Sutil escrita por Minerva Lestrange


Capítulo 1
We'll never be those kids again




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Era tarde quando Caitlin franziu o cenho em estranhamento ao ouvir o ruído baixo de algo caindo a metros dali. Concentrada como estava nos testes com o sangue de Barry, ainda não havia ido para casa à meia noite, a última vez que conferira o relógio. Levantou os olhos para o córtex, quase que completamente às escuras não fossem as luzes do laboratório onde ainda estava.

Tudo parecia como deveria, no entanto, assim que baixou os olhos novamente para as amostras de sangue sendo processadas na bancada, ouviu o ruído novamente e retirou os óculos de segurança. Sempre fora a pessoa que fazia hora extra, invés de dedicar-se a uma vida social. Porém, desde que se tornara Killer Frost, ficava mais e mais confiante para sair do trabalho mais tarde ou ir a lugares que não seriam muito seguros a uma mulher sozinha.

Sentiu o frio do chão de concreto ao levantar-se e encaminhar-se sem pressa do laboratório ao centro de operações, os olhos concentrados nas portas fechadas que davam para o corredor. Com um deslizar de dedo, postou-se na frente de um computador e estava pronta para digitar o código de comando inventando por Cisco para ter acesso às câmeras de segurança quando a figura envolta pela escuridão virou o corredor que daria exatamente onde ela estava.

— Barry?!

— Ei, Caitlin.

Ele estacou ao notá-la, tanto quanto Caitlin, que fechou as mãos, impedindo que o frio de Killer Frost se espalhasse. Com um olhar mais atento, percebeu que havia algo errado ao notar os cabelos bagunçados, a face contrariada e um tanto corada, mas, principalmente, a montanha de comida não saudável em seus braços. Praticamente ignorando-a, parou ao seu lado e colocou tudo sobre a mesa de operações, buscando uma cadeira confortável para sentar-se com toda a calma que poderia ter.

— O que está fazendo aqui? – Ele suspirou, somente encarando as telas escuras dos computadores. – Achei que tinha um jantar na casa de algum conhecido de Iris.

— Tivemos. – Notou que nem mesmo a comida o estava animando e que, em momento algum, utilizara sua super velocidade para qualquer coisa, pois poderia ter chegado ali sem fazer qualquer ruído. – Então discutimos em... Um novo nível.   

— Outra vez? – Sua língua foi rápida, o que fez com que fechasse os olhos xingando-se ao notar a contrariedade em todo ele. Barry era, simplesmente, transparente demais. Ou ela aprendera a lê-lo com a convivência e o passar dos anos. – Quer conversar?

— Não sei se detesto ou agradeço o fato de não poder passar um momento como esse no sofá de Joe. – Comentou, ligando os computadores. Caitlin sentou-se sobre a mesa, notando que ele estava em trajes de dormir. Era normal que soubesse, ao menos, os hábitos uns dos outros, passavam tempo demais juntos. – Ele me mataria se soubesse que deixei Iris sozinha.

Então, finalmente a encarou, uma mão na têmpora e os olhos verdes opacos. Barry tinha o costume de lhe partir o coração, ainda que não romanticamente. O estado de ânimo dele praticamente ditava o seu, pois sempre que ele atingia esse estado, ficava constantemente preocupada. Sabia que não deveria ser assim, mas sempre que o outro estava quebrado, sentia que era sua obrigação recolher cada pedaço. Ele parecia inspirar esse tipo de lealdade e reação ação por parte dos seus.

— Vocês não chegariam nesse ponto por qualquer coisa. – Murmurou meneando a cabeça. Ele demorou algum tempo para se manifestar, tanto que achou ser melhor sair. Se fora até ali, a intenção era ficar sozinho. Era tarde demais para que qualquer pessoa normal continuasse no laboratório. Levantou-se com um suspiro. – Posso conversar quando quiser.

Barry, aparentemente, decidiu continuar em seu estado de catarse, pois ainda ficara sentado por alguns momentos, somente encarando a tela dos computadores, ponderando qualquer coisa com seus olhos baixos e feições culpadas. Então, voltou a trabalhar, verificando que os resultados sobre o sangue dele estavam prontos e organizando-os. Barry não havia sido contaminado pelo último meta que haviam detido, apesar de ter um soro quase anestésico injetado em seu corpo.

Durante o tempo todo, manteve um olho nele, mas não tinha mais o que fazer ali. Killer Frost a estaria xingando mentalmente, tinha certeza, por tanto sentimentalismo em relação ao Flash. Exceto que não se tratava do herói ali. Era um cara com problemas no casamento devido a uma filha apagada da existência. Pegou a bolsa, calçou os sapatos e alcançou o casaco, pendurado ao lado da porta de vidro. Porém, nem mesmo as luzes sendo desligadas chamaram a atenção de Barry.

— Eu vou para a casa. – Apertou o ombro dele. – Não fique a noite toda acordado.

Avisou ao notar que ele corria os olhos de forma distraída por diversas câmeras de segurança distribuídas pela cidade, praticamente deitado na cadeira, os dedos entrelaçados sobre a barriga, fazendo com que a grossa aliança reluzisse à luz dos monitores.

— É que... – O tom incerto soou ao dar as costas. – Fica acontecendo... O tempo todo.

— O quê? – Ele soltou a respiração e apoiou a cabeça no espaldar da cadeira para encarar o teto.

— Iris. – O silêncio permeou o ambiente por alguns momentos, enquanto Barry tentava encontrar as palavras certas. Voltou, deixando a bolsa ao lado da comida e cruzando os braços. – Ela tenta nos impedir de... Sermos o que deveríamos. Depois do que aconteceu com Nora, ela não parece mais a mesma. Não está no que diz, mas no que faz, na distância que impõe, e eu...

— Não vê como quebrá-la. – Terminou ao dar de ombros dele. – É compreensível que ela queira se proteger da dor, Barry.

— Sim, por isso me sinto um canalha tentando tirá-la dessa proteção que fez a si mesma! – O tom de voz dele saiu alto dessa vez, indignado. – Apenas que... Essa forma que ela escolheu para se preservar nos afasta cada vez mais. Já faz cinco meses, Cait, e Iris não parece estar mais perto de aceitar ou sair desse lugar onde está. 

— Talvez ela nunca vá. – Levantou as mãos em rendição ao sentir o olhar contrariado. – Isso sempre estará entre vocês, como uma pedra no tênis quando está correndo. Vocês terão de aprender a ser um casal que... Possui essa bagagem, infelizmente.

Barry levou as mãos ao rosto, apertando os olhos, pelo cansaço, pelo inconformismo latente com as situações de injustiça, principalmente aquelas que envolviam a si e à sua família. Ele também era egoísta, aquela voz muito parecida com a de Frost sussurrou em sua mente.

— Não somos bons em ser esse tipo de casal. – Constatou após alguns segundos, como se nada pudesse fazer.

— Eu tenho que ir. – Caitlin pegou a bolsa novamente. Os problemas de casal de Barry e Iris deveriam e seriam resolvidos somente pelos dois. Era de uma previsibilidade sem tamanho ter tal certeza, devido ao jornal do futuro: eles sempre superariam. Ou não haveria uma Nora e os sobrenomes West-Allen unidos em um. Era também estúpido o quanto isso a incomodava. – Me ligue se precisar.

— Porque não fica? – Ele estava segurando seu pulso antes que pudesse dar dois passos em direção à saída. Levantou uma sobrancelha, somente analisando-o, mas Barry deve ter entendido errado, pois a soltou no mesmo instante, como se a houvesse ofendido. – Conversar com você ajuda. Sempre ajudou.

Por um momento, lhe lembrou o Barry do início, com muito menos bagagem do que aquele que estava à sua frente, e, consequentemente, muito mais bem humorado com sua sinceridade latente e falta de habilidade social. Esse era o Barry que conseguia deixá-la sem palavras, mesmo mais desajeitado e incerto. Ainda estava em algum lugar dele, mas depois de tudo soava tão... Longe. Então, em silêncio, afastou uma cadeira pra sentar-se, voltando a tirar os sapatos e abrindo um pacote de batatas fritas.

— Não traga comida para o laboratório. – Sentiu o olhar dele sobre seu perfil, então sobre a comida e depois em direção às telas.

— Sim, senhora.

Ele ajeitou-se novamente e acabaram por não falar muito sobre qualquer coisa, visto que Barry não voltou a tocar no nome de Iris. Por fim, viu-se pegando no sono, horas depois, quando as imagens das câmeras de segurança de Central City haviam sido substituídas por um filme francês qualquer de drama, as pernas de ambos sobre a estação de operações e sua cabeça apoiada no ombro dele, devido as cadeiras próximas. Ele não dormiu, percebeu quando se remexeu limitada e desconfortavelmente, continuando no mesmo lugar depois de buscar um cobertor no dormitório que havia ali.

*

Naquela manhã, uma leve dor de cabeça a incomodava desde que acordara. Não tinha a ver com Killer Frost, pois agora se lembrava de cada coisa que a outra fazia. Talvez fosse apenas trabalho demais, o que, com certeza, vinha colaborando para que ficasse esgotada. Ela não conseguia mais parar, estava sempre arranjando algo para fazer, emendando a jornada, evitando ficar em casa. Cada vez mais, não gostava da solidão que a esperava ali todas as noites.

— Bom dia! – Cumprimentou distraidamente, sem dar atenção ao fato de que estavam todos de pé cultivando um silêncio esquisito. Ao perceber, no entanto, interrompeu seu caminho em direção ao seu laboratório e voltou-se ao time. Barry e Iris encaravam o chão com muito afinco, Joe parecia preocupado, Ralph e Cisco tentavam lhe avisar algo com os olhos. – O que está acontecendo?

— Iris tem algo a dizer. – Barry somente anunciou, cruzando os braços e encostando-se na parede de vidro atrás de si, enquanto a mulher respirava fundo em busca das palavras certas.

— Eu quero aproveitar que todos estão aqui e... Que ainda não soou nenhum sinal de alerta para comunicar meu afastamento do time. – Caitlin levantou as sobrancelhas, embora não estivesse muito surpresa. A presença da Sra. West-Allen ali não era mais uma constante. Havia dias em que estava a todo o vapor, pronta para canalizar toda sua raiva no trabalho de deter os meta-humanos que apareciam, mas em outros, Iris simplesmente não aparecia. – Eu vou me dedicar ao jornal exclusivamente, estabelecê-lo na cidade. Voltar a me concentrar no que gosto de fazer e talvez... Talvez, eu consiga superar o que aconteceu. Então... Vocês podem continuar contando comigo, mas... Eu não consigo mais ficar aqui, é mais do que complicado.

Caitlin nunca sentiu tanto pela mulher como sentia naquele instante. Apesar das roupas elegantes, dos cabelos perfeitamente arrumados e do eterno salto alto, Iris realmente não era mais a mesma, como Barry havia lhe dito uma semana antes. Seus olhos não brilhavam de adrenalina ou qualquer outro sentimento, nem mesmo para o marido, e ela não parecia querer estar ali para aquela despedida, como se o laboratório a machucasse fisicamente.

Cisco foi o primeiro a sair de seu estado de surpresa, pois todos sabiam que Iris era o que motivava Barry mais do que a todos, principalmente estando ali, e seguiu para abraçá-la. Colocou sua bolsa sobre uma das bancadas e fez o mesmo caminho, não deixando de notar que o próprio Barry saía em silêncio, as mãos no bolso e a cabeça baixa. Fazia muito tempo que o ressentimento não o atingia daquela forma.

— Boa sorte com o jornal, garota. – Cumprimentou delicadamente.

Iris fez uma tentativa de sorriso, mas seus olhos acompanhavam temerosos o caminho que o marido fazia em direção à sala de treinamento. Ao dar aquele passo, em direção ao que ela acreditava poder curá-la, tirá-la da dor, afastava-se dele. Havia medo puro em suas veias, mas também determinação, como sempre fora.  

— Caitlin? – Ela murmurou ao segurar sua mão, os olhos suplicantes. – Não deixe nada de ruim acontecer a ele. Por favor.

— Não irei.

Garantiu completamente segura, vendo Iris parecer mais tranquila, pois, querendo ou não, era sempre Barry quem corria sem controle em direção ao perigo e era sempre ela que o consertava fisicamente, após muitos avisos de que sua imprudência daria errado. Momentos depois, os West haviam ido embora e Ralph saíra pra comprar café, pois “o momento sentimental da Sra. Flash o havia prendido ali por minutos”, antes de Caitlin chegar.

— Então! – Cisco começou, aproximando-se. – Eu falo com ele ou você fala?

— Não acho que qualquer coisa que possamos falar vai ajudá-lo agora. – Cisco levantou as mãos, parecendo agradecido.

— Tratamento de silêncio, entendo seu ponto. – Sorriu, divertida.

— Ninguém gosta do tratamento do silêncio.

Deu de ombros, enquanto finalmente encaminhava-se até seu laboratório, ignorando a vontade de ir até a sala de treinamento verificar como Barry estava.

*

No entanto, o tratamento adotado por ela e Cisco não funcionou, considerando que Ralph somente ignorava o problema todo que envolvia a nova configuração do time. Para ele, era como se nada houvesse mudado. Às vezes, pensava que, para o detetive, realmente não havia ou ele tentava, simplesmente, fingir que nada acontecera para deixar a todos mais à vontade. Exceto que, quando não estavam realmente trabalhando, era como se houvesse um elefante gigante na sala. 

Para Barry, as coisas continuavam em uma espiral de problemas. Os metas não haviam lhe dado folga somente porque tinha com problemas no casamento e isso vinha levando-o ao limite. A cada dia que analisava seu DNA, os dados genéticos estavam mais e mais alterados, pois não comia ou dormia direito e, por isso, não recuperava seu corpo, o que, consequentemente fazia com que deixasse a concentração de lado em nome do instinto e não conseguisse usar sua real força.

Por isso, naquele instante ele estava deitado na mesa de cirurgia de seu laboratório, lutando para respirar enquanto arfava de dor devido à faca envenenada, que ainda estava enterrada num local muito próximo ao seu pulmão. Prendeu os cabelos em um rabo baixo, colocou as luvas e fechou o jaleco, indo rapidamente buscar os itens necessários para tirar a faca e estabilizá-lo.

— Droga, Barry! – Bateria nele, caso já não estivesse debilitado. – Você tem que prestar atenção no que faz lá fora. Não podemos ter esse tipo de problema sempre que sai atrás de um meta.

— Sério?! – O outro falou com dificuldade, tentando não se revirar de dor enquanto Caitlin rapidamente ligava pequenos fios ao seu corpo para monitorá-lo enquanto fazia seu trabalho ali. – Vai dar um sermão... Agora?

— Posso, facilmente, elaborar um sermão enquanto faço uma cirurgia no seu coração. – O empurrou de volta a maca, fazendo com que revirasse os olhos. Caitlin tateou o ferimento. – Tudo bem, eu vou anestesiá-lo...

— Não! – Levantou uma sobrancelha, fazendo-o calar-se imediatamente.

— Depois da anestesia, irei tirar a faca e tentar conter uma possível hemorragia. – Conferiu a mangueira que estava ligada ao braço dele. – Cisco já está trabalhando em um antídoto, por enquanto essa parte não pode esperar... Não sabemos quanto tempo demora para o veneno se alastrar.

— Lentamente. – Barry apertou os lábios, já brilhando pelo suor. – Ela disse... Lentamente. Mortes rápidas não é sua especialidade.

— Não sei se isso ajuda ou dificulta nosso trabalho. – Comentou consigo mesma, encaixando com habilidade a agulha com a anestesia própria para o corpo modificado de Barry na fina mangueira ligada ao seu braço. Percebeu o olhar contrariado pela piada e conseguiu sorrir-lhe rapidamente. – Não se preocupe, eu cuido de você. Agora, conte de dez a um.

*

Horas depois, Caitlin havia se forçado a ler um livro enquanto monitorava os sinais vitais de Barry, que ainda não havia acordado dos efeitos da anestesia geral que lhe dera para fazer a mini cirurgia que precisava. Ele detestava, justamente, devido a isso. Não estava exatamente preocupada, mas era um hábito verificar tudo até que as coisas estivessem completamente normalizadas, principalmente se envolviam a saúde de um paciente. Além disso, era a única médica ali, não é como se pudesse delegar a tarefa a outra pessoa, como quando delegavam qualquer outra função a ela.

O laboratório já estava às escuras e apenas a luz de uma das paredes da sala estava acesa para que pudesse continuar lendo. Não era uma grande leitora, pois sua mente estava o tempo todo focada nas ciências biológicas, mas mantinha um livro na bolsa para os momentos de ócio. Aquele era um deles, já que passara boas duas horas e meia em pé contendo a hemorragia que Barry, presumidamente, tivera ao tirar a faca envenenada de seu corpo.

— Ei. – Barry chamou em um tom baixo, fechando os olhos novamente, em uma careta. Ainda demoraria que voltasse ao normal. – Há quanto tempo está aqui?

— Só o necessário. – Fechou o livro, colocando-o em uma das bancadas, e aproximou-se das pernas dele, levantando a coberta e cutucando seu pé. – Sente isso?

— Sua mão está gelada. – Ele abriu os olhos, minimamente, acompanhando-a enquanto se aproximava para apoiar-se nas laterais da maca.

— Seu corpo não conseguiria expelir o veneno sozinho. – Caitlin desviou a atenção para a prancheta que tinha em mãos, rapidamente informando o horário em que a anestesia começava a deixar de fazer efeito. – Com a cirurgia e o antídoto, calculo que amanhã você está pronto para outra.

— Deus, não! – Suspirou, encarando com resignação a careta dele. – Desculpe por colocar o time nessa situação.

— Barry... – Caitlin mordeu os lábios para se conter. – Desculpas não acompanhadas de comportamentos diferentes são apenas manipulação, e para os dois lados. Eu sei que as coisas não estão fáceis, eu sei, mas... Você as torna mais complicadas para todos quando se deixa levar dessa forma. É a segunda vez que está nessa mesa essa semana e não é sexta-feira.

— Cait...

— Eu não reclamo por ter que fazer isso sempre que volta machucado, mas... Está acabando com você. – Continuou de forma incisiva, os olhos dele presos nela sem piscar, apesar de pequenos pela sonolência. – E me pergunto se a real causa do seu desaparecimento no futuro não seja algo assim. Desde o começo, Iris o desestabiliza e você...

Viu o cenho dele franzir em confusão e, finalmente, interrompeu-se, percebendo que excedera uma linha ali, pois ninguém falava sobre Iris a Barry daquela forma, em momento nenhum. Ela fora prioridade em algumas ocasiões, porque não tinha poderes, porque era o ponto mais fraco de Barry sendo a mulher que ele amava, porque era sua família, e não havia nada de errado com isso, exceto pelo fato de que, devido aos mesmos motivos, Iris era a razão de Barry estar fora dos eixos diversas vezes quando precisava estar focado. No entanto, nunca diziam isso a ele.

— Desculpe. – Pediu sem jeito. – Eu... Não tinha a intenção.

— Não, você...  – Ele molhou os lábios e quase ofereceu água a ele, embora ciente de que não pudesse. – Ninguém me desestabiliza como ela, você está certa. Eu sei disso, é que... É Iris! É como se eu sempre devesse estar lá para salvá-la.

Caitlin suspirou ciente de que ele não se referia ao modo romântico, embora sua visão sempre estivesse “impregnada” por esse sentimento. Iris antes de ser sua esposa, era sua irmã mais velha adotiva, ela era sua heroína, pois era cheia de personalidade, cheia de uma determinação que não havia no pequeno Barry Allen. Iris era o que ele queria ter e o que queria ser, antes de tudo.

— Barry? – Encaixou sua mão na dele, que agora mantinha os olhos baixos. – Iris já nos demonstrou que não quer ser salva. Ela não é uma princesa indefesa esperando por um herói que resolva seus problemas. Talvez, agora ela só queira uma vida normal, onde isso não precise acontecer o tempo todo, onde você não tenha que focar nisso invés de encarar o verdadeiro problema quando ele surge. Sabemos que ela pensa em todas as variáveis.

 - Ela só teria uma vida normal, se não estivesse comigo.

Assim que falou, Barry encarou Caitlin de forma temerosa e voltou a fechá-los, em exasperação. Seu olhar praticamente gritava aquela palavra indizível e não presente no vocabulário dos West-Allen. Procurou algo para dizer e tentar deixá-lo melhor, espantando a possibilidade que passava pelas cabeças de ambos no momento, mas nada parecia correto naquele momento. Por isso, acariciou sua mão levemente, antes de voltar a sentar.

— Tente voltar a dormir, vou estar aqui quando acordar.

— Não. – Com dificuldade, ele virou-se na cama, colocando os braços embaixo da cabeça. Em nada se parecia com o herói que as pessoas imaginavam, tanto física quanto internamente e, infelizmente, não poderia fazer nada quanto a essa parte. – Vá para casa, eu posso ficar sozinho por algumas horas e você tem que dormir.

Encarou o cenho preocupado e suspirou, ponderando. Também estava cansada e ele, claramente, queria ficar sozinho para pensar sobre sua vida pessoal. Caitlin não seria a pessoa a insistir em tentar resolver os problemas alheios, nem mesmo se aquilo fosse ajudar a melhorar o desempenho de Barry e do time. Por fim, levantou-se e colocou o livro na cama ao lado dele.

— Por favor, não faça nenhuma besteira. – Penteou seus cabelos fraternalmente. – Eu volto o mais cedo que puder.

Ele assentiu e Caitlin, finalmente, deixou o laboratório, mas com a sensação de que tempestades viriam sem demora. Apesar de haver metas pela cidade, pois essa era a rotina, não eram grande coisa comparada a Zoom e Savitar. Os dias seguiam como se algo estivesse fora do lugar, mas talvez devido à falta de Iris, com a qual se acostumaram com o passar do tempo, e ao novo humor de Barry.

*

Caitlin percebeu que dormia pesadamente quando ouviu um ruído ao longe, o qual resolveu ignorar. A lembrava algo, mas não conseguia forçar seus olhos a se abrirem para ver do que se tratava. Estava quente e aconchegante sob as cobertas, e fazia algum tempo que não conseguia relaxar daquela forma. Desde que perdera seu pai pela segunda vez e que Nora se fora, era como se seu corpo estivesse com constante alerta, recusando-se a desligar. No entanto, mesmo com isso, só podia imaginar o estado de Barry e Iris.

O ruído cessou, mas algum tempo depois, em seu estado sonolento não sabia quanto, retornou insistente. Após o que pareceram muitos momentos depois, notou que era o celular tocando, sempre tirava do modo silencioso quando estava em casa. Assim, arrastou-se pela cama e estendeu a mão para a mesa redonda ao lado da cama, colocando o celular contra o ouvido antes mesmo de abrir os olhos para verificar quem era.

— Alô. – Pigarreou para tentar disfarçar a voz rouca e virou-se novamente na cama, tentando voltar a ficar confortável.

— Cait. – A voz de Barry soou baixa do outro lado e ela finalmente abriu os olhos, encarando o teto escuro. – Onde está?

— Em casa. – Franziu o cenho ao respondê-lo praticamente com uma pergunta de volta. Onde mais estaria? – Eu estava dormindo. Era você quem estava ligando?

— Eu não queria incomodá-la, é que... É que eu... – O ouviu suspirar e sentou-se mais ereta na cama. Ele soava como se houvesse algo errado, mas não soubesse como dizer. – Cisco está com Cynthia e Oliver tem seus próprios problemas matrimoniais e eu... Eu não sabia mais pra quem ligar...

— Barry, o que aconteceu? – Perguntou seriamente dessa vez. Ele demorou alguns momentos, onde podia somente ouvir sua respiração funda, para responder.

— Posso ir até aí?

— Claro.

Antes que pudesse colocar qualquer roupa decente, ouviu a campainha tocando e, por isso, somente colocou uma calça sobre a calcinha que usava para dormir. Seguiu para a porta e abriu, sem relutância ou verificar quem era pelo ‘olho mágico’. Barry estava um caco, podia perceber somente pelo olhar derrotado em seu rosto, mas também pela postura contrariada. Ele entrou, jogando-se no sofá sem cerimônias e encarando com afinco a TV desligada.

Sabia exatamente o que havia acontecido somente ao encará-lo, pois Barry raramente ficava daquele jeito por outra coisa: Iris. Supôs que os problemas só podiam ter continuado após a saída da mulher do time para se concentrar em sua própria carreira como jornalista. Ela parecia disposta a perder o marido, se isso significasse a superação da perda de Nora. Assim, silenciosamente sentou-se ao lado dele e o encarou até que ele a encarasse de volta, os olhos verdes opacos e cansados. 

— Qual foi o problema dessa vez? – Perguntou no tom baixo.

Não era novidade, mas ainda assim era incômodo ver Barry culpando-se por tudo de errado que acontecia ao seu redor. Ele sempre procurava um jeito de arrumar o que estava quebrado, ainda que não tivesse sido ele a quebrar. Quando as coisas não saíam do jeito que esperava, o chão de Barry não ficava mais sobre si e ele precisava recuperá-lo rapidamente. De outra forma, era como se afundasse mais e mais em si mesmo.

— Iris quer o divórcio.

Não conteve a surpresa. A palavra impronunciável do West-Allen estava à mesa e não sabia como reagir, pois, desde que Barry e Iris ficaram juntos, era impensável que se pensasse neles separadamente. Eles existiam um pelo outro, como em uma galáxia completamente avulsa. O time passara a estar ali pelos dois, não somente pelo Flash, pois eles haviam chegado a um consenso de que era melhor se concentrarem somente nisso. Juntos. Não era suposto que, em algum momento, eles encontrassem um fim dessa forma.

— Está falando sério? Já tentou falar com ela novamente, entrar em um acordo...? – Ele fechou os olhos por alguns momentos e encarou o teto pouco iluminado.

— Isso aconteceu ontem de manhã. – Levantou as sobrancelhas, novamente surpresa, tentando repassar o dia anterior para detectar alguma pista no comportamento de Barry, mas não se lembrava dele mais amargurado do que naquele momento. – Eu tentei falar com Iris novamente, para contornar a situação, mas... Essa noite ela chegou parecendo mais determinada e disse que um de nós deveria sair.

— Ah Barry, sinto muito... – Levou uma mão ao ombro dele, apertando. Não houve tempo para responder, pois seu celular tocou novamente e, dessa vez, o rosto de Iris apareceu sorridente na tela. Ele provavelmente percebeu sua hesitação, pois a encarou quando não atendeu ao telefone de imediato. – É Iris.

Finalmente colocou o celular no ouvido e atendeu. A voz da mulher não parecia melhor que a de Barry, afinal não era como se uma das partes estivesse feliz pelo divórcio.

Eu não sei se já está sabendo, mas... Barry e eu nos separamos.— Olhou para cima, vendo-o gesticular para saber do que se tratava. Levantou uma das mãos para impedi-lo, ou não conseguiria se concentrar no que ela dizia.

Barry me contou, deve estar sendo complicado.— Iris ficou em silêncio por um momento. – Porque ligou a essa hora?

— É que... Eu me ofereci para sair do apartamento, mas ele recusou. Você o conhece. — Caitlin concordou. – Então, Barry simplesmente saiu. A carteira dele está aqui, então não há para onde ele ir e... Eu fico preocupada, Caitlin. Sempre ficarei, independente de como estamos.

— Ele está aqui. – O olhar de Barry era como se houvesse cometido um crime, então simplesmente deu de ombros. Não havia qualquer motivo para mentir para Iris sobre a presença dele ali, nem para deixá-la preocupada sobre onde possivelmente ele estaria. – Faz pouco tempo.

— Caitlin, não o deixe perder a cabeça, você é uma das poucas pessoas que conseguem mantê-lo no eixo.— Não estava gostando daquela conversa. Era como se Iris estivesse lhe passando um bastão que não era seu por escolha ou por direito. Remexeu-se desconfortável, quebrando o contato visual com Barry. – Barry a escuta de verdade e vejo como é importante para ele o que pensa. Acho que a partir de agora ele pode estranhar conversar com Joe sobre... Nós. Ele precisa de você. Você e Cisco.  

Considerou que, realmente, deveria parecer uma incógnita para Barry querer conversar com seu pai adotivo sobre sua esposa, que também era filha dele. O que poderia dizer sem que Joe não tentasse defendê-la? Barry não era do tipo que tentava fazer as pessoas tomar determinado lado e não colocaria Joe em tal situação. Ele simplesmente se absteria, esse era seu tipo.

— Iris, eu...

— Você pode cuidar dele?

A fé de Iris sobre ela, combinada com a presença de Barry, encarando-a de forma insistente para tentar saber o que se passava no telefone, era completamente desconcertante. Que tipo de responsabilidade e papel poderia ter num problema que era só deles? O que ela queria dizer ao pedir aquilo? Como poderia cuidar de Barry, sendo ele um homem adulto, responsável por suas próprias escolhas? Caitlin já cuidava de Barry o tempo todo, que tipo de cuidado Iris queria que tivesse?

Claro.

Percebeu sua resposta duvidosa. Deus, eles pareciam estar arrastando-a para aquela situação de propósito. Porque Cisco parecia incólume a todo o caos que eles vinham vivendo, enquanto sempre parecia estar bem no meio? Sentindo Iris soar, de repente, muito grata, despediu-se e ainda precisou de algum tempo para digerir o que estava acontecendo.

— Caitlin. – A voz de Barry a despertou de seus pensamentos distraídos, enquanto encarava o celular. – O que Iris disse?

— Ela queria... Garantir que fosse ficar bem. - Voltou-se para ele, sentando-se no sofá novamente de repente preocupada sobre a sanidade de Barry. – Vai ficar tudo bem, certo?

Sentiu que não deveria ser ela a fazer tal pergunta, mas mesmo assim ele pensou sobre o assunto. Tinha que ficar tudo bem, afinal era Barry e Iris, o jornal do futuro informava o sobrenome da mulher junto ao dele, eles estavam destinados a ser um até o final de tudo aquilo. Era como se um passo em falso fora dessa linha fosse um crime. Por isso, tinha que ficar tudo bem. Então, Barry voltou a encarar a TV desligada, os braços cruzados sobre o peito, parecendo preocupado.

— Espero que sim. 

— Você quer passar a noite aqui? – Ele respondeu que sim e a mulher levantou-se para pegar cobertores e travesseiros para deixá-lo mais confortável. Seu apartamento, apesar de muito arrumado, era pequeno, feito para uma pessoa solteira e devido a isso não havia um quarto de hóspedes. O sofá deveria bastar, considerou ao vê-lo já deitado, os tênis colocados embaixo da mesinha de centro e um dos braços sobre os olhos. – Barry?

Entregou o travesseiro e estendeu o cobertor, mas sentou-se de frente para ele, no pequeno espaço que seu corpo não ocupava no sofá. Torceu para que não houvesse qualquer chamado para o Flash, pois estava exausto, ao mesmo tempo em que parecia uma criança desolada por algo que estava fora de seu alcance. Levou os dedos aos cabelos dele, sem poder evitar tentar consolá-lo minimamente, pois Barry inspirava isso nas pessoas.

— As coisas podem estar confusas e doloridas agora, mas... Antes que possa perceber elas deixarão de ser. – Apoiou-se no sofá, pensando. – Quando Ronnie morreu, achei que era o tipo de dor que nunca passaria, por que... Certas coisas nunca voltariam a ser como antes.

— Não vão voltar, Cait. – Ele a cortou, quase impaciente.

— Talvez não voltem, realmente. – Fez essa concessão para deixá-lo satisfeito. – Mas muitas outras coisas novas podem vir a acontecer. Coisas que farão a dor passar sem que perceba. E logo, logo você vai apenas... Lembrar de como a dor era, talvez revisitá-la de vez em quando, como em uma memória distante e um tanto difusa.

— Ainda está se referindo a Ronnie? – Ele perguntou.

Apesar de serem duas coisas completamente diferentes, visto que Iris não estava morta, sim. Tivera de lidar com a dor da morte de seu marido, duas vezes. Havia dias em que sentia que a dor voltaria para ficar, mas dias em que sabia que era necessário para não deixá-lo cair no esquecimento, pois Ronnie não merecia o esquecimento.

No entanto, havia dias em que lembrava sem dor também e, nesses dias, concentrava-se em todas as coisas que tornava sua vida como ela era, coisas que a faziam deixar a dor de lado: como cuidar de um Barry em coma por nove meses após a explosão do acelerador de partículas. Sem ter qualquer ideia, ele a ajudava todos os dias a deixar a dor mais amena, para suportá-la apenas nos piores dias. Esse momento também chegaria para ele.

— Isso vai passar.

Então, tirou as mãos dos cabelos macios e levantou-se, apagando o abajur logo ao lado dele para deixar a sala às escuras e lhe dando boa noite. Pelas luzes do corredor, voltou-se para vê-lo deitado sob os cobertores, de lado no sofá, completamente absorto em qualquer que fossem seus pensamentos, os olhos muito abertos e alertas. Não sabia o que poderia se passar na cabeça dele naquele momento, mas possivelmente todas as possibilidades dos próximos dias, agora que seria novamente apenas Barry, sem Iris West-Allen. Lembrou-se do pedido da mulher, dessa vez sem tentar inventar desculpas para si mesma: vinha cuidando dele há muito tempo, poderia continuar fazendo isso.

*

Buscou a bolsa pendurada no encosto do banquinho e preparou-se para levantar, quando percebeu a presença familiar ao seu lado. Ela não disse nada, apenas acenou a barwoman e pediu uma água. Contendo um suspiro, voltou-se à figura apreensiva de Iris West. A mulher não a encarou a princípio, somente remexeu os dedos nervosamente em uma postura que denunciava tensão a quilômetros de distância. Levantou a sobrancelha e não disse nada, somente esperou no silêncio que mulheres geralmente cultivam quando a outra precisa de tempo para formular as palavras ou espantar o medo.

— Esperei Cisco ir embora. – Declarou a negra em tom de confissão. – Ele pode ser um pouco superprotetor com Barry.

— Sim, às vezes.

Concordou ainda prestativamente aguardando, pois estava claro que o assunto seria Barry e/ou seu casamento, ela não a procuraria por qualquer outro motivo. Não que não houvessem se falado nas três últimas semanas, mas eram somente conversas superficiais, para checar se estavam bem, se as coisas encontravam-se no espectro que eles consideravam normal, considerando a vida que levavam.

Surpreendentemente, não perguntava sobre seu ex-marido. Quando o assunto adentrava qualquer seara próxima a ele, Iris fazia questão de se despedir ou, simplesmente, mudar o tom do diálogo. Quando Barry dizia que ela se afastara, ainda no período que tudo estava incerto entre eles, não imaginava que as coisas fossem nesse nível.

Embora, não fosse tão surpreendente assim, afinal a mulher sempre fora determinada, firme em suas decisões. Lembrou-se de quando Cisco contou que ela escolheu resgatá-la de Amunet, invés do Flash do Pensador, ainda que fosse tecnicamente mais valioso. Mesmo que não fossem tão próximas quanto deveriam, a partir de então sentira que realmente poderia contar com ela. O próprio Barry não teria feito tal escolha.

— Como ele está? – Perguntou Iris, após o quinto suspiro somente depois que começou a contar por irritar seu lado intolerante, que possuía um alter-ego.

— Inconformado. – Pensou por alguns momentos nas palavras certas. – Não voltou a dormir no meu sofá. Acho que para não se sentir compelido a falar sobre, tornar tudo mais real do que já é. No laboratório... As coisas também estão esquisitas. Todos tentam contribuir para amenizar o clima, mas Barry só diz e faz o necessário.

— Está no modo automático. – Caitlin confirmou, considerando que era inacreditável que, mesmo Cisco, não fosse capaz de fazê-lo sair. A situação, como se numa reação em cadeia, deixava a todos tensos e seu amigo chateado, pois ele detestava que Barry estivesse parando sua vida por Iris novamente. Cisco, que não parava de falar sobre o assunto sentado exatamente no mesmo lugar da mulher ao seu lado, não aceitava que Barry não conseguisse seguir em frente, pois “não é como se ela estivesse em iminência de ser morta, como na época de Savitar”. – Acho que fodi com a linha tempo.

— Não. – Não se impediu de cortá-la, esperando que tivesse ouvido errado.

— Sim. – Voltou-se totalmente a outra, que levou as mãos aos olhos. – Estou grávida, Caitlin.

A encarou de maneira alarmada, considerando tudo que viria com aquela notícia, pois Iris não deveria estar grávida naquela data. Algo havia mudado a linha do tempo e não somente a morte de Nora no tempo deles, algum outro evento vinha acontecendo e precisavam saber, pois desencadeara o problema à sua frente. Iris a encarava de maneira culpada, mas em expectativa, como se esperasse algo.

— Desculpe, é que... Isso muda tudo! – Iris concordou, exasperada. Talvez estivesse guardando aquilo por algum tempo e fosse um alívio que estivesse finalmente falando sobre. Diferente de Barry, ela sempre gostava de resolver os problemas, procurar as causas deles, investigá-los a fundo. – De quanto tempo está?

— Quase três meses. Eu... Já vinha suspeitando. – A viu desviar o olhar, mostrando-se culpada. – Antes de pedir o divórcio, tinha ideia de que poderia estar grávida, mas...

— Supôs que não, porque Nora não deveria nascer antes de 2023. – Ela confirmou e Caitlin tomou sua mão, apertando-a. – Você tem que contar a ele.

— Eu sei, é que... Parece que perdemos a habilidade de nos entender, sabe? Não sei como ele pode reagir a uma mudança assim, ainda mais agora... – Que não estamos juntos, Iris não quis completar, mas suspirou. Como não tinham filhos e o regime em que se casaram era separação total de bens, não havia qualquer empecilho que exigisse um processo demorado. Tinham assinado os papéis do divórcio em somente uma semana.

— Iris, é Barry. – Declarou como se fosse óbvio, fazendo-a sorrir minimamente. – Ele amava a ideia de ser pai de Nora, apenas... Está quebrado demais. Querendo ou não, um bebê agora pode ajudá-lo a voltar a ser ele mesmo.

— Acho que tem razão. – A mulher levantou, abraçando-a de lado, de forma afetuosa. Franziu o cenho ligeiramente, pois não estava acostumada a demonstrações de afeto por parte de Iris. Não demonstrações que envolviam tanto carinho, pelo menos. – Obrigada, Caitlin.

Observando-a saindo do bar em sua elegância comum ajeitando o casaco, com a bolsa na mão, voltou o olhar ao copo d’água que ela pedira. Deveria ter reparado que havia algo errado no fato da West entrar num bar naquele estado e não pedir qualquer dose de álcool. Pensou nas possibilidades que isso abria sobre o futuro dela e de Barry, afinal era uma quebra na linha do tempo que conheciam.

Então, pegou o celular, pensando em ligar para ele, com a intenção de prepará-lo sobre a notícia, afinal Barry ainda estava se conformando à realidade de que tinha perdido uma filha e Iris, provavelmente, traria isso à tona novamente, antes do que esperavam. No entanto, mudou de ideia e levantou-se para ir embora, após deixar o dinheiro sobre o balcão junto à comanda. Não era um assunto dela para que interferisse dessa forma.

*

No entanto, Barry não apareceu no dia seguinte, como era de costume. Todos os dias, ele passava no laboratório antes de ir para a delegacia, o que era sempre antes de Caitlin chegar. Naquele dia, acordou cedo. Iris lhe deixara extremamente ansiosa na noite anterior e não sabia se havia ido procurá-lo exatamente naquele momento, ou deixara para o dia seguinte, a fim de que pensasse as palavras certas para tal notícia. Tinha a sensação apenas de que algo estava errado.

— Andar pelo córtex reajustando coisas que já estão em seus devidos lugares não vai deixá-lo mais organizado. – Comentou Cisco, com as pernas cruzadas sobre a mesa de operações, enquanto lia uma história qualquer de quadrinhos. Lembrava de ter comentado algumas semanas antes que Cynthia lhe dera de presente, da Terra 19. – O que está acontecendo? Parece estar esperando por algo.

— O dia está calmo.

— Sim, acho que devemos agradecer às entidades superiores que, finalmente, permitiram que ninguém deste time estivesse vomitando lesmas por horas a fio. – Caitlin fez uma careta.

— Não estamos em Harry Potter, Cisco. – Ele deu de ombros, voltando à revista. – Você falou com Barry hoje?

— Não. Ele só avisou que iria ficar na delegacia, adiantando algumas análises. – O homem respondeu lentamente, como se estivesse escolhendo as palavras, mas não pôde ter certeza porque a revista estava na frente de rosto e não pôde examinar suas feições. – Por quê?

— Porque ele está nos evitando. – Sussurrou para si mesma, indo até sua sala para pegar seu casaco e bolsa. Cisco ainda perguntou o que havia falado, mas somente passou por ele em direção ao corredor. – Pode chamar Ralph se precisar de algo, não é?

É claro que Cisco resmungou. Tinha a impressão de que, se o Harry da Terra 2 não estava presente, o outro ficava extremamente entediado... Como se faltasse seu complemento intelectual. No mais, ele não parecia exatamente incomodado em curtir o silêncio quase anormal dos laboratórios para ter alguma liberdade, fazendo algo de que gostasse sem a interrupção de pessoas aleatórias entrando e saindo.

Na delegacia, descobriu que Barry já havia ido embora, tendo entregado todo o seu trabalho do dia antes do horário que marcava o fim do expediente. Joe ainda se encontrava terminando algumas coisas, o que significava que não estavam juntos. Porém, viu o homem apenas por alto, pela porta aberta de sua sala, pois não queria alardeá-lo sobre qualquer coisa. Por isso, saiu da delegacia e foi direto ao Jitters, onde pegou um café e buscou uma mesa pequena para sentar.

Em uma mensagem para Iris – a qual respondeu rapidamente, como sempre – descobriu que ela dera a notícia de sua gravidez na noite anterior, afinal estava claramente ansiosa. Caitlin realmente a entendia, precisava de alguém com quem pudesse dividir o peso disso, embora estivesse em dúvida no momento em que foi procurá-la. Não achava que a mulher pudesse tê-la em tal nível de estima, era um voto de confiança procurá-la e esperar que não dissesse nada a ninguém enquanto ela própria não estivesse pronta para tanto.

Iris: “Ele reagiu bem melhor do que esperava. Está feliz, mas parece com medo. Nós estamos, aliás.”

A mensagem de Iris resumia bem a situação dele. Era uma nova linha do tempo, tinha certeza disso, e não parava de conjecturar sobre, mas com Iris trabalhando em seu novo negócio e Barry desaparecido durante todo o dia não poderia falar com ninguém sobre e isso a estava matando. Além disso, queria saber como ele estava. Apenas pelas palavras, supunha que a mulher não sabia que ele não havia ido ao laboratório naquele dia e que seu celular só caía na caixa postal. Assim, respondeu de forma satisfatória a Iris e terminou seu café, voltando ao carro sabendo exatamente para onde deveria ir.

*

Infelizmente, o caminho até ali já era conhecido. Dirigira por alguns minutos até ir a um dos bairros mais distantes do Centro, onde ficava o cemitério de Central City. Estacionou o carro e andou entre as lápides pela grama do outono iminente de outubro. Escondeu as mãos nos casacos ao sentir a brisa, apenas por costume. Killer Frost podia não estar na superfície, mas estava com ela o tempo todo e, apesar de não ser imune ao frio, era bastante resistente a ele.

Pôde vê-lo ao longe, sentado perante a lápide de seus pais, como uma criança que precisa ser consolada. Suspirou resignada subindo a pequena colina que a levaria até lá. Não se preocupou em fazer-se exatamente discreta, pois àquela altura Barry tinha certeza de que alguém o procuraria. Quando, finalmente, se pôs ao lado dele, o sol já se punha baixo no horizonte, produzindo um reflexo bonito nos olhos verdes, que ele mantinha abaixados em seu previsível momento de autodepreciação.

O mesmo se aplicava aos ombros e as feições cansadas, como se houvesse acabado de perder uma batalha. A barba que ele deixara crescer, da mesma forma que quando estava preso, lhe dava um tom mais dramático e sério, ao mesmo tempo em que soava desleixado. Tudo isso parecia necessário ao homem que estava se tornando após tudo que acontecera a ele até ali – ou eles.

— Como me encontrou?

— Um dos códigos de alerta de todos nós no S.T.A.R. Labs é sobre estar aqui. Se você sumir e não for encontrado aqui, temos um código vermelho. – Meneou a cabeça ao entregar, vendo a tentativa de sorriso no rosto dele.

— Preciso providenciar um lugar realmente reservado. Fora da cidade.

— Ou do país.  

A brincadeira não chegou a mais do que isso. Assim, Caitlin suspirou e ajoelhou-se ao seu lado, sem importar-se em sujar as calças pela terra,visto que a grama estava seca pela inverno que se findava. Encarou a lápide com os nomes de Nora e Henry Allen, tão pensativamente quanto Barry.

Seu pai era tão gentil e tivera tanto a conversar com ele no pouquíssimo tempo em que puderam estar juntos, afinal era médico como ela. Teria adorado uma oportunidade de conversar com Nora também, saber o que ela pensava sobre o filho. A devoção de Barry ao falar da mãe era fascinante. Ele não seria quem era se não fosse um Allen, se não houvesse sido criado por aquelas duas pessoas generosas e extremamente injustiçadas. Para além da dor do próprio Barry, não era justo que eles houvessem sido assassinados em nome do Flash.

— Então... Iris contou a você. – Confirmou silenciosamente, vendo-o perder ainda mais a postura. – Precisamos saber o que há de errado com a linha temporal. Não estamos nem perto de 2023, Iris grávida é uma enorme mudança na linha do tempo, afinal não é como se Nora tivesse uma irmã mais velha. Todo o futuro será diferente devido a esse único acontecimento, o que é... Grande e inesperado. Gideon, certamente, tem alguma informação que pode nos ajudar e...

— Barry. – Cortou-o de sua distração. Era como se houvesse repetido aquilo por todas as últimas horas. – Já parou para pensar no peso real disso? No que isso muda sobre você, não nas linhas temporais de um universo que não carrega sozinho? Estou curiosa sobre a linha do tempo, é verdade, mas você... Você vai ser pai. Isso é maior do que essa racionalidade que procura a todo custo, ao menos por enquanto.

— Sim, mas... – Ele engoliu o que ia dizer e suspirou. – E se essa for só mais uma dessas oportunidades, que são usadas pra me dar uma lição?

— Se continuar a pensar assim não irá viver de verdade. E, nesse momento, cada mínima parte será importante. Tanto para Iris quanto para você.  

O viu ceder minimamente, embora ainda se mostrasse descontente. Cutucou-o na gola do casaco, fazendo-o encará-la. Os olhos dele encontravam-se tão verdes naquele dia, pareciam mais brilhantes que o normal, ainda que não exatamente de um jeito feliz, uma vez que não estava se permitindo sentir essa fagulha de felicidade. Como se ela pudesse se apagar a qualquer instante.

— Eu estou tão, tão, cansado de perder as pessoas que amo.

Barry estava tão quebrado que quase podia sentir fisicamente a dor que o perpassava e isso a incomodava de uma forma que nunca acontecera. Ainda lembrava-se do Barry do início, que se incomodava porque ela não sorria muito, era muito fechada, enquanto ele não tinha nenhuma preocupação e acreditava que o Flash traria somente benefícios à sua vida. Nesse tempo, ele estava sempre tentando deixá-los bem e, agora, não tinha tempo ou vontade de se consertar, de se fazer ficar melhor. 

— Eu sei. – Aproximou-se sem muito esforço, ainda ajoelhada, passando os braços pelos ombros dele, sentindo-o lentamente deixar a tensão para trás enquanto tinha a cabeça dele sob a sua. Logo os braços dele enrolaram em sua cintura e ambos ficaram ali por tempo suficiente para que a noite começasse a realmente cair. Pareciam entender bem os momentos de necessidade pessoal um do outro. Ou ela entendia a Barry. – Se isso o deixa melhor, podemos verificar todas as variáveis envolvendo uma possível nova linha do tempo. Apenas... Não fique obcecado quanto a isso. O tempo está passando. Você, mais do que todos nós, deveria estar atento a... Todas essas coisas que pode estar perdendo.

Foi apenas quando ele se afastou que percebeu que seu rosto estava molhado por lágrimas silenciosas, que fizera questão de secar antes que pudesse se tornar um assunto entre eles. O viu soltar um riso rápido olhando para a lápide dos próprios pais e, logo em seguida, encará-la, ainda mantendo os lábios esticados, parecendo encontrar-se um tanto... Incrédulo.  

— Você realmente me conhece, não é?

Levantou as mãos, como se nada pudesse fazer. Então, Barry finalmente colocou-se de pé e a ajudou a fazer o mesmo, para que pudessem descer a pequena colina em direção ao carro dela. Era um silêncio confortável, embora pudesse senti-lo distante, não muito diferente de todas as outras vezes nos últimos tempos.  

— Então, como foi à conversa com Iris ontem? – Ele pareceu um pouco indeciso, o cutucou com o cotovelo. – O que sentiu quando ela disse estar grávida?

— Foi como se tudo estivesse voltando ao seu lugar. – Caitlin ficou um pouco tensa, imaginando que ele pudesse estar falando do casamento em si. – E, desde que Iris me disse, sinto que estou o tempo todo com medo, mas prestes a... Gritar de felicidade. Eu não sei, a adrenalina está me matando.

— Você será papai!  

Ele a encarou com um sorriso contido, ainda andando ao seu lado para fora do cemitério, aparentando somente apreciar a novidade dessa vez, tentando não sentir o peso de uma nova linha do tempo ou da morte de Nora.


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Notas finais do capítulo

Ei!!
Então, é a primeira fic em um universo que não é Harry Potter!
Minha primeira snowbarry! (algo que já deveria ter acontecido oficialmente)

Enfim, como vocês notaram, a ficse passa após a quinta temporada, mas tem algumas coisinhas diferentes, tipo Gipsy e Harry da Terra 2, às vezes presente, pois os outros Harrys são tão icônicos que não me atrevi. Coisas que quem assistiu vai saber, mas que não vou ficar dizendo aqui, porque perde toda a coisa legal, que é pegar essas pequenas referências.

A história é focada em Caitlin no meio desse problema todo que é Barry e Iris se separando e como eu gosto de desenvolvimentos sem pressa não teremos paixão à primeira vista, mas teremos snowbarry o suficiente pra aquecer nossos corações, que é o que mais importa.

Me digam suas impressões e sejam gentis, espero que gostem!



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