parecia um bouquet. Sakura tremia por dentro e por fora, o coração disparado, ainda em choque observando o movimento aparentemente inocente do homem a sua frente. Quando ele se levantou olhou da flor para a rosada com um sorriso conspiratório, ela quase não conseguia respirar.

 

— Veja que feliz coincidência, cicuta - ele girou o pequeno cacho de flores nas mãos - não sabia que elas cresciam naturalmente nesta região. Ou será que não foi naturalmente? Vocês shinobi estão sempre brincando com essas coisas perigosas.

 

Sakura queria pular na garganta dele e exigir que parasse de conversa fiada. Um velório ele havia dito, um velório! Tinha sido apenas uma forma de falar ou ele estava querendo dizer que Sarada morreria em breve? E como ele saberia sobre isso afinal? Ela estava prestes a vociferar perguntas a ele quando algo se acendeu em sua mente. 

 

Cicuta. 

 

Lembranças de tardes ensolaradas passadas ao lado de Shizune povoaram sua mente,  percorrendo os bosques e as florestas ao redor e dentro da vila buscando por seus “tesouros”. Noz-vómica, cicuta e aconitum foram alguns dos que ela mesma havia colhido das florestas ao redor de Konoha, aprendido sobre suas propriedades mortais e a curar a intoxicação por elas. Poderosos venenos que a natureza gentilmente presenteou aos assassinos.

 

Veneno.

 

— Você a envenenou? - Sakura repassou cada um dos exames que havia feito em sarada, o resultado toxicológico havia sido negativo, não havia qualquer sinal de intoxicação, era impossível. Além disso quando esse envenenamento havia acontecido? Quase três meses haviam se passado desde o sequestro quando Sarada entrou em coma. Nada se encaixava, nada fazia sentido e seu coração batia tão desesperado no peito que mal podia pensar.

 

— Bravissimo minha cara - ele deu mais um passo em direção a ela. Atrás dele luzes quentes no horizonte proclamavam o alvorecer - Devo dizer que estou quase decepcionado por você não ter descoberto antes. É claro que eu mesmo formulei a substância pensando em uma forma de criar algo que nem você fosse capaz de detectar, bem parece que eu cumpri essa tarefa com êxito.

 

O estômago de Sakura estava embrulhado, ela já podia sentir o suor descendo por suas têmporas mesmo com a brisa outonal. O coração martelava no peito com tanta força que quase doía. Aquilo não podia ser verdade.

 

— Impossível - a voz já estava afogada nas lágrimas que escorriam por sua face.

 

— Mas é claro que não meu bem - ele gargalhou perverso - é apenas muito difícil.

 

— Como? Não havia nada, nenhuma intoxicação, nenhum sinal de veneno, nada! - o grito saiu desesperado e esganiçado - O que você fez com a minha filha?!

 

Ele estava perto outro vez, a um braço ou menos de distância e dessa vez ela não pode conter o ímpeto de dar um passo para trás - Eu estava ansioso para esse momento chegar, para me gabar pela minha genialidade para você - ele estava eufórico, as mãos agitadas e os olhos injetados, a imagem perfeita do psicopata que era - Meu veneno é uma linda neurotoxina completamente sintética, feito para agir vagarosamente e apenas com o estímulo certo, particularmente eficaz para as crianças.

 

— O que? - ela estava aterrorizada.

 

— Entenda minha flor - ele chegou ainda mais perto - o veneno que Sarada-chan inalou, sorrateiramente administrado por Emi-chan no dia que minhas crianças a levaram, se encaminha rapidamente para o sistema nervoso e lá se instalou, incapaz de ser metabolizado pelas células, ficou aguardando o estímulo certo para agir. Devo dizer que estava quase acreditando que ele não havia surtido efeito já que tanto tempo se passou e meus espiões continuavam relatando que ela estava perfeitamente bem, mas felizmente, um dia depois de quase três meses, um pergaminho chegou me informando que havia dado certo - as palavras dele entravam como facas em seus ouvidos - Diga Sakura querida, Sarada-chan não gosta muito de doces não é?

 

Os olhos de Sakura se fecharam imediatamente e ela sentiu as lágrimas gordas escorrerem. Sarada repudiava doces, mas poucos dias depois de sua única excursão a doceria e ela estava em coma. Sendo o cérebro um dos órgãos mais ávidos pela glicose, usar ela como veículo para entrar no sistema era perfeito, era o mecanismo de muitas drogas para tratamento de doenças neurológicas, e como Yoshiro havia dito, perfeito para crianças, normalmente movidas a açúcar - Não, Sarada não gosta.

 

— Isso esclarece muito. E respondendo a seu questionamento anterior, meu veneno não gera metabólitos detectáveis, apenas uma leve alteração da taxa de açúcar no sangue pois é assim que ele age, impedindo que o combustível favorito dos neurônios chegue neles e provocando estado vegetativo e posteriormente, por um mecanismo secundário, morte celular.

 

Os resultados diários dos exames de sangue de Sarada lhe vieram a mente imediatamente, a sempre presente alta taxa de açúcar. Por que ela não havia se atentado a aquilo? Por que não tinha ido a fundo e procurado a origem daquilo? Não devia ter deixado sua filha para procurar por sua própria cura, que tipo de mãe odiosa ela era?

 

— Diga meu bem, a quanto tempo seu brotinho está dormindo mesmo? - a voz manhosa lhe arrancou de seus pensamentos, e pelo seu tom era uma pergunta para o qual já tinha resposta, o sorriso debochado apenas confirmava isso.

 

— Cinco semanas - murmurou automaticamente, uma mistura de raiva e desespero. Ele levou a mão ao queixo teatralmente fingindo pensar, a imagem fez o sangue de Sakura ferver.

 

— Pelo meus cálculos, você tem mais uma semana até que os neurônios começam a morrer e nesse caso, Sarada-chan terá morte cerebral - Sakura não conseguiu se conter e quando viu a mão já estava voando para o rosto bonito dele. O som estalado do tapa subiu acima dos murmúrios da vida selvagem a seu redor e ela viu o desenho avermelhado da palma de sua mão na bochecha direita dele. Curiosamente ele manteve o sorriso no rosto mesmo quando voltou a falar - isso doeu meu bem.

 

— Seu desgraçado! - as palavras eram tão carregadas de ódio e trêmulas com desespero que ela quase não se reconheceu - Desde o começo você planejou isso, sequestrar Sarada foi apenas um meio para isso não foi? Por que você fez isso?! Por que envolver minha filha se seu problema é comigo?

 

Ele estava tão perto agora que ela sentia a respiração quente dele tocar seu rosto. Não havia sorriso quando ele acariciou a lateral do rosto de Sakura e com voz suave falou - E de que outra forma eu teria você?

 

Ela se afastou do toque com um passo para trás desnorteada e perdida. Imagens sucessivas vinha a sua mente perturbada. Sarada segurando seu dedo com força enquanto mamava, quase como se a segurasse no lugar, mal sabia ela que era tudo o que a mantinha viva. Os primeiros passos e a queda da varanda da taverna para o montinho de neve onde afundou, risos e choro misturados. O sorriso desdentado dela quando Jung a colocava nas costas e corria por todo lugar. A primeira vez que lhe chamou de mamãe. 

 

Um bebê completamente vulnerável. Dependente dos cuidados dela, e Sakura sempre tentou com tudo o que tinha dar a sua filha o melhor ambiente, a maior segurança, e mais amor do que podia caber dentro de si. E como todas as outras vezes ela falhou miseravelmente. Os soluços irromperam junto com as lágrimas e com pernas bambas Sakura caiu sentada no chão paralisada pelo medo irracional que corria por suas veias, ela não podia perder Sarada, não suportaria.

 

— Eu posso consertar isso, com certeza - balbuciou desesperada - Shizune e Tsunade-shishou vão me ajudar e vamos trazer Sarada de volta.

 

Yoshiro se agachou para olhá-la nos olhos - Eu não tenho dúvida que vocês poderão fazer - a voz calma e serena quando encarou a mulher quebrada que Sakura era ali naquele chão - A questão é, será que o antídoto será efetivo? Como vai extrair uma amostra para desconstruir do sistema nervoso dela sem comprometê-lo? E acima de tudo, será que vai conseguir a tempo? - ela voltou olhos esmeralda banhados em lágrimas para ele, isso tinha que ser um pesadelo - Você vai arriscar que Sarada perca um punhado de neurônios no processo?

 

Ela não tinha dúvida que seria capaz de fazer um antídoto para sua filha, ela havia conseguido contra o potente e mortal veneno de Sasori em algumas horas. E com Shizune e Tsunade ajudando o cenário seria ainda melhor mas… Ela olhou profundamente nos olhos de topázio que a encaravam. Ele era uma criatura inteligente e embora soubesse que Sarada estava em coma a semanas, escolheu o momento certo para vir e jogar aquilo nela. Yoshiro sabia da capacidade dela e daqueles ao seu redor e ainda sim veio e lhe contou, apenas porque tinha certeza de que ela não teria tempo o suficiente.

 

— Para deixar bem claro, eu devo dizer que você precisará de pelo menos um mês para refinar o antagonista químico, é um processo bem trabalhoso e minucioso. Mas tenho certeza que você conseguirá. Você pode não acreditar em mim e correr o risco - ele limpou uma lágrima do rosto dela e Sakura recuou enojada - Ou pode acreditar e barganhar comigo.

 

Era esse o ponto não era? Era nisso que tudo se resumia afinal. Fora tudo perfeitamente planejado por Yoshiro para que ela não tivesse escolha. Por que ele sabia é claro, sabia que ela faria qualquer coisa por Sarada, ele a conhecia bem demais. Sakura não sabia se era por sua mente perturbada ou se realmente estava sem opções, ela não queria fazer qualquer acordo com ele mas qual era sua alternativa? 

 

Se Yoshiro estivesse falando a verdade, e algo lhe dizia que ele estava, tinha apenas uma semana para produzir o antídoto que segundo ele demoraria um mês para ser preparado. Isso se soubesse o que preparar. Colher uma substância que se encontrava em um local tão sensível quanto o tecido cerebral era absurdamente complicado e arriscado, e estando a toxina tão intimamente ligada às células… Mesmo que se tratasse de três das maiores médicas das nações shinobi, sendo uma especialista em venenos, haviam coisas que realmente demoravam a ser feitas. Produzir uma substância química podia levar semanas.

 

— O que você quer e o que vai me dar em troca? - as palavras mal passavam pelo bolo de medo da garganta dela.

 

— Uma vida por outra. - Sua expressão se iluminou - Eu lhe dou o antídoto, e você vem para mim, de bom grado. O que implica em você entregando a fórmula para mim e dedicando o resto de sua vida para meus propósitos.

 

Uma respiração trêmula deixou os lábios de Sakura. Deixar sua filha morrer ou assegurar a segurança das nações shinobi. Jogar fora tudo pelo que lutou na guerra e depois quando forjou sua morte, trazer um novo mal pro mundo. Porque ela sabia que Yoshiro era uma criatura seca e faminta por poder que não ia parar enquanto não levasse sua destruição para onde pudesse alcançar, e com a fórmula perfeita para tornar até mesmo um civíl em uma arma mortal, o mundo seria seu jardim. E mesmo que houvessem shinobis capazes para lhe derrotar, quantas vidas se perderiam no processo, entre os que lutariam e os que teriam a vida tomada por Yoshiro?

 

Ainda sim, era a voz de Sarada que enchia seus pensamentos, que fazia seu coração bater atormentado contra as costelas. Não era justo com ela, de todos sua menina fora a que mais sofreu com suas escolhas. Por causa das escolhas de Sakura uma vida normal, ou o mais normal que a vida de um shinobi possa ser, foi arrancada dela antes mesmo de nascer. Poderia ela agora escolher o resto do mundo e não sua filha?

 

A resposta veio tão rápida e firme em sua mente que por um momento Sakura se achou a pessoa mais egoísta do mundo. Mas onde heroísmo e altruísmo a haviam levado até agora? Era errado priorizar uma vida e não as milhares que sofreriam pelas consequências de suas ações? Sim, era o suprassumo do egoísmo, mas Sarada era tudo.

 

Não escolher Sarada estava fora de questão, mas entregar a arma para o bandido também não era uma opção. Não poderia simplesmente salvar Sarada para criar um caminho de conflitos para ela no futuro onde teria que lutar contra o resultado das escolhas de sua mãe.

 

E nesse caso, só havia uma coisa a ser feita.

 

— Se eu aceitar - ela lutou contra todo o tremor em sua voz - como isso vai funcionar?

 

Ele sorriu quando levou a mão ao interior do kimono alvo e trouxe consigo uma pequena ampola com um líquido cor de rosa - Ela precisará de duas doses, eu lhe darei a primeira hoje e em vinte e quatro horas um de meus subordinados trará a segunda, você vai administrá-la e ele irá lhe escoltar até mim - as palavras saiam com facilidade e Sakura se perguntou em quantas vezes ele imaginou esse momento - Eu não preciso dizer que ninguém deve saber desse nosso acordo é claro, isso aqui não vai te comprar mais tempo, e caso você  decida sair por aí falando Sarada jamais terá a segunda dose.

 

— Como eu vou saber se você não está me dando xarope ao invés do antídoto? - Seria muito conveniente para ele que ela lhe desse tudo enquanto ele não lhe desse nada, não podia arriscar.

 

Ele revirou os olhos e  se levantou, recuperando um pouco da força Sakura também se pôs de pé - Por que tão desconfiada? - ela o olhou com um olhar duro para deixar claro que não confiava nele - Tudo bem querida, você teria algum meio de saber se sua menina está bem a distância? Creio que não vá confiar nas informações dos meus espiões.

 

Sakura franziu o cenho ao pensar enquanto imaginava formas de poder fazê-lo. O metal frio do camafeu que sempre carregava consigo lhe enviou uma esperança - Sim.

 

— Ótimo, após a administração da segunda dose você será levada para mim mas eu não exigirei nada até que confirme que Sarada está bem, mas não pense que pode adiar isso por muito tempo eu sei exatamente o tempo que o antídoto leva para fazer efeito. E se você não for cooperativa minha querida, eu vou caçar sua filha assim como fiz com você, e por mais que ela tenha ótimos cães de guarda, uma hora vai haver uma brecha - seu sorriso ameno era o mesmo que ele usava para encantar - diga, eu não tenho um coração maravilhoso?

 

— Você nem tem coração - ela cuspiu e ele gargalhou. Sakura respirou fundo tomando coragem, ela faria qualquer coisa por sua filha, desde que ela pudesse viver feliz e bem, ela podia fazer isso - Eu aceito.

 

&



Sasuke já estava de pé quando Sakura voltou ao quarto do hospital. Ela apenas lhe disse que havia saído para caminhar e que estaria de folga das pesquisas nos próximos dias, antes dos procedimentos. O Uchiha não questionou e quando ele lhe disse que precisaria ir ao escritório do Hokage, Sakura teve que conter sua ansiedade.

 

A ampola pesava uma tonelada no bolso, o peso de suas decisões e das consequências que aquilo traria. Ainda assim, ela não se arrependeu quando a agulha da seringa se conectou a ampola e em seguida ao acesso venoso de Sarada. Ela assistiu o líquido róseo viajar pelo fino tubo e sumir onde a agulha se inseria no dorso da mão de sua filha. Estava feito.

 

Com uma fraqueza súbita Sakura caiu sentada na poltrona ao lado da cama e desabou. Ela chorou e pediu a Kami que ninguém entrasse por aquela porta porque tudo o que queria, tudo o que precisava era chorar. Seus ombros se sacudiam e os soluços a perturbavam mas ela chorou e chorou e chorou.

 

Ela olhou em meio as lágrimas para sua filha deitada na cama. O peito subia e descia calmamente, alheia a tudo o que afligia sua mãe. Por oito anos Sakura se preparou para dizer adeus, por oito anos ela disse para si mesma que cada dia a mais era lucro, era mais do que podia querer, mas agora diante do momento do adeus, ela só queria mais tempo.

 

Talvez fosse o fato de estar tão perto de uma cura para o mal que imaginou que iria roubar sua vida e o tempo. Por alguns dias ela esteve tão próxima de alcançar a cura e a possibilidade de uma vida inteira pela frente ao lado de Sarada e... ao lado de Sasuke. Porque sim, e contrariando todo seu senso de autopreservação e a dor de suas feridas ainda pouco cicatrizadas, ela realmente acreditava que dessa vez, ele ficaria.

 

Quando acordou em Konoha logo após ser resgatada, Sasuke era para ela uma grande incerteza. Mas apesar de ainda ser o mesmo Sasuke que sempre amou, era completamente diferente também. Depois de semanas cuidando dela e de Sarada, depois de tudo o que disse e fez, seu coração traidor não conseguia se afastar.

 

Como poderia quando fora ele, segundo Ino, quem manteve seu apartamento intacto e sem um grão de poeira por todos esses anos? Ele que se tornou companhia constante para Kakashi-sensei no memorial onde os nomes dos shinobi mortos em serviço estavam gravados, onde o nome dela estava gravado. Ele que antes mesmo de saber que era pai cuidou de sua filha, que cuidou dela enquanto a doença lhe roubou dois meses de vida. Sasuke, sempre tão fechado mas agora tão aberto para elas duas.

 

E como ela era um coração apaixonado, ela sonhou.

 

Ela sonhou com os dias que viriam quando Sarada estivesse acordada e ela curada. Sonhou com dias felizes acordando entre os braços dele, em dias que tomariam o café em família com Sarada reclamando das aulas vagarosas da academia e de ver os dois no jardim treinando arremesso de shuriken. Sonhou com uma vida pacata e normal de dias agitados no hospital e noites alegres na companhia dos amigos da vila. Sonhou até mesmo com as visitas ocasionais de Jung e companhia e de Sarada passando férias com eles e como Sasuke seria rabugento sobre isso. 

 

Depois de anos vivendo apenas um dia de cada vez ela se permitiu sonhar. E agora aquele sonho era brutalmente arrancado dela novamente.

 

Talvez ela nunca tenha estado realmente preparada para dizer adeus. 

 

De qualquer forma, deixar Sarada naquelas circunstâncias, ser obrigada a ir com o homem que destruiu sua vida inteira era doloroso de uma forma quase insuportável. Sakura estava com tanta raiva, tanta raiva! Tudo parecia tão injusto e terrível, usar Sarada para lhe atingir havia sido o ápice de toda a crueldade de Yoshiro. Brincando com a vida das pessoas e as usando para seus interesses mais egoístas.

 

Sakura esfregou as lágrimas do rosto violentamente. Ela não podia se lamentar mais, em breve Sarada estaria bem e ela faria com que Yoshiro pagasse. Se levantou da poltrona e verificou os sinais da filha, ainda estáveis, o composto devia estar passando pela barreira hematoencefálica e logo atingiria os corpos celulares dos neurônios. Um dia, era tudo o que a separava de seu adeus definitivo.



 &



— Vamos Sasuke-kun não seja rabugento - Sakura praticamente arrastava o moreno para o centro da vila onde o festival do fogo fervilhava.

 

— Eu não concordei com isso - ele resmungou enquanto se deixava levar pelo braço fino que se enrolava em torno do seu.

 

Sasuke ouviu ela bufar uma risada - Você também não discordou.

 

Isso com certeza havia sido uma péssima ideia. Não que ele não apreciasse a companhia dela, ele ficaria feliz em subir para o terraço do hospital e ver a queima de fogos do festival, mas Sakura tinha uma ideia diferente de diversão. E como ela lhe conhecia bem, quando o chamou para sair do quarto de Sarada logo após a chegada de Shizuka, e estando ela ainda mais linda do que o normal vestida naquele qipao vermelho e calças capri branca, bastou apenas uma piscadela e ele estava saindo do hospital sem perguntar para onde.

 

As lanternas começaram a aparecer na esquina e Sasuke queria correr. Ele não gostava de multidões, as achava muito incômodas com a possibilidade de esbarrar em alguém a qualquer momento e não forneciam nenhuma privacidade. Não que ele estivesse interessado em fazer algo com Sakura que demandasse certo nível de privacidade, longe disso é claro. 

 

O fato é que quando ela lhe abordou para sair, apenas os dois juntos, ele imaginou outro tipo de destino, de preferência um onde pudessem estar realmente a sós. Principalmente porque ela não concordava em deixar Sarada por muito tempo ou por algo no mínimo urgênte.

 

— Ora vamos Sasuke-kun, nós nunca frequentamos um festival como um casal - ele arqueou uma sobrancelha para ela, com bochechas coradas e olhos brilhantes, ele quase podia ver corações flutuando sobre sua cabeça. Mas ele estava feliz com a parte do casal - E eles são tão românticos! 

 

— Eles são irritantes - ela estreitou os olhos para ele e os corações podiam muito bem ser facas agora.

 

— Não eles não são - ela fez beicinho e ele não pode discordar que ela estava fofa - Eu logo vou ter que ser internada e vou ficar incapacitada de qualquer atividade divertida e por muito tempo, então esqueça que você é absolutamente rabugento hoje e seja o namorado que nunca foi.

 

Sasuke revirou os olhos para a birra dela. Apesar disso ele gostava dela se referindo a ele como seu namorado, mesmo que nunca tenha achado a palavra significativa o suficiente para o que existia entre eles, a verdade era que a única palavra que ele achava digna seria marido, mas isso eles poderiam resolver assim que Sarada acordasse. E ela acordaria, ele tinha certeza.

 

Derrotado, Sasuke envolveu a mão dela com a sua e eles caminharam pelo espaço repleto de civis e ninjas se misturando no que era uma das maiores comemorações da vila. O cheiro picante e doce tornava o ar quente e pesado com tanta informação para absorver, muitas cores, sabores e texturas. As lanternas vermelhas penduradas com kanjis de boa sorte desenhados faziam a atmosfera calorosa e levemente avermelhada, como o coração de uma chama.

 

 De mãos dadas com Sakura, Sasuke fez questão de desviar de cada conhecido e propositalmente ignorou o aceno do Hokage que em uma rara ocasião se encontrava fora de serviço e acompanhado de toda a família. Ele se aproveitou da distração e do encanto da mulher a seu lado e bebeu de sua imagem certo de que nunca se cansaria. Ela ficava linda com as bochechas coradas e o sorriso aberto, encantada e apontando para as atrações que os rodeavam. Um grupo de mulheres vestidas em kimonos impecáveis dedilhavam uma melodia vertiginosa no koto, um par de homens que se diziam samurais trocavam golpes com armaduras muito ornamentadas e katanas sem fio, um grupo de gueixas fazia lindas danças jogando e apanhando leques no ar, e tudo isso a encantava.

 

A brisa fresca que vinha do leste fazia a temperatura agradável mesmo em meio a multidão. Com o início do outono, algumas árvores já estavam pontilhadas com folhas em amarelo e laranja, e em alguns dias elas acenderiam em cores ainda mais quentes, como a própria vontade do fogo. Por todo lugar era a essa vontade que o festival celebrava, jounins mais velhos, verdadeiras raposas e sobreviventes de guerra se aglomeravam em mesas regados a muito sake. Os mais jovens, provavelmente chunins, tentavam se infiltrar nas rodas de conversas e histórias de guerra e celebravam sua juventude. Por todo lado genins e crianças mais jovens corriam de barraca em barraca devorando guloseimas e jogando os jogos de festival.

 

Sasuke sorriu para o cenário pacífico e festivo. Muitos anos atrás ele teria achado a cena um ultraje e um insulto, centenas de pessoas comemorando as custas do sangue de todo o seu clã, as custas do sacrifício de Itachi que jamais seria reconhecido. Mas agora, tudo o que ele via era os frutos desse sacrifício, o sorriso nos rostos jovens livres das preocupações sombrias que um dia ameaçaram a vila. Naruto havia socado aquilo na sua cabeça a força, e a mulher a seu lado estava lá de braços abertos para ele sem qualquer julgamento, com todo o amor e uma promessa de recomeço.

 

Ela parou em cada uma das barraquinhas com doces e tinha cinco palitos de dango nas mãos, cada um com cores e sabores diferentes. Sakura pulou como uma criança quando apontou para uma das barraquinhas que tinha uma iguaria no mínimo inusitada, tomates cereja espetados e cobertos com molho agridoce. Inicialmente Sasuke não colocou muita confiança na coisa de cor estranha, mas depois da primeira mordida ele também saiu carregando meia dúzia de palitos. 

 

Ao seu lado Sakura ria e brincava, as mãos antes unidas eram agora braços entrelaçados. Ela estava feliz e radiante, e ele não pode deixar de ficar também. Cada vez que ela lhe sorria era como o pôr do sol na primavera, quente e acolhedor, lhe roubava os sentidos, lhe deixava tonto. Estar ao lado de Sakura alí era quase perfeito, faltava apenas sua filha.

 

— Traga Sarada no próximo ano - ela disse do nada e Sasuke pensou, como pensava algumas vezes, se ela podia ler sua mente - Ela adora comidas de festival, sempre tem palito de lula extra picante e wasabi a vontade - Sakura riu, um brilho melancólico no olhar, nostalgia e tristeza na voz.

 

Sasuke olhou nos olhos de jade brilhantes. Havia felicidade verdadeira mas banhada em saudosismo, melancolia, e medo. Por um momento ele se sentiu confuso com aquilo, e então compreendeu. Sakura estava com medo, medo pelo procedimento que faria nos próximos dias. Segundo ela era realmente perigoso mas o risco era aceitável se comparado a alternativa da morte iminente. Ele estava com medo também se fosse sincero, mas a alguns dias nem mesmo tinham alternativas e agora ele alimentava a esperança. Porque se havia alguma certeza era que Sakura era forte, não apenas no campo de batalha mas na vida. Ela havia criado a filha deles em meio a tantas dificuldades, suportado tanta dor e aguentado firme por tantos anos, o moreno não tinha dúvidas que ela resistiria.

 

Ele entrelaçou suas mãos novamentes e se abaixou para ficar mais próximo dela - Vamos trazê-la juntos.

 

Ela olhou fundo em seus olhos, e por um momento foi como se estivessem sozinhos. Ela lhe sorriu suavemente e uma lágrima fujona escapou do canto do olho, tantos sentimentos e emoções flutuando na superfície cristalina dos olhos que ele tanto amava. Ela assentiu e se iluminou novamente quando avistou uma barraquinha vendendo umeboshi. Sakura correu para lá em busca de um de seus pratos favoritos e Sasuke apenas observou.

 

Ele começou a caminhar para Sakura quando algo no canto do olho lhe chamou a atenção. Uma idosa estava sentada no chão, a pele enrugando pelo sorriso gentil nos lábios. A sua frente uma mesinha baixa continha uma variedade de peças de bijuterias artesanais dispostas sobre um tecido negro. O moreno andou até ela e se abaixou para tocar a peça que lhe chamou. As peças arredondadas e em formato de lágrima e coração dos feijões vermelhos alinhadas em uma corrente curta da pulseira, lustrosos, brilhantes e nostálgicos.

 

— Um romântico eu vejo - a voz envelhecida lhe tirou do fundo de suas lembranças.

 

Sasuke olhou para a pele enrugada e o sorriso gentil dela - Uma lembrança.

 

— Ah, você conhece a lenda jovem? - ela inclinou a cabeça para o lado curiosa.

 

Sasuke tocou a superfície lisa dos pequenos feijões da pequena e delicada pulseira - Sim.

 

— E não tem uma moça especial para presentear com eles? 

 

Quando Sakura encontrou com ele no meio do caminho estava lambendo os dedos da coisinha vermelha e salgada que terminava de comer. Sasuke pegou sua mão e eles caminharam por entre as pessoas e o festival a todo o vapor. Ele calmamente desviou seu caminho para longe da multidão e logo estavam andando pelos arredores dos campos de treinamento.

 

— Pra onde estamos indo Sasuke-kun? - a voz era suave, quase um sussurro, sua cabeça estava apoiada no ombro dele.

 

— Ver os fogos - como era tradição as noites de festivais tinham seu ápice na queima de fogos. O mirante no alto do monumento dos Hokages certamente estaria cheio de espectadores em busca da melhor visão, mas ele tinha uma ideia melhor.

 

Sakura riu quando avistou a ponte vermelha sobre o pequeno riacho. O longo descampado onde o jovem time sete treinou tantas vezes se estendia logo após, e mais longe Sasuke quase podia ver a pontinha brilhante do memorial. Eles pararam de caminhar quando chegaram ao meio da ponte e ficaram em silêncio por um momento, apenas absorvendo o lugar, a lua cheia alta no céu, as estrelas pequenos pontos brilhantes na imensidão enegrecida. O calor familiar de Sakura a seu lado era delicioso.

 

— Eu costumava vir aqui as vezes - a voz da rosada quebrou o silêncio depois de alguns minutos - quando você e Naruto saíram da vila. Eu fechava os olhos e era quase como ver todos nós aqui, brigando mais do que tudo enquanto Kakashi-sensei sentava em um galho qualquer e lia seu livro. Eu sempre vinha aqui quando estava muito cansada ou desanimada, pra pensar no nosso time e em como tudo seria maravilhoso depois que estivéssemos juntos de novo.

 

Sua voz estava apenas um pouco acima do som da correnteza. Sasuke fechou os olhos lembrando da época em que era um genin recém formado com um time desastroso. Eles não eram exatamente unidos mas se encaixavam com uma estranha perfeição e o que era terrível no começo, se tornou sua segunda família.

 

— Foi realmente maravilhoso, estarmos todos aqui - Sakura voltou a falar.

 

— Você esperou por muito tempo - ele mirou os olhos de jade e ela sorriu devolvendo o olhar.

 

— Eu teria esperado mais, uma vida inteira se eu tivesse um único momento como esse com você Sasuke-kun, e muito mais se isso fosse me dar Sarada - uma lágrima solitária escapou de seus olhos brilhantes e sorrindo um sorriso que só Sakura já havia visto Sasuke limpou o rastro salgado. As mãos calejadas contra a pele macia.

 

— Existe uma lenda - ele sussurrou apenas para ela.

 

— Você vai me contar uma história Sasuke-kun? - o sorriso na voz dela era divertido.

 

— Fique quieta e não seja irritante - ela riu mais e assentiu, certa de que havia mais carinho do que qualquer coisa naquelas palavras - Durante uma guerra a muito tempo atrás um homem foi obrigado a deixar sua esposa e filhos para lutar. Sua esposa esperava por ele todos os dias no alto de uma colina aos pés de uma árvore olhando para o horizonte com saudades, mas seu marido nunca retornou. Todos os dias durante sua espera ela chorava aos pés da árvore e com o passar dos anos suas lágrimas secaram e ela passou a chorar sangue - Sakura olhava atentamente e fascinada enquanto ele continuava a narrativa - Suas lágrimas de sangue endureceram na terra e se tornaram feijões vermelhos, que brotaram e se transformaram em uma grande árvore, coberta de feijões vermelhos como lágrimas de sangue.

 

— Isso é terrivelmente triste - ela disse ao fim.

 

Sasuke assentiu - É uma lenda do meu clã, uma história passada por gerações que fala sobre um amor fiel e leal, que não morre com o tempo e com a distância - ele tirou a pequena pulseira vermelha do bolso e tomou o pulso fino para si. Sakura arregalou um pouco os olhos e quando ele selou o fecho pulseira em seu pulso olhou emocionada para a pequena e delicada peça carmesim - É uma tradição que um homem do meu clã presenteie sua amada com joias de feijões vermelhos, como uma promessa de amor e fidelidade eterno, mesmo na distância e na saudade. 

 

Era absolutamente embaraçoso e contra toda a sua natureza aquele tipo de declaração, mas o sorriso radiante que nasceu no rosto de Sakura era motivo o suficiente. 

 

— Acho realmente apropriado - outras lágrimas se derramaram em meio ao sorriso e ela levou o pulso carinhosamente ao peito, logo acima do coração - Obrigado Sasuke-kun, por isso, por Sarada e por existir, pra que eu pudesse saber como é amar alguém assim.

 

Os braços dele a envolveram em um abraço no momento seguinte. O corpo pequeno entre eles sua fonte pessoal de calor e amor. Não, ele queria dizer, não merecia esse agradecimento pois era ela que havia feito tudo apenas lhe amando, lhe aceitando com todos os defeitos e sem julgar seu passado, apenas lhe dando amor incondicional. Sakura sempre havia sido a prova de que ele tinha um coração, pois mesmo em seus momentos mais sombrios era apenas olhar para ela pra seu coração disparar no peito.

 

Ela era e sempre seria a única dona de seu coração, alguém que tinha um sorriso só seu pois esse sorriso só nascia nele quando estava com ela. Capaz de lhe tocar a alma perturbada e lhe mostrar que ele tinha um futuro e que podia ser amado de novo, de que não precisava mais ficar sozinho. Alguém que lhe deu uma família para quem voltar, por quem lutar.

 

Ele se afastou um pouco apenas para olhar nos olhos brilhantes e chorosos, um sorriso escondido neles. As testas apoiadas, narizes se tocando, ele passou mais uma vez a mão pela superfície macia da pele de Sakura e ela entremeou os dedos no cabelo da base da nuca dele. Sasuke ouviu o som agudo que o primeiro dos fogos fez ao subir no céu, e refletido nos olhos cristalinos que tanto amava viu quando ele explodiu em milhares de faíscas coloridas. 

 

Pôr fim a distância entre eles foi fácil como respirar. Era o único caminho conhecido para ele, e quando os lábios se encontraram seus olhos se fecharam para assimilar tudo aquilo. Era como se lembrava, e ainda sim melhor. Era um sonho e um pesadelo, como pular de um penhasco e ser levado pelo vento, como a emoção da batalha e a calma do descanso. Era um caminho sem volta.

 

Os lábios levemente salgados de Sakura pelo umeboshi lhe receberam como uma velho conhecido. Macios e acolhedores, quentes e abrasadores, sedentos e famintos. A textura macia da boca carnuda tocou a sua no primeiro beijo, que era nada além de um roçar de lábios, temerosos e apreensivos com o tempo que havia se passado desde a última vez.

 

Mas como eram amantes de longa data o temor inicial logo se foi e eles mergulharam na sensação de estarem juntos outra vez. O beijo foi intenso, vagaroso enquanto eles se reconheciam e se lembravam, exploratório quando se aprofundaram. Dessa vez Sasuke tinha ambos os braços e se aproveitou disso para trazer Sakura para mais perto, mais perto e mais perto, todo espaço entre eles era demais. A rosada se apoiou nele quando sentiu as mãos fortes na cintura e passou os braços pelo pescoço longo, uma das mãos viajando pelos cabelos de ébano.

 

A respiração era rápida, o coração martelando contra as costelas. A maciez da pele dela, como imã lhe atraindo mais e mais, quente e suave. A saudade doía no peito depois de tanto tempo longe, era como encontrar o caminho de volta ao lar. Havia tanto entre eles, tantos erros e tanta dor, mas havia mais, amor e fidelidade, carinho e compreensão, havia tanto a ser dito e tanto a ser feito. Cada toque e cada arfar era inebriante, como o mais delicioso e viciante dos sakês, e Sasuke não se importaria de se deleitar com aquilo pelo resto da vida. Como ele havia vivido sem isso por todos esses anos? Com saudade, com arrependimento e solidão.

 

Nada disso importava agora, Sakura estava alí em seus braços e nunca mais se afastaria. Eles teriam longos e preciosos dias pela frente, por que agora ele não precisava mais chorar sangue pela saudade, ela havia voltado para ele.



&




O brilho do sol nascente acordou Sakura. Abraçada a Sarada ela havia tido a melhor noite de sono em anos. Ela se espreguiçou e apoiou o rosto na palma da mão e observou o rosto pequeno e infantil da filha, ela era linda. Sakura memorizou cada contorno suave e cada traço que compunha as feições de Sarada, ela queria lembrar de tudo, para sempre. Dos fios negros e sedosos, do biquinho que ela fazia inconsciente, dos cílios longos e espessos, o nariz fino e arrebitado.

 

Ela sentiria saudade, tanta saudade que isso era apenas suportável porque iria garantir a vida de sua filha. Depositou um beijo suave na testa dela e se levantou da cama de hospital. Pouco tempo depois de se levantar de seu já costumeiro lugar no sofá-cama Sasuke se juntou a Sakura e tomaram um agradável café da manhã e em seguida ele anunciou que precisaria ir mais uma vez ao escritório do Hokage e ela sorriu e lhe puxou para um abraço apertado.

 

— Eu amo você - disse ainda agarrada a ele e antes de sair o moreno lhe sorriu um sorriso Sasuke e encostou os lábio frios bem em cima do losango em sua testa.

 

Ela sentiria saudade disso também, ah como sentiria.

 

Não muito depois de Sasuke ir a porta se abriu e um rosto conhecido lhe brindou. Era a mesma mulher morena que ela viu na clareira quando Sarada foi sequestrada, aquela que havia carregado os dois outros para longe, e que segundo Sasuke, matou o ANBU que a seguiu. Ela vestia um uniforme de enfermeira, as feições serenas não indicavam nada quando ela caminhou até a Haruno.

 

— Como você entrou aqui? - perguntou surpresa.

 

— É mais fácil do que imagina - a voz suave estava igualmente calma. Ela colocou a mão no bolso interno e Sakura se posicionou protetoramente em frente a Sarada. A morena riu e tirou do bolso uma ampola idêntica a que Yoshiro havia lhe dado no dia anterior - Você tem cinco minutos.

 

Sakura agarrou o frasco e logo o líquido cor de rosa viajava para a circulação de Sarada pelo acesso venoso, ela jogou o frasco e a seringa no lixo e voltou para perto da menina em seguida. A rosada acariciou o rosto jovem e desejou com todo seu ser que ela ficasse bem. Se Yoshiro não estivesse mentindo logo os olhinhos negros de sua filha estariam abertos e era isso que importava.

 

Sakura alcançou o colar que pendia do pescoço e infundiu uma pequena quantidade de seu chakra nele. Quando chegasse a hora e Sarada estivesse acordada e bem o chakra se dispersaria e ela sentiria o sinal de sua própria energia. Era uma técnica complexa que exigia um controle absurdo do chakra mas ela a havia desenvolvido para ficar de olho em Sarada mesmo a distância. A corrente dourada e fina passou sem dificuldade pela cabeça de Sarada e Sakura a escondeu entre as dobras da camisola do hospital e seu pescoço, o colar da pequena estava guardado na gaveta do armário ao lado da cama. A morena lhe chamou apressada e com um último olhar Sakura se despediu da filha. E foi como deixar um pedaço de seu coração para trás.

 

Como a mulher adiantou, não houve muita dificuldade para sair de Konoha tanto quanto para entrar, e Sakura quis muito bater em Naruto e sua política de portas abertas. Depois de um dia e uma noite viajando escoltada e com o coração doendo eles chegaram ao coração do País do Chá.

 

Ao contrário do que poderia imaginar a mulher que lhe escoltou, não era uma companhia exatamente ruim. Ela não era muito de conversa, mas para alguém que estava feliz em conviver com Sasuke não havia tanta diferença assim, ela também era calma e seus olhos escuros pareciam estar sempre observando, captando e absorvendo tudo a seu redor, e toda aquela calma fria e meticulosa era algo realmente preocupante. Assim que pisaram nas terras do Chá, ela se tornou ainda mais meticulosa e em dado momento quando estavam já próximas a capital do país, a morena pediu desculpas antes de golpear Sakura  na base da nuca e deixá-la inconsciente.

Estrelas dançaram na cabeça da rosada e ela mal conseguia pensar, o rosto de Sarada povoava sua mente, assim como o de Sasuke, em delírios semiconscientes. Uma saudade sem tamanho apertou seu peito e a pressão era tão grande que sentiu que poderia explodir a qualquer momento quando a inconsciência lhe abraçou.



&

 

Uma porta se abriu e ela ficou alerta. O som de passos calmos foi registrado por sua mente treinada em batalha e não demorou muito para a figura de Yoshiro aparecer logo acima dela, Kimono branco, cabelo branco, sorriso de dentes brancos, olhos de citrino, a visão da pura malícia com traços bonitos. Ele lhe sorriu viperino e ela cuspiu nele, infundindo toda a sua raiva

 

O sorriso branco não se desfez quando ele pegou uma mecha de seu cabelo, e Sakura odiou o fato de não poder se mexer, mas se resignou a olhá-lo com o mais puro ódio destilado do fundo de sua alma cansada quando ele lhe falou - Bem vinda a seu novo lar minha flor.

 

Sakura devolveu o sorriso para ele, carregado de toda a raiva e de todo o mal que havia sofrido por sua causa. Yoshiro achava que finalmente a teria em suas mãos, que ela lhe daria tudo o que ele queria e que isso era o início de sua grande ascensão. Mal sabia ele que Sakura seria seu fim.


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Notas finais do capítulo

A lenda contada pelo Sasuke é na verdade um lenda do folclore chinês e realmente existe essa prática de dar joias de feijão vermelho entre os casais, muito fofo!
Esse foi um dos capítulos mais difíceis de escrever dessa história, mas um dos meus favoritos. Vocês pegaram a pegadinha? Me contem ai nos comentários, to louca pra saber.



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