Sutil escrita por Minerva Lestrange


Capítulo 2
For a minute there I lost myself




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/784897/chapter/2

— Nós temos que comemorar!  

Cisco anunciou, no dia seguinte, quando Barry contou a novidade a todos no laboratório. Harry havia sido chamado para que eles pudessem estudar a questão de uma nova linha do tempo, mas não haviam chegado a qualquer conclusão até o fim da tarde, além da mais óbvia: havia um evento mudando a linha do tempo.

Gemeu em cansaço, tirando os pés dos sapatos de salto que eram seus melhores amigos na maior parte do tempo, mas não no fim do dia, onde só queria relaxar. Ralph concordou no mesmo instante, pois adorava encontrar desculpas para beber; Harry resmungou e Barry, que somente encarava a lousa transparente de braços cruzados, sorriu, sem concordar ou discordar; sabia que ambos iriam somente para não chatear Cisco.

De qualquer forma, não era como se Barry soubesse o quão indignado o Ramon estava meramente por estar em uma fase diferente naquele momento. Apesar de tudo, Cisco percebera que não era o momento de jogar isso na cara do velocista para deixá-lo culpado e, de quebra, sentir-se melhor. Ninguém sairia beneficiado disso. No entanto, a notícia de que Barry seria pai, de que todos teriam um bebê com que lidar dali somente sete meses, era uma desculpa para ir a um bar e, talvez, seguir em frente.

— Cisco, Iris irá preparar uma festa, onde todos nós poderemos parabenizá-la e comemorar que há um bebê a caminho. – Sentiu-se um pouco como Killer Frost, mesmo que não estivesse digna com uma das pernas sobre a outra enquanto massageava os dedos do pé. – Esse momento chegará.

— Oh, por favor, não é como se pudéssemos usar sempre a desculpa de que Barry será pai para encher a cara e ganhar uma ressaca.

— Ou encontrar uma mulher para passar a noite numa quarta-feira. – Complementou Ralph, sentado displicentemente em uma das cadeiras enquanto deslizava o dedo na tela do celular sem muito interesse.

— Ralph? Já reparou que essa equipe não é composta só por homens, não é?

Todos estacaram em seus afazeres – o que não era muito – encarando-a, como se só então houvessem pensado na possibilidade de que Caitlin não saía com o objetivo de “pegar mulheres”. Deus, às vezes sentia falta de Iris, Jesse e Cecile, ou mesmo Felicity, que não estava com elas frequentemente. Então, revirou os olhos e voltou a colocar os sapatos, em seguida buscando sua bolsa e casaco, antes de voltar-se a Cisco, que ainda a olhava com o cenho franzido.

— Iremos comemorar, eu prometo, mas hoje estou realmente exausta.

Desejou boa noite a todos e, enquanto ainda saía, ouviu Ralph perguntar a ninguém em específico o que havia com ela. Suspirou, somente desejando um tempo consigo mesma, tomando um bom vinho e lendo um bom livro que não tivesse haver com obstetrícia, já que teria de cuidar de Iris e do bebê durante a gestação.

*

No fim das contas, não conseguiu driblá-los por mais tempo, apesar de Harry ter conseguido fugir do happy hour de sexta-feira, pois havia voltado à sua terra. Avisara que chegaria mais tarde, pois iria passar em casa para se arrumar, ao passo que Ralph, Barry e Cisco iriam direto do laboratório para o bar onde costumavam ir. Assim, colocara uma maquiagem mais forte, que quase nunca costumava fazer, calça e blusa pretas, essa última com detalhes transparentes no decote e nas mangas, além das botas de couro que nunca a deixavam no inverno.

Encolhida dentro do casaco grosso de golas largas amarrado à cintura, adentrou o bar desejando que tivesse os poderes de Barry, pois assim o caminho do carro até a porta, já enfeitada com uma guirlanda de Natal seria bem mais rápido. Era suportável ao frio, mas ainda assim detestava senti-lo. Encontrou Ralph e Cisco conversando animadamente em uma mesa de quatro lugares, sinal de que já estavam bebendo há um tempo, mas nada de Barry à vista.

— Ei! – Colocou a bolsa em uma das cadeiras e tirou o casaco, pois o ambiente era aquecido. – Desculpe a demora.

— Estamos vendo, claramente, o porquê da demora, Cait. – Cisco comentou encarando-a incisivamente.

— Você, realmente, levou a sério o negócio de ser a única mulher da equipe. – Estreitou os olhos para Ralph, que a olhava de cima a baixo sem qualquer cerimônia.

— Eu não estava pensando nisso quando decidi me arrumar melhor hoje. – Deu de ombros. – Faz algum tempo que não saio também. Onde está Barry?

— Foi ao banheiro.

— Vou pagar a próxima rodada.

Caitlin levantou-se e foi até o balcão, pegando uma cerveja para si e deixando paga a dos outros para a próxima rodada. Ao voltar-se para a mesa, já com uma garrafa pequena de cerveja a mão, seus olhos relancearam Barry saindo do corredor que dava para os banheiros, conversando animadamente com uma mulher loira. Franziu o cenho por um instante e voltou para a mesa, sentando-se no banco acolchoado.

— Quem é aquela com quem Barry está conversando? – Ele ainda sorria, o que era estranho para os tempos atuais, e tinha um dos braços apoiados no balcão, enquanto a mulher estava apoiada nele, sorrindo de volta, encantada.

— Eu não faço ideia. – Murmurou Ralph, que sempre conhecia mulheres. Os três continuaram encarando sem reservas o desenrolar daquela conversa e, para a surpresa de Caitlin, Barry sacou o celular e marcou o número dela parecendo muito satisfeito.

— Ele está saindo com pessoas? – Quase murmurou, ainda um pouco embasbaca.

— Eu não sei. – Cisco respondeu, estranhando tanto quanto ela. – Isso também é novo para mim.

— Ei, deviam estar felizes pelo cara. – Ralph chamou a atenção de ambos. – Barry está tentando deixar Iris para trás.

Não tinha certeza de que essa seria a maneira certa de deixar a mulher que ele amava para trás, afinal não era como se Barry fosse se apaixonar por qualquer uma dessas mulheres com quem, aparentemente, vinha ficando. No momento em que ele virou-se para a mesa, todos disfarçaram, fingindo que não o observavam, tomando suas respectivas bebidas. A bebida desceu mais rápido do que esperava, fazendo-a levar uma das mãos a boca ao engasgar.

— Cait! – Diferente do esperado, ele não se sentou na cadeira restante de frente à ela, mas ao seu lado, no banco acolchoado que percorria toda aquela parede, inclinando-se em seguida para deixar um beijo em sua bochecha. Mesmo Cisco pareceu um pouco surpreso pelo gesto, mas Barry parecia bêbado demais para notar ou se importar. – Nós apostamos se realmente viria. Ralph, você perdeu, cara.

Ele cutucou Ralph, num movimento brusco e terminou de beber de sua garrafa, que estava esquentando sobre a mesa. No fim das contas, a noite passou calma, enquanto discutiam tudo que vinha à mente. Estavam certos sobre precisar sair e tentar relaxar, além disso, rir com eles ali era diferente de rir das piadas esporádicas contadas no laboratório.

Às vezes, a tensão alcançava picos insanos que levava cada um a seu canto, em silêncio. No entanto, apesar de raro, ali o silêncio não era incômodo. Observavam as pessoas, comentavam, apostavam e faziam jogos sobre elas. A bebida, não sabia quantas rodadas depois, deixava tudo mais leve e mais engraçado. Mesmo a discussão de Ralph e Cisco sobre serem nerds demais para freqüentarem aquele tipo de lugar parecia saudável e nova, pois ambos já se encontravam com as línguas um tanto pastosas e sequer pensavam em argumentos plausíveis para justificarem seus pontos.

Percebeu que precisava ir para casa ao notar que apoiava o rosto sobre as mãos pela quarta vez, além do bar estar esvaziando lentamente. Barry e Cisco conversavam sobre as possibilidades de o cara sentado três cadeiras adiante ser um psicopata, tentando se lembrar das características científicas de um; em determinado ponto, Ralph meramente revirara os olhos anunciando somente para ela que iria procurar alguém. O detetive realmente parecera pensar sobre o que dissera no outro dia, embora não estivesse muito preocupada sobre ser a única mulher entre eles. Sempre fizera as mesmas coisas, ia aos mesmos lugares, conversavam sobre tudo.

— Garotos, sinto que posso dormir a qualquer instante.

— Você não vai embora... Antes do nosso brinde especial.

Cisco declarou levantando-se e fazendo-a gemer, pois tinha certeza de que ele buscaria uma dose muito generosa de tequila para cada. Barry riu ao seu lado, observando o amigo ir ao balcão com os olhos moles. Ele tomara a bebida especial desenvolvida por Cisco, mas em poucas doses durante a noite, o que levara ao mesmo efeito, mas bem mais lentamente do que de costume. Não adiantara de muita coisa realmente, afinal no dia seguinte precisaria de comprimidos para ressaca.

— Então... – Virou-se para o velocista ao seu lado, apoiando-se na mesa. Barry parecia cansado, quase jogado contra o encosto acolchoado do banco. – Eu contei cinco telefones.

— É. – Ele malmente concordou.

— Vai ligar para elas?

— Talvez. – Deu de ombros, levando uma das mãos à cabeça, em uma careta. – Em algum momento.

— Você parecia empolgado enquanto conversava. Realmente interessado. – E encantador, complementou mentalmente, pois Barry sempre parecia encantador quando apressava as palavras ou se mostrava sem jeito, mesmo que a aparência o deixasse com ar mais confiante e maduro.

— Não é que não esteja. – O observou, em movimentos lentos, debruçar-se à mesa, como em um espelho dela. Cotovelos sobre o tampo, mão apoiada no queixo, olhos sonolentos. – Eu só... Tenho que estar bem quando o bebê nascer. Toda a minha atenção precisa ser dessa criança e... Não posso estar concentrado em Iris e eu.

— Acha que sair com desconhecidas pode ajudar a superá-la? – Não pôde impedir o tom meio incrédulo, vendo-o fechar os olhos por um momento.

— E você está me julgando. – Constatou a voz arrastada. 

— Eu não...

No entanto, não conseguiu formular qualquer defesa, pois estava o julgando, e Cisco chegara exatamente no momento em que iria disfarçar seu julgamento com qualquer outra coisa, mesmo preocupações reais. Ralph se aproximara em seguida, encarando analiticamente o pequeno copo de tequila. Voltou-se para os rapazes ainda sentindo a perna de Barry incomodando-a contra a sua, tentando concentrar-se no pequeno discurso de seu amigo, que se resumiu a algumas palavras arrastadas e embargadas - pois Cisco aparentava estar pior que o próprio Barry - as quais terminavam em uma desculpa para virarem de uma vez a tequila pura.

— Jesus, o que há nesse negócio? – Ralph perguntou em uma careta.

— Essa é a tequila mais forte que já tomei.

Barry constatou somente pelo sabor, sem realmente sentir o efeito do álcool no corpo, enquanto Caitlin tentava evitar uma careta e Cisco sorria satisfeito. Tinha certeza de que colocara algo naquela tequila em específico. Sentindo as pernas bambas, levantou-se anunciando que iria para casa, assim poderiam ficar à vontade para fazer e ir onde quisessem. Deixou um beijo em cada um e seguiu para a saída, tendo a certeza de alguns olhares femininos a seguiam, satisfeitos por, finalmente, estar deixando aquela mesa. 

*

Naquela madrugada, entretanto, podia dizer que julgava Barry mais do que nunca. Saíra praguejando, ajeitando ao redor de seu corpo o casaco mais quente que possuía, de lã, que certamente parecia o de uma avó, e dirigira até um dos endereços mais questionáveis de Central City. Ele não devia estar ali e, acima de tudo, não devia estar ali bêbado. No entanto, a ligação perguntava por Caitlin Snow, a dona do número que se encontrava na discagem rápida de Barry Allen, o qual havia entrado numa briga com um desconhecido e encontrava-se detido pela equipe de segurança deles.

Se fossem outros tempos, certamente temeria por estar no lugar que ostentava somente uma porta escura, estreita, que possuía somente uma flecha verde indicando ser por onde entrava. Algumas pessoas ostentando diversos estilos e aparências tão questionáveis quanto o lugar estavam paradas na calçada escura como breu, bebendo, fumando e conversando em tons baixos. Porém, sabia que podia se defender se houvesse qualquer imprevisto.

Deixou o carro em outra rua e seguiu a pé, ignorando as risadinhas e assobios que a seguiram até ultrapassar a porta e ouvir a música eletrônica que antes era abafada. Barry detestava música eletrônica. O ar era abafado e o ambiente escuro tinha cheiro de sujeira e substâncias ilegais. Fechou os olhos por um momento e foi até o balcão, informando seu nome a barwoman loira, de nariz fino e lábios compridos, repleta de tatuagem. A mulher soltou um sorriso sabido e apontou o homem com quem devia falar. Não sabia se ele era grande devido a músculos ou gordura, somente que era ameaçador apenas pela presença. Imediatamente, temeu por como Barry deveria estar e aproximou-se mais rapidamente.

— Eu vim para buscar Barry Allen.

— Você é a mulher dele, é? – Ele encarou suas roupas de cima abaixo quase que com pena, como se fosse uma esposa que ficava em casa enquanto o marido saía para aprontar. Impediu-se de revirar os olhos, pois era exatamente o que parecia se parasse para pensar, o que a irritou ainda mais.

— Me leve até ele. Agora.

Então, o olhar dele tornou-se debochado antes de virar-se e começar a abrir caminho pelo bar, o qual, por incrível, que pareça, estava lotado em sua decadência de poucas luzes, música alta demais e mesas de cadeiras duras. O corredor que veio após a porta pequena ao lado do palco seria praticamente escuro, não fosse uma ou duas luzes fracas que ainda se encontravam acesas. Finalmente, o homem careca chegou a uma das últimas portas, abrindo-a e sinalizando para que entrasse.

Tratava-se de uma sala vazia, somente com uma cadeira ao centro, onde Barry estava sentado, suas mãos e pés amarrados firmemente. Outro homem, de cabelos compridos e feições pálidas, mas ferinas, encontrava-se encostado à outra parede, como se estivesse guardando-o. Aproximou-se lentamente, percebendo os olhos moles que sequer eram capazes de encará-la de forma culpada, como sempre, e o hematoma no super cílio, que jorrara sangue por todo seu rosto e pela camiseta branca.

— Merda Barry!

Suas mãos coçaram para socá-lo, mas aproximou-se segurando o rosto masculino com cuidado, constatando a cicatrização lenta devido ao efeito da bebida especial. Barry tentou um sorriso, que saiu repuxado demais, imitando uma careta, enquanto arrastava a voz.

— Eu sei.

— Você pode soltá-lo agora. – Encarou o segurança careca, que deu a ordem ao outro com um gesto. Barry segurou sua mão para se levantar assim que teve os membros soltos, mas o homem colocou-se à frente de ambos, impedindo a saída.

— Passe todo o dinheiro que tem na carteira.

— O quê?! – Indignou-se. – Isso não é uma delegacia e não estou pagando fiança para tirá-lo daqui.

— Passe o dinheiro ou irei mandar seu amiguinho policial direto para a delegacia. – O homem sorriu de forma esquisita e Caitlin sentiu a mão incerta de Barry em seu braço. – O capitão West vai adorar saber o lugar que seu funcionário frequenta.

— Cait. – Barry segurou seu braço. – No meu bolso, a carteira.

Bufando, Caitlin tirou algumas notas das carteiras dela e de Barry antes de ter sua saída liberada ou de mandar o segurança ir à merda. Não estava com paciência para joguinhos, de qualquer forma. Podia sair de lá simplesmente deixando Frost tomar conta, mas ainda tinha que cuidar de um Barry bêbado, que praticamente se jogara no banco ao seu lado após arrastar os pés por todo o caminho até o carro.

— Pode me explicar o que acabou de acontecer aqui?! – Perguntou enquanto dava partida e ele fazia uma careta, provavelmente devido ao seu tom alto. – Eu juro que vou mandar Cisco parar de fabricar essa droga para você.

— Um cara estava... Tentando fazer mais do que podia com a garota do bar. – Respirou fundo, fechando os olhos brevemente. – Eu disse a ele para parar e... Aqui estamos.

— A garota do bar continuará lá amanhã, quando você não estiver lá para salvá-la. – Murmurou não podendo deixar de tomá-lo por tolo, exceto que isso é o que era realmente. – Não pode achar que todos os problemas do mundo são sua obrigação, Barry.

Ele não a respondeu, mas também não estava dormindo. Somente encarava a janela, de braços cruzados e olhar perdido. Constatou que tentar dar um sermão ou mesmo conversar com ele naquele estado seria desperdício de tempo, então apenas dirigiu em direção ao prédio onde alugara um flat para ficar após o divórcio.

Nunca sequer passara por ali, mas era um bairro bastante decente e muito seguro, para os padrões normais. Nada passaria despercebido por aquela vizinhança, pois era um local de rotinas extremamente previsíveis. Estacionou com facilidade na frente do prédio e deu a volta no carro, observando-o lentamente sair e bater a porta do carro de forma pesada, usando-o para se equilibrar.

— Agora sei por que não pode usar seus poderes quando toma a bebida de Cisco. – Apoiou-o em um dos braços e caminhou em direção à porta giratória do edifício sem muitos problemas.

— Só se quisesse estar morto em uma quadra.

Os pés dele encontravam-se extremamente incertos e seu corpo pesado demais, o que a fez rir brevemente, lembrando-se do episódio onde se encontrava daquela forma e ele precisara ajudá-la. Naquela época, ainda era aquele Barry com preocupações e bagagem menores. O senhor que usava uma camisa branca de uniforme, atrás do balcão, encarou-o de forma crítica, mas preocupada.

— Está tudo bem, Sr. Barry? – Era um idoso simpático, com seus bigodes cheios, cabelos espessos e face enrugada, apesar do corpo roliço.

— Sim, é claro! – Revirou os olhos quando ele levantou uma das mãos ao porteiro, dispensando a pergunta como se não fosse nada.

— Ele bebeu demais. – Cait informou, no que Barry bufou e o homem a encarou com um olhar compadecido.

No elevador, rodeado por espelhos por todos os lados, além da luz forte, o machucado no supercílio parecia muito mais feio, combinado a outro hematoma no alto de sua bochecha direita, visível somente sobre a luz forte, o que a fez bater os pés impaciente para que chegassem logo ao apartamento, onde poderia limpar aquilo e por as coisas no lugar. Barry, no caso. Encostado contra a parede oposta do elevador, de braços cruzados e olhos fechados, não parecia se importar.

Não se conformava por presenciá-lo naquele estado. Além de não ser a primeira vez, ele deveria ser aquele que segurava os outros, mantinha-os unidos e firmes; não aquele que não se importava em não ser um exemplo. Porque era exatamente isso: ele simplesmente não estava se importando, porque ainda podia se dar ao luxo de não se importar, antes que tivesse sua criança como prioridade. Exceto que isso parecia cortá-la fisicamente, pois este Barry Allen não era seu estado normal.

Segurando um suspiro impaciente, de braços cruzados observando-o retirar a chave do apartamento 29 do bolso de trás da calça. Assim que destrancou, entrou deixando a porta aberta para que Caitlin passasse e fez menção de se deitar no sofá espaçoso, que ficava mais próximo. No entanto, impediu-o em seu tom mais duro, deixando a bolsa sobre um aparador de madeira próxima à entrada.

— De jeito nenhum você vai apagar nesse sofá sem parecer menos bêbado ou limpar esses hematomas.

— Cait... – Barry deixou-se cair pesadamente sobre as almofadas, tentando encará-la em sua costumeira forma adorável, embora não obtivesse muito sucesso, pois não tinha qualquer controle de seu rosto. – Eu estou bem. É sério.

— Posso ver.

— Já estava vindo para casa... – A voz dele arrastou-se enquanto Caitlin tirava seus sapatos, meias e casaco, sem fazer questão de mostrar-se delicada, diferente de como as coisas procediam em seu laboratório, onde deveria mostrar-se profissional. – Eu juro. Era minha última dose e aquele cara...

— Entendi o que aconteceu, Barry. – Puxou-o pelas duas mãos, arrependendo-se imediatamente quando o corpo mole apoiou-se pesadamente contra o seu. Então, virou-o e empurrou-o mais delicadamente em direção a uma porta, paralela à cama espaçosa, que só poderia ser o banheiro, já que a única outra deveria ser da lavanderia. O flat não possuía paredes divisórias, era claramente o local correto para o um homem solteiro, ainda que o homem em questão fosse Barry Allen. – Só não entendo porque está frequentando aquele tipo de lugar.

Ele não a respondeu, somente seguiu em direção ao banheiro conforme o empurrava lentamente. Felizmente, o cômodo completamente decorado em mármore claro era espaçoso e não tinha qualquer conjugado do banheiro com o chuveiro, estando este último dentro de um box de vidro à parte. Fez Barry sentar-se no vaso sanitário e tirou da forma mais profissional possível a camiseta suja de sangue e a calça jeans, colocando-o rapidamente embaixo d’água. Não se importou em deixar a temperatura gelada e, na verdade, até sorriu quando o viu gritar ao se molhar pela primeira vez.

— Argh, Cait, você é o demônio! – O viu apoiar-se na parede, provavelmente sentindo o mundo girar ao seu redor.

— Não saia daí até sentir-se minimamente sóbrio.

Um vão à esquerda demonstrava a entrada para o closet pequeno, mas confortável, onde não empenhou qualquer esforço para encontrar moletons macios, afinal Barry tinha uma coleção deles, muitos com o logo do S.T.A.R. Labs como estampa. Sentindo o cheiro de sujeira impregnado no casaco que usava, tirou-o para colocar um daqueles moletons que ostentavam aroma de limpeza, sem se importar em pedir permissão.

Então, sentou-se e esperou, ouvindo-o xingar alguns impropérios por causa do frio, até que somente o ruído da água caindo fosse audível. Como todo o resto do flat, aquele local era extremamente arrumado, pois Barry não era exatamente desorganizado. Poderiam pensar que viver com Iris o havia tornado mais metódico, mas sabia que ele era simplesmente assim. A convivência maior, pelo casamento, somente aguçara essa qualidade nele.

Camisetas encontravam-se dobradas, conforme a estação; camisas estavam organizadas por cor; toalhas brancas encontravam-se enroladas e arrumadas, de acordo com o tamanho; assim como lençóis, separados de colchas e fronhas. Calças estavam penduradas, por ordem de prioridade; sapatos dispostos na sapateira, que ocupava uma parede inteira, e relógios estavam guardados em uma das gavetas ao lado daquela de cuecas.

Não havia reparado que Barry possuía tantos relógios assim, ponderou observando cada modelo. Discretos, arrumados em um suporte especial. Talvez esse fosse seu prazer culpado pessoal, sorriu, considerando que, finalmente, encontrara uma possível compulsão no homem perfeito. Ele também tinha muitas cuecas, constatou ao pegar uma boxer preta sem qualquer cerimônia, seguindo de volta para o banheiro.

— Barry, já terminou?

— Merda, Caitlin! – O ouviu pronunciar todas as sílabas de seu nome com muita ênfase, só então reparando que vinha saindo do banheiro, enrolando-se em uma das toalhas brancas. Ele a segurou com mais força ao redor da cintura, encarando-a de maneira indignada. 

— O quê?

— Eu estou sem roupa aqui! – Respondeu como se fosse óbvio, enquanto Caitlin mordia os lábios para segurar o riso e virava-se para deixar as roupas sobre a pia.

— Sabe que sou sua médica particular, não é? – Barry concordou e Caitlin juntou as mãos, levantando as sobrancelhas em uma imitação da figura corada e bagunçada que ele era naquele momento. Devido ao raciocínio lento pela bebida, o outro somente percebeu o que queria dizer após alguns segundos.

— Oh meu Deus. – Ele apertou os dedos em torno do nó na toalha e ela revirou os olhos, saindo.

— Não demore e traga o kit de primeiros socorros.

No entanto, ainda demorou alguns minutos para que ele aparecesse na sala/quarto/cozinha. Todo o flat era um pouco impessoal, constatou observando a cozinha equipada e a cama bem feita. Não havia qualquer foto, nenhuma decoração que remetesse à personalidade dele, nenhum dos inúmeros DVD’s antigos ou livros que sabia possuir. A estante, próxima à grande TV, estaria completamente vazia não fosse por alguns bibelôs que deveriam ser do próprio flat, não de Barry em si. Suspirou de forma resignada e já estava para se levantar, em busca dele, quando a porta do banheiro se abriu e o mesmo passou, distraído olhando a caixa que tinha em mãos.

— Eu reuni o que pude, mas... Kit de primeiros socorros foi a última coisa que pensei quando... Você sabe, me mudei para cá. – Pegou a caixa, separando o que precisaria para cuidar dos hematomas em seu rosto.

— Vou pegar algumas coisas no laboratório amanhã para deixar aqui.

O viu concordar e meramente encará-la, até que precisou apontar a cama para que se sentasse e fizesse seu trabalho. Apesar de parecer um pouco mais alerta, Barry ainda se encontrava perdido. Apoiado nos próprios braços, ele deixou que higienizasse o corte no supercílio e o hematoma sobre o osso da bochecha, para então dar quatro pontos no primeiro, ignorando todas as caretas que ele fazia, pois não tinha anestesia ali. No fundo, até que gostou que já pudesse sentir a dor, pois talvez assim repensasse suas últimas atitudes. Caitlin era uma ótima médica, mas um pouco vingativa ao se tratar daquilo que discordava.

— Me desculpe por isso. – O murmúrio dele a arrancou de seus pensamentos não profissionais, fazendo-a encarar os olhos verdes, tão moles àquela hora, mas ainda assim insistentes sobre seu rosto. – Não só por isso, na verdade. Por estar sendo... Uma droga em todos os outros dias também.

— Não me importo em cuidar de você. – Estava mais irritada pelo que o velocista vinha fazendo, do que por estar ali, no meio da madrugada de uma quinta-feira, cuidando de seus hematomas. – Mas tem que ser mais cuidadoso.

— Você está certa. – Levantou as sobrancelhas, sorrindo de forma sugestiva, afinal adorava que dissessem que tinha razão e todos sabiam disso. Barry lhe sorriu de volta, levantando uma das mãos para correr os dedos erráticos entre suas sobrancelhas. – Essa ruga de preocupação não precisa ficar aí. Eu sei me cuidar, Cait.

— Logo haverá alguém completamente dependente de você. Não é porque faltam alguns meses que pode... Sair por aí se colocando em risco e entrando em brigas inúteis quando não está no controle de suas faculdades mentais.

— Essa, provavelmente, não foi minha melhor decisão. – Notou a língua pastosa pela declaração.  

Meneou a cabeça, terminando de colar o curativo adesivo no hematoma abaixo dos olhos, além de aplicar o iodo na ferida do supercílio, a qual demandava um pouco mais de atenção. Momentos depois, descartou tudo dentro da caixa ao lado de Barry, pois a levaria para repor alguns itens necessários. Então, percebeu que o silêncio habitava completamente o ambiente e que os olhos de Barry seguiam seu rosto de forma insistente.

— O que foi?

— Nada, só... – Ele estreitou os olhos ligeiramente, ainda analisando-a. – Estava pensando... Em como fica bonita quando está concentrada trabalhando.

Bonita, certamente, era tudo que menos pareceria em moletom, calça jeans e tênis, além da falta de maquiagem e dos cabelos presos num coque mal feito para que não a incomodassem enquanto fazia os curativos. No instante seguinte, no entanto, percebeu a estranheza daquela atitude, vinda de um Barry, que tinha seu rosto compenetrado, muito próximo do seu, estando inclinada sobre ele em busca de ângulo melhor para tratar os hematomas.

Até então, não havia nada de novo na proximidade entre eles. Pelo contrário, sempre fora completamente natural o modo como o tratava de forma impessoal quando o atendia como médica. Ali, tendo-o tão próximo, contudo, soava diferente. Mesmo na forma como os olhos dele percorreram seu rosto, sem mover um músculo do corpo, até chegarem à sua boca. Isso não era natural entre eles, ainda que somente aqueles olhos verdes, encarando-a daquela maneira, houvessem aquecido todos os seus ossos.

Gostaria que ele estivesse, pelo menos, vestindo uma camiseta, pois havia um limite para seu profissionalismo. Ainda que fosse Barry e que isso não fosse nada como o esperado entre eles, fazia tanto tempo que alguém não a encarava daquela forma, não lhe dedicava aquela atenção e aquele olhar. Fazia algum tempo que não sentia a respiração quente contra seu rosto ou descia os olhos para os lábios de alguém, imaginando como seria beijá-lo.

De pé, entre as pernas dele de um jeito praticamente vergonhoso, reparou que realmente se aproximava e tinha a intenção de beijá-la. Foi somente quando percebeu que estava conjecturando sobre como ele deveria beijar bem, que notou os próprios atos. Barry ainda estava um pouco bêbado e, supostamente, tinha de manter-se como a voz da razão ali. Uma voz da razão que não era seduzida tão facilmente após uma frase legal.

Por isso, apertou as unhas em seus ombros, parando-o. O velocista não pareceu realmente constrangido, somente aguardou, como se Caitlin fosse mudar de ideia dali alguns momentos. Surpreendeu-se sobre como, encarando-o tão próximo, sentia-se tentada a ceder. Barry era estupidamente atraente e, apesar de não ser qualquer novidade vê-lo nu, era diferente naquela situação. A luz baixa do flat também não ajudava em nada. Merda.  

— Obrigada. Pelo elogio. – Apertou aquele músculo contraído entre o ombro e o pescoço, vendo-o sorrir tranquilamente, como se não estivesse fazendo nada demais, enquanto escolhia lentamente as palavras murmuradas, pois sentia que podia gaguejar. – Eu tenho que ir.

— Te vejo amanhã.

Barry continuou a sorrir quando ela concordou e lentamente se afastou, suas mãos parecendo pesadas ao deixar o corpo dele. Respirou fundo, pegando a caixa ao lado dele, sentindo-se escrutinada pelos olhos claros. Apesar de ser quase sempre honesto em seus olhares, não sabia o que ler naquele em específico.

Não trocaram qualquer outra palavra, embora tivesse recomendações a fazer, e saiu, conseguindo respirar corretamente apenas no elevador, onde levou as mãos ao peito sem conseguir conter seu coração descompassado. Podia até revirar os olhos pela reação, no entanto, aquela sensação não podia ser correta, simplesmente.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Ei!! Já voltei com a segunda parte!!

Quem tá acompanhando já deve ter percebido que é mais uma fic de cotidiano do que ação. Talvez, se tivesse ação, ficasse muito maior que é, mas não é o que eu quis focar. E Barry está perdido, para variar, sem Iris. Apesar da gravidez, apesar da iminência de ser pai, eu não acho que ele passaria por isso incólume. E eu não acho que Caitlin seria muito carinhosa como ele foi na situação do karaokê, então tentei não ficar na delicadeza, mas na sua indignação e, depois, nesse climinha que surgiu.

Aqueles ou aquelas que não comentaram, manifestem-se, uma das melhores partes é a interação, saber pra onde seus pensamentos estão indo!

Até ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Sutil" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.