Te Encontrei na Hora Certa (One-Shot) escrita por Lyssa Silver


Capítulo 1
Capítulo Único




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Meu dia hoje foi como todos os outros. Acordei sem ânimo, lutei contra mim mesma para poder ter coragem suficiente para sair da cama e escovei os dentes vagarosamente.

Me arrumei de qualquer jeito, mas aceitável o suficiente para o meu último dia de trabalho. Enganei o estômago com meio copo de suco e sai do meu apartamento, que ficava sobre um estúdio de tatuagem.

Ao chegar no trabalho, coloquei um sorriso nos lábios e fingi, como sempre, que estava tudo muito bem. Ajudei meus futuros ex-colegas de trabalho e os fiz rir com piadas e comentários divertidos ao longo do dia.

Eu queria que eles se lembrassem de mim assim, sorrindo, mesmo que por dentro eu estivesse imensamente triste e vazia.

Ao final do expediente, fui de encontro ao meu chefe e pedi minha demissão, inventando alguma desculpa sobre um emprego mais vantajoso para mim e para minha carreira.

Cheguei em casa e fui tomar um banho. Debaixo do chuveiro enquanto a água caía pelo meu corpo, eu cheguei a cogitar em escrever uma carta ou um bilhete de desculpas, como manda o figurino.

Todavia, eu não tinha ninguém a quem me desculpar pelo que eu pretendia fazer, porque todos tinham se afastado de mim.

Saí do banho e escolhi uma roupa bem bonita, pois eu não queria que as pessoas me encontrassem mal vestida, já iria bastar a aparência fria e o odor fétido de decomposição. Terminei de me arrumar e saí do apartamento.

À caminho da ponte, fui sendo acompanhada de milhares de pensamentos destrutivos e ruins, o mais recorrente era “Quando eu me matar, alguém vai pelo menos sentir minha falta?”. Eu tinha certeza que não, pois ninguém me amava.

Ao chegar no meio da ponte, fechei os olhos e respirei fundo, sentindo a brisa gélida da noite acertar o meu rosto. Me inclinei sobre o parapeito da grade e olhei para baixo, vendo apenas a escuridão.

Comecei a ficar com medo, e logo o pensamento de “Vai doer quando eu cair?” me fez ficar indecisa, mas eu precisava subir e pular, pois não havia nada nessa vida que me fizesse ficar.

— OI! – escutei a voz de alguém, então me virei, apenas por reflexo, porque eu sabia que ninguém estaria ali por mim.

Do outro lado da ponte, quase que em paralelo a mim, se encontrava um homem e o mesmo me olhava.

— OI! – gritei de volta, devido a zuada de alguns carros que passavam na ponte.

— EU ACHEI QUE TERIA PRIVACIDADE NISSO! – o rapaz gritou e eu acabei deduzindo que ele também estava ali para pular.

— EU TAMBÉM! – falei e me virei de novo, dando privacidade ao cara do outro lado.

Apoiei minhas mãos no ferro gelado do parapeito e respirei fundo, tentando achar coragem para pôr o pé no primeiro degrau de ferro, a fim de escalar.

— EI!? – ouvi o homem gritar de novo e novamente me virei, o encarando.

— QUE FOI!?

— ESTÁ A FIM DE TOMAR UM CAFÉ COMIGO!?

— AGORA!? – retruquei.

— É! OU VOCÊ TEM ALGO MAIS IMPORTANTE PARA FAZER!?

“Hum... Pular dessa ponte, talvez?” rebati em pensamento.

— TUDO BEM! – gritei, indo contra a regra básica de não falar com estranhos e nem sair com eles.

E se aquele cara fosse um psicopata que vivia vagando naquela ponte à procura de pessoas suicidas para sequestrar, a fim de serem suas vítimas? Mas o que eu tinha a perder? Nada. Então eu não me importava. Apenas queria não está mais nesse mundo, não importava o meio.

— ESPERA! EU VOU ATÉ AÍ! – ele gritou, quando fiz menção de querer atravessar, então o cara esperou alguns carros passarem e veio até mim – Pronto. Como você se chama?

— Ana. Anastasia, na verdade, mas Ana é meio que apelido.

— Humm... Prazer. Me chamo Christian, só Christian mesmo, sem apelido – ele disse, estendendo a mão para mim, que peguei, apertando por alguns segundos e soltando.

— Prazer em te conhecer, Christian.

Sorrimos meio sem graça um para o outro e começamos a caminhar lado a lado, com nossos mãos enfiadas em nossos casacos.

— Olha, se você for um psicopata ou serial killer, eu gostaria de não sentir dor quando eu morresse. Me dê alguma droga ou remédio para eu apagar e aí sim você pode me matar, ok? – murmurei, segundos depois, o encarando de relance.

O vi sorrir e negar com a cabeça.

— Não se preocupe. Eu não sou nenhum dos dois.

— Mas se for também não tem problema não – rebati, dando de ombros.

— Tudo bem.

 

★ ★ ★ ★ ★

 

— Então, Ana... Porque estava lá na ponte? – Christian me inquiriu, minutos depois que chegamos a uma cafeteria.

— Tentando fazendo o mesmo que você, eu acho – falei, antes de sorver um pouco mais do café em minha xícara.

— Hum... Eu queria saber sobre o motivo que te levou a tomar essa decisão. Pode ser abrir comigo, se quiser? Pelo visto estamos no mesmo barco, então provavelmente vou te entender um pouco.

Repousei minha xícara no pires e o olhei por alguns segundos.

— Todos que eu amei e gostei se afastaram de mim. Não sou nada para ninguém então... eu estando viva ou não, não faz diferença nenhuma para ninguém desse planeta – murmurei, dando de ombros enquanto um meio sorriso triste se instalava em meus lábios – E você?

— Eu sou um inútil azarado. Tudo que tentei e tento fazer dá errado. Tentei abrir uma empresa, mas fali ela em menos de quatro meses. Conheci uma garota, começamos a namorar e noivamos, mas ela me chifrou com meu pai. Minha mãe e meus irmãos me acusaram de ser o causador da situação toda, porque “Se o inútil do Christian não tivesse trazido a vadia para apresentar aos nossos pais, isso nunca teria acontecido”. Palavras do meu irmão mais velho. Depois disso me viraram às costas e minha mãe me expulsou de casa, porque passei a beber demais, pois estava sofrendo muito com o término do noivado. Desde então vivo em abrigos. Trabalho aqui e acolá para ter algum dinheiro e fui sobrevivendo até que não aguentei mais e fui até a ponte.

Não falei nada, apenas toquei na mão dele por sobre a mesa e sorri para ele, fazendo o mesmo sorrir de volta. Esse era meu dom. Eu ajudava e conseguia deixar as outras pessoas felizes, mesmo que depois quando elas estivessem bem, se afastasse de mim.

 

★ ★ ★ ★ ★

 

Continuamos a conversar sobre outras coisas, nos abrindo um com outro e eu me sentia tão bem ao lado do Christian que comecei a gostar dele, da companhia dele e faria qualquer coisa para que essa sensação nunca acabasse.

Quando percebemos, tínhamos passado a noite toda juntos, conversando e andando pela cidade, explorando os lugares.

— Quer subir? Eu preparo um café da manhã para a gente e você descansa um pouco – indaguei, sorrindo, quando paramos em frente à porta que dava acesso ao meu apartamento.

— Ah, é melhor não, Ana. Eu tenho que ir.

— Porque? – inquiri, me sentindo angustiada.

— Eu preciso, Ana.

Meus olhos turvaram com as lágrimas.

— Ei, não é nada com você e sim comigo. Você é uma garota incrível, pode ter certeza disso – ele falou, me abraçando e eu o retribui, fortemente.

— Não faz isso, Christian. Por favor – implorei, em meio ao choro e notei, assim que o mesmo se desvencilhou, me olhando, que ele estava com os olhos marejados – Fica comigo.

— Eu não posso, Ana. Não sei se eu conseguiria ser aquilo tudo que você espera e...

— Nem eu, mas a gente pode tentar juntos.

— Você vai encontrar alguém melhor que eu.

Dizendo aquilo, Christian saiu, deixando-me para trás como todos as outras pessoas fizeram.

 

★ ★ ★ ★ ★

 

Assim que eu entrei, fiquei sentada nos degraus chorando copiosamente até que tempo depois, ouvi a campainha tocar. Eu não queria ver ninguém, então deixei que tocasse até que se cansasse.

— Ana? Você está aí?

Me levantei na hora, limpando o rosto e abri a porta, rapidamente, vendo ele no meio da calçada, provavelmente o mesmo estava olhando para as janelas do meu apartamento. Sorri e corri até Christian, me jogando em seus braços, dando um selinho nele em seguida.

— Uau! Eu só queria um café da manhã e ganhei um beijo – ele retrucou, abraçado à minha cintura.

— Desculpe – murmurei, sorrindo, envergonhada.

— Não se desculpe. Eu gostei.

O convidei para entrar, mas o mesmo me puxou para o estúdio de tatuagem.

— Tem medo de agulhas não, né? – Christian perguntou e eu neguei com a cabeça.

— Porque?

— Quero fazer uma tatuagem com você.

Fiquei bastante surpresa, mas sorri e assenti, empolgada. Ele nos apresentou como namorados para o cara do balcão e o encarei, estranhamente, feliz com aquilo. Christian falou então que queria uma tatuagem única com a palavra “Maktub” e o cara rabiscou por alguns minutos, até que nos mostrou o lindo desenho.

— Você sabe o que significa “Maktub”? – Christian me perguntou à medida que nos dirigíamos de mãos dadas até a sala onde o cara tatuava.

— Não.

Ele sorriu, me dando um beijo.

— É uma palavra árabe que significa “Tinha que acontecer”, “Já estava escrito” ou “O que já é destinado”. Por alguma razão, quando eu estava indo embora, de volta para aquela ponte, eu senti que o nosso encontro não havia sido por acaso, e sim estava...

— Destinado – falamos juntos e sorrimos.

 

★ ★ ★ ★ ★

 

— Terminou a sua, amor? – Christian inquiriu e eu assenti, me levantando do chão da sala.

Após termos subido para o meu apartamento, depois que fizemos nossas tatuagens, preparamos um delicioso café da manhã e comemos em meio a uma conversa bem animada sobre planos para o nosso futuro e acabamos decidindo em iríamos para outra cidade e recomeçar do zero, longe do nosso passado.

Todavia, Christian disse que precisávamos deixar tudo para trás e deu a ideia de fazermos uma carta cada um, mas não seria uma carta qualquer e sim uma de despedida, daquelas que os suicidas normalmente deixam.

Estranhei, mas a fiz, colocando todas as minhas angústias, amarguras e desculpas nela. Me aproximei de Christian que se encontrava perto da pequena ilha da minha cozinha, empunhando sua carta em uma das mãos e um isqueiro na outra.

— Nessas cartas está todo o nosso passado e todas nossas angústias. Tudo de ruim que passamos em nossas vidas nos levou a aquele momento na ponte e nos encontramos, nos salvamos mutuamente. Ganhamos uma nova chance de ser feliz e vamos começar uma nova vida longe disso tudo. Seja meu porto seguro, Ana, que eu serei o seu sempre. Juntos nos apoiaremos e nos curaremos da tristeza quando ela tentar nos atingir.

Sorri, emocionada, o vendo jogar as cartas dentro de uma tigela e atear fogo nelas.

— Não me solte, amor – pedi, num sussurro, entrelaçando minha mão na dele.

— Nunca, meu amor. Eu prometo.

Sorri e me recostei à ele, olhando para as chamas, vendo-as consumirem o nosso passado, nos libertando dele.

 

FIM


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