Os segredos de Sakura escrita por NinjadePapel


Capítulo 18
Oportunidades


Notas iniciais do capítulo

Voltei, amei cada um dos comentários, eles fizeram esse capítulo vir mais rápido, obrigado por me inspiraram! Boa leitura.



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A chave girou dentro da fechadura, o ruido metálico lhe avisou que a porta estava destrancada.

 

Sakura empurrou a maçaneta fria e entrou furtivamente no laboratório. Resquícios do sol poente traziam luz suficiente pelas pequenas janelas no alto do comoda para que com seus sentidos ninjas, ela pudesse se movimentar sem a necessidade de luz artificial. A Haruno rapidamente depositou a pilha de papéis que trazia consigo em cima da mesa mais próxima, pastas de relatórios e protocolos que ela recolheu por todo o hospital e por cada um dos alojamentos e escritórios onde passou a semana inteira recolhendo os documentos que de forma alguma poderiam sair dali.

 

A médica torceu para que Yoshiro não tivesse desviado ou feito cópias daqueles relatórios ridículos, ainda que soubesse que provavelmente ele teria. Seu consolo estava no resquício de sanidade que a impediu de confiar a ele, ou a qualquer pessoa, as fórmulas das duas últimas toxinas desconstruídas. Ele poderia até ter os relatórios, poderia até mesmo ter fabricado provas incriminatórias, mas jamais tocou na fórmula estabilizada que ela mesma formulou depois da quebra da estrutura original, ele jamais teria aquilo em suas mãos, nem que ela precisasse colocar fogo no hospital inteiro pra ter certeza. 

 

Ela andou até o armário de arquivos e juntou todas as pasta dali a aquelas sobre a mesa. Abriu a geladeira dos reagentes e amostras e reuniu cada um dos tubos de ensaio, béquer, erlenmeyer, ou balão volumétrico, cada vidraria e recipiente que contivesse qualquer resquício da pesquisa em uma bandeja metálica que depositou ao lado da pilha de papel. Sakura passou os olhos pela pilha de produtos químicos e contou aliviada as três ampolas da toxina que havia estabilizado a alguns dias, a versão final, o fruto de toda aquela maldita obra do maior mentiroso enganador da face da terra.

 

Sakura enfiou a mão nos cabelos com força puxando as madeixas de raiva ao lembrar o quanto havia sido tola, ingênua e burra ao confiar em alguém dessa forma. Ela havia lido os relatórios de Yoshiro, cada um deles apontava sua ingenuidade como intenções deliberadas de aprimoramento de shinobis. Se aquilo caísse nas mãos erradas podia dizer adeus as nova era de paz entre as nações.

 

Mas ela praticamente havia pedido por isso, assinando documentos sem ler seu conteúdo, literalmente entregando sua alma para o diabo. Quando foi que o sorriso galante e os modos gentis de Yoshiro a fizeram tão a vontade a ponto de confiar nele daquela forma? Não importava mais, se envergonharia para o resto da vida de tudo aquilo, mas ele não teria a fórmula.

 

Sakura afastou a torneira móvel da pia metálica para trás deixando a bacia livre. Ela aninhou as duas pilhas altas de papel e agradeceu por ser espaçosa. Despejou as vidrarias, a maioria inflamável, sobre os papéis, algumas ficaram por cima outras quicaram até o fundo e se espatifaram. Agarrou o bico de bunsen que estava sobre a bancada e girou o registro, sentiu o cheiro de gás e em seguida a chama azulada se acendeu.

 

Sakura pousou a mão livre no ventre e seu coração retumbou, era tudo por seu bebê, tinha que fazer o possível para concluir aquela missão que fez tudo sair dos eixos e então ia viver pra cuidar do seu bebê. Depois que tudo estivesse destruído as coisas iriam se acertar, iria fugir daquela vila, se instalar em algum lugar, cuidar da sua gestação, que até agora recebera tão pouca atenção, mandaria um relatório completo para Kakashi e quando fosse seguro, quando tudo estivesse certo poderia voltar pra Konoha, talvez a tempo de ter seu parto feito por sua shishou.

 

Ela havia errado ao ser tão ingênua, mas seu único crime foi confiar demais, novamente. Seu sensei certamente iria lhe ajudar a sair daquela situação. 

 

— Vai ficar tudo bem bebê.

 

A mão desceu de encontro a pilha de papel, a chama azulada quase lambendo as folhas, alguns centímetros mais e ela poderia dar o fora dalí. Uma explosão de luz branca a fez piscar os olhos e cegou momentaneamente.

 

— O que pensa que está fazendo florzinha? - a voz sedutora e levemente debochada de Yoshiro alcançou seus ouvidos. Os instintos de batalha se acionaram e sua visão clareou focando no inimigo, ele fechou a porta vagarosamente, quase preguiçoso. O cabelo branco, o jaleco branco, os sapatos brancos, tudo imaculado, ele era a perfeita imagem da pureza.

 

— Se afaste - Sakura ordenou, sua voz assumindo o tom autoritário.

 

Ele pousou os olhos na pequena fogueira improvisada dela e Sakura viu a sombra do medo passar pelos olhos citrino - Muita calma querida, não vai querer fazer algo do que se arrependa depois.

 

— Não depois, eu já me arrependo agora de ter confiado em você seu miserável - a mulher usou todo seu autocontrole para não avançar sobre ele e lhe mostrar do que era capaz.

 

— Não me culpe pela sua ingenuidade querida - ele avançou dois passos em sua direção, caminhando como um gato - Você estava tão carente e desamparada quando chegou aqui, que meia dúzias de palavras gentis foram o suficientes para se tornar meu brinquedinho adorável.

 

— Eu não vou cometer esse erro outra vez, e não vou falar de novo para você se afastar! - Ela desceu a mão sobre a pilha de papéis e ele paralisou onde estava.

 

— Não ouse fazer isso Sakura - a voz mansa se tornou ameaçadora, como se ela tivesse medo dele - vamos, me passe os protocolos e as fórmulas e nós vamos recomeçar tudo, você e eu.

 

Sakura se inclinou para trás completamente ofendida, olhos verdes furiosos - Você deve me achar muito burra mesmo se pensa que vou cair nas suas manipulações agora, Yoshiro.

 

Ele gargalhou baixinho, um som produzido no fundo da garganta,  e deu mais um passo na direção dela - Não se trata de manipulação deliberada minha querida, eu falo completamente sério. Nunca pensei que houvesse um par ideal para mim, alguém que fosse compatível comigo. Eu vim do nada Sakura, eu tinha nada além de reservas ridículas de chakra de uma linhagem antiga de shinobi na minha família, e ainda sim eu consegui me tornar um médico e cientista muito acima dos ridículos bajuladores de meu pai.

 

— Isso é ridículo.

 

— Não não é. Você também não deveria ter chegado onde chegou, alguém de um clã menor, sem grandes feitos. Sem nenhum kekkei genkai, ou reservas impossíveis de chakra você chegou ao topo, uma jounin de elite, uma médica e cientista brilhante. Você e eu juntos faremos do mundo o nosso jardim - seu rosto bem traçado assumia contornos psicóticos e obcecados quando olhou de Sakura para a pilha a seu lado.

 

— Não obrigado, eu detesto jardinagem, minhas plantas costumam morrer - a rosada debochou. Uma coisa era se deixar levar pelas palavras gentis e amigáveis dele, outra bem diferente era aquilo, pela primeira vez na vida agradeceu por seu coração ser tão teimoso.

 

— Eu jamais magoaria você - ele deu outro passo - nunca te abandonaria, nem a faria chorar.

 

Ela sorriu para ele e por um momento o homem de cabelos brancos pensou ter ganhado o coração da maior kunoichi de Konoha, até ele perceber que aquele não era o sorriso certo - Chorar não é problema pra mim, eu prefiro chorar a ter o coração tão seco quanto o seu e ser incapaz de derramar uma única lágrima.

 

A mão desceu novamente e no segundo seguinte a pilha estava em chamas, Yoshiro gritou e avançou sobre ela. Sakura desceu para os joelhos, jaleco arrastando no chão quando girou sobre o próprio eixo e passou uma rasteira nas pernas longas do homem. Ele tropeçou entre as pernas dela mas caiu graciosamente sobre os próprios pés.

 

Sakura ouviu o crepitar das chamas consumindo o conteúdo da bacia. ela puxou as mangas para os cotovelos e pôs as mãos em punhos, enviou uma generosa remessa de chakra para seu ventre, se qualquer golpe a atingisse seu filho estaria seguro. Ela avançou sobre Yoshiro com agilidade e força e tinha que admitir, ele era bom em taijutsu, mas ela era melhor.

 

Enviou um soco direto para o rosto bonito dele, que desviou prontamente, em seguida conectou um chute no flanco esquerdo do corpo de Yoshiro. Ele sorriu quando segurou a perna dela e Sakura devolveu o sorriso quando se impulsionou do chão e girou o quadril levando a outra perna em um golpe com o peso dos músculos e da gravidade a seu favor. O peito de seu pé atingiu em cheio a face do médico que soltou sua perna e foi lançado contra a bancada mais distante levando consigo microscópios e todo o resto. Sakura caiu agachada no chão e viu quando Yoshiro cuspiu sangue e dentes para fora da boca, a sorte dele era que a rosada não tinha a intenção de chamar atenção ou destruir o hospital com seus golpes carregados de chakra.

 

— Você estava errado Yoshiro - ela falou enquanto observava ele se levantar irritado, sangue pingando da boca e nariz, a pilha de papel na pia era agora um amontoado de cinzas - Você não pode se comparar a mim - ele caminhou mais alguns passos, Sakura estava bem ao lado da fogueira e ele a menos de cinco passos parou, ela fixou seus olhos nos dele - você não tem mais nada dessa pesquisa idiota, acabou pra você.

 

Um sorriso impossível nasceu nos lábios dele - você está errada minha querida, se há você e sua memória fotográfica ainda há muito.

 

— E o que te faz pensar que vou usar isso a seu favor? - ela soou arrogante até pra si mesma.

 

Ele sorriu mais uma vez, como uma raposa traiçoeira, como uma cobra prestes a dar o bote, e Sakura devia ter tomado aquilo como alerta. Ela viu o movimento muito rápido da mão dele agarrando o frasco âmbar em cima da bancada e seus ouvidos captaram o som vidro se chocando bem em seus pés. Um vapor esbranquiçado subiu rapidamente do líquido espalhado no chão, o odor intoxicante pinicou em seu nariz e queimou seus olhos. Sakura caiu de joelhos no chão tossindo pelo gás volátil do formol, sem enxergar nada ou sentir qualquer cheiro ela se desesperou. Os joelhos encontraram os cacos do vidro que rasgaram através de suas joelheiras.

 

A próxima coisa que ela sentiu foi o calor de um corpo a seu lado, ela golpeou cegamente, seus olhos em chamas, lágrimas quentes escorrendo por suas bochechas. A risada cruel dele chegou a seus ouvidos e Sakura se afastou, caindo sentada sobre os estilhaços do vidro.

 

— Calma pequena flor, eu não vou machucar você - ele tentou chegar a ela mas Sakura o empurrou com a força aprimorada pelo chakra e Yoshiro deslizou para longe - Não banque a difícil Sakura.

 

Ele se movimentou silencioso como a morte e a rosada não pode encontrá-lo com seus sentidos confusos pela inalação do gás, ela estava tonta e prestes a desmaiar, sua cabeça girava como uma bailarina. A picada em seu braço direito enviou dor por cada um de seus nervos e Sakura gritou com a sensação de fogo entrando em suas veias.

 

— O que você fez? - ela esbravejou desesperada.

 

A risada maníaca dele alcançou seus ouvidos bem próxima dela  - Prendi você em mim pra sempre meu bem. Bem vinda ao experimento cobaia 7.1

 

— Não! Eu queimei elas! - Sakura se desesperou, ela engatinhou pelo vidro quebrado, tateando o chão.

 

— Veja que feliz coincidência, uma das ampolas ficou aguardando por você, imaculada sobre as cinzas não é maravilhoso?

 

Sakura sentiu a onda de calor percorrendo suas veias, como lava lhe derretendo de dentro pra fora, rachando seus ossos - Seu idiota! Por que você fez isso?! Por que..- os gritos histéricos e desesperados ecoaram contra as paredes do laboratório e a essa altura outros já deviam ter percebido a comoção. Sakura levou as mãos protetoramente ao abdome.

 

— Você tem razão querida, eu não me comparo a você. Como eu poderia seguir sem você ao meu lado? - ele riu em sua fala macia e Sakura se afastou mais até encostar as costa na parede, estrelas dançavam por trás da escuridão de suas pálpebras - Escute meu bem, eu tenho uma dúzia de relatórios bem incriminatórios contra você e sua amada vila no que diz respeito a essa pesquisa, e agora você tem a fórmula perfeita em seu corpo. - ele se aproximou mais, e Sakura ouviu o som da sola do sapato dele contra os estilhaços, mais perto e mais perto - Você não tem mais lugar no mundo que não seja a meu lado, você não tem escolha a não ser vir comigo.

 

A cabeça de Sakura girou tonta pelo gás tóxico, o nariz ainda ardia e irritava, seus olhos queimavam mas sua maior preocupação agora era a pequena massa fetal em seu útero. Aquela droga iria matar seu bebê assim que lhe alcançasse e apenas esse pensamento fazia tudo desaparecer. Não havia a dor dilacerante partindo seus ossos, não havia os cacos de vidro em suas mãos, pernas e joelhos, não havia olhos ardendo ou nariz pinicando. 

 

Mais que inferno era aquilo? Que divindade vingativa ela tinha irritado pra merecer tamanha provação? Tudo o que queria ao aceitar aquela missão era deixar Konoha por um tempo, focar em seu trabalho pra tentar esquecer seu coração partido. Quando foi que tudo saiu tão drasticamente do controle? Nem mesmo quando descobriu a vida crescendo em seu ventre ela havia sido ingrata, chorou desolada? Com certeza, como seria diferente? Ela estava grávida e sozinha! Ela iria ser mãe e mal cuidava de si mesma.

 

Mas ela queria seu filho, ela o quis desde o momento que soube de sua existência. Sakura amou seu bebê desde o primeiro momento, ele era parte dela e parte de Sasuke, ele era uma prova viva que um dia houvera amor entre eles. Mais do que isso, ela era seu recomeço, uma vida inteira pela frente, uma nova estrela pra brilhar no céu.

 

Não iam tirar isso dela, nem Yoshiro nem ninguém.

 

Sakura reforçou a barreira de chakra em seu ventre isolando de toda ação externa, de toda a interferência, reforçando a barreira placentária. Ela levou a mão aos olhos e se permitiu usar um pouco de chakra para cura-los da queimadura causada pelo vapor tóxico, o ardor aumentou ao auge até que parou e o alívio se fez presente. Ela abriu os olhos nublados e sensíveis a tempo de ver Yoshiro se agachar diante dela e lhe estender a mão.

 

— Venha comigo querida - o sorriso maliciosos e convencido.

 

— Vai pro inferno - ela uniu a sola de seu sapato com o exato ponto sobre o esterno dele e empurrou com toda a força que lhe restava. Yoshiro era nada mais que um vulto branco quando se chocou contra a parede e caiu inconsciente no chão.

 

Sakura fechou os olhos piscando contra a luz que lhe ofuscava a visão. Sua cabeça ainda girava, cada parte de seu corpo com exceção daquela que protegia com sua vida, queimava e doía como se ela tivesse nadado em uma piscina de lava com cada uma de suas terminações nervosas expostas. Ela engatinhou trêmula até a pia por onde um fio de fumaça subia e era sugado pelo exaustor, se apoiou contra o balcão e gemeu de dor ao se levantar, não era possível sentir tanta dor.

 

Ela viu as cinzas de tudo aquilo que queimou e se certificou que nada era aproveitável. Com desgosto viu os dois vidros quebrados e o restante com a tampa meio derretida sobre a bancada e completamente vazio. Ela avistou no chão a seus pés a seringa que provavelmente Yoshiro usou para lhe injetar a toxina e com cada músculo e nervo protestando se agachou mais uma vez e a pegou. A chama ainda acesa no bico de bunsen ficou avermelhada quando sakura sustentou a peça sobre ela, o plástico borbulhou até derreter e a rosada soltou antes que queimasse sua mão.

 

Ela enviou uma onda de chakra curativo para o corpo e conseguiu andar até a porta. Contra todas as suas crenças o corredor estava vazio, ela não se importou e se apoiando nas paredes e corrimão Sakura colocou a maior distância entre si e o médico de cabelos brancos. 

 

Ela sairia dali, iria ter seu filho e vê-lo crescer, nem que para isso precisasse morrer para o resto do mundo.




&



A luz da aurora inundava a linha do horizonte bem distante de Konoha, faixas de luz laranja e dourada invadiam o quarto de hospital pelos poros do tecido da cortina. Os olhos sensíveis de Sasuke se abriram assim que a fraca iluminação lhe alcançou. Ele olhou em volta constatando além da dor nas costas pelo terceiro dia seguido dormindo na poltrona ao lado da cama do hospital, que estava na hora de parar de frequentar o prédio.

 

Na cama, Sakura dormia agarrada a uma Sarada inconsciente pelo quarto dia seguido. Olheiras profundas contornavam os olhos, era bom ver que o cansaço havia finalmente vencido a mulher que se mantinha em vigília constante ao lado da filha. Sasuke se levantou do assento desconfortável e esticou o corpo para se livrar do sono de duas horas que teve naquela noite, o maior período de sono que teve nos últimos dias, enquanto isso sua filha teimava em permanecer na mais profunda inconsciência.

 

Sasuke não se lembrava da ultima vez que sentiu tanto medo na vida como naquela manhã em que passou para buscar Sarada em casa. Quando ela não acordou por conta própria, Shizuka gentilmente lhe tentou despertar, mas com a falta de resposta da filha, o Uchiha por um momento temeu pelo pior. E foi absolutamente aterrorizante.

 

Tudo o que pode fazer foi ficar paralisado enquanto a idosa checava seus sinais vitais. O simples pensamento enviou uma onda aterradora de angústia pelo coração do moreno, ele parou de respirar, ele ouviu o fluxo de seu sangue nos seus ouvidos, ele podia ouvir seu coração martelando contra as costelas. Mas por tudo o que era mais sagrado no mundo Sarada estava viva, ainda que inconsciente.

 

A reação de Sakura não foi muito diferente, ela viu a filha já no leito do hospital sendo atendida pelo pediatra de plantão. Ela firmou os dedos ao redor do braço da menina e lhe chamou gentilmente, apesar da voz trêmula e do crescente desespero. Em pouco tempo a Godaime, Sakura e o pediatra estavam em uma acalorada discussão médica. Os exames estavam normais segundo Sakura, com exceção de uma pequena elevação da taxa de açúcar no sangue, que não era suficiente para justificar um coma diabético.

 

— Um mal súbito - opinou o médico que ele não se importou em aprender o nome.

 

— Obviamente, mas por que? Ela tem histórico de alguma doença Sakura? - Tsunade questionou.

 

A rosada andava de um lado para o outro nervosa - Não, ela sempre foi forte como um touro. Não há problemas cardíacos, nunca teve bronquite ou qualquer problema pulmonar, sempre se alimentou muito bem, inferno Sarada nem mesmo tem o costume de pegar gripe! Como ela pode ter tido um mal súbito! - o grito de Sakura provavelmente pode ser ouvido em todo o hospital.

 

— Se acalme Sakura - a loira pediu gentilmente.

 

— Como eu posso me acalmar quando minha filha não acorda!

 

Mais exames foram feitos, mais complexos e com promessas de esclarecimento certo. Mas não havia nada, a atividade cerebral não estava comprometida, era como para alguém que estava apenas dormindo, até mesmo sonhando. Não haviam tumores, para o alívio geral, o exame toxicológico deu negativo para qualquer droga, não haviam doenças misteriosas. Perfeitamente saudável. 

 

Era como se ela simplesmente estivesse dormindo, descansando depois de um longo tempo sem sono e enlouquecendo seus pais no processo.

 

Sakura estava exausta, ela mal comia entre ficar com Sarada ou ir aos laboratórios para ver e fazer os exames da filha. Ela falava pouco com ele ou qualquer outra pessoa, parecia um fantasma. Ino havia vindo no dia anterior para passar a tarde com ela mas mesmo a loira não conseguiu fazer muito, nem mesmo quando Naruto veio acompanhado de um Boruto ranhento e choroso, convencido que Sarada estava assim por causa da competição de doces. Ela apenas bagunçou seu cabelo docemente e lhe garantiu que algumas taças de açúcar não eram capazes daquilo.

 

O próprio Sasuke estava um farrapo. Ele passava a maior parte do tempo no quarto também, e quando Sakura saia para os laboratórios ele segurava a mão ainda quente da filha. Ele queria ver os olhinhos escuros abrindo, ele queria o sarcasmo, a marra e a arrogância, ele queria o biquinho irritado e ele queria ouvi-la lhe chamar de pai. 

 

Eles haviam tido tão pouco tempo juntos, ela o havia chamado de pai tão poucas vezes. Ele ainda se deliciava com o som, como podia ser a coisa mais linda e simples do mundo, cada vez que as três letras eram pronunciadas para ele era como se tudo valesse a pena. Ele entendia o que Sakura havia lhe dito em um quarto de hospital diferente daquele a poucos dias, se tudo o que passou garantiu que lhe trouxesse até aqui, até sua filha, então ele não mudaria nada.

 

O som da porta se abrindo lhe chamou a atenção. Tsunade entrou parcialmente dentro do quarto e acenou para que ele saísse. Sasuke seguiu a mulher para fora e ficou frente a frente com ela no corredor do hospital. O moreno nunca tinha sido um fã do lugar, o cheiro do éter, as paredes brancas e tudo o que aquilo representava, curiosamente ele vinha frequentando muito o prédio nos últimos meses.

 

— Alguma novidade? - ele se apressou em perguntar.

 

— Infelizmente não - a mulher levou os dedos as têmporas verdadeiramente cansada - Mas não é sobre Sarada que vim falar.

 

Sasuke franziu o cenho preocupado com Sakura instantaneamente - O que houve?

 

— No dia em que chegou com Sarada inconsciente eu e Sakura estávamos no meu escritório - ela pausou e ele assentiu encorajando-a a continuar - Nós discutimos sobre um potencial tratamento para a condição dela.

 

Sasuke piscou aturdido, um pequeno raio de luz iluminou o mundo e ele deu um passo em direção a Godaime - como?

 

— Isso que você ouviu Uchiha. Sakura encontrou uma possível saída, que precisa de bastante desenvolvimento para se tornar no mínimo viável. Infelizmente por causa da situação que se seguiu ela abandonou completamente a ideia.

 

Sasuke respirou profundamente. Primeiro ele estava irritado com o descaso de Sakura com a própria saúde, em seguida toda a irritação se foi, como podia julgar quando ele próprio mal suportava estar longe de Sarada nesse momento? Como deveria ser para Sakura que por toda a vida da menina esteve a seu lado, cuidou de cada arranhão e dos resfriados, que a colocou no mundo e criou tão atenciosamente?

 

Ela devia estar a ponto de enlouquecer.

 

Sasuke suspirou e fechou os olhos em frustração - Ela não vai deixar Sarada por nada nesse mundo, ela mal come.

 

— Eu sei - a Godaime parecia tão cansada quanto ele - Mas se você tem algum juízo tem que concordar comigo que isso não faz bem a ela.

 

Sasuke assentiu em concordância com a mais velha.

 

— Apesar de também estar concentrada em descobrir o que está acontecendo com Sarada eu dei continuidade nas pesquisas do tratamento, mas preciso dela. Precisa me ajudar a convencê-la a vir e me ajudar, será bom tirá-la do quarto um pouco.

 

— Hn - ele concordou, não seria fácil, mas eles precisavam tentar. Voltou para o quarto onde sem surpresa nenhuma Sakura já estava acordada.

 

Ela saiu da cama no tempo da conversa entre Sasuke e Tsunade e ocupou a outra poltrona ao lado da cama, uma mão entrelaçada a da filha enquanto a outra traçava círculos no punho dela. Uma sombra parecia encobrir as gemas cor de jade que eram seus olhos quando ela os mirou, um vinco de preocupação se fixou entre as sobrancelhas rosadas.

 

— Shishou? Alguma novidade? - a voz era rouca e cansada, quase quebradiça.

 

— Infelizmente não meu bem - Tsunade andou até a cama e checou Sarada.

 

Sasuke se aproximou de Sakura e se agachou para ficar a altura dela ali sentada - Você precisa comer - disse mais gentilmente do que sabia ser capaz, ele levou uma mecha fujona de seu cabelo para trás da orelha pequena.

 

Ela balançou a cabeça teimosamente - Não tenho fome.

 

— Você é médica, deveria saber melhor que ninguém que vai ficar doente desse jeito - a rosada tentou desviar o olhar mas Sasuke trouxe seu rosto para ele com uma das mãos - Não seja irritante, se você estiver doente quando Sarada acordar ela vai se sentir muito triste.

 

Sakura sorriu terna da tentativa falha dele de lhe convencer - Eu estou bem Sasuke.

 

— Não Sakura, Sasuke tem razão, precisa se alimentar, precisa sair desse quarto, tomar um sol e trabalhar comigo para curar você - a Godaime cruzou os braços e usou seu timbre imponente para deixar claro que aquilo não estava em discussão.

 

Sakura arqueou uma sobrancelha pálida - Sasuke? Desde quando “o Uchiha” passou a ser Sasuke, shishou?

 

— Desde que ele tem se mostrado mais ajuizado do que você.

 

Por essa nem Sasuke esperava, ele sorriu quase imperceptivelmente antes de falar - Vamos Sakura, você sempre foi a mais sensata de nós três e sabe disso - confessar aquilo quase doía, mas o que não faria por essa mulher?

 

— Não adianta massagear meu ego Sasuke, principalmente com algo tão óbvio. Não vou deixar Sarada, se eu o fizer vai ser para encontrar algo para acordá-la.

 

— E como diabos vai acordar a menina se não sabemos o que a fez dormir em primeiro lugar? - a ex hokage bufou raivosa.

 

— Ainda não sei, mas não vou sair de perto dela - Sakura trancou as duas mãos entre a pequena que segurava.

 

— Não há necessidade de ficar o dia inteiro aqui Sakura, eu ficarei enquanto você for, eu sou o pai dela você pode confiar em mim.

 

— Não - a rosada balançou a cabeça resoluta.

 

— Você está sendo irracional! Você não vai pra longe Sakura, são só alguns metros de distância, estará a um lance de escada dela. - a Godaime emendou.

 

— Não.

 

Sasuke suspirou incomodado com a teimosia dela - Não há necessidade de ficar quando você pode ser mais útil em outro lugar.

 

— Eu sou útil aqui ao lado dela.

 

A loira andou de um lado para o outro no quarto já impaciente com a recusa da Haruno - Ela não vai a lugar algum Sakura, pelo sábio! Você faz muito mais por ela se sair desse quarto e fazer alguma coisa!

 

— Mas eu não sei o que fazer! - Sakura gritou assustando os outros dois no quarto. Seus olhos empossados e arregalados - Anos entocada em bibliotecas e estudando medicina, quantas vidas eu já não fui capaz de arrancar dos braços do Shinigami mas a minha filha eu não consigo ajudar! Eu não sei o que fazer para ajudá-la.

 

A Godaime suspirou cansada, e olhou para o sol já subindo no horizonte. Sasuke encarou Sakura, ele estava com raiva de si mesmo, com raiva da impotência que lhe paralisava e enlouquecia a mulher de cabelo rosa - Ajudar a si mesma é uma forma de ajudar Sarada.

 

— Eu não quero ir pra longe dela - havia tanta dor e tristeza na voz da rosada que Sasuke se sentiu ainda pior. A inconsciência de Sarada afetava a todos de forma desastrosa.

 

— Você acha que eu não sei o que está sentido? - Sakura e Sasuke olharam para a Senju ao quebrar seu silêncio - Você se esqueceu por que eu passei tantos anos longe de um hospital? Você acha que eu não sinto a mesma coisa toda vez que vejo você definhando e não posso fazer nada? - o temperamento lendário da mulher estourou quando ela elevou a voz - Acha que estudou muito, que se dedicou muito? Eu fiz isso por muito mais tempo do que você está viva Sakura e ainda não conseguia pensar em nada enquanto tinha seu coração parado na mesa de cirurgia. O que posso fazer para concertar isso? Como posso reverter essa situação? Precisa ter um jeito! - ela bateu a mão contra a pequena mesa próxima a porta e o barulho foi terrível. Sasuke olhou para Sarada instintivamente, a esperança de ver os olhinhos negros ruindo quando a voz de Tsunade voltou a se elevar - E isso é ainda pior ao ver você se recusar a lutar pela própria vida por uma teimosia! Eu não ensinei tudo o que sei para você pra que se recusasse a lutar Sakura!

 

O queixo de Sakura tremia e lágrimas rolavam por seu rosto, compreensão passando por seus olhos arregalados mirando sua mestra quando sussurrou - Shishou…

 

— Ela tem razão Sakura, precisa lutar por você para que possa lutar por Sarada.

 

Sakura olhou para Sasuke, olhos cheios de lágrimas, vergonha e medo estampadas em seu rosto, uma ruga de preocupação entre as sobrancelhas que não estava lá a uma semana. Ela parecia tão cansada, mais do que apenas fisicamente cansada, havia muito peso em seus ombros, muito peso em seu coração. 

 

— Eu fiquei aqui dois meses, dormindo exatamente como ela está agora - os olhos verdejantes miraram o rosto calmo da menina adormecida - Eu lembro de ela segurar a minha mão e passar os dedinhos pelo meu cabelo, eu quase posso ouvir sua voz me pedindo pra ficar bem.

 

Sasuke estudou o rosto da mulher a sua frente, e ouviu atentamente enquanto ela continuou - Não foi uma lembrança que veio imediatamente após o despertar mas aos poucos. Era como uma semi inconsciência, como quando dormimos em missão e nos instalamos naquele lugar que fica entre o sono e a vigília - uma lágrima gorda caiu do canto do olho da rosada quando ela agarrou a mão de Sarada mais forte - Eu queria acordar e abraçar ela, eu queria muito lhe dizer que tudo ia ficar bem - a voz dela morreu e o silêncio se instalou por alguns minutos até ela voltar a falar - E se ela estiver dessa mesma forma? E se puder me ouvir e eu não estiver aqui para chamar por ela? E se ela quiser acordar mas eu não estiver por perto e o momento se perder? Sarada é muito forte mas, nas poucas vezes que esteve doente sempre foi tão manhosa, sempre querendo ser mimada, e se eu não estiver aqui pra mima-la?

 

Sakura deitou a cabeça contra o braço de Sarada na cama, os soluços abafados contra o colchão, os ombros tremiam com os espasmos do choro. 

 

Sasuke observou o corpo trêmulo e frágil, tanto havia afligido ela desde que voltou a Konoha. A vida de um shinobi dificilmente era monótona e bucólica, muitos não alcançavam a idade para o descanso e aqueles que o faziam geralmente eram tão marcados pela vida como guerreiro que mesmo a pacífica aposentadoria era movimentada. No entanto, ultimamente as suas vidas estavam muito agitadas, muito tendenciosas para um caminho de precipícios e longas estadias no hospital. 

 

Sasuke desejou não pela primeira vez uma vida civil pacata e amena, talvez assim ele não precisasse ver Sakura chorar tantas vezes. Haviam, é claro, os problemas particulares da vida como civil, mas dificilmente neste círculo e rotina os problemas tinham a ver com morte ou sofrimento tão inerente. Seria apenas um trabalhador, uma esposa e uma filha, uma família comum e de rotina suave e agradável.

 

Mas ele não podia escolher, e talvez mesmo se pudesse não faria essa escolha, jamais saberia. Ele só podia cerrar os punhos em raiva, ele só podia assistir enquanto sua filha dormia e seu amor sofria.

 

Tsunade andou calmamente até Sakura e se agachou do outro lado dela, mais perto de Sarada. A loira passou o braço pelo corpo trêmulo da rosada lhe puxando para um abraço gentil e materno que não encontrou resistência, um gesto que alguém com o temperamento da mulher mais velha era reservado para algumas poucas pessoas. Os dois braços da loira envolveram uma chorosa Sakura que enterrava o rosto no ombro da mais velha, que gentilmente afagou as costas dela.

 

— Eu sei querida, sei o quanto esse sentimento é terrível, sei que se pudesse você daria até mesmo sua vida pela pequena, mas se afundar assim não vai trazer nada além de tristeza para vocês - ela afastou Sakura de seu tronco e limpou as lágrimas do rosto inchado dela, topázio e jade se encarando brilhantes - Agora a melhor coisa que pode fazer é garantir que vai estar viva para quando ela precisar de você.

 

Sasuke viu toda a vulnerabilidade de sua amada irritante e teimosa rosada refletida em seus olhos. Ele viu a guerra entre a razão e as emoções a flor da pele que ela sempre carregava em um equilíbrio tênue, uma médica incrível e lógica e uma menina sensível e passional. Ele viu ela morder o lábio lutando contra toda a necessidade de ficar ao lado de Sarada agora, ele viu a luta interna dela até que o pequeno aceno findasse a sopa que cozinhava em sua mente.

 

— Ótimo - Tsunade sorriu gentilmente antes de se afastar - lave esse rosto, Sasuke trate de alimenta-la e então me encontre em meu escritório.

 

Sakura concordou com a Godaime que saiu em seguida, ela entrou no banheiro do quarto e Sasuke saiu pela janela em busca de algo que fizesse ela ter apetite. Meia hora depois ele entrou no quarto com um asagohan completo.

 

— Eu não vou conseguir comer isso tudo - Sakura declarou enquanto desembalava as pequenas embalagens e as dispunha com a ajuda de Sasuke em cima da mesinha de café que eles arrastaram para o centro do quarto. 

 

Sasuke pensou por um momento se tinha exagerado. Havia arroz, sopa de Miso, tamagoyaki, peixe grelhado e sunomono, era um perfeito desjejum, semelhante aos que sua mãe preparava em sua infância - Você não pode viver de anmitsu.

 

Talvez tenha sido os resquícios do choro de mais cedo mas Sasuke podia jurar que um rubor se espalhou pelo rosto e pescoço da mulher a sua frente e por um momento foi como se tivessem doze anos de novo. Ela fez seu biquinho contrariada e começou a servir o arroz nas duas pequenas tigelas de porcelana que Sasuke conseguiu da cantina do hospital.

 

— Eu vou pedir para Shizuka-sama vir para o hospital para que você possa ir para o escritório do Hokage quando ele precisar de você - ela disse de repente enquanto olhava do tamagoyaki para o peixe.

 

Sasuke partiu um pedaço de ambos e depositou em cima do arroz dela - Não pretendo sair da vila por enquanto e Shikamaru pode ajudar Naruto no que ele precisar, vou trazer os pergaminhos que precisar analisar para cá.

 

— Ainda sim você não pode ficar sozinho de vigília Sasuke-kun, precisa ir pra casa tomar banho, precisa comer, nós estamos nos ajudando até agora, e tenho certeza que Kito-nii e Shizuka-sama ficarão felizes em vir ver Sarada, nós temos monopolizado a companhia dela - a Haruno se serviu do sunomono e separou os pequenos pedaços do tomate cereja colocando-os no prato de Sasuke.

 

— Você acha? - ele levantou a sobrancelha para enfatizar seu tom sarcástico.

 

Sakura olhou para a figura na cama - Ela não era nada além de um meio punhado de células dentro de mim e já teve que lutar pra sobreviver - o olhar caiu para a tigela, ela mexeu o arroz com os hashis sem muito interesse - Ela tem levado uma vida difícil desde o começo por minha causa, por isso eu sempre tentei compensar sendo uma mãe presente e carinhosa. Eu pensava que podia protegê-la de tudo desde que ela estivesse perto de mim. Isso era a única coisa que eu podia fazer por ela. - ela suspirou e afastou sua tigela ainda pela metade.

 

Sasuke pousou os hashis deitados sobre a tigela, e observou as sobrancelhas caídas e o lábio franzido dela, sempre tão insegura - Você é uma ótima mãe Sakura, e não deve se sentir culpada - ela levantou o olhar verdejante para ele - Sempre que Sarada fala sobre você há uma devoção e um carinho que eu espero que ela tenha por mim algum dia, mesmo que só um pouco - ela sorriu amarelo e resmungou quando ele a disse para comer mais.

 

Sakura beijou a testa e segurou a mão de Sarada firmemente antes de sair do quarto rumo ao escritório de Tsunade. Ele podia ver em seus olhos que deixar Sarada de lado em um momento como esse a machucava, Sasuke via agora todos os pequenos gestos inseguros, ela se sentia culpada por isso. Sasuke odiava isso, a raiva e o rancor lhe consumiam a mente, por que no fundo, por mais que Sakura negasse, era ele a raiz daquele problema.



&



O sol se pôs e a lua estava alta nos céu antes que Sakura voltasse ao quarto. Ela correu para a cama e para Sarada, e depois de checar seus sinais se enrolou na filha e dormiu. Sasuke a viu sair novamente apenas por seu constante estado de alerta, o sol nem havia se levantado ainda. 

 

Shizuka e Kito apareceram naquela manhã e Sasuke descobriu que gostava da companhia da mais velha e odiava a do grandalhão. Felizmente era a idosa que mais passava o tempo com ele no hospital. O Uchiha recebia do escritório do Hokage pilhas de pergaminhos com os relatórios dos espiões que haviam plantado no país do chá e também outros relacionados a outros problemas. 

 

Além disso, ele saia poucas vezes do hospital e sempre que estava sozinho com Sarada passava muito tempo observando a menina. Ela respirava calmamente, olhinhos fechados, o cabelo caindo ao redor de sua cabeça. Uma marquinha nas laterais do nariz onde o óculos costumava repousar, uma pequena cicatriz no dorso da mão que parecia exatamente com algo que uma shuriken, provavelmente adquirida em seus primeiros dias de treinamento. Era algo errado aquilo, tão jovem e cheia de vida, tantas coisas que ele queria lhe ensinar, tantas coisas que queria perguntar.

 

A seu lado a idosa também se debruçava sobre o mesmo tipo de material de leitura. Às vezes durante o dia quando eles se separavam de seus pergaminhos ela lhe propunha jogar shogi, e por mais que ele não fosse o maior fã do jogo aceitava, depois de uma semana ele praticamente gostava. Ele apreciava as observações pontuais dela sobre suas estratégias e lhe corrigia ao fim do jogo. Sasuke sempre se considerou um ótimo estrategista mas era muito fácil perder para aquela mulher, curiosamente ele não se sentia irritado com isso.

 

Ele via Sakura apenas antes do raiar do dia e por volta da meia noite quando ela chegava. Apesar de passar o dia fora concentrada em seus próprios estudos, ela jamais deixou de cuidar de Sarada. Ino veio dois dias depois que ela começou a estudar com Tsunade para entrar na mente de Sarada e ver como as coisas estavam por lá, novamente como os exames indicavam era como se ela estivesse dormindo apenas. Uma enfermeira colhia amostras diárias de sangue e urina para Sakura e tudo permanecia da mesma forma.

 

Sasuke se acostumou a presença da mais velha mas não as poucas palavras entre ele e Sakura, ela também não falava muito sobre o andamento da pesquisa para seu próprio tratamento. Depois de três semanas ele ainda sentia falta dela, cada vez mais. Era um sentimento estranho e diferente do que sentia ao bagunçar os cabelos de Sarada, aquela sensação de estar perto e longe, ele sentia falta da filha e aquilo doía, mas Sakura escapava por suas mãos como areia entre os dedos.

 

Depois da conversa que tiveram assim que ela acordou, Sasuke esperava que eles aos poucos fosse se aproximando novamente, mas agora, ela parecia ainda mais distante. Ele não podia culpá-la é claro, a situação de Sarada foi muito abrupta e deixou a todos sem chão. Mas não foi ele quem ela procurou para chorar, não foi ele em que ela confiou para ajudá-la ou para se apoiar, e por mais que isso machucasse, ele também não podia culpá-la por isso.

 

Alguns hábitos são difíceis de deixar, e por anos ela cuidou praticamente sozinha de Sarada, com a ajuda de Jung mas desde o início ela era tudo o que Sarada tinha, e sabia disso. Sasuke queria dizer a ela, queria tomar sua mão e dizer que podia dividir aquilo com ele agora, ele queria que ela confiasse nele e o Uchiha sabia que teria que fazer por merecer a confiança dela depois de quebrá-la tantas vezes.

 

Ele se sentia um adolescente novamente, inseguro e ansioso, sabia que as coisas entre eles seriam devagar, ele não tinha pressa, principalmente com o estado de Sarada, mas isso não o impedia de querer ser pra Sakura o porto seguro que ela jamais viu nele. Ele respeitava a independência e a força dela, mas mesmo um grande carvalho não resiste a tempestade sozinho, ele havia aprendido aquilo a duras penas, havia sido ensinado pelo loiro idiota que chamava de amigo e por ela. 

 

— Seja paciente - a voz da anciã lhe pegou desprevenido enquanto jogavam shogi e seus pensamentos voavam para a rosada - Dê tempo e tudo irá se acertar.

 

Por um momento Sasuke temeu ter pensado em voz alta, descartou a possibilidade no minuto seguinte. Ela sorria secretamente e Sasuke não sabia se ela falava sobre o jogo ou sobre Sakura, ela devia ter notado a forma como ele ficou agitado com a breve menção dela pela enfermeira.

 

Ela era uma espiã ele tinha que lembrar, alguém especializado em interpretar aqueles ao seu redor, mesmo uma figura pouco expressiva como ele era como um livro para ela - e se a paciência não for suficiente? - ele mexeu seu peão despretensiosamente.

 

Ela sorriu de canto enquanto movia sua peça para encurrala-lo - Será.

 

Ela havia esperado anos por ele, o mínimo que Sasuke podia era esperar um pouco por ela. 

 

Foi na quinta semana de internação de Sarada. Era o fim de tarde, o sol lentamente caminhava para o horizonte pintando o céu de rosa e laranja, Sasuke estava sozinho no quarto, Shizuka havia ido para casa cedo naquele dia. A porta se abriu e Sasuke imaginou que seria um dos médicos e enfermeiras mas foi uma cabeleira cor de rosa que lhe encheu a visão.

 

A luz do sol ela parecia cansada porém carregava um pequeno sorriso em sua expressão. Tsunade provavelmente estava lhe forçando comer pois ela quase tinha recuperado seu peso, as mechas rosadas roçavam seu pescoço. Ela arrastou a poltrona até estar do lado da dele, bem juntas, e se sentou. Sasuke podia sentir o leve cheiro floral vindo dela, os cabelos aparentemente um pouco úmidos, ela sempre seria linda para ele.

 

— Como ela tem estado? 

 

— Dormindo.

 

Sakura bufou e depois suspirou profundamente, virou seu rosto para Sasuke e inclinou a cabeça para o lado - Como você está Sasuke-kun?

 

Sasuke encarou o rosto bonito um pouco surpreso, a quanto tempo não lhe faziam essa pergunta? Muito, tanto que ele mal sabia responder, então falou a primeira coisa que lhe veio a mente - Com saudade.

 

As sobrancelhas rosadas se ergueram em surpresa pela espontaneidade do moreno - Eu também sinto falta dela - Sakura voltou seu olhar para a filha adormecida.

 

Sasuke observou a curva perfeita de seu pequeno nariz pelo perfil dela - De você também.

 

Ela voltou a encará-lo agora mais surpresa, o rubor logo apareceu nas bochechas e nas pontas das orelhas - Eu não consigo me acostumar com esse tipo de coisa.

 

Ele a olhou curioso e sendo Sakura conhecedora de suas expressões sorriu ao responder - Você falando sobre o que sente.

 

Ele a encarou observando cada micro expressão do rosto, das palavras não ditas e dos sentimentos refletidos na superfície cristalina do seus olhos - Aproveitando oportunidades.

 

Ela sorriu para ele e assentiu. Eles ficaram em silêncio por alguns minutos observando Sarada ressonar, Sasuke sentiu primeiro a leve frieza dos fios rosados e só depois registrou a cabeça dela apoiada em seu ombro. Ele sorriu minimamente e passou o braço pelas costas de Sakura lhe trazendo mais pra perto e acomodando melhor, a pele macia e quente dela contra a dele, o cheiro do cabelo dela ainda mais próximo. Havia um calorzinho em seu peito que não estava lá antes.

 

— Tsunade-shishou acha que estamos prontas - ela falou depois de algum tempo.

 

— Pode realmente curar você? - ele tentou ao máximo manter a apreensão e a esperança longe, mas a simples ideia foi um de seus combustíveis para não enlouquecer desde que sua filha havia adormecido.

 

— É um procedimento complexo, arriscado e nunca foi feito antes, fizemos testes em laboratório pra saber se o conceito estava correto e os resultados foram bons, mas o laboratório é muito diferente de um organismo completo - ela suspirou cansada - Tudo precisa ser perfeito, mas se der certo, então sim é uma cura definitiva.

 

Ele sorriu mais uma vez, e o calor se espalhou por seu corpo, esperança era algo maravilhoso, e potencialmente perigoso mas ainda sim… - Isso é bom.

 

— É sim.

 

Eles permaneceram assim por um tempo, compartilhando a companhia e o calor do outro, era quase nada e era tudo. Tudo ficaria bem quando Sarada acordasse, e aos poucos eles se tornariam a família que ela merecia.

 

— Sasuke-kun - ela chamou um pouco manhosa, o sufixo fez um arrepio lhe correr pelo corpo - Eu quero anmitsu.

 

Ele suspirou profundamente - Você não pode viver só disso.

 

E apesar dos protestos ele se viu caminhando até a casa de chá onde alguns meses atrás se tornou oficialmente o pai de Sarada. O moreno se assustou ao ver a vila colorida em vermelho, a avenida tinha diversas lanternas e faixas suspensas, barraquinhas começavam a serem montadas, foi com espanto que ele percebeu que o outono chegaria em breve e com ele o festival do fogo.

 

Sasuke realmente precisava passar menos tempo no hospital. 

 

Apenas um filete de sol iluminava o horizonte quando ele retornou ao hospital. Da frente do prédio ele viu quando uma ave de penugem escura pousou na janela que ele sabia pertencer ao quarto de Sarada, seria uma mensagem do Hokage para ele? Quando entrou no quarto Sakura já ocupava um lugar na janela, de costas para ele. Os ombros estavam tensos, a postura rígida.

 

— Sakura? - ele chamou quando percebeu que ela não o viu chegar.

 

A Haruno se assustou e se virou com olhos arregalados para ele, as mãos agitadas e nervosas mas nenhum bilhete a vista - Sasuke-kun! Eu me distrai com um pássaro - a voz era trêmula e ela forçou um sorriso para ele.

 

— Alguma mensagem do Hokage? - ele deu dois passos em sua direção e ela negou balançando a cabeça repetidamente.

 

— Não eu… - Sakura respirou profundamente e levou a mão aos cabelos, os ombros relaxaram e quando ela voltou a encará-lo seu rosto estava mais calmo - eu só me assustei, era uma criatura curiosa, o pássaro, fiquei com medo de ele entrar e machucar Sarada.

 

Sasuke assentiu pouco convencido e depositou o pote com o doce em cima da mesa, Sakura sorriu e andou até ele, ela lhe agradeceu começou a comer. Quando ele andou até a janela não havia mais sol no horizonte, não havia mais pássaro a vista, havia apenas o sentimento de que algo estava errado, mesmo quando Sakura sorriu com o doce como se fosse uma criança. Havia algo errado.

 

&



Ela levantou no horário de sempre, pouco antes do sol nascer. Sakura correu os dedos pelo cabelo cor de ébano de Sarada, a pele em temperatura normal, a respiração estável, apenas dormindo.

 

Sakura suspirou enquanto saia da cama e ajeitou o cobertor sobre a filha, ela olhou para a figura de Sasuke deitado no sofá-cama. Ela sabia que ele estava completamente consciente de seus movimentos mas não se importou, não havia nada suspeito nela acordar tão cedo. Claro, tirando o fato de que ela não deveria ir para o escritório estudar hoje, depois dos avanços que tiveram, ela e Tsunade concordaram em ter alguns dias de folga antes de realizarem os testes nela própria.

 

Mas Sasuke não sabia disso. Ela caminhou para a porta e deu uma segunda olhada para Sarada antes de sair, o coração martelando contra as costelas, o medo de perder Sarada enevoando seu bom senso. Sakura tremia conforme passava pelos corredores do hospital, havia sido uma tortura sem tamanho fingir que estava tudo bem depois do maldito bilhete que o pássaro trouxe.

 

A caligrafia elegante e precisa que ela conhecia em palavras que temia:

 

“Na aurora me encontre onde os shinobi são plantados como sementes, para o bem de seu brotinho”

 

Obviamente Sakura não conseguiu dormir após essa simples frase, como poderia? Seu coração disparava, ela sabia que havia algo muito errado no momento que Sarada adormeceu e nada de estranho fora encontrado. Não era natural, não podia ser, ela só não esperava aquilo.

 

A rosada usou a saída dos funcionários e se esgueirou pelas sombras da vila até seu local de encontro, encoberta pelo finito manto da noite ela chegou sem problemas ao lugar de descanso dos shinobi de Konoha. Ao longe ela podia ver o memorial do Sandaime e a chama que jamais se apagava. Ela andou por entre as lápides e não avistou uma viva alma, estava no cemitério afinal, não havia muito a se defender ali para que muitas patrulhas fossem feitas.

 

Ela olhou ao redor sem encontrar nada e por um momento se perguntou se estava no lugar certo, e então ela viu. 

 

As vestes brancas como a osso, os cabelos brancos como a neve, um sorriso felino e malicioso, uma aura fantasmagórica lhe rondava. Yoshiro era uma visão assustadora onde estavam, a própria encarnação da morte.

 

Elegante e respeitável em seu kimono alvo, apenas uma fachada para o coração corrompido. Sakura estremeceu com a visão dele rodeado de árvores e lápides. Ela devia ter percebido isso anos atrás, todas vezes que seus instintos lhe disseram que havia algo de errado com aquele sorriso, com o "florzinha" com que ele maliciosamente lhe chamava. Ele seria sua morte, mas ela não se importava, desde que Sarada pudesse viver

 

Ele sorriu ainda mais na borda da floresta que cercava o terreno, se virou e adentrou a vegetação. Sakura seguiu o homem certa de que podia estar dando seus passos em direção a todo tipo de emboscada, no entanto seu medo por Sarada era maior que sua auto preservação. Faias, carvalhos, bordos e pessegueiros ladeavam seu caminho enquanto seguia a figura de branco para mais fundo entre as árvores.

 

Quando ele parou e se virou para ela, Sakura se lembrou o por que havia sido tão ingênua e tão confiante nele. Yoshiro Takari era completamente ciente de sua boa aparência e charme, um manipulador digno das mais intrincadas intrigas. Ela se aproximou até estar a apenas alguns metros dele, seus sentidos girando pelo terreno em busca de outras pessoas.

 

 Não havia ninguém além deles.

 

Os olhos âmbar venenosos se estreitaram enquanto ele mirou a mulher a sua frente, o repuxar dos lábios preguiçosos e deliberados quando sua voz rouca se fez audível - Como vai minha adorável florzinha? 


















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Notas finais do capítulo

Esse não é um dos meus capítulos favoritos, mas é muito necessário. O próximo eu amo, e me contem aí o que estão achando, vejo vcs assim que possível bjs.



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