Rios Fluem Até Você escrita por Hanna Martins


Capítulo 6
Ninguém nunca se foi


Notas iniciais do capítulo

Olha só, eu de volta com um capítulo fresquinho ;)



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Uma pequena dorzinha persistente e irritante ainda a perseguia, mesmo tendo tomado vários remédios para ressaca que encontrara na enfermaria improvisada da base. Ela agora se encaminhava para o hangar, precisava testar um dos caças. Pelo menos, o trabalho evitava certos pensamentos.  

Um dos mecânicos indicou o caça que deveria ser testado, um que era incrivelmente parecido com o TIE Silencer de Kylo Ren. Mordeu os lábios fortemente, sem perceber. Ben saía do veículo naquele exato momento.  

Era como retornar no tempo.  

— Você não vai testar o caça? — perguntou Ben, após encará-la por um breve momento em que ela não ousara fazer qualquer movimento.  

— Vou — respondeu, dando-se conta de que acabara de agir como uma idiota. — Eu só estava... — interrompeu-se, sem saber juntar as palavras para formar uma frase coerente.  

— Eu fiz alguns ajustes... quer que eu te mostre? — perguntou ele, ainda a olhando.  

— Ok... — respondeu, desviando os olhos dele.  

Os dois entraram no caça. Ben explicou as modificações que realizara no veículo. Ela apenas assentia. Não estava totalmente recuperada do pequeno impacto que sofrera. Amava Ben, mas sempre tivera problemas para aceitar o outro lado dele, Kylo Ren. Aquele lado mais obscuro do seu amado Ben.  

— Você não deveria pilotar quando está de ressaca — falou ele, subitamente.  

— Eu não estou — afirmou ela, com certa rispidez na voz, percebendo tarde demais esse fato. Devia ainda estar tomada pela visão que tivera de Kylo Ren. As conversas entre os dois não eram exatamente as mais amigáveis quando ele estava tomado por este lado. — Quer quero dizer, eu já tomei os remédios e... 

— Sei... — disse com certo tom divertido na voz.  

— Verdade — voltou a afirmar. — Eu estou bem.  

— Só espero que você não comece a querer a arrancar as roupas de outra pessoa por aí — falou ele, mexendo no painel de controle.  

Ela resmungou algo e ele fingiu indignação.  

— Só estou avisando — replicou ele.  

Rey sentou-se na cadeira, mexendo aletoriamente em alguns botões, apenas para manter-se ocupada.  

— Esse tal de Ben Solo... — rompeu o silêncio subitamente — você parece se preocupar muito com ele... o que aconteceu com esse Ben Solo? 

Rey o olhou com o canto dos olhos, um tanto desconfiada por aquela curiosidade súbita dele, e um pouquinho decepcionada porque ele ainda se recusava a acreditar que era Ben Solo. Mas, de certo modo, sabia que precisava ver o lado dele também. Ele tinha perdido todas as memórias sobre ela, não tinha? Se ela tivesse perdido suas memórias e um completo desconhecido lhe afirmasse que a conhecia, jurando que ela era outra pessoa, ela também não iria ficar receosa?  

— Ben... — falou com uma voz paciente, como quem explica algo para uma criança. — Ele... — optou por se referir a ele na terceira pessoa, mesmo que ele estivesse diante dela. Precisava ser cautelosa naquele momento. — Aconteceram algumas coisas... — começou hesitante. Não, precisava falar aquilo, mesmo que doesse. Respirou profundamente. — Ben deu a vida por mim.  

— O quê? Você está me falando que ele morreu? — disse ele, atordoado com a revelação.  

— Ninguém nunca se foi — interrompeu ela, ofendida com o modo que ele se referira a partida de Ben. Aquilo nunca fora uma morte, ela sabia desde o primeiro instante em que ele desaparecera diante dos seus olhos, sentia em sua carne, em seus ossos.  

— Mas, ele morreu. E você ficou me falando que eu era ele? — A voz dele se exaltou um pouco.  

— Você é ele! — rebateu ela com a voz firme. — Eu sei.  

— Olha, eu sei que é difícil perder alguém — disse em um tom mais calmo. — Eu compreendo perfeitamente. Mas, eu acho que sair por aí falando para as outras pessoas que elas são o que não são, não é a melhor solução.  

Rey o encarou. Os olhos dela começaram a arder. Ela batalhava para que as lágrimas não caíssem (malditas lágrimas que sempre se apresentavam nos momentos mais inconvenientes). Era tão difícil vê-lo negando quem ele era, recusando a acreditar nela.  

— Eu realmente não sou esse tal de Ben. Acredite em mim, Rey — afirmou.  

As palavras chegaram aos ouvidos de Rey e a atravessaram como um mortal sabre de luz.  

— Eu não sei o que houve entre vocês, mas, acho que você deveria seguir em frente. — A voz dele era gentil e piedosa. Isso só tornava as coisas piores. — Acho que ele iria querer isso também.  

— Ele é minha díade na Força — disse Rey em um tom elevado, ultrajada com aquela simples sugestão. Não queria que ele a tratasse daquele modo, com aquelas palavras condescende e piedosas. — Ele é parte de minha alma. Como eu posso esquecer alguém que é parte de mim? Como? Eu nunca irei esquecer Ben. Nunca — declarou, olhando-o firmemente, enquanto uma lágrima traiçoeira escorregava por seu rosto. 

Ele a olhava, sem esboçar qualquer reação, confuso, tentando compreender aquilo tudo.  

— Eu vou testar o caça mais tarde — disse ela, levantando-se da cadeira de piloto. 

Rey saiu do caça, pisando firme sem olhar para trás. 

 

***************************** 

— Você não vai para sua barraca, Yuri? — perguntou um dos mecânicos que também trabalhava nos caças da Resistência. — Já está tarde.  

— Já vou, Jer. Só preciso terminar isso aqui — mentiu.  

— Ok. Só não fique aí por muito tempo. As noites são realmente frias por aqui. — Jer se despediu dele e saiu do galpão.  

Yuri olhou para os lados e constatou que não havia mais ninguém naquele local além dele e dos caças. Retirou as luvas e massageou as mãos dormentes. Envolveu-se ainda mais em seu casaco e olhou para os veículos. Poderia passar a noite em um deles, seria frio e nenhum um pouco confortável, mas era melhor do que voltar para a barraca.  

Ele sentia que havia cometido um grande erro. Aquela sensação era muito estranha. Sabia que tinha feito algo errado, apenas não sabia exatamente o quê. O olhar de Rey, as lágrimas que ela derramara. Por que se sentia tão culpado por aquilo? 

Rey estava completamente equivocada. Ele não era Ben Solo.  

Agora compreendia um pouquinho melhor porque ela insistia tanto naquilo. Ele estava morto. Ela estava se agarrando a uma esperança ilusória.  

Yuri escolheu um caça qualquer e enfiou-se nele, se ajeitando como podia. Ele era um cara grandalhão, infelizmente se acomodar em qualquer lugar era um pouco difícil. A cadeira era dura e muito desconfortável para tirar um cochilo. Entretanto, não existia outro jeito, teria que passar a noite lá.  

Quando acordou, suas costas doíam e ele tinha a sensação de mal conseguira dormir uma hora inteira. Rapidamente, foi para o banheiro do galpão, jogou um pouco de água na cara para acordar. Pelo espelho, verificou seu estado. Com certeza, aquele não era um dos seus melhores aspectos.  

No grande galpão em que era improvisado o refeitório, Yuri escolheu sentar-se no local mais remoto e que pudesse ver perfeitamente a porta. Jer se juntou a ele. O mecânico era um cara legal, um pouco falante demais talvez, afinal, ninguém podia ser perfeito.  

—... nos tempos da Primeira Ordem as coisas não eram assim — falava Jer para seus outros colegas. Yuri teve sua atenção prendida pela conversa dos seus companheiros. — Aquele Kylo Ren não era fácil! 

— Kylo Ren? — indagou Yuri automaticamente. Aquele nome... era estranhamente familiar.  

— Como? Você não conhece Kylo Ren? Onde você esteve, meu rapaz? Em Jakku? 

— É... 

— Isso explica muita coisa — disse Jer, rindo. — Respondendo a sua pergunta, Kylo Ren era um dos mais poderosos usuários da Força. Ele esmagava seus inimigos sem qualquer piedade. Há muitas histórias sobre ele... Falam por aí que ele era a própria encarnação do mal — cochichou.  

— E ninguém nunca viu a cara daquele sujeito — acrescentou outro mecânico. — Ele usava uma máscara o tempo todo. Ouvi falar que nem mesmo as pessoas da Primeira Ordem podiam ver o rosto dele! 

— Ele era o Líder Supremo da Primeira Ordem — continuou Jer. — Ouvi boatos que foi ele quem assassinou o antigo Líder Supremo.  

— O que aconteceu com esse tal de Kylo Ren? — indagou Yuri com certo interesse, comendo um pedaço de pão.  

— A última Jedi, Rey Skywalker, acabou com ele — declarou Jer. — Matou Kylo Ren.  

Todos na mesa soltaram interjeições de admiração. E quando Rey passou pela porta do refeitório, os olhares da mesa voltaram-se para ela. Alguns lançavam olhares de curiosidade e a maioria de admiração e fascínio. Eles estavam diante da grande heroína que acabara com o mal na galáxia. Entretanto, um dos olhares é distinto dos demais. Yuri a olhava como se estivesse diante de um grande enigma sem solução.  

Yuri saiu do refeitório antes que olhos da Jedi pudessem o localizar.  

 

***************************** 

Rey não sabia lidar muito bem com todos aqueles olhares sobre ela. Na maioria das vezes, apenas gostaria de fugir como uma garotinha. Já deveria estar acostumada com aquilo, mas a verdade era que nunca estaria. O anonimato era muito melhor que ter olhos sempre a seguindo. Uma das razões, que a levava a manter-se longe da Resistência, era exatamente o fato de que lá os olhares sempre estariam sobre ela. Tornara-se, sem que houvesse feito nenhum esforço para isso (muito menos desejado aquilo), a heroína da guerra.  

Um dos mecânicos levantou uma caneca na direção da jovem Jedi, que os olhou, cheia de interrogação.  

— Aí está a nossa heroína! — gritou um deles. — Um viva a Rey Skywalker que matou Kylo Ren! 

Os aplausos que tomaram conta do refeitório não eram tão fortes quanto as batidas do coração de Rey. Ela precisou utilizar toda a sua capacidade de autocontrole para não fazer uma besteira. Por que eles estavam falando aquilo? Quem contara aquela mentira a eles?  

A primeira coisa que fez, após abandonar o refeitório, foi uma ligação para Finn.  

— Rey! — exclamou o amigo com o rosto mais sorridente do mundo na tela que se projetava na parede do gabinete da base da Resistência do planeta de Mimir . — Eu estava querendo falar com você!  

— Eu posso saber o que a Resistência andou dizendo sobre Kylo Ren por aí? — falou sem rodeios, indo direto ao ponto. — Sobre quem acabou com ele? 

O sorriso no rosto de Finn se apagou.  

— Rey... — Ele parecia em pânico e indeciso sobre o que falar — Você sabe como as pessoas odiavam a Primeira Ordem. Ela destruiu planetas inteiros, escravizou pessoas e... 

— Eu sei perfeitamente o que a Primeira Ordem fazia, não precisa listar essas coisas para mim — interrompeu ela, não permitindo que o amigo se desviasse do assunto. — Quero saber o que vocês andaram falando sobre Kylo Ren e eu para as pessoas — exigiu. 

— Olha... — falou com a voz mais conciliadora que conseguia. — Ren era o Líder Supremo da Primeira Ordem, você é a última Jedi, as pessoas fazem conexões entre as coisas... Poe ouviu boatos por aí sobre você ter matado o Ren... a Resistência precisava aumentar seu alcance então... 

— Então, vocês espalharam por aí que o matei! — completou ela, indignada. 

— Não foi isso... — garantiu ele. — Os boatos estavam por aí e... 

— E vocês não fizeram nada para mudar isso, não é? — declarou, exaltada. 

— Rey... Por favor, não vamos brigar por Kylo Ren — pediu Finn.  

— Você mais do que ninguém deveria saber sobre o quanto Ben Solo significa para mim! — acusou-o, magoada.  

Ela e o amigo já tiveram aquela velha discussão antes e ela não desejava ter mais outra. Aquele tema era uma espécie de tabu entre eles. Finn nunca conseguira compreender o que houvera entre ela e Ben Solo. No fundo, ele pensava que Kylo Ren havia a seduzido. Ela era uma pobre garotinha ingênua que caíra nas garras do próprio mal encarnado.  

— Rey, me escute, por favor! Rey, eu juro que... 

Rey cortou a comunicação sem se despedir do amigo. Estava magoada, irritada e decepcionada sobretudo consigo mesma. Ela deveria imaginar que eles fariam uma coisa como aquilo. Porém, sempre se mantivera o mais distante possível da Resistência, evitando se envolver com tudo aquilo. E, agora, a realidade batia em sua porta. Também era culpada pelo que estavam fazendo com a imagem de Ben. Era verdade que um número muito reduzido de pessoas sabia sobre a verdade, que Kylo Ren era o filho da General Leia Organa e Han Solo, Ben Solo. Contudo, aquilo não tornava as coisas melhores. Ben partira de forma heroica, e tudo o que restara dele a imagem de Kylo Ren, o inimigo da galáxia.  

O coração de Rey sangrava só de pensar que eles não faziam ideia de quem era o verdadeiro Ben. Ela era a única a conhecê-lo verdadeiramente, assim como ele era o único que a conhecia realmente.  

 


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Notas finais do capítulo

O que acharam? Ben/Yuri descobrindo sobre Kylo Ren, imagina se ele soubesse da verdade... o que vocês acham que vai acontecer quando ele souber a verdade? E a pequena briga entre nosso casal? Rey ainda não consegue lidar direito com esse lance do Kylo...
Até breve, e muitos abraços quentinhos do Ben para vocês ;)