Dona Maria escrita por Braunjakga


Capítulo 4
Deixa eu namorar a sua filha?




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Capítulo 4

Deixa eu namorar a sua filha?

 

“...Dona Maria

Deixa eu namorar a sua filha

Vai me desculpando a ousadia

Essa menina é um desenho no céu

 

Dona Maria

Deixa eu namorar a sua filha

Vai me desculpando a ousadia

Essa menina é um desenho no céu

Que Deus pintou e jogou fora o pincel” 

 

(Tiago Brava, Dona Maria)

 

Já era cinco e meia da tarde.

Kuklo terminou mais um dia de trabalho e se aproximava do alojamento de Rosa sem uma barraca debaixo do braço.

O rapaz estava cabisbaixo, mas, pelo menos, não poderia dizer que não tinha uma solução para o problema. Bastava que Rosa entendesse que muita coisa não se resolve em tão pouco tempo.

Do nada, a porta da casa se abriu. Rosa saiu afobada, como se o jovem tenente tivesse acabado de voltar da guerra mesmo.

— Kuklo!

— Rosa!

Os dois deram um abraço apertado na frente da casa. Ele sentiu que Rosa tremia um pouco e ficou preocupado. Talvez fosse por causa da dificuldade dele de falar com a Dona Maria, que agora ela também parecia sentir.

Eles se beijaram e o coração de Kuklo começou a pulsar acelerado, pegando um pouco da afobação da namorada. Ele tentou acalmar a garota com uma dose de humor.

— Rosa… Não era você que queria fazer greve e agora me recebe desse jeito? Ei já vou avisando que não trouxe a barraca e… 

— Seu bobo! Esquece esse negócio de greve! Isso é uma coisa muito idiota, sabe? 

— Bem… Eu pelo menos trouxe uma resposta… 

— Kuklo, o meu erro foi esse… Eu coloquei nas suas costas uma coisa que era de nós dois… 

— Você fala… A sua mãe?

— Sim, me desculpa, vai… 

Kuklo ficou tão sentido com a cara da namorada que deu um selinho nos lábios dela e acariciou a bochecha da jovem mulher, acariciando suas mechas. 

— Você não tem que se desculpar… Você não fez nada de errado… Eu tô precisando falar com a sua mãe mesmo… Mas ainda me falta a coragem.

Rosa pegou as mãos de Kuklo e puxou o rapaz para dentro de casa. 

— Vamos enfrentar a minha mãe juntos, está bem? Como um casal que a gente é.

O rapaz faz sim com a cabeça, sorrindo com os lábios. Rosa continuou:

— Não faz sentido a gente tá namorando e… Eu te forçar uma coisa dessas sozinho… 

Kuklo apertou a mão dela com a sua, entrelaçando os dedos. Uma imensa sensação de felicidade surgiu em seu peito escutando aquilo. Os dois não precisavam se falar mais, os gestos já diziam tudo. Ele sabia que a namorada estava preparando alguma coisa por causa das mãos suadas dela.

— O que você tá aprontando, Rosa?

A garota fez um sorriso maroto e entrou com o rapaz.

— Mitéra (mãe), você aqui?

A mulher grega de cabelos escuros e longos deu um abraço apertado no filho.

— Kuklo! Que bela surpresa vocês aprontaram pra mim! 

— Que surpresa, mãe?

— Ora, a Coronel Maria! Eu já conhecia ela faz tempo! 

— Coronel Maria? Já conhecia? — perguntou o jovem tenente. Ele arregalou os olhos só de ouvir o nome da “sogra”.

— Sim! A gente sempre esteve conversando… 

— Sempre conversando?

— Pois sim! A Maria me contou que ela vai conhecer hoje o rapaz que fez a filha dela entrar no exército. Você sabe quem é, filho? — disse Elena indicando com a mão o lugar onde a coronel estava: sentada na mesa de jantar da sala com um porta-retratos nas mãos. A mulher de cabelos castanhos e mechas onduladas do lado das bochechas olhou para Kuklo com uma face de extrema seriedade. Kuklo congelou, mas Rosa correu para ficar do lado dele com os dedos entrelaçados… 

— Ah, então era você, Tenente! 

O rapaz estava trêmulo com aquela voz firme. Ele fechou os olhos e voltou a abri-los, dessa vez com mais firmeza e determinação para poder suportar a dureza da expressão dela. 

— Senhora Maria… 

— É coronel, tenente! 

— Não precisa ser tão dura assim com ele, mãe! — disse Rosa.

— Pra você também é coronel, mocinha! — disse Maria, gritando de forma jocosa com a filha. Rosa fechou os olhos e disse:

— Sim, coronel!

— Muito bem! E então, tenente, não tem nada a dizer? Por que você não me disse já no dia dos veteranos que vivia com a minha filha? Até sua mãe tava sabendo e eu não! — perguntou Maria. Elena tentou colocar panos quentes na situação.

— Maria, Maria, mais calma aí! Eles são jovens! Meu filho é um pouco tímido e… 

— É coronel Maria! — gritou Maria, de forma engraçada mais uma vez.

— Bem… Eu não sou militar, mas eu entendo um pouco dessas coisas… — disse Elena, sorrindo um pouco. Fazia tempo que ele não via a mãe daquele jeito e ficou mais aliviado.

— Ah, é? Ele é seu filho, não é? — perguntou Maria.

— Sim… — respondeu Elena.

— Olha só o estado dele! Como a senhora deixa ele ficar nesse estado! Ele perdeu um olho! 

— Olha, coronel… 

— É Maria!

— Olha, Maria… Você não sabe como eu tentei conversar com o Kuklo sobre seguir carreira no exército! 

— Convenceu, é? Pois não parece!

— Eu sei que não é uma vida fácil, ainda eu sinto muita falta do Heath… 

— E você nem pra impedir ele de ir pro Afeganistão?

— Como eu te disse, Maria, eu tentei. Mas eu, como mãe, não seria mãe completa se eu prendesse meu filho naquilo que eu acho que é certo. Eu posso até orientar… Mas eu não posso viver a vida dele e tomar as decisões por ele… Faz parte de ser mãe também empurrar os filhotes pra fora do ninho pra ver eles aprenderem a voar… Eles não vão voar pelos mesmos ares que a gente já voou… — disse Elena, com um misto de melancolia e nostalgia nos lábios. 

— Mas… Mas você não se preocupa com os olhos dele? 

— Sim, e como! Eu já te falei que eu passei mal quando soube da notícia da bomba. Fiquei internada uma semana no hospital, com pressão baixa e não melhorei nada. Tive que voltar pra Grécia por conta do clima mais quente, pra ver se eu melhorava… Mas como eu te disse, não sou eu quem vai viver a vida de uma pessoa livre e independente. Tudo o que eu posso fazer é confiar no Kuklo… Ele é um homem afinal das contas, da mesma forma que Rosa é uma mulher feita… — disse Elena, afagando as costas do filho.

— Mãe… — disse Kuklo, fazendo a mesma coisa, repousando a testa na cabeça da mãe, afagando a nuca dela.

Maria abaixou os olhos e prestou atenção ao porta-retrato que tinha nas mãos. Era o mesmo porta-retratos onde estava a foto do pai de Kuklo e de seu falecido marido, que o jovem tenente mostrou para o amigo mais cedo.

— É… tô vendo que a amizade do meu marido ainda continuou dentro de vocês… Da mesma forma que essa coragem sem limites pra fazer de tudo! — gritou Maria, como das outras vezes. Um olhar firme surgiu no rosto de Rosa e ela ganhou coragem para encarar a mãe.

— Mamãe, me escuta! A senhora quis saber quem era a pessoa que me fez querer continuar no "Heer", não é? Ele tá aqui! Ele é o Kuklo!

Todo mundo ficou em silêncio e um clima de tensão pairou no ar.

— Eu não conheço ele de agora. Eu já conheço ele faz tempo! No começo, a gente nem se levava a sério direito, mas depois, quando eu me reencontrei com ele no Afeganistão, quatro anos atrás…

— Quatro anos atrás! — interrompeu Maria, com os olhos arregalados.

— … Eu estava perdida numa situação que eu nunca enfrentei. Eu não sabia o que fazer diante do perigo. Foi aí que o Kuklo foi me mostrando o caminho aos poucos e… Eu fui encontrando meu jeito de me virar num mundo longe de casa, cercada de montanhas… Correndo risco de vida… O Kuklo foi meu amparo, é meu amparo até hoje… 

— Você está dizendo que… — interrompeu Maria.

— Eu admiro o Kuklo! 

Outro momento de tensão e silêncio apareceu. Rosa queria dizer outra coisa, mas o olhar severo da mãe não deixou.

— Eu fui a primeira pessoa a cuidar dele, fui eu quem fez os primeiros socorros nele… Depois que ele melhorou, não foi uma ou duas vezes que ele me protegeu… Essa admiração se transformou numa vontade de querer ser como o Kuklo… E eu quis ser ele, sabe? A gente do corpo médico só usa pistola… Pegar num fuzil com ele foi… demais! — disse Rosa, se empolgando com a própria narração. Elena sorria, Kuklo confirmava sua satisfação com um sorriso e Maria cada vez mais ficava mais resignada.

— Você… Pegou num fuzil? — perguntou Maria, sem acreditar. — Meu Deus! Você sabe que infração cometeu?

— Sei sim, mãe. No começo pensei que era só vontade de ser ousada como ele, mas… Eu não podia me desconsiderar, pois eu também sou ousada, poxa! Eu fui descobrindo que… Era vontade de compartilhar essa ousadia presa dentro de mim com alguém mais louco do que eu… Foram tantas loucuras juntos, né, amor?

— Pois é… — respondeu o rapaz, sem jeito, coçando a cabeça.

— Nossa, teve até loucura! — disse Elena, surpresa com os dois.

— Loucuras juntos? — perguntou Maria, sem acreditar no que ouvia da mesma forma que Elena. 

— O único problema era que o Kuklo não é sentimental! Ele não é de falar sentimentos nenhum! — disse Rosa, olhando com raiva para o namorado, socando o peito dele.

— Como eu ia saber se ia voltar vivo, mulher? — disse Kuklo, tentando se defender com o braço. Rosa parou de bater nele e continuou:

— Por isso, mãe, eu não pude falar mais cedo todos os sentimentos… Que ele desperta dentro de mim…  

— Que sentimentos são esses, Rosa? — perguntou Maria. Séria.

— Eu amo o Kuklo! — disse Rosa.

Todo mundo ficou quieto. A jovem enfermeira continuou:

— Depois de tanto tempo vendo ele arriscar o pescoço… Eu me apaixonei por ele de verdade… — disse Rosa, cabisbaixa. Kuklo interveio e ficou do lado da namorada, segurando a mão dela.

— Dona Maria! Eu assumo toda a responsabilidade! Por isso… pode ter certeza que… Se acontecer alguma coisa com ela, vai acontecer comigo também… E… É isso! Faz parte de ser um casal assumir essas responsabilidades juntos, não é, amor?

Rosa fez sim com a cabeça e os dois ficaram encarando a coronel de mãos dadas, esperando a resposta dela. A Coronel, chocada, sentou-se no sofá e todo mundo ficou preocupado com ela. 

— Mamãe? — disse Rosa, ajoelhando-se diante dela. Kuklo correu para pegar um copo de água e Elena se sentou do lado dela. 

— Acho que a pressão dela baixou. — comentou Elena, dando para ela o copo de água que Kuklo trouxe. — Mas também, meninos, é muita emoção pra pouco tempo! Né? 

— Dona Maria… — disse Kuklo. De repente, a Carlstead mais velha começou a chorar, bebendo o copo de água. 

— Mamãe? — perguntou Rosa, preocupada.

— Eu não queria me lembrar disso… Não queria mesmo… Isso foi tão a cara do Sorum! Ele também chamou a mãe dele pra conversar com meu pai quando me pediu em namoro… 

Rosa e Kuklo se olharam e perceberam que aquele era o momento. O tenente de ajoelhou diante da sogra e segurou a mão dela.

— Dona Maria… Deixa eu namorar a sua filha? 

Maria levantou a cabeça e olhou para Kuklo. Ela não dizia nada, mas tampouco parecia reprovar o rapaz como antes.

— Me desculpe a ousadia, mas… ter a companhia da Rosa todo dia é um presente dos céus… Só tenho a agradecer a senhora e ao Sorum por ter colocado ela no mundo…   

Rosa ficou corada com o que o namorado disse e deu um beijo na cabeça dele. Maria ficou tão corada quanto e não sabia o que fazer.

— Ela é um presente, não é?

— Sim…

— Então cuida bem dela… — Maria sorriu pela primeira vez naquela noite. Um sorriso alegre e acolhedor. Elena ficou surpresa, sem ar. Os olhos de Kuklo se encheram de esperança e  Rosa agarrou o pescoço dos dois com muita força, beijando a testa de cada um. Os três ficaram abraçados por um tempo até Maria continuar. — Ela gosta que repare no cabelo dela… 

— Eu sei… 

— Ela é uma pimentinha que vive “curiando” tudo e qualquer coisa!

— Eu sei, eu sei… 

— Agora, eu tenho mais uma pessoa pra dividir os problemas dessa "pestinha" comigo… — disse Maria, se levantando do sofá.

— Que bom que a Maria apoiou o namoro de vocês! Então, filho, já tá com as alianças do noivado?

— Noivado? — perguntou Maria, sem acreditar.

Kuklo e Rosa olharam um para o outro, sorrindo como se tivessem feito alguma traquinagem.

— Mãe… A gente já tá namorando faz quatro anos, né? Então, a gente já vai dar o próximo passo… 

A Coronel Maria desmaiou e Elena segurou a mulher.

 

FIM


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