Confia em mim? escrita por Gabi Mohannak


Capítulo 5
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Capítulo narrado por Eliza.
Ano: 2018



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Eliza

 

Essa é a última sexta-feira antes do início das aulas e, à exceção do final de semana, esse é nosso último dia de férias, mas ainda assim, de alguma maneira eu deixei que Julia me arrastasse para fora da casa antes das sete e meia da manhã.

Nesse momento eu a odeio por ter me feito levantar da cama para encarar o ar fresco dessa manhã de janeiro. Estamos vestidas com bermudas jeans curtas e agasalhos finos, e embora eu esteja de biquíni por baixo, não acho que irei ao mar ou pegar sol na frente dos outros por enquanto. De qualquer maneira, aqui vai a minha dica: nunca deixe ninguém te convencer a sair para andar de bicicleta antes das oito da manhã, em especial se você nem ao menos souber pedalar.

Julia está montada em sua bike azul-claro-metalizado com um dos pés apoiados no chão e eu estou ao lado dela. Ela insiste dizendo que pode me dar uma carona, mas embora ela seja um pouco maior que eu, tenha o físico um pouco atlético e bastante experiência com bicicletas, não consigo imaginar como uma garota tão magra vai conseguir pedalar comigo na garupa.

O vento chicoteia meus cabelos para em minhas bochechas e Julia me oferece o elástico que carrega no pulso. Enquanto eu amarro um rabo, ela me explica sobre a dinâmica das idas para a escola de bicicleta com os amigos. O ponto de encontro é sua casa pois é ela quem mora mais perto da escola – só quinze minutos – e, com o esquema que fazem, ninguém tem que ir sozinho até o colégio.

Flávio é o que mora mais longe daqui e, portanto, pedala por mais tempo – algo como vinte minutos. Vanessa e Douglas moram a dois bairros à frente e isso os poupa ao menos cinco minutos. Quando os três estão juntos, passam pela casa de Ana e depois de mais dez minutos estão aqui. Luan e Renata também moram a dez minutos daqui, mas moram em outra direção, portanto, ninguém os encontra no percurso.

A coordenação é toda feita por mensagens no celular. Flávio avisa quando sai de casa, Vanessa e Douglas ficam a postos e quando veem o garoto à sua porta, avisam Ana para que ela vá para o portão e Renata para que ela inicie o percurso e assim, eles chegam todos quase que ao mesmo tempo na casa de minha prima – em que agora eu também moro.

Hoje o esquema foi igual. Pelo grupo que eles tem no celular, foi avisado que todos já saíram de suas casas e é por isso que Julia e eu estamos paradas aqui fora. Eles devem chegar a qualquer momento agora e enquanto esperamos, me pego pensando sobre o churrasco que aconteceu alguns dias atrás. Penso nas pessoas que conheci, e percebo que a turma de Julia, vista de fora, pode parecer meio fora do comum, mas todo mundo se dá bem e se importa um com o outro. Isso é muito bom.

Um barulho me tira do meu transe e vejo Renata e Luan buzinando enquanto descem a rua. Os dois estão gargalhando e quando olho para Julia, ela está com um grande sorriso. A animação matinal dessas pessoas é um pouco perturbadora, mas acho que, na verdade, a mal-humorada sou eu. Os irmãos param junto a nós e nos contam sobre como Luan foi tentar empinar a bicicleta mas falhou e quase caiu e então caem na gargalhada novamente. Julia e eu ficamos preocupadas, mas vendo que eles dois parecem estar muito bem, nós admitimos que parece ter sido mesmo engraçado.

— Onde está a tua bike? – Luan olha para mim e quer saber.

— Eu não tenho – respondo. – Não sei andar de bicicleta.

Os queixos dos irmãos caem em surpresa e eu desvio o olhar para meu par de chinelos. Parem de me olhar como se eu fosse um extraterrestre, imploro em silêncio.

— Como a gente vai fazer? – Renata pergunta saltando de sua bicicleta para a calçada.

— Pensei em levar ela de carona– diz Julia e sorri para mim.

— Nem tu e nem tua bike vão aguentar por muito tempo – Luan diz e Julia morde o lábio. – A bicicleta vai ficar quase o dobro mais pesada e na subida vocês não vão dar conta.

— Não tinha pensado nisso – ela diz e mentalmente eu a xingo por ter me feito levantar para um passeio do qual eu nem posso participar. – Minha bicicleta não foi feita pra aguentar tanto peso. – E virando para mim ela diz – Não que tu sejas pesada....

— Eu posso levar ela na minha – Luan interrompe e deixa seu olhar passear por meu corpo antes de se fixar em meus olhos.  – Quantos quilos tu achas que tu pesas?

— Nunca se pergunta isso pra uma mulher – Renata dá um tapa leve na nuca dele e ele ignora.

— Uns sessenta – digo e dou de ombros. Sua pergunta não me ofende.

— Legal, dá tranquilo – sua expressão é completamente relaxada.

— Não posso nem tentar primeiro? – Julia parece frustrada.

— Pode, claro – Luan dá de ombros, mas sua voz é desdenhosa.

Enquanto tento subir na bicicleta de minha prima – o que consiste em sentar meio de lado entre ela e o guidão – os outros chegam. Renata e Luan explicam o que está acontecendo ao mesmo tempo em que Julia faz esforço para nos tirar da calçada. No asfalto ela se move melhor e então ela tenta completar três círculos largos, mas posso sentir pela sua respiração em minha nuca que esta não é uma missão fácil.

Não demora muito para ela desistir, fazendo com que Luan bufe.

— Porque tu não tentas também? –Julia o desafia.

— Por ti tudo bem? – Ele me pergunta e eu penso, porque não?

Luan me ajuda a subir e eu me acomodo sobre o ferro que há entre seu tronco e a frente da bicicleta, com as duas pernas pendendo para o lado esquerdo. Seus braços cercam meu corpo quando ele agarra o guidão e um arrepio percorre minha espinha quando ele sussurra em meu pescoço as palavras “posso ir?”, mas eu simplesmente assinto e ele sai.  

Como já estava no asfalto, ele não tem a mesma dificuldade inicial de minha prima. Ele aperta as mãos em torno do guia, e pedala à princípio devagar – suponho que para testar meu peso – e depois mais depressa, ganhando confiança no segundo círculo, e então no terceiro, no quarto... Até que Julia grita de onde está.

— Tu venceste bonzão – seu tom é ríspido. – Ela vai contigo.

Quando voltamos para junto do grupo, Julia tem o semblante fechado. Ela não gosta de perder e acredito que por isso se sentiu mal por Luan ter conseguido me levar com mais facilidade do que ela. Desço da bicicleta de Luan porque sinto meu bumbum doendo e torço para que nosso passeio pela orla não seja longo demais porque o ferro da bicicleta é realmente desconfortável.

*

Imagino que Luan esteja arrependido de ter sugerido me levar consigo, já que agora nós estamos bem atrás do resto do grupo. Nosso atraso também se deve ao fato de ele insistir em parar a bicicleta para que eu me ajeite sempre que percebe que eu estou desconfortável. Gentilmente ele me garantiu que não tem problema nenhum porque ele sabe para onde os outros estão indo e que não será difícil alcançá-los, mas eu me sinto culpada pelo esforço extra que ele está fazendo.  

De qualquer maneira, apesar de todo o transtorno em torno dessa viagem a dois em uma bicicleta para um, não ouso reclamar porque Luan é uma boa companhia o trajeto todo. Ele pergunta montes de coisas, e imagino que queira me manter falando para que ele não tenha que fazê-lo e assim possa se concentrar em pedalar e respirar. Eu também quero que ele se concentre nessas tarefas, portanto, para dar descanso para seus pulmões, eu conto ele sobre a escola em que eu estudei por último em São Paulo e sobre como era o apartamento em que eu morava lá.

Quando chegamos ao lugar onde estão nossos amigos, sinto que nós dois nos conhecemos há bastante tempo. Curiosamente, me sinto da mesma maneira com Renata depois de todas as conversas que tivemos no churrasco do outro dia. Que família legal!

Apesar de todas as paradas, Luan e eu demoramos um pouco mais de meia hora para chegar até aqui, então acredito que estejamos perto da casa da minha prima. Todas as bicicletas estão presas por correntes em um quiosque, onde Julia, Ana, Vanessa e Flávio estão comendo pasteis com grandes cocos descansando à sua frente. Renata e Douglas também estão ali, mas não estão comendo e nem bebendo nada.

Minha prima faz alguma gracinha sobre Luan não ser tão incrível assim já que nós demoramos tanto para chegar, mas Luan a ignora, sentando-se no quiosque ao lado de Douglas. Sento-me entre ele e sua irmã, e Renata me explica que o luau que eles fazem acontece aqui nessa parte da praia e que o quiosque em que estamos tem o melhor coco gelado das redondezas.

— É por isso é que de vez em quando a gente vem pra cá logo cedo – ela diz. – Principalmente no calor, que é quando o coco gelado acaba mais rápido.  

Nós quatro pedimos nossos próprios pasteis e cocos e eu percebo que meu mau-humor já desapareceu e que, embora o ar ainda esteja gelado, o sol já começou a esquentar a manhã. Os amigos de Julia conversam em voz alta sobre o que esperam da volta das aulas, que ocorrerá já na próxima segunda-feira e eu mantenho meus ouvidos atentos.

Mais tarde, Ana e Vanessa tiram suas roupas e, de biquínis, esticam suas cangas na areia e se deitam para se bronzearem. Vanessa me oferece um espacinho e eu aceito, me sentando na ponta oposta à sua cabeça. Julia e os outros estão no mar e nós conseguimos ouvir suas risadas de onde estamos e eu não posso deixar de sorri.

Meus pés brincam na areia e pouco tempo depois Luan e Renata vem me buscar para que eu ao menos molhe meus pés na água – que por sinal está geladíssima. Ainda assim, agradeço mentalmente estar aqui e poder comtemplar toda essa beleza. Me sinto grata pelas pessoas que estão a minha volta tentando fazer com que eu me sinta parte do grupo, me trazendo da areia para o mar ou mesmo tendo que me carregar de carona em uma bicicleta.

Acho que posso me acostumar a viver aqui muito mais rápido do que pensei.

*****

Luan e eu paramos em frente à escola vários minutos depois dos meus novos colegas, mas graças ao nosso passeio na sexta-feira, já havíamos previsto isto e saímos mais cedo de casa, portanto, não estamos atrasados para a aula. Na verdade, estamos um pouco adiantados já que, dessa vez, não tivemos que fazer nenhuma parada durante todo o percurso.

Renata foi a única que pedalou ao nosso lado durante too o percurso, mas isso não me incomoda já que eles dois foram as pessoas com quem mais me identifiquei por hora e nós pudemos conversar bastante desde a casa até aqui.

Desço da bicicleta a tiro minha mochila que deixei pendurada diante do meu corpo afim de não atrapalhar Luan durante o trajeto, e penduro nas costas. Enquanto isso ele tira sua própria mochila das costas e a abre para retirar de dentro a corrente com que vai prender a bike no bicicletário da escola. Para ajuda-lo, me ofereço para segurar a bolsa enquanto ele prende a corrente e, sorrindo, ele me agradece, se abaixando em seguida para realizar essa tarefa. 

Esse é o primeiro dia de aula e muitos alunos devidamente uniformizados já começam a se aglomerar diante do portão – inclusive nós. Luan se levanta e eu devolvo a ele sua mochila, mas meu corpo está completamente tenso e eu pareço estar me movendo como um robô.

— Tu estás bem? – Ele me pergunta e colocando uma mão sobre meu ombro.

— Sim – minto. – Estou ansiosa.

Ele sorri para mim e se abaixa em minha direção para sussurrar em meu ouvido.

— Relaxa – e depois, toma distância para olhar em meus olhos. – Esse é só mais um dia normal, tu vais te sair bem, tenho certeza.

— Obrigada – consigo dizer através da minha garganta seca.

Ele pisca para mim e se volta para os garotos, e eles se afastam, perdidos entre a multidão de pessoas que camiseta polo branca e calça azul marinho. Encaro o vão entre meus tênis enquanto Renata e Julia tomam seu lugar antes que eu possa me dar conta e me guiam para que passemos pelo portão da escola e assim começa o dia.

Na sala de aula nós nos organizamos nas carteiras: Renata atrás de mim em uma fileira, e ao seu lado, em outra fileira, Vanessa, com Julia diante de si e, portanto, ao meu lado e Ana em sua frente. Pouco depois, a coordenadora entra na sala e anota nossos nomes em um mapa de sala.

Seu nome e Simone e depois de se apresentar para a sala e reforçar algumas das regras da escola, ela distribui um grupo de folhas impressas grampeadas em que constam inúmeras informações, desde a nossa grade curricular até datas de entrega de trabalhos grandes que teremos durante o semestre.

Quando examino os papeis, meu queixo vai praticamente ao chão. Eu nunca estudei em uma escola tão exigente antes. Esse é somente o primeiro dia, eu ainda não tive nenhuma aula e eu já tenho em minhas mãos uma lista dos conteúdos que serão cobrados nas provas. Se eu tivesse a opção de surtar, eu definitivamente começaria agora.

A conversa com a coordenadora me faz perceber que nessa escola só há uma opção: estudar. Encaro os papéis de novo, tentando me programar. Tem alguma que eu posso adiantar?

— Tu estás bem, amiga? – Renata me pergunta.

— Sinceramente? – Pergunto de volta e nós rimos.

— Eu sei que parece bastante coisa – ela diz colocando a mão em meu braço – mas, relaxa.

Isso me faz lembrar de seu irmão. Ele me disse exatamente a mesma palavra hoje mais cedo. É incrível como eles são parecidos até no jeito de falar e tão gentis comigo.

— Eu te ajudo se tu precisar, tu só precisas te organizar pra conseguir fazer.

— Nisso eu sou boa! – Digo.

— Então tu vais te sair bem, tenho certeza –ela pisca para mim.

E mais uma vez, ela fala exatamente como seu irmão – ou será que é minha cabeça que está nesse garoto?

*

13:37 – Eu: Oi, mãe J tudo bem por aí?             

13:37 – Eu: Hoje foi o primeiro dia de aula e essa escola é uma loucura te conteúdo

13:37 – Eu: Vou te mandar uma foto da lista de coisas que vai ter só nesse semestre

13:38 – Eu: É assustadora!

13:38 – Eu: Depois me manda foto do apartamento novo, você é exagerada Dona Alice, tenho certeza de que está muito menos bagunçado do que você diz

13:39 – Eu: Agora eu vou almoçar e depois... estudar!!!!

13:39 – Eu: S.O.S.!!!!

13:39 – Eu: Beijo


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