O Pequeno Rei e sua coroa de espinhos escrita por crowhime


Capítulo 2
Capítulo I


Notas iniciais do capítulo

Todos sabem como termina essa história, que tal agora irmos ao começo?
Boa leitura!



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1971

 

Largo Grimmauld 12 é o lar da mais antiga família nobre, uma das poucas puro-sangue restantes, os Black. Localizada em um bairro trouxa, invisível aos olhos da vizinhança e frequentada apenas por uma elite selecionada, estava a grande mansão. Era um mistério porque Cygnus Black, nos anos dez ou vinte, se interessou por criar sua família justamente em um lugar rodeado de sangues-ruins quando poderia arrumar uma casa tão boa quanto em qualquer outro lugar, porém desde então a bela residência era passada orgulhosamente para seus descendentes, agora estando nas mãos de Walburga Black desde que ela se casou com Orion Black, seu primo em segundo grau, pois mesmo sendo a mais velha, como mulher, precisava de um marido para poder herdar as posses da família e Pollux, mesmo vivo, passou a morar com o segundo filho na esperança de endireitá-lo e convencê-lo a procurar uma esposa, e esperando que Orion e Walburga logo fizessem alguns herdeiros uma vez sendo deixados à sós.

Demorou, porém agora tinham dois filhos correndo pela casa. Não exatamente correndo, afinal Walburga não gostava que corressem nos corredores, se queriam fazer isso que fossem no jardim da parte de trás da mansão, mas era exatamente o que Sirius estava fazendo no momento. O lugar era desnecessariamente enorme para uma família de quatro pessoas e um elfo doméstico: além do jardim nos fundos e do andar térreo, onde ficava a entrada e a sala de jantar, havia o porão onde se localizava a cozinha, a dispensa e a sala da caldeira, além do pequeno quarto de Monstro, o elfo doméstico da casa. Nos andares superiores, os quartos e outros cômodos, como uma biblioteca, escritório e a enorme sala de estar. Sirius subia as escadas de dois em dois degraus, rapidamente vencendo os lances de que separavam a sala do quarto andar e último da casa, onde ficava exclusivamente seu quarto e do irmão, Regulus. A suíte do casal Black ficava em um dos andares inferiores, em um lugar mais cômodo para facilitar a movimentação entre os vários andares.

“Sirius, já disse para não correr dentro de casa!”

A voz de Walburga chiou dos andares inferiores, se estivesse mais perto seria um grito poderoso, porém ignorou completamente, tomado por um sentimento eufórico, com o qual abriu com força a porta do quarto do mais novo, balançando um envelope que estava parcialmente amassado pela força com qual o segurava em sua corrida desenfreada.

“Reggie! Reggie! Olha o que chegou!”

Regulus praticamente pulou da cadeira, onde estava sentado em frente à escrivaninha estudando, quando a porta bateu na parede. Gostava de ler em silêncio, embora às vezes falasse consigo mesmo, e geralmente não era incomodado na hora do estudo que fazia no quarto - Walburga confiava que ele era obediente, ao contrário do irmão que estava sempre dando um jeito de evitar o horário - e o susto fez com que fechasse o livro rapidamente e o escondesse, afinal supostamente deveria estar estudando francês e não lendo um livro de literatura. Ambos os filhos tinham dois tutores: um para conhecimentos gerais, matemática, história, línguas, incluindo a extra de francês, o que Regulus e Sirius achavam um tédio e não entendiam a relevância, afinal não é porque o lema da família era em francês que precisavam aprender a falar a língua; e a própria mãe que às vezes lhes dava lições sobre noções básicas de magia, mesmo que ainda não pudessem ter varinhas, e, especialmente, a história da família Black, sangue-puros e qualquer outra coisa que Walburga achasse relevante. Como nobres, precisavam ser bem educados e ela cuidava pessoalmente do estudo das crianças, ao menos até que estivessem aptos a entrar em Hogwarts, o que Orion  também aprovava.

Vendo que era só Sirius, Regulus relaxou e suspirou, sabendo que teria problemas se fosse a mãe e ela lhe pegasse lendo qualquer outra coisa. Mas era o irmão e ele nem deu atenção para seu ato. Ficou apenas um pouco confuso com a forma tempestuosa como ele entrou, não ligava que Sirius o fizesse, porém geralmente ele o fazia de modo mais tranquilo… Ou ao menos, menos barulhento.

Demorou alguns segundos a perceber a carta na mão do irmão que logo pulava em sua cama, sentando-se animado, e assim que entendeu o que era acabou sorrindo junto e apressou-se a se juntar ao irmão mais velho, compartilhando da empolgação.

“É a carta? Aquela carta?!”

“Sim! Ainda não abri, mas sim!” Ele estava visivelmente empolgado, encarando nervosamente o envelope.

“Vamos, abra, abra!”

Sirius lançou um olhar para o irmão e assentiu, sentindo um frio na barriga. Hogwarts era o sonho de qualquer criança, embora fosse assustadora a ideia de sair de casa, era um tanto atrativo poder finalmente conhecer algo que não fosse os Black! Regulus se amontoou ao seu lado para poder ver também e só quando os olhos dele também estavam no envelope que Sirius o abriu.

De fato, era a carta que ele tanto ansiava desde o último aniversário. No dia primeiro de setembro estaria embarcando para Hogwarts, a maior e melhor escola de magia e bruxaria de todo o continente! Onde seus pais, tios e primas estudaram. Ele acabou se levantando e começando a pular na cama, animado, sabendo que ela aguentava, a madeira maciça e cabeceira adornada denunciando a ótima qualidade do local em que dormiam - Sirius tinha um quarto bastante similar ao de Regulus, com a mesma cama com cortinas de tecido fino, armário e escrivaninha para estudos.

"Vou pra Hogwarts!" Cantarolava, grunhindo feliz com a carta em mãos.

Não que odiasse a família. Mas a criação rígida nunca foi muito do agrado de Sirius, cujo espírito tendia a querer ser livre, então encontrava cada dia mais dificuldade em continuar a seguir e obedecer aos pais.

Regulus ria, incapaz de se levantar pela forma como o colchão balançava abaixo de si, mas a empolgação do irmão era contagiante e o fazia comemorar junto.

"Calem a boca vocês dois!" A voz de Walburga chamou a atenção de ambos, agora da porta do quarto de Regulus, e a presença da mãe fez com que Sirius imediatamente se sentasse e os dois ficassem  quietos. "O que é esse escândalo? Pare de atrapalhar seu irmão a estudar, Sirius."

Sirius pigarreou, a mãe minando sua empolgação, então se aproximou dela calmamente embora não deixasse de sorrir, e Regulus se encolheu.

"Minha carta de Hogwarts chegou, mãe."

Walburga encarou o papel nas mãos do filho mais velho, agora entendendo porque ele saiu correndo após uma coruja largar a entrega da correspondência em cima da mesa. Há dias ele ficava esperando e olhando a  correspondência em busca de algo para ele.

"Ah, sim. Já estava na hora. Mas se controle, Sirius. Você é o herdeiro da família Black, e deve agir como tal."

Walburga o lembrou, o tom arrogante e o nariz levemente torcido, nem mesmo pegando a carta para olhar. Já era esperado, achava aquele escândalo desnecessário, porém deixou apenas a advertência.

"Irei falar com seu pai. Iremos comprar os materiais, não perca a lista."

"Sim, mãe."

Sirius concordou com obediência, não tendo a intenção de deixar a mãe descontente. E também estava de bom humor.

"Agora deixe seu irmão estudar. Ele ainda tem um ano para se preparar."

Silenciosamente, concordou, mas lançou um olhar a Regulus e sorriu discretamente para ele antes de sair do quarto na frente de Walburga.

"Logo você vai estar na Sonserina e deverá fazer jus à sua posição, Sirius. Não esqueça." As palavras soaram abafadas por trás da porta que Walburga fechava.

Regulus então se viu sozinho em seu quarto, agora silencioso. Levantou-se da cama, voltando calmamente até a mesa de estudo, onde recolheu o livro literário que estava lendo escondido antes da chegada de Sirius, demorando-se um tempo com ele em mãos.

"Preciso estudar…" Murmurou, levando-o até a estante que havia ao lado de seu armário e o guardando. Agora Sirius iria para Hogwarts, mas Regulus ainda tinha mais de um ano antes de acompanhá-lo. Como Sirius era o herdeiro, teria de pensar em algo para seu futuro por conta própria, mas ainda carregava o nome da família e sabia que era uma honra e deveria fazer seu melhor, esperava que a escola o ajudasse a pensar em algo… mas antes de tudo precisava estar pronto. Walburga sempre dizia isso. Que deveriam se preparar, embora uma parte de si temesse que nunca estaria de fato pronto.

Poucos dias depois, Regulus foi junto a Walburga e Sirius para comprar os materiais do último, já que não poderia ficar sozinho em casa e Monstro estava com eles para carregar as compras. Embora Orion fosse o aparente chefe da família, era uma figura distante e Walburga quem tinha uma presença mais forte e normalmente mandava na casa. Sirius estava empolgado e era visível que se controlava para não sair olhando tudo e correndo eufórico pelo Beco Diagonal devido à presença da mãe. Regulus precisava fazer o mesmo, embora deixasse que os olhos percorressem distraídos as fachadas das lojas, com curiosidade. Não costumavam sair muito de casa, especialmente para lugares abarrotados de pessoas, então se preocupava em andar junto à saia da mãe para não acabar se perdendo.

Os pais não gostavam muito daquele tipo de lugar. Diziam que cada vez mais estava infestado de sangues-ruins, então ficaram satisfeitos com o novo auto-proclamado Lorde das Trevas que começou a atuar no ano anterior atacando o mundo trouxa. Não só eles, como os tios, especialmente Cygnus e sua esposa Druella, que se gabavam da filha mais velha, Bellatrix, estar sendo pessoalmente treinada por Lorde Voldemort e cotada a ser um de seus mais valiosos seguidores devido às proeminentes habilidades, bem por ter um sobrenome respeitável. Mais de uma vez isso foi tópico na mesa de jantar nos encontros de família e os dentes de Walburga sempre pareciam se apertar quando ouvia a cunhada sempre enfatizando o fato - e depois sempre a ouvia resmungando sobre, que não entendia porque diabos o irmão mais novo se casou com ela e só se salvava porque pertencia à família Rosier, então tinha o sangue-puro que valorizavam (o mínimo! ressaltava), mas o nariz em pé de Druella era insuportável. O nariz dela parecia normal, e era confuso como um nariz poderia ser insuportável, porém tanto Regulus quanto Sirius ficavam quietos, pois quando Walburga começava a resmungar com tanto mau humor e irritação nem mesmo Orion abria a boca.

Voldemort, os adultos diziam, iria limpar a comunidade bruxa e não precisariam mais se esconder. Trouxas morriam e era merecido, mas não é como se Regulus compreendesse muito bem as conversas, era como uma realidade distante e que pertencia somente ao mundo dos adultos. Sirius não ligava para o assunto, achava tedioso (assim como metade de tudo que as aulas que Walburga tratavam), mas uma vez perguntaram a eles sobre e o único conhecimento que os pais passaram era dos sangue-ruins serem uma raça inferior que deviam servitude aos bruxos. Como elfos domésticos, só que piores, visto que nem mesmo tinham conhecimento em magia. Ao menos foi o que o pai deles havia dito e quando Regulus perguntou a razão então deles serem quem tinham uma casa escondida, Orion disse que explicaria quando fossem mais velhos. Assunto de adultos, dizia. O olhar carrancudo do casal Black e a falta de interesse de Sirius fez com que Regulus aceitasse quietamente a resposta, na realidade desistisse, afinal era o irmão mais velho quem era mais assertivo. E também quem ficava mais de castigo, por consequência. Não queria ir para o mesmo caminho.

Se perguntava se havia um daqueles sangue-ruins por ali, afinal eles se misturavam bem, enquanto Sirius jogava as sacolas para Monstro sem cuidado nenhum de propósito, fazendo o elfo resmungar baixo por trás das caixas, livros, sacolas e uma gaiola com uma coruja marrom quando quase tropeçou por uma sacola que foi atirada particularmente mais forte. Ele já havia desaparecido por trás de tantos objetos, mas tanto Walburga quanto Sirius ignoravam, Regulus chegou a olhar para trás para espiar o criado, sabendo de antemão que não deveria oferecer ajuda, só queria verificar, imaginando se Monstro conseguia enxergar andando daquele jeito.

No momento de distração, foi Regulus quem tropeçou em alguém, e logo foi obrigado a voltar a si, recebendo um olhar fulminante de um menino da idade de Sirius - estava com sacolas parecidas, mas as carregava sozinho -, com cabelos pretos e um nariz que parecia um pouco grande. O olhar era de desprezo e fez com que Regulus franzisse o cenho por reflexo defensivo, porém antes que falasse qualquer coisa, uma menina de cabelos ruivos apareceu por trás do garoto.

“Você está bem?” Regulus assentiu à pergunta por costume e a viu sorrir enquanto o amigo dela fazia uma careta a contragosto. “Desculpa por isso, viu? Vamos, Severus!”

E o puxou para longe, logo sumindo por entre as capas que esvoaçavam. O problema era que a multidão também engoliu Sirius, sua mãe e não conseguia ver nem mesmo a pilha de coisas que Monstro carregava. Olhou em volta, agora desesperado, sentindo-se acuado e nem mesmo as vitrines convidativas eram mais uma distração para Regulus.

“Sirius?” Chamou baixo demais, assustado demais, incapaz de projetar mais alto a voz. Começou a caminhar praticamente em círculos “Mãe? Monstro?” Chamou, um por um, a voz morrendo em meio ao barulho do comércio e transeuntes, 

Acuado com a sombra das pessoas projetadas sobre si, recuou até bater com as costas na parede de uma das lojas e se encolheu.

Sabia que não deveria chorar, afinal era um Black, um homem, e lágrimas eram para os fracos e tanto homens quanto Black’s não podiam ser fracos, mas mesmo fungando mal conseguia impedir as lágrimas de se formarem em silêncio, passando despercebido por todos que nem mesmo olhavam para o lado. Ao menos a maioria. Um menino notou e chamou a atenção da mãe, quando Regulus percebeu que ele havia apontado para si já era tarde para sair correndo e se esconder de vergonha, pois se aproximavam de si, o garoto meio escondido atrás da mãe como se também não quisesse ser visto, mas a curiosidade o levando a espiar.

Espiando rapidamente, só teve tempo de ver que ele tinha um curativo no nariz e a mãe tinha olhos gentis e cansados, logo Regulus abaixava a cabeça, com medo e envergonhado, querendo se esconder através dos cabelos pretos que usava para cobrir os olhos quando ela se abaixou a sua altura.

“O que houve, rapazinho? Está perdido?” Ouviu a mulher perguntando suavemente, parecia bem diferente de Walburga, mas não conseguiu responder. “O que acha de ajudarmos a encontrar seus pais? Hm?”

Não deveria falar com estranhos, uma parte remota de sua mente lembrou, fazendo Regulus morder o lábio inferior enquanto assentia e a mulher se endireitava, oferecendo a mão para que ele segurasse.

“Vamos?”

Foi a primeira vez que olhou diretamente para os dois, ainda hesitante. O garoto que acompanhava a mulher ainda tentou sorrir no que tinha a intenção de ser encorajador, mas parecia um tanto quanto nervoso, o que não fazia o menor sentido e teria achado engraçado se não estivesse tão apavorado.

“Hope! O que está fazendo?” Um homem falou impaciente, preocupado, um pouco distante, porém perceptível que se dirigia à mulher. “Temos que terminar de comprar essas coisas, vamos logo. Preciso voltar ao trabalho.”

“Lyall… o pobrezinho está perdido.”

Ela tentou argumentar, porém não ouviu o resto. Regulus teve a impressão de ouvir seu nome ser chamado e ergueu a cabeça, procurando pela fonte da voz.

“Regulus!” Sem dúvida, era a voz de Sirius chamando repetidas vezes seu nome. Vendo-o aparecer abrindo caminho por entre as pessoas, não pensou duas vezes antes de correr na direção dele.

“Sirius!” Logo o abraçou, choramingando, aliviado por ele ter o encontrado.

“Regulus! Não suma assim!”

Assentiu de leve, envergonhado, olhando de esguelha para a família de antes.

“Não está mais perdido, vejo... Vamos?”

O homem chamou a esposa encerrando o assunto e começou a caminhar na direção contrária, a mulher chamada Hope sorriu fracamente antes de segui-lo e o menino arriscou dar um aceno breve na direção dos dois antes de correr ao encalço dos pais. Sirius ficou a encarar feio o trio até que sumissem de vista. Sirius era bom em olhar feio, porém quando afastou o irmão pelos ombros, a expressão se suavizava embora o cenho permanecesse franzido de preocupação.

“Você está bem, Reg? Quem eram aqueles? Fizeram algo com você?”

“Não…” Murmurou em resposta, encolhendo-se. “Eu estou bem.”

Quis dizer que estavam tentando ajudá-lo, ao menos a moça, mas Walburga chegava com passos rápidos e Monstro correndo em seus calcanhares, ainda equilibrando tudo sozinho nos braços finos, afobado. Com certeza havia recebido uma bronca por perder Regulus, tentando fitá-lo, aparentando nervosismo, por trás de uma fresta entre as caixas.

“Regulus!” Walburga ralhou, Sirius logo deu um passo para o lado para dar espaço para a mãe, que o virou para fitá-lo, afobada. “Não saia andando sozinho, o que eu disse antes de virmos?”

“Mas eu não…”

“Quieto. Por Merlin, se recomponha. Você quer me matar, é isso?” Ela suspirou pesada e impacientemente, usando um lenço para limpar o nariz de Regulus, cujo rosto queimou de vergonha quando viu Sirius segurando o riso. “Francamente. Não posso tirar o olho de nenhum de vocês que já saem aprontando.”

Endireitando-se, Walburga parecia que nunca havia perdido a postura, mas agarrou a mão do filho mais novo com o cenho franzido.

“Agora pare de chorar. Santa Morgana! Eu compro um sorvete para você, ok? Pare. E vamos.”

Ainda ficou ouvindo de Walburga que não deveria andar sozinho, mas Regulus nem mesmo tentou discutir e falar que não havia feito isso, também não ligando para as provocações silenciosas de Sirius que ficava movimentando os lábios o chamando de bebê a cada chance disponível enquanto compravam os últimos itens da lista, silenciosamente feliz que o único momento em que a mãe soltou sua mão foi para comprar o prometido sorvete para ele e Sirius, que, no fim, mesmo o chamando de bebê chorão o restante da tarde, sussurrou em seu ouvido “boa, Reg!”.

A realidade do que significava Sirius ir para Hogwarts só atingiu a Regulus na noite anterior à partida do irmão. Sirius iria para longe e ele ficaria sozinho. Não teria com quem brincar. Tinha Monstro, mas a mãe não gostava muito que ficassem brincando com ele, enquanto Sirius estaria longe, em Hogwarts, rodeado de pessoas novas e repentinamente o medo de ser abandonado atingiu a ele, mesmo que não entendesse muito bem. E se o irmão o esquecesse? Foi o que passou por sua cabeça enquanto estava deitado sozinho, a cama de dossel grande demais, vazia demais, especialmente naquela noite, e a escuridão era opressora como se fosse engoli-lo a qualquer momento.

Abriu os olhos e se sentou, deixando os olhos se ajustarem à escuridão. A luz da lua que vinha do lado de fora mal penetrava em seu quarto apesar da fresta que sempre deixava aberta da pesada cortina, pois não gostava de como o quarto ficava totalmente escuro se a fechasse completamente. E a mansão Black, mesmo de dia, parecia fazer jus ao nome - embora fosse bem decorada, com papéis de parede elegantes na parede, mobília rica e objetos de valor, mesmo que se abrisse todas as cortinas e janelas ela conseguia ter resquícios de escuridão.

Com cuidado extra, Regulus arrastou-se para fora da cama, os pés alcançando o assoalho de madeira. Mais frio que dentro das cobertas, se arrepiou um instante, mas, encolhido, começou a andar até a porta. Dentro do quarto tinha uma boa noção espacial, decorado onde cada coisa estava, mas quando abriu cuidadosa e silenciosamente a porta, apoiou uma das mãos na parede do corredor por precaução para se guiar. Assim, andava o mais silencioso possível até que os dedos encontraram a madeira da porta onde havia uma placa cuja inscrição indicava que era o quarto do Sirius. Não que precisasse lê-la para saber. Apenas os dois ocupavam aquele andar e, além dos quartos, havia apenas um banheiro que ambos dividiam.

Fazendo o mínimo de barulho possível, girou a maçaneta, olhando uma última vez para os lados para garantir que ninguém o observava. Os pais dormiam no andar inferior e Monstro costumava ficar no porão, então era só não fazer nenhum ruído que tudo ficaria bem. Assim, esgueirou-se para dentro do quarto de Sirius, fechando a porta atrás de si.

O mais velho soltou um ruído de cima da cama, mas parecia adormecido, e só se moveu quando Regulus subiu no colchão e se enfiou debaixo de suas cobertas. Ele virou o rosto, os olhos bem abertos, mostrando que também não havia pregado o olho até então.

“Ah, é você, Reg.” Sirius constatou, sem surpresa, girando parcialmente o corpo de modo a ficar de lado e que os rostos se encarassem. “O que foi? Também não consegue dormir? Eu quem vou pegar o trem amanhã, sabia?”

Sirius fez graça para o irmão que se encolhia e soltava um ruído baixo e incompreensível, o que fez com que arqueasse uma das sobrancelhas.

“O que foi? Algum problema?”

Regulus ficou em silêncio por tempo suficiente para Sirius saber que ele estava pensando. Embora mais novo, Regulus era bem mais quieto se comparado à ele, mas podia pressentir que havia algo de errado na forma que os olhos do mais novo brilhavam.

“... Você vai pra Hogwarts amanhã, Siri.” Finalmente murmurou, desviando o olhar para as próprias mãos encolhidas junto ao peito.

“... Sim?” Franziu o cenho, ainda sem entender o raciocínio.

“Eu vou… ficar sozinho.”

Sirius piscou, a mente ainda lenta, mas mal conseguiu conter um riso, embora silencioso, quando percebeu o que o irmão insinuava, achando graça, o que deixou Regulus envergonhado.

“Deixa de ser bobo, Reg! E é só um ano. Logo você tá indo também.”

Sirius liberou uma das mãos de baixo do cobertor para bagunçar os cabelos dele, ainda sem acreditar no que ouvira.

“Mas e se você esquecer de mim?”

Regulus choramingou baixo, fazendo manha como uma criança. Sirius geralmente o chamaria de bebê chorão e tiraria sarro, porém entendendo a questão, passou o braço por cima do corpo dele, embora sobre as cobertas.

“Não seja um bebê chorão, Reg!” No fim não iria deixar de chamá-lo assim mesmo compreendendo o dilema. “Você é meu irmão, como esqueceria? Não seja bobo.”

Apesar da expressão de desagrado em ser chamado daquele jeito, afinal não era um bebê chorão, acomodou-se mais no meio abraço que Sirius proporcionava. Fazia tempo que não dormiam juntos: Walburga dizia que já eram bem crescidinhos para fazer isso.

“Promete me escrever? Sempre?”

“Prometo, Reg.”

“Todo dia?”

“Não exagera também! Não teria nem o que escrever todo dia!” Sirius riu contido, achando a proposta irrealista.

“Toda… semana?”

“Toda semana parece bom.”

“Certo!”

Regulus concordou com empolgação, finalmente abrindo um sorriso e aliviado pela promessa que lhe deu alguma segurança. Eventualmente, pegaram no sono mais tarde do que deveriam, e acordaram com os gritos de Walburga vindo da escada.

“Sirius! Regulus! Já acordaram? Vão se arrumar ou vamos nos atrasar!”

Regulus se levantou no sobressalto, apressado também por Sirius que se levantava num salto que era um misto de empolgação pela viagem e a adrenalina de ser pego fazendo algo errado, porque embora Regulus quem tivesse ido até ali, geralmente os dois recebiam broncas porque quem deixou também estava errado. Regulus voltou correndo até o próprio quarto antes que a mãe descobrisse a escapada noturna até o do irmão e recebessem uma bronca por isso.

A estação King’s Cross era perto de onde moravam, uma caminhada de vinte minutos, mas Walburga queria garantir que tudo estivesse perfeito, especialmente Sirius, então foi pessoalmente ao quarto dele, penteou e arrumou os cabelos rebeldes, enquanto Monstro quem ajudava a Regulus, que não parou de falar e perguntar sobre como seria a estação e como também queria ir, embora Monstro não tivesse nenhuma resposta, era mais como se estivesse falando sozinho.

“Logo é sua vez, Mestre Regulus. Sim, sim…”

Era tudo que respondia, deixando-o falar à vontade enquanto alinhava suas roupas, sabendo que se fosse Regulus quem estivesse indo, estaria um pouco triste, mas como se tratava de Sirius era um alívio, pois o menino mais velho era uma praga e era o membro mais rude com ele. Monstro gostava muito do menino Regulus, e Regulus era gentil com ele - mesmo quando o fazia de cavalinho quando mais novo, enquanto Sirius era do tipo que sempre puxava suas orelhas e batia com os pés em seu corpo - e Monstro também respeitava a Orion, mas ele passava a maior parte do tempo afastado, então tinha uma ligação mais forte com Walburga. Sirius? Sirius era um menino endemoniado, então Monstro estava de bom humor com a partida dele.

Dessa vez, Orion também iria e Monstro ficaria em casa, afinal era uma ocasião especial. O primeiro filho indo à Hogwarts! A família Black tomou café da manhã junto e até mesmo Orion parecia satisfeito naquela manhã. Geralmente era uma pessoa fechada e séria, sem muitos afetos, mas dizia orgulhoso de como o herdeiro dele havia crescido e se tornaria um bruxo excepcional, e como tinha grandes expectativas para ele, enquanto Walburga garantia que não estavam esquecendo nada e dava longas instruções de comportamento. Sirius só não revirava os olhos porque estava de bom humor com a partida, mas basicamente não ouvia nada do que os pais falavam a ele ou sobre ele. Estava empolgado demais para se importar.

Regulus não saiu do lado de Sirius mesmo quando chegaram à estação. Sirius estava sendo obrigado a fingir prestar atenção nos pais e Regulus não era atrevido ao ponto de interrompê-los, maravilhado demais com os arredores, com a quantidade de alunos e seus pais que circulavam, alguns já de uniforme. Se pegou admirando um aluno com uniforme impecável da Sonserina, deveria estar no quarto ano, talvez quinto, tinha uma postura invejável, sorriso esperto e olhos ferinos, os cabelos castanhos claros e as feições, especialmente os olhos com pálpebras grossas, pareciam lembrar da tia Druella, mas não teve muita certeza se reconhecia o rapaz. Mas, de todo jeito, endireitou a própria postura como se quisesse imitá-lo.

Um sapo começou a coaxar próximo a seu pé e Regulus fez uma expressão de nojo, e estava prestes a chutar o animal para longe quando um garoto de rosto redondo se jogou no chão e agarrou o bicho entre as mãos. Atraiu a atenção dos outros Black também com o barulho. Sirius cobriu a boca para conter o riso e os pais olharam para o menino com desprezo, no que ele ficou pálido e se levantou rápido demais antes de correr aos tropeços para perto de um garoto de óculos, que ria enquanto ouvia o outro reclamando alguma coisa.

O apito do trem soou, indicando que era hora de subir.

“Nos dê orgulho, Sirius.” Orion disse, colocando uma mão no ombro do filho mais velho de modo reassegurador.

Sirius estufou o peito, orgulhoso e determinado, mas só assentiu com a cabeça. Despediu-se dos pais com um aceno, mas ele e Regulus se abraçaram forte.

“Me escreva…” pediu baixinho o mais novo.

“Pode deixar!”

Foi o diálogo rápido que conseguiram ter antes de Walburga puxar o filho mais novo, falando baixo para ele não amassar as roupas de Sirius, que logo seguia para o trem, dando um último aceno para a família antes de virar as costas em definitivo e embarcar para Hogwarts.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado desse inicinho. Não esqueçam de deixar um review para saber o que acham ♥



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