Confia em mim? escrita por Gabi Mohannak


Capítulo 10
Capítulo 9


Notas iniciais do capítulo

Capítulo narrado por Luan.
Ano: 2018



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Luan

Como é que essa garota veio parar aqui tão rápido?  Me pergunto ao ver que Julia já está parada em frente à sua casa quando entro na rua com Eliza.

Eu a conheço há tempo o bastante para saber que ela não pedala tão rápido assim e então assumo que ela deu o máximo de si, pedalando a toda velocidade para tentar nos alcançar.

Julia e sua necessidade de controlar tudo. Reviro os olhos e agradeço a mim mesmo por ter tomado um caminho diferente – caso contrário, ela teria flagrado um momento com Eliza. Ainda que as coisas não tenham saído como eu pretendia, eu queria que algo tivesse acontecido entre nós.

Dou meu máximo para afastar essa ideia porque não quero pensar sobre esse assunto agora. Me apressei para que tivéssemos um momento a sós com Eliza e usei essa oportunidade para me aproximar dela, mas não tive coragem de dizer nada, portanto ela e eu continuamos na mesma – ou quase: agora eu estou decepcionado e, graças ao seu tom de voz deduzo que Liz também esteja.

De qualquer maneira, não tenho tempo para remoer isso, porque antes que eu consiga parar completamente a bicicleta, Julia está caminhando em nossa direção e parece furiosa. Me preparo para a bomba, mas antes que eu possa dizer alguma coisa, ela chega até nós. Terei que pensar numa maneira de consertar as coisas com Eliza quando os nervos de acalmarem por aqui.

— Onde é que vocês dois estavam? – Ela pergunta num tom alto demais.

Eliza que está descendo da bicicleta para. Seus olhos estão arregalados.

— Vocês ficaram malucos? – Ela grita.

Julia está tão brava que eu espero ver fumaça saindo por seu nariz. Embora eu sinta vontade de gritar de volta, respondo com outra pergunta no tom mais controlado que consigo.

— Eu tomei um caminho diferente, Julia, qual o problema?

— O problema é que tu sumiste com a minha prima e eu quero saber o que é que vocês foram fazer – ela empurra o meu peito com as duas mãos ao dizer isso.

Sinto os músculos do meu corpo ficando tensos e fecho meus olhos, respirando profundamente. Não quero perder minha razão por alto com ela. Eu não fiz nada de errado. Solto o ar, abro os olhos para enfim perceber que Eliza ainda está metade no chão e metade na bicicleta e que seus olhos continuam alarmados.

Já ouço o som das outras bicicletas se aproximando, mas não me viro para olhar e, tentando me manter calmo, volto a falar.

— Julia, eu não estou entendo sua irritação – percebo que ela vai me interromper e ergo um dedo no ar, sinalizando que eu quero terminar primeiro. Ela bufa mas permite que eu continue. – Eu não sumi com a tua prima. Nós só viemos por um caminho diferente e, ainda assim, chegamos antes do resto do grupo. Tu deves ter chego antes porque veio disparado.

— Não me interessa! Eu não quero que tu faças isso nunca mais, Luan! – Seus olhos estão em chamas.

Minha vontade é de dizer que realmente não interessa. Quero dizer à Julia que Eliza ou eu fazemos realmente não são da conta dela. Tenho vontade de dizer que só estou me explicando porque ele ela está fazendo um escândalo. Mas ao contrário, não digo nada.

Toco o braço de Eliza para que ela saiba que é seguro descer e ela se movimenta muito lentamente ao fazê-lo.

— Tu está me escutando, Luan? – Julia grita mais uma vez.

As outras bicicletas param ao nosso redor e pegam nossa discussão em andamento.

— O que está acontecendo aqui? – Renata quer saber.

Julia ainda está bufando, mas nenhum de nós se explica. Ela cruza os braços sobre os peitos e eu desço da minha bicicleta, decidido a não ceder às provocações dela.

— Onde tu estavas, cara? – Flávio pergunta baixo, mas todos estão de ouvidos em pé.

— Eu fui mostrar o bairro dos riquinhos pra Eliza – minto para me justificar.

Olha para Eliza como se esperasse ser desmentido. Nós dois sabemos que eu não mostrei nada a ela. Apesar disso, ela não me corrige.

— E essa gritaria? – Vanessa questiona e eu passo a olhar para ela.

— Adivinha? – Desafio e faço um maneio de cabeça em direção à Julia. – Sua amiga está dando um show sem nem cobrar ingresso.

— Show eu vou dar tua cara – ela brada e avança em minha direção.

— Tenta – eu cruzo meus braços e digo. Agora sou eu que estou em chamas.

— Para gente – intervém Vanessa.

— Calma, mano – minha irmã coloca a mão no meu ombro.

— Mas qual o motivo? – Douglas exige saber. – Não estou entendendo.

— Eu sumi com a prima dela – a ironia em minha voz é cortante.

— Ah, faça-me o favor – Renata revira os olhos exageradamente e solta meu ombro.

Volto minha atenção para Eliza que ainda não abriu a boca e encara o espaço entre seus tênis enquanto morde a parte interna da bochecha. Ela parece tão perplexa quanto o resto de nós, mas está tão estática que me pergunto se está prendendo a respiração. Nenhum de nós podia imaginar que essa briga aconteceria.

De repente uma palavra escapa dos lábios de Liz, mas em um tom tão baixo, que parece que ela contou um segredo. Ela ergue os olhos e os sigo para descobrir que estavam buscando Julia, que agora também está olhando para ela. Tenho que pensar por um momento até que consigo entender. Ela disse “desculpa”.

Meu queixo cai.

— Porque é que você está pedindo desculpas? – Não consigo conter a pergunta, mas minhas palavras soam como uma acusação.

— Eu não sei direito – ela diz genuinamente. – Não queria que ela tivesse ficado preocupada, não queria que essa confusão tivesse acontecido por minha causa.

— Não é por sua causa – Renata e eu dizemos ao mesmo tempo.

Os olhos dela se voltam para o chão e eu estico o braço para levantar seu rosto, colocando meus dedos sob seu queixo, mas permitindo que ela decida se aceita ou não olhar para mim. Para a minha sorte, ela decide olhar.

— Fui eu que fiz um caminho diferente, coloque a culpa em mim então – não acredito que estou dizendo isso. É óbvio que ninguém tem culpa.

— Ninguém tem culpa – Vanessa lê meus pensamentos e cruza os braços sobre o peito.

Agora, ela está olhando para Julia. Todos nós estamos. Vanessa geralmente tem um poder apaziguador, e eu abaixo meu braço deixando o rosto de Eliza livre, enquanto Vanessa respira fundo se preparando para voltar a falar.

 – Julia, você sabe que está exagerando.

Parece que os nervos estão se acalmando por aqui, mas não os meus. Meus músculos ainda estão tensos. Não consigo prestar atenção porque ainda não acredito no que aconteceu. Encontro os olhos de Renata e nós nos comunicamos através do pensamento. Julia-louca ataca novamente.

Eu não acredito que essa garota conseguiu estregar um dia perfeitamente bom!

OK, não tão perfeito porque eu já tinha estragado tudo com Eliza antes de Julia dar seu show, mas nós ainda teríamos uma chance de passar a tarde juntos porque eu a ensinaria a andar de bicicleta e nós poderíamos conversar de novo. Agora tudo está perdido.

— Acho melhor deixarmos pra outro dia então – Vanessa diz como se lesse os meus pensamentos, mas em abraça Julia como se a culpa não fosse toda dela.

Ninguém mais sabe o que dizer. Nosso compromisso com Eliza foi cancelado e o clima definitivamente acabou. Se antes estávamos animados pela sexta-feira, agora tudo o que nós queremos fazer é ir embora daqui.

Pouco a pouco, é isso que fazemos. Nós subimos em nossas bicicletas um por um e pedalamos em silêncio até que estejamos em nossas casas.

*

Quando chegamos em casa fiz almoço para mim e para mim e para minha irmã, e nós nos sentamos na cozinha para comer, mas a cena que vivemos uma hora antes se repetia em minha cabeça como o jingle de uma propaganda ruim, me provocando náuseas.

Fiquei imaginando coisas que eu podia ter feito diferente ou respostas melhores que eu podia ter dado à Julia durante nossa discussão, ignorando a impossibilidade de voltar no tempo e refazer meus passos. O olhar de Eliza completamente apavorado realmente mexeu comigo.

Renata não parece bem e hoje, sua língua solta está controlada até demais. Nenhuma resposta atravessada, nenhum comentário sobre o ocorrido... Tanto eu quando ela permanecemos em silêncio deixando a energia da casa pesada. Era como se ainda não acreditássemos no que acabamos de ver.

Por mais que eu odeie que ela fume dentro de casa – porque isso triplica as chances de descobrirem sobre nosso pequeno hobbie – não briguei com ela quando acendeu um baseado. Ao invés disso, estiquei meu braço em direção a ela, pedindo que ela me passasse o beck para que eu pudesse tragar. Eu estava atordoado. Nós dois estávamos.

Agora, estou deitado em minha cama encarando o teto. Com a cabeça mais clara, me lembrei exatamente o porquê eu deveria tê-la impedido: como ela é a menininha da família, caso nossos pais suspeitem que alguém entrou com maconha em casa, vai sobrar pra mim e, por isso, pego na mesinha de cabeceira o meu celular e envio uma mensagem para Renata.

14:47 – Eu: Não esquece de borrifar aquele negócio com cheiro de flor na sala e na cozinha

Não recebo resposta, mas posso ouvi-la abrindo a porta do seu quarto e caminhando até a dispensa. Ouço o som do spray sendo disparado pelos ambientes da casa e também seus passos fazendo todo o caminho de volta.

Coloco o celular de volta na mesinha, mas estou muito desconfortável. Eu vinha procurando uma desculpa para pegar o contato de Eliza e falar com ela, mas agora, quando ela finalmente foi adicionada ao nosso grupo de mensagens e eu realmente tenho um motivo para começar uma conversa, eu não consigo pensar em nada de inteligente para dizer.

Eu queria que tivesse um jeito gentil de dizer a ela que não há motivos para se sentir culpada. Todos nós sabemos que Liz é doce e gentil e que Julia é uma maluca. Merda. Eu só quero saber como ela está, afinal, nós a deixamos sozinha na toca do lobo.

Abro o aplicativo de mensagens uma vez e desisto, mas depois abro de novo.

Fecho outra vez. O que é que eu vou dizer?

Ah, dane-se.

14:54 – Eu: Como estão as coisas por aí?

Eu não sei o que eu espero que Eliza diga. Sendo sincero, acho que tudo o que eu espero é que ela me responda e, embora ela o faça em menos de cinco minutos, parece que já passou uma hora antes que eu finalmente veja seu nome em minha tela.

14:58 – Eliza: Oi, Luan  

14:58 – Eliza: Não sei direito

14:58 – Eu: Quer conversar sobre isso?

Talvez eu devesse ter demorado um pouco mais para responder – só para não deixar claro que eu estava literalmente com o celular na mão esperando que ela falasse comigo –, mas eu simplesmente não pude evitar. Antes que eu pudesse raciocinar, meus dedos já estavam enviando a mensagem e, para minha surpresa, a resposta para minha pergunta foi “sim”.

Eliza me contou sobre como ela e sua prima mal estavam se falando desde o ocorrido ao lado da casa delas. Assim como aqui em casa, o almoço das duas ocorreu quase que em silêncio e depois disso, cada uma ficou no seu quarto.  Quando Julia finalmente bateu à porta do seu quarto, foi para perguntar se Liz queria ficar na piscina com ela, e não para conversar sobre o alvoroço que ela causou.

Eu disse a ela que eu já vi Julia agindo assim antes – talvez com um pouco menos de intensidade, mas ainda assim –, impulsiva e brava sem motivo aparente e nós conversamos brevemente sobre isso.

Isso me fez pensar que talvez eu realmente tenha tido culpa. Eu sei como Julia é louca, no entanto, não pensei nisso enquanto andava em quadras paralelas com Eliza em minha garupa. Me senti culpado ao perceber que eu ao menos deveria ter dito a alguém que eu desviaria o caminho para mostrar a ela outras partes da cidade – mesmo que isso não fosse inteiramente verdade – porque assim, eu poderia sustentar a minha história caso houvesse algum problema.

Antes que eu pudesse dizer a ela que eu sentia muito e eu que eu tinha entendido que foi minha falta de cuidado que gerou toda a confusão, Liz me disse Julia e ela pareciam bem mais amigas quando sua relação era virtual e minha ideia anterior se perde. Ela me disse que agora tem a impressão de que não conhece sua prima ou pelo menos a parte dela que distribui caras fechadas e gritos para os amigos – e que depois age como se nada tivesse acontecido.

Por mais que eu seja péssimo com esse tipo de conversa, é estranho que eu esteja realmente interessado no que ela tem a dizer, e mais do que isso, que eu queira ajuda-la. A minha sorte é que, aparentemente, tudo o que ela quer fazer é desabafar, então tudo o que eu faço é concordar e comentar, sem me atrever a aconselhar. Quando ela parece mais tranquila, eu mudo de assunto.

15:32 – Eu: E o que tu estás fzndo?       

15:33 – Eliza: Tô tentando estudar matemática

15:33 – Eliza: Mas como se n fosse difícil o bastante

15:33 – Eliza: Julia acha que essa casa é uma boate sertaneja

15:34 – Eu: O gosto musical dessa garota é duvidoso com ctz hahaha

15:34 – Eu: Mas de matemática eu entendo, caso tu queiras uma ajudinha

15:35 – Eliza: Sério?

15:35 – Eliza: Bom saber

15:35 – Eliza: Já sei pra quem perguntar caso surja alguma dúvida

 

Estou definitivamente ficando louco, mas juro que nunca ansiei tanto por responder uma dúvida de matemática de alguém.

15:36 – Eu: Pode contar comigo              

Digo por que é verdade, mas deixo implícito que não estou falando só da matemática. Ela acaba de dizer que está estudando e, imagino que isso seja um jeito sutil de dizer que ela precisa se concentrar e que eu estou atrapalhando, mas ainda assim quero continuar falando com ela e consigo pensar no assunto perfeito.

15:37 – Eu: Eu ainda não desisti de te ensinar a andar de bicicleta

15:37 – Eu: Apesar dos imprevistos de hoje      

OK, talvez voltar ao assunto que deixou ela chateada depois de ter me esforçado para fazer com que ela se sentisse melhor não tenha sido minha melhor ideia. E é claro que agora eu tenho certeza de que esse não foi o assunto perfeito, porque ainda agora, quase dez minutos depois, eu ainda estou arrependido. Entre muitas vezes que ela digitou algo e em seguida desistiu de enviar – ela finalmente me responde.

15:45 – Eliza: Eu também não desisti de aprender

Isso é tudo. Ela não diz mais nada e eu também não digo.

Imagino o que ela está pensando: nós dois em minha bicicleta hoje mais cedo. Eu tentando fazer uma investida, mas desistindo logo em seguida. Meu estômago se agita porque essa lembrança é tudo o que eu gostaria de esquecer.

Hoje mais cedo eu acelerei a bicicleta o máximo que pude para Eliza e eu ficássemos a sós de verdade pela primeira vez desde que nós nos conhecemos. Eu me aproximei dela, decido a sussurrar em seu pescoço a pergunta que não queria calar. Eu estava decidido a perguntar se eu podia beijá-la, no entanto, no processo eu não tive escolha se não deixar pra lá.

Estava muito nervoso e acho que, se eu tivesse conseguido formular as palavras, e ela por acaso tivesse dito que sim, eu não saberia o que fazer. Imagino que meus lábios e língua não saberiam responder meus comandos diante de uma garota que me deixa tão agitado. Além disso, toda as vezes em que eu me deixei imaginar essa cena, minha mente insistiu em apitar um aviso de que, embora seja novata, Eliza agora faz parte do grupo e, portanto, deveria estar fora de cogitação.

Estou na merda.

Me viro na cama e respiro fundo. Eu sei que falar é bem mais fácil que fazer, mas é sério: Luan + Eliza = não vai acontecer. Não vou mais mandar mensagens e vou dar um jeito de tirar essa garota do meu radar.

E isso começa agora.

 

 


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