Broken escrita por Starkast


Capítulo 1
Broken


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem. Essa história surgiu ao melhor estilo modernista - como um flash na minha cabeça - e eu apenas cedi o controle ao modo automático.



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Sobre o galho mais alto da árvore mais alta, um jovem adolescente observava o mar que circundava a ilha de Felgur. As águas calmas e de uma cor azul bebê fascinavam o infante, cujos castanhos olhos brilhavam ao se imaginar navegando num navio para além do horizonte, explorando o desconhecido. Mas, para a sua infelicidade, era muito novo para tal; embora, ao seu ver, não existe uma "idade adequada" para explorar os oceanos.

A suave brisa da primavera soprava, e o calor do Sol trazia à tona o maior inimigo do rapaz: o calor (por isso desejava navegar, já que, em sua cabeça, o mar não o permitiria sentir a cálida sensação provocada pela luz veraneica do Sol). Ali em cima era perfeito demais para ele se dar ao luxo de descer por conta da temperatura.

Mas um grito o despertou da sensação de paz e tranquilidade. A audição do rapaz era demasiada aguçada, e ele não demorou a reconhecer a voz e o que dizia.

Art! Desce logo, o pai tá vindo! E aquilo fez o garoto cair num profundo desespero. Seu pai o havia proibido de escalar, apesar de nunca dizer o motivo da proibição. Sempre que era apanhado escalando, quer fosse um pequeno muro, ou mesmo uma árvore menor, ele seria espancado pelo mais velho. Se ele me ver aqui em cima, vai derrubar a árvore com os punhos, e a mente do garoto correu numa maneira de solucionar o problema.

Sabia que a descida levaria em torno de dez minutos – a subida sempre foi mais rápida, levando de um terço a metade desse tempo – para colocar ambos os pés no nível do solo. A cabeça do rapaz latejava enquanto ele simulava maneiras de descer rapidamente, e em momento algum ele temeu a queda. Seus olhos acastanhados varriam os arredores, observando galhos finos e grossos, cipós e troncos. A maneira como os galhos da árvore onde ele estava se entrelaçavam com os galhos das árvores vizinhas fez com que ele bolasse um plano engenhoso, porém um pouco arriscado.

— Não é como se eu tivesse escolha — Ele murmurou, um pouco ranzinza.

Primeiro, desceu do galho de onde estava, caindo num galho alguns centímetros abaixo. O formato e a dispersão dos galhos dos pinheiros negros poupavam-no de quedas longas e danosas às pernas. Seu plano era simples: descer pelos galhos numa diagonal um pouco perigosa, para acelerar o processo. Normalmente, ele subiria e desceria apenas pelos galhos da própria árvore, não confiando na vegetação adjacente em nenhum dos dois processos.

Uma lufada de vento frio fez com que um arrepio ascendesse pela espinha do garoto. A intensidade da luz solar diminuiu, conforme uma obscura nuvem cinzenta avançava implacavelmente, com brilhos azulados serpenteando em seu interior. O par de pupilas do rapaz contraíram, e sua língua estalou. No mesmo instante, ao sentir o odor de chuva e o som do trovão, acelerou seus passos. Ele planejava realizar uma descida circular, intercalando entre os galhos do pinheiro mais alto – e antigo – com os dos mais novos, mas a tempestade de primavera que se aproximava o forçou a mudar de ideia.

Já conseguia enxergar o cobertor de grama que cobria o solo, bem como a pessoa que o chamava anteriormente: era sua irmã mais nova, Eloha. Os cachos castanho-escuros combinavam com seus olhos de cor semelhantes, e o rosto moreno lhe concedia uma aparência fenomenal ao ver do irmão. Muito mais bonita que as outras garotas das sete províncias de Felgur, Art pensou, desviando sua concentração por um segundo.

E esse foi o maior erro que o garoto poderia cometer enquanto pulava de galho em galho, principalmente com a velocidade em que o fazia. Antes que pudesse impedir, sentiu as gotas de chuva atingirem seu corpo, acompanhadas por uma forte lufada de vento. O pé destro girou por acidente, e ele não saltou com força suficiente para que alcançasse o próximo galho com os solados. Desesperado, agarrou-se nele com as mãos, e conseguiu se manter estável por alguns segundos, antes da chuva tornar impossível segurar a madeira escorregadia.

— ARTHUR! — A voz de Eloha gritou, em desespero, ao notar que o irmão estava caindo. No momento em que se desequilibrou, ele ainda se encontrava por volta de dez metros acima do solo.

Por conta do peso somado à gravidade, o corpo do infante pendeu para trás, e ele colidiu com diversos galhos finos durante a queda, quebrando todos impiedosamente. Mas um grosso e longo galho interferiu no encontro de Arthur com o chão. Um sonoro crack ecoou pela floresta e, enquanto o rapaz cuspia sangue e perdia a consciência, escorregando para o solo, Eloha cobriu a boca e começou a chorar lágrimas de desespero.

Inerte, o adolescente decaiu a altura restante, parando de costas contra a grama. Sua irmã se aproximou, ainda com lágrimas no rosto, balançando o corpo do rapaz e gritando seu nove de novo, e de novo, e de novo, recebendo apenas o silêncio em resposta.

 

Um navio cortava as translúcidas águas do mar de Belmont; seu casco era de carvalho negro, com detalhes em ferro antigo. Na parte frontal, o acróstilo de uma grande águia de madeira albina enfeitava e representava o nome daquela embarcação: Aetos. Segurando o leme enfeitado com joias e marfim, um Arthur mais velho observava o pôr do Sol ao longe. As velas negras tremiam enquanto o vento as atingia, impulsionando o navio a seguir adiante. O rapaz observou o convés vazio, e estranhou que não havia ali uma tripulação para dividir as tarefas mais básicas, desde a manutenção das velas à limpeza do piso de madeira.

Nas laterais da embarcação, canhões negros como ônix estavam acorrentados à madeira, mas não havia ninguém para manejá-los ou realizar a manutenção. E, solitário, ele prosseguiu em sua jornada. Seu espírito aventureiro o motivou a continuar a empreitada de avançar até a borda do mundo.

O tempo passou, e Arthur envelheceu. Uma hirsuta barba cobria seu queixo, e seus cabelos antes castanho-escuros agora continha toques da idade. Neve descia dos céus, algumas vezes acumulando no navio, mas ele apenas a empurrava de volta ao mar. Há muito descobrira que, mesmo se abandonasse a direção da embarcação, ela continuaria com seu trajeto retilíneo.

Um dia, despertou desesperado, ao sentir tremores por todo o Aetos, e seus olhos tornaram-se úmidos ao contemplar aquilo que tanto buscava: a borda do mundo. As velas do navio estavam fechadas, e a âncora fora solta. Uma grossa camada de gelo separava seu Aetos da borda de uma queda sem fim, seguindo para o infinito abismo.

E a ambição nos olhos do já adulto Arthur inflamou ainda mais forte. Ele desejava saber o que havia lá embaixo, o que havia no abismo do fim do mundo, ele precisava saber. Então, o rapaz caminhou até a beirada e olhou para baixo. Uma leve sensação de vertigem tomou conta de seu ser, e seu estômago doía um pouco. Tensionou as pernas, pronto para saltar….

Arthur, uma voz ecoou, com tanta tristeza imbuída nela que fez o homem congelar onde estava. Ele virou o rosto, e a imagem de Eloha estava parada, o observando com lágrimas nos olhos. Ela estava de pé, com um longo vestido púrpura, repleto de detalhes esverdeados. Sua pequena boca se movimentava, suas mãos apertando o vestido, mas Arthur não compreendia inteiramente o que ela queria dizer, mas logo tentou ler os lábios de sua irmã. Era como se ela repetisse a mesma sentença, várias e várias vezes: Acorde.

O mundo, naquele instante, se distanciou de Arthur. O som de vidro sendo quebrado ecoou repetidas vezes, pela vastidão do infinito, antes do odor da maresia adentrar as narinas do rapaz – odor esse que nunca sentiu enquanto navegava – e o som de ondas atingindo algo sólido soassem em seus ouvidos.

 

Lentamente, as pálpebras do infante se abriram. Primariamente recepcionado por uma enxurrada de luzes desconfortáveis à vista, tudo logo escureceu um pouco e, conforme suas pupilas se contraíam, o lugar onde se encontrava entrou em foco, e lhe era muito familiar. Estava em seu quarto, onde acordava em todas as manhãs de sua vida. Sentada na lateral da cama, uma garota estava debruçada sobre seu corpo, e o rapaz a reconheceu sem delongas como sendo sua irmãzinha, Eloha. Ela murmurava acorde repetidas vezes, durante seu sono.

Um sorriso brotou na face do garoto, ao notar que a vida que levou no mar era simplesmente um sonho. Esticou a mão sestra para alcançar e acariciar a cabeça de sua única irmã, mas surpreendeu-se ao notar que aquele braço não obedecia a seus comandos. Culpou o sono, e pensou que fosse apenas temporário, que devia ter pressionado o braço com muita força enquanto dormia, e agora estava dormente. Fez o mesmo com o braço destro, e este obedeceu seus comandos, apalpando suavemente os cabelos castanhos da irmã. Ela ergueu ligeiramente a cabeça, com olhos ainda embriagados devido ao sono, e um filete de baba escorrendo do canto de sua boca.

— Ei, Elô — Arthur murmurou, carinhosamente, enquanto acariciava os cabelos da garota. — Minhas pernas estão dormentes, então se você pudesse-

E, antes que seu irmão completasse sua sentença, ela disparou para fora do quarto, berrando “Arthur acordou!”, tão alto que seus tímpanos doíam. Coçou o queixo, e estranhou um pouco não encontrar sua adorada barba. Tentou mover as pernas, para se levantar e ir atrás da irmã, para investigar o motivo pelo alarde envolvendo seu despertar, mas elas, tal qual seu braço esquerdo, não obedeciam aos seus comandos.

Hm? Ele usou o braço direito para mover os lençóis, e se desesperou ao encontrar um par de joelhos sem pernas. Tateou os membros, à procura dos pés, dos tornozelos, dos calcanhares…. Mas não havia nada ali. Se beliscou, para tentar acordar daquele pesadelo, mas aquilo não surtiu efeito algum. Um sorriso incrédulo tomou conta de seu rosto, e ele mirou os olhos sobre o braço esquerdo, que antes acreditava estar dormente: não havia nada ali além do ombro, como se seu braço nunca tivesse existido.

Sua risada histérica soou e ecoou pela casa, e um homem alto e robusto, com cabelos e barba grisalhas, atravessou pela porta. Sua tez estava franzida, e ele olhava para Arthur com desprezo e, no fundo, um pouco de pena. Seu maxilar se movia para baixo e para cima, mas nada disse. Depois de alguns segundos, deu um passo adiante e socou o rosto do rapaz acamado.

— Se você tivesse obedecido minhas ordens e FICADO no CHÃO, NÃO estaria assim, Arthur. Espero que esteja satisfeito — Fúria serpenteava nos olhos daquele homem, e ele abandonou o infante sozinho no quarto depois disso. Seus passos eram pesados, e o garoto conseguiu ouvir o som da porta se abrindo e sendo fechada com força.

As palavras de seu pai doíam mais do que o soco que ele desferiu antes. Elas machucavam mais do que saber que jamais andaria novamente, ou que dependeria apenas do braço direito para tudo o que faria a partir de agora.

Mas Arthur não queria aceitar essa realidade, ele não podia. O rapaz queria acreditar que aquilo era apenas um sonho, como os anos que passou navegando sozinho, e que em breve acordaria. Nada disso é real, não pode ser, ele murmurava em descrença, apertando o punho.

Em desespero, balançou o corpo para se impulsionar para fora da cama. Quando conseguiu, tentou se pôr de pé, como se as pernas ainda estivessem ali, mas tudo que conseguiu foi cair contra o chão de barriga, depois de atingir o piso com a parte inferior do que antes foram suas pernas. Uma dor aguda correu pelo corpo do rapaz, e sangue escorria dos cotocos de pernas que lhe restavam.

— Não…. — Ele soluçou, enquanto começava a chorar silenciosamente. — Eu ainda vou construir meu navio — Usou a mão direita para se arrastar alguns centímetros para a frente. — Eu ainda vou explorar os oceanos — Se arrastou um pouco mais, e logo estava próximo à porta. — Ainda vou…. Alcançar a borda do mundo….

— Você sabe que não vai, Arthur. — Uma áspera e rígida voz feminina fez com que seus movimentos congelassem. Ele não precisava virar a cabeça para descobrir que quem falava era sua mãe, Silvia. — Você nunca mais vai andar. Nunca mais vai usar o braço esquerdo para nada. Nunca terá herdeiros, e muito menos poderá manusear instrumentos. Jamais vai pisar no convés de um navio, ou conduzi-lo através do leme. Vai viver e morrer como um aleijado, aceite isso. — Seus passos se distanciaram, e a frieza em sua voz fez com que o coração do rapaz se apertasse ainda mais.

Chorando baixo, deitado no chão do corredor de sua casa, o som de algo se quebrando foi escutado apenas por Arthur, cujo espírito de luta desvaneceu rapidamente. O brilho em seus olhos se foi, e seu vigor jovial abandonou o corpo. Pelas próximas décadas, ele viveria como um vegetal, cuja alma já havia há muito abandonado seu corpo e, no fim, cometeria suicídio ao jogar-se da varanda de seu lar, seguindo rumo ao abraço das profundezas do oceano.


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Notas finais do capítulo

Obrigado por ler, espero que tenham apreciado! Qualquer erro de escrita ou reclamações, o campo de comentários tá aí pra isso :)



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