Survivor's Guilt escrita por Phoebe


Capítulo 1
Capítulo 1




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Teddy Green jurava por tudo que era mais sagrado que, desta vez, não fora ele quem correra atrás de encrenca.

É sério. Veja, ele levantara mais cedo naquela manhã, o que já era um bônus em tanto, ajudara sua tia Audrey a trançar os cabelos ruivos de sua priminha e até mesmo apagara o pequeno incêndio que tio Thomas causara ao tentar fazer uma singela panqueca. E ele estava até de bom humor. Seus olhos nunca haviam brilhado tão âmbar quanto naquela manhã, o que até lhe rendera um olhar estranho da tia.

Parecia ser um dia bom. Daqueles que terminam com um jantar calmo e mesmo assim divertido, depois do qual a família inteira se reuniria na sala de estar para assistir o filme mais idiotamente romântico ou a comédia mais esquisita da programação.

Com o sentimento caloroso que a ideia trazia, Teddy colocara a mochila nas costas, se despedira dos tios e saíra em direção à escola. O caminho não era muito longo, uma vez que o vilarejo em que moravam parecia aspirar em ser o menor e mais discreto possível, mas mesmo assim era uma boa caminhada para organizar os pensamentos.

E Teddy tinha, sim, um ou dois pensamentos para organizar. Não, esqueça isso, ele tinha uns seiscentos e noventa e sete pensamentos para organizar, e todos eles envolviam, de certa forma, Audrey e Thomas Redstone.

Tendo sido criado por eles desde bebê, os tios eram como pais para Teddy. Desde os primeiros dentes moles às peças de escola, o casal sempre estivera presente na vida do adolescente.

Mas, e era difícil de explicar ao certo, sempre houvera um mal presságio na vida da pequena família. Uma sombra que pairava sobre seu pequeno chalé. Um medo que dava a tia Audrey noites sem sono e deixava tio Thomas em um constante estado de alerta, espiando por cima do próprio ombro e desconfiando das pessoas mais insuspeitas.

E, tudo bem, Teddy até aprendera a se acostumar com o comportamento dos tios, mesmo depois de várias tentativas fracassadas em descobrir o real motivo por trás dele.

Mas, nas últimas semanas, ficara pior.

Eles não saíam mais tanto do chalé. Tio Thomas pedira demissão da oficina mecânica na qual trabalhara nos últimos treze anos só para cuidar o dia inteiro dos dois filhos e Teddy. Às vezes Teddy pegava a tia se trancando no pequeno depósito atrás do chalé, segurando um jornal de aparência esquisita nas mãos e logo depois saindo com uma expressão sombria.

Estavam cada vez mais cuidadosos, mais desconfiados. Mais temerosos.

Temerosos de algo tão grande que talvez até temessem falar o seu nome.

Ah, o que Teddy faria apenas para descobrir o que-

— Mas o que pensa que está fazendo?!

A exclamação súbita arrancou Teddy de seus pensamentos. Encontrava-se em uma rua estreita, quase inteiramente residencial, com casinhas altas e finas feitas de tijolinhos pintados de branco.

A voz que ouvira era masculina e enfurecida, e parecia vir de um pequeno corredor entre uma casa e outra. Assustado, mesmo que um pouco curioso, Teddy estava prestes a seguir seu caminho como o bom menino que ele era (é sério!), quando a voz bradou novamente:

— Diga-me, Neville, o que diabos pretende fazer com isso, hã? E por que nos trouxe aqui, de todos os lugares?!

Vencido pela curiosidade, Teddy se aproximou do beco. Podia ouvir o homem que falara respirando com dificuldade, como se sua raiva fosse tão grande que bloqueava suas vias aéreas.

— Professor, você não entende! — outra voz disse, esganiçada de desespero. Parecia mais jovem do que a anterior, e beirava um pouco à loucura. — As coisas que poderíamos fazer! Quem poderíamos salvar! Até mesmo derrotar o próprio Vol-

— NÃO DIGA ESSE NOME! — o homem gritou, mais alto do que antes, fazendo com que Teddy desse um pequeno pulo.

O silêncio foi tão grande depois disso que Teddy temeu respirar alto demais. Cauteloso, encostou o peito na parede externa da casinha de tijolos e espiou a cena no beco.

Como presumira, tratava-se de dois homens, um mais jovem que o outro. Este usava um suéter azul e calças desbotadas, e parecia ainda mais desesperado agora que Teddy podia vê-lo. Os cabelos apontavam para cima, como se ele tivesse agarrado-os muitas vezes naquele dia. Bolsas roxas enormes enfeitavam a pele embaixo de seus olhos, e suas mãos tremiam sem parar.

O homem mais velho parecia ainda pior. Usava roupas remendadas em tantos lugares que quase não conservavam nenhuma parte de seu tecido original. Havia cicatrizes, velhas e recentes, enfeitando toda a pele que Teddy podia enxergar. Segurava um objeto que lembrava um dos colares chiques da vizinha de Teddy, a Madame Ramirez, todo dourado e cheio de anéis.

Mas nenhum dos colares de Madame Ramirez jamais brilhara como aquele.

— Vamos embora daqui, Neville — o homem mais velho disse, com mais calma, mas ainda sim com urgência.

Agora que Teddy parava para analisar, o homem parecia muito desconfortável ali. Parecia vibrar onde estava, quase como se estivesse com medo.

— Professor — o que certamente era Neville implorou. — Quer mesmo perder sua única oportunidade de ver sua família de novo?

Uma expressão que Teddy não conseguiu identificar passou pelo rosto do tal professor, rápida e dolorosa como uma flecha. Mas ele não teve tempo de responder a perguntar do mais novo, porque um latido alto soou no beco inteiro.

Vinha de um cachorro, grande e preto como um urso. Mas com os pelos ralos e embaraçados com sujeira, além de sua aparência magra e doente, não havia muito de intimidador nele. Mesmo assim, ele não parou de latir nem rosnar, dando a volta em Teddy e avançando no garoto. Sem perceber, Teddy começou a entrar no beco cada vez mais, alheio aos dois homens ali presentes.

[...]

Em segundo plano, aproveitando a distração que ambos cachorro e menino causavam, Neville Longbottom deu um passo à frente e agarrou o vira-tempo das mãos cicatrizadas de seu antigo Professor Lupin.

Mas o homem reforçou seu aperto no objeto e tirou os olhos das duas figuras no beco. Impedidos de usar suas varinhas no ambiente totalmente trouxa, os bruxos dependiam agora de suas próprias mãos.

Remus Lupin podia um dia ter sido forte, mas agora era mais velho e cansado. E não tinha o brilho de insanidade que os olhos de Neville mostravam. Por isso, quando o mais novo puxou o objeto novamente, seus dedos acabaram por ceder.

Foi nesse momento que o garoto do vilarejo, que não deveria ter mais de quinze anos e que andava de costas para escapar do cachorro, tropeçou em um dos tijolos que jaziam no chão acimentado e esbarrou na mão de Neville, levando o vira-tempo consigo.

E o vira-tempo, que tanto havia sido girado pelos dois homens em sua luta quase infantil, não deu tempo a ninguém para gritar ou ao menos reagir.

Rápido como um piscar de olhos e antes mesmo de tocar o chão, o menino desapareceu.

[...]

Avada Kedavra!

Teddy sobressaltou-se e pôs uma mão na frente dos olhos quando um raio de luz verde cortou a noite de forma violenta. Mas aquilo não estava certo, como poderia? Vinte minutos atrás eram sete horas da matina, e o sol estava a meio caminho de iluminar o dia.

Talvez estivesse em algum outro vilarejo, tentou se convencer, um no qual os invernos fossem muito mais rigorosos e o sol gostasse de procrastinar.

Mas isso não explicava como chegara ali, não é mesmo?

Lembrava-se somente dos dois homens no beco, o cachorro, e aquele colar... Mas como-

— Você! — alguém berrou, e Teddy forçou-se a prestar atenção.

Estava em um cemitério, concluiu com uma pitada de medo, e aparentemente não estava sozinho. Um homem gordinho e ao mesmo tempo de aparência flácida enfiava um pedaço de pano preto na boca de um garoto que, Teddy notou com espanto, estava amarrado firmemente a uma das lápides do local.

A alguns metros de distância, o que parecia ter o formato de um corpo jazia imóvel na grama amarelada, mas Teddy preferiu não pensar muito nisso.

O homem gordinho se afastou do garoto e se aproximou de um caldeirão mais ao centro do cemitério. Tomado pelo sentimento de enojado espanto, Teddy assistiu enquanto ele seguia os passos de um ritual um tanto doentio, que envolvia até mesmo a violação de um dos túmulos. Foi quando o homem anunciou a própria mutilação com a voz trêmula que o adolescente forçou-se a desviar os olhos.

E em um ato completamente impulsivo, Teddy correu até onde o outro menino se debatia, tentando se soltar. Grandes olhos verdes se arregalaram quando ele se aproximou.

— Ei, ei, tudo certo? — Teddy perguntou, nervoso, analisando as cordas. Estavam tão apertadas que certamente deixariam hematomas. — Não tem porque se preocupar, ok? Vou tirar você daqui, pra bem longe desses... hippies satânicos. Por acaso você teria uma faca ou algo assim?

O menino dedicou cerca de cinco segundos para encarar Teddy como se ele fosse um fruto bizarro de sua mente já traumatizada, mas foi só isso. Teddy observou sua expressão ir de surpresa a determinada até o garoto apontar com a cabeça para um ponto na grama atrás dele.

Bem onde o corpo no qual Teddy poderia muito bem viver se pensar a respeito jazia.

Ótimo. Perfeito. Revistar bolsos de gente morta, tem jeito melhor de começar o dia? Ou terminar, ele acrescentou mentalmente, enquanto apertava os olhos para ver através da escuridão.

Mas, ao que tudo indicava, o garoto não queria que Teddy chegasse perto do corpo. Não, ele apontava freneticamente um objeto ao lado dele, o qual Teddy não hesitou em pegar.

Foi quando chegou à conclusão de que segurava em suas mãos um graveto muito bem polido que Teddy começou a desconfiar de que estava tendo um daqueles sonhos febris dos quais sempre acordava com tio Thomas sentado no pé de sua cama segurando uma tigela de canja e alguns comprimidos.

— Ok, por mais que eu ache maneiro esse seu pedaço de madeira, eu não acho que—

Mas foi interrompido quando o homem pareceu ir na direção deles, o que fez com que o outro garoto se debatesse e indicasse para o objeto mais ainda.

Se sentindo um pouco ridículo, Teddy deu alguns passos à frente e depositou o graveto na mão esticada do garoto e correu para se esconder atrás de uma lápide, tomando cuidado extra para não chegar perto do corpo na grama.

O homem gordinho se aproximou do menino amarrado com uma faca (pelo menos alguém ali tinha uma faca), e fez um corte profundo no seu braço, recolhendo longo em seguida o sangue para depositar no caldeirão esquisito.

E antes que o cérebro de Teddy pudesse assimilar qualquer coisa, o garoto estava no chão, livre, e apontava o graveto na direção do homem. E, como se eles estivesse em um maldito especial de Halloween do Disney Channel, um raio atingiu o homem e ele caiu no chão, imóvel.

Então o menino correu. Na direção de Teddy, mais especificamente.

Teddy, que não era nenhum louco, levantou os braços em rendição, fazendo o outro revirar os olhos.

— Não vou machucar você — ele garantiu. — Salvou minha vida. Presumo que não tenha entendido nada do que aconteceu?

— Nope. Nadinha. Se você pudesse me indicar o manicômio mais próximo, por favor, vou seguir meu caminho.

O garoto riu, mas logo sua expressão se tornou séria. Seus olhos alcançaram o corpo a alguns metros dali mas ele logo os voltou para o chão. Eles brilhavam, Teddy percebeu.

— Precisamos sair daqui, antes que ele acorde — ele disse. E então franziu as sobrancelhas. — Como você chegou aqui?

Teddy soltou um barulho nasal estranho.

— Ah, se eu soubesse. É uma longa história, na verdade. Mas deve ter alguma coisa a ver com aquele trocinho dourado ali. Acha que é ouro? Talvez eu devesse guardar e dar para minha tia Audrey, sabe, de dia das mães e tal. Ei, por que está pegando ele? Quer dá-lo a sua mãe também? Olha, cara, a gente vai acabar brigando aqui, hein—

— É um vira-tempo — o rapaz concluiu, analisando o colar nas mãos sujas de terra. Não que houvesse alguma parte nele que não estivesse suja de terra. — Talvez se a gente desse algumas voltas... E então Cedrico...

— Olha, cara — Teddy disse, se aproximando e tentando pegar o colar. O outro tirou-o do seu alcance. — Eu não sei onde eu estou, nem o que diabos acabou de acontecer aqui na Zumbilândia, mas o que eu sei é que essa coisinha foi o que me trouxe aqui. E eu preciso voltar.

— E quem é você mesmo? Você chega aqui com um vira-tempo e não reconhece nem mesmo uma varinha e quer que eu confie em você?

— Escuta aqui, Alex Russo—

— RABICHO!

Os dois garotos pularam. Uma figura esquelética surgia de dentro do caldeirão esfumaçante, fazendo um arrepio subir as costas de Teddy. E então ela fixou seus olhos vermelhos nos de Teddy e foi como se sua alma tivesse ido dar um passeio fora da cidade.

— Talvez seja um bom momento para dar o fora daqui? — ele sugeriu ao outro adolescente, que assentiu prontamente.

E os dois continuaram no mesmo lugar.

— Você ao menos sabe como usar essa coisa?

— Não! Eu só vi minha amiga usá-lo uma vez.

A figura saiu de dentro do caldeirão, sussurrando palavras de forma arrastada que Teddy não compreendia, mas era esperto o bastante para entender a mensagem.

— Me dê esse negócio aqui! — E puxou-o para si, tentando imitar os movimentos que vira os homens fazendo mais cedo.

Estava prestes a desistir e aceitar seu destino como próxima manchete do jornal matinal (Adolescente é Morto em Cemitério por Hippies Satanistas, pág. 6), quando o pingente do colar começou a brilhar.

E rodar.

E então o rapaz agarrou o colarinho da sua camiseta e as cores todas se turvaram, os sons se misturando em uma sinfonia não ensaiada.

Ah, droga, lá vamos nós.


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Notas finais do capítulo

ressurgi das trevas KKKKKKKKKK gente, não sei qual vai ser a frequência das atualizações, tô passando por um momento difícil da minha vida JDKDIDNFFKODKFOF mas espero que gostem!



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