Uma Canção de Sakura e Tomoyo: Finalmente Juntas escrita por Braunjakga


Capítulo 47
Você tem um talento especial




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/783908/chapter/47

Capítulo 45

Você tem um talento especial

 

Madrid, Espanha

30 de abril de 2016

 

I

 

Chitatsu estava no sofá da sala da mansão, assistindo ao jogo do Barça na televisão de setenta polegadas. Na tela, passava o seu time de coração contra o Betis. O rapaz olhava atentamente a TV, vidrado em cada lance.

De repente, o irmão Iñaki apareceu e sentou-se no sofá do lado dele. Ele pegou o controle remoto e mudou de canal, colocando no jogo da Real Sociedad contra o Real Madrid.

Chitatsu foi lá e trocou de novo de canal.

Iñaki pegou o controle e colocou no jogo da Real Sociedad de novo.

Chitatsu pegou o controle e voltou a colocar no jogo do Barça.

Iñaki, mais uma vez, pegou o controle e colocou no jogo da Real Sociedad.

Nessa hora, Iñigo apareceu na sala e viu a cena. Ele começou a gargalhar.

Chitatsu ficou olhando para o irmão Iñaki e não sabia se chorava ou gritava com ele. Pegou o controle da mão dele e colocou no jogo do Barcelona novamente. 

Foi Iñaki quem reagiu. Ele deu um salto do sofá e gritou com Chitatsu.

— O que você tá fazendo, Chi? A Real tá jogando!

Chitatsu perdeu as estribeiras e falou chorando:

— O que eu tô fazendo? Eu estava aqui quieto, na minha! Você veio e tirou do jogo do Barça pra colocar na sua Real! — disse o menino, em prantos.

Aqueles berros foram o alerta vermelho para Gotzone sair da cozinha e correr para a sala.

— O que vocês dois estão fazendo? Iñaki! Chitatsu! — disse a jogadora, nervosa.

Os dois rapazes ficaram olhando para o chão. Foi Iñigo quem explicou.

— “Ama”, eles tavam brigando pra assistir jogo… 

— Brigando por jogo? Como assim? — Gotzone olhou para a televisão e logo entendeu o que o filho queria dizer. — Iñaki, me dá esse controle! — disse Gotzone, arrancando o controle remoto da mão do menino. — Vocês vão quebrar a televisão desse jeito! Vocês não tem uma televisão no quarto de vocês? Pra quê isso?

— “Ama”, o pai tá jogando! A Real também! Por que o Chi não quer ver o pai? 

— Porque eu quero ver o Barça! — gritou Chitatsu com o irmão, de um jeito que a loira de tranças nunca viu. Fazia quatro meses que o rapaz estava com eles, ele nunca demonstrou nenhum sinal de estresse ou coisa parecida com os meninos, pelo contrário, os gêmeos sempre o tratavam bem e Chitatsu buscava ficar calado no seu canto, só estudando matemática. Por outro lado, Iñaki era o irmão mais velho. Ele nunca fez nada para desagradar Chitatsu. Quem mais bolinava com o menino era Iñigo, que sempre o importunava no meio de seus cálculos para jogar bola e não só ficar fazendo contas. 

As únicas vezes que Chitatsu demonstrava alguma outra emoção além da quietude era quando via o FC Barcelona jogar. Toda vez que a equipe entrava em campo, Chitatsu gritava e pulava. Iñigo, muitas vezes, lhe fazia companhia. Iñaki não participava pois o Barça era rival do Real Madrid, onde jogavam o pai e a mãe, e o rapazinho já tinha um time para torcer, a Real Sociedad de sua mãe e de sua família de Donostia. Iñaki já havia trocado de canal muitas vezes na frente dele para ver os jogos do Real Madrid e o pequeno nunca se importou. Aquele caso era inédito.

Gotzone pensou que a ausência de Sakura fazia mal para ele. Fazia um mês que a Cardcaptor nem sequer passava para fazer uma visita. Aquilo era óbvio, ela não se sentia confortável com a loira. Pela primeira vez também, a jogadora se sentiu tentada a telefonar para Sakura e falar do ocorrido. Segurou-se e tentou resolver aquilo alí mesmo.      

— Iñigo, quem estava na sala primeiro? 

— O Chi, “Ama”.

— Pois bem! Você tem uma televisão no seu quarto, mocinho! Trate de ver o jogo da Real lá.

Iñaki se sentiu contrariado. 

— Ah, mas eu queria ver o pai jogar com todo mundo! — disse ele. 

— Iñigo, faz companhia pro seu irmão. Como o Chitatsu está aqui primeiro, ele fica na sala.

— Eu quero ver o jogo do Barça com o Chi. — disse Iñigo, sorrindo. Gotzone pensou que ele estava sacaneando e sorriu de volta.

— Você não quer ver seu pai não? Não quer ver a nossa Erreala de Donostia? 

— Essa Real é muito ruim! Vai perder pro time do pai, fica vendo! — disse Iñigo, gargalhando diante da cara de choque da mãe. Gotzone não sabia o que pensar diante da perplexidade de ver que o filho não tem os mesmos gostos esportivos que os dela. Sentiu que aquilo tinha o dedo de Sakura, do filho de Sakura e ficou contrariada. No fundo, até pensou em colocar aquela televisão gigante no jogo da Real, mas só pensou, até que reparou que Chitatsu saia sorrateiramente da sala, sem chamar atenção. Iñaki percebeu e correu até ele, pedindo desculpas.

— Sentitzen, Sentitzen (desculpa, desculpa)! — dizia o rapaz. — Tá, desculpa, eu assisto com você o jogo do Barça! Não vai embora, Chi! — pediu Iñaki.

— Já perdeu a graça gritar… — disse Chitatsu, chorando. Ele andou lentamente para fora da sala, cabisbaixo, sentando-se perto de uma coluna, de cara para o jardim. Iñaki se sentiu tão mal com a reação do irmão que quase chorava também. Iñigo pegou o controle da mãe, sem ela perceber, e colocou no jogo da Real.

— Toma, Iñaki, Ama, pode ver a vontade… — disse Iñigo. Ele saiu do lado deles e sentou-se ao lado do irmão, sem falar nada. Gotzone não soube o que fazer. Tomou a melhor decisão, a que não agradou ninguém: desligou a televisão. Iñaki saiu da sala sem ninguém perceber. Gotzone aproveitou e andou até os meninos e, em vez de consolar o filho de Sakura, resolveu entender a origem de toda aquela situação.

— Chi, me diz uma coisa: o seu “Aita” joga no Madrid, não joga?

— Sim.

— Ele sempre gostou do Madrid, não é?

— Sim.

— Por que você gosta do Barça?

— Não sei. 

— Não sei não é resposta… 

— Eu sei, mas… Por que a senhora gosta do papai?

Gotzone se sentiu desafiada por ele. Olhando-o, olhava para a própria Sakura. As anteninhas na cabeça, os profundos olhos verdes, olhando para ela. Não temeu e respondeu:

— Eu sempre gostei dele. Ele sempre foi uma graça. — disse a mulher, com as bochechas vermelhas.

— Eu sempre gostei do Barça. As cores, o hino, a torcida… Minha primeira camisa de time foi uma que eu ganhei da Tomoyo… — respondeu Chitatsu, encarando-a. A Semelhança com Sakura era tão clara que tinha vezes que lembrava-se da cardcaptor. Respondeu para ele, não como uma criança, mas como se ele fosse um ramo de uma árvore chamada Sakura.

— O Real Madrid é o maior campeão espanhol! Temos 10 Ligas dos Campeões, 32 Campeonatos Espanhóis e caminhamos para conseguir mais! Fora isso, temos a maior torcida de todo o planeta! — disse a mulher. Ela tremia levemente, tentando se segurar, pois lembrou-se novamente que ele era apenas uma criança. Rezava no fundo da alma para que ele entendesse que aquilo não passava de uma brincadeira. Chitatsu levantou a cabeça e olhou para ela, um pouco mais animado. Ele não chorava mais. Ele se sentia desafiado pelo que ela falou também. Tudo o que tinha a ver com o Barça o deixava mais feliz, até mesmo quando o time perdia.  

— Duvido que seja melhor que a do Barça! — respondeu o rapaz.

De repente, Iñaki, que estava sumido até então, apareceu com uma camisa do Real Madrid nas mãos. Estava com o número oito e o nome de Chitatsu nas costas. 

— Chi, você lembra, né? O pai deu uma pra cada um! Cadê sua camisa do Barça, hein? Cadê? — perguntou Iñaki, imitando a mãe e desafiando o irmão. Gotzone ficou preocupada.

— Iñaki, o que você tá fazendo? Deixa ele em paz! Você já azucrinou o seu irmão demais hoje, não é? — disse Gotzone, arrancando a camisa da mão dele. O gêmeo Bengoetxea sentiu-se mais uma vez mal pelo que ele fazia.

— Eu aceitei a camisa, porque era um presente do pai. Mas meu coração sempre vai ser do Barça… Não importa que camisa meu pai me dê… — disse Chitatsu. 

De repente, a campainha da casa toca. Gotzone sentiu um raio atravessar a cabeça, mas depois voltou ao normal. Ela sabia quem se tratava. Correu até a maçaneta e abriu a porta. 

— Sakura. 

— Gotzone. 

— Posso entrar?

— Pode… 

Sakura entrou e o primeiro a abraçá-la não foi Chitatsu, foi Iñigo. 

— “Ama”! — disse o rapaz. — Sentitzen dut! (Desculpa!) — disse ele.

— Desculpa? Por que? — perguntou a Cardcaptor. Ela logo entendeu. Dava para ver os olhos de Chitatsu ligeiramente vermelhos. Nessa hora, ele já havia se levantado e corria para saudar a mãe. 

— Okasan (mamãe)… — disse o rapaz, imitando os irmãos ao chamar o nome “mãe” em sua língua materna. Enquanto andava até Sakura, Iñaki tomou a dianteira e se curvou perante ela, tentando evitar uma briga dentro de casa, antes que Sakura começasse a pensar conclusões erradas.

— Foi tudo culpa minha! Eu quis que o Chi visse o pai jogar. O Chi queria ver o Barça e eu quis continuar a ver o pai jogar. O Chi não gostou e a Ama tomou o controle da minha mão. A Ama perguntou porque o Chi gosta do Barça. O Chi falou que é a mesma coisa que ela gostar do papai… — disse o menino. Ele sentiu que falou demais, de alguma forma, e Iñigo deu um cascudo na cabeça dele.

— Não fala do Aita na frente da Ama Sakura! — disse Iñigo.

Sakura não soube o que pensar, aliás, nem começou a pensar mal de ninguém. Ficou tocada com a explicação deles, achava engraçado Iñigo lhe chamando de “mãe” e entendeu que não passou de um desentendimento de irmãos. Gotzone a olhava apreensiva, esperando pela resposta dela. A cardcaptor não tardou em falar. 

— Iñigo, Iñaki… Não tenham medo de falar do Aita (pai) de vocês… — disse a Cardcaptor, relaxando as tensões. 

— Me desculpa por tudo… — disse Iñaki, ainda sentido. Sakura sorriu para ele e lembrou-se dos ingressos que carregava.

— Quer ajudar o Chi, Iñaki, e se desculpar com todo mundo? — perguntou Sakura, abaixando-se para ficar cara a cara com ele.    

— Bai (sim).

— O que você acha de ir na semifinal da Champions comigo e ver Barcelona contra o Manchester City, hein? — perguntou Sakura. — Chitatsu arregalou os olhos e ficou boquiaberto. Iñigo sorriu e imitou o irmão. 

Iñaki não respondeu. Ou melhor, não entendeu a pergunta direito. Foi Chitatsu que esclareceu aquela dúvida.

— Ingresso pra semifinal da Champions pra ver o Barça de perto?

— Isso mesmo, filho! Você gosta do Barça, né? — perguntou Sakura, tirando os ingressos da bolsa. Sem perceber, Iñigo chegou por trás dela e arrancou os bilhetes da mão de Sakura. Ele tremia todo, agitando as mãos e os pés. Ele mostrou para Chitatsu os bilhetes e o rapazinho soltou um grito. 

— A gente vai pra Champions! — disse Iñigo.

— Ver o Barça! — disse Chitatsu. Os dois agarraram as mãos e saíram pulando na sala, fazendo ciranda. Iñaki olhou para eles e sorriu contrariado. — Duvido que seja melhor que o Real Madrid! — disse o menino, cruzando os braços. 

 

II

 

— Foi isso que aconteceu então… — disse Sakura.

— Foi sim. No final, ninguém assistiu jogo nenhum e foram fazer outra coisa… — disse Gotzone, olhando para os três jogando bola no jardim da mansão, mais animados que nunca. Parecia que não tinha acontecido nada meia hora antes. 

— Ele ainda continua contando?

— E como! O Iñigo até tenta embarcar nas esquisitices dele, mas acho que é porque ele gosta muito do Chitatsu. O Iñaki também tenta entender o Chi, deixando ele sossegado… Ele nunca agiu assim, vou conversar com ele… — disse Gotzone, se explicando. 

— Que é isso! Você não tem culpa de nada! Têm crianças que são mais agitadas do que outras. Eu era assim com meu irmão… — disse Sakura.

As duas ficaram tão sem graça com o entendimento mútuo que nem sabiam o que falar mais, nem se olhavam. Foi Gotzone quem continuou.

— Me desculpa falar assim, mas sinto que o Chitatsu se desloca do mundo de vez em quando… Fica sozinho, andando com um graveto na mão, contando os cascalhos do jardim… Queria até falar com você sobre isso, se pensa em levar ele pra um psicólogo… 

— Eu já fiz isso… O Shoran fala que isso é normal e… 

As duas ficaram sem graça de novo. Sakura prosseguiu:

— O psicólogo falou que, enquanto ele tiver na escolinha, tendo contato com outras crianças, ele… vai ter um desenvolvimento saudável… Ele só fica contando por umas horinhas depois volta ao normal… 

— Eu pude perceber…  

— Sinto que ele tá mais feliz depois que encontrou eles… Mesmo longe, eu falo com ele direto no zap… 

— Eu sei, ele me fala…  Comunicação é importante… 

As duas ficaram sem se falar mais uma vez. 

— Você pode vir aqui, Sakura, falar com ele sempre… 

— Não precisa, não precisa mesmo! — disse Sakura, enfática. — Mas… Você não liga, né? Eu levar seus meninos pra ver o jogo… 

— Não. Eu sei que, de alguma forma eles estão animados. 

— O Iñaki…

— Ele é muito apegado à mim e ao pai… Não liga não pro que ele disse mais cedo, ele também vai gostar… 

 Mais um período de silêncio surgiu entre as duas. 

— Eu já vou indo. Tá ficando tarde, né? Volto aqui semana que vem então… — disse Sakura. Ela correu para se despedir do filho e recebeu um abraço de Iñigo. Iñaki cumprimentou-a inclinando o corpo e não deixou de pedir desculpas mais uma vez. 

No fundo, Gotzone se sentiu mal. Sentiu-se mal por ter discutido com o menino mais cedo. Mas o que mais pesava dentro dela é saber onde estava o irmão da Cardcaptor e não poder falar nada para ela. 

Sentia-se mal por muitas coisa mais, mas no fundo daquele sentir-se mal, ainda havia uma esperança de entendimento com ela, mesmo distante, ainda havia. Não podia perder aquela luz.

 

Continua… 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Uma Canção de Sakura e Tomoyo: Finalmente Juntas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.