Uma Canção de Sakura e Tomoyo: Finalmente Juntas escrita por Braunjakga


Capítulo 19
Você tava esquisito, só isso




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Capítulo 17

Você tava esquisito, só isso… 

 

Casa da Família Kinomoto-Li, Donostia, Espanha

8 de outubro de 2017

 

Era uma mesa rica, plenamente recheada com os mais diversos pratos da culinária basca e catalã: paella negra, queijo idiazabal, bacalao al pil pil, canutillos de Bilbao, marmitako e salsa verde. No centro da mesa, havia um caranguejo gigante, recheado e enfeitado que nem um Peru de natal. Aquilo era chamado de Txangurro.

— Podem se servir, gente! Não fiquem com vergonha! — disse Sonomi, batendo palmas. Tomoyo vinha logo atrás e trazia uma taça de Txakoli, um vinho que só tinha no País Basco, feito com uvas que só cresciam por lá. Os meninos tomavam suco de uva e, no caso de Chitatsu, chá verde quente. 

— Deve ter dado um trabalhão fazer isso, tudo, Nakuru! Ainda bem que a Tomoyo-chan e a Sonomi-san conseguiram um espaço na agenda pra me ajudar! — disse Sakura, animada.

— Essa comida daqui não é tão diferente da do Japão. O pessoal aqui gosta de comer peixe, né? A gente costuma comer lula e polvo também. — disse Nakuru.

— Lula? — perguntou Iñigo.

— Sim! Lulas que nadam livres pelo mar e polvos que soltam tinta pela boca, assim! — disse Nakuru, encenando para o rapaz. Iñigo gargalhou e Iñaki, o gêmeo mais velho, ficou olhando para ele de um jeito esquisito que parecia que ele tinha feito alguma coisa de errado. Sakura e Kero perceberam. 

— Ei, pirralho, já comeu polvo? — perguntou Kero para Iñaki.

— Já… Behin, una vez… — respondeu Iñago.

 Syaoran levantou a cabeça e olhou incomodado para o guardião.

— Não chama ele assim! — disse o jogador.

— Ele me chamou de boneco, tá bom? Só depois eu fui ver no dicionário o que significa aquilo de panpina.

Iñigo não se importava de ser chamado de pirralho e ficou rindo da confusão em cima daquela mesa. Mesmo animada para aquela ocasião, metade do povo estava num clima de enterro que só.

Syaoran estava na cabeceira da mesa, de costas para a janela que dava acesso ao mar. Ao lado esquerdo dele, estava Sakura, Chitatsu, Kero e Nakuru. Do lado direito, Gotzone, Iñaki, Iñigo, Tomoyo e Sonomi. A loira e os filhos dela se sentiam tão desconfortáveis naquela situação que parecia que estavam num ônibus apertado, recheado de gente. 

O pior de tudo era que Syaoran se sentia da mesma forma. Ele nem sequer se soltou muito quando foi cumprimentar a mulher e os filhos dela. Iñaki estava duro e nem olhar no olho do chinês olhou direito. Iñigo, pelo contrário, cumprimentou o jogador com a mãozinha e levantou a segunda mão, pedindo um abraço. Gotzone repreendeu o filho de uma forma que ninguém entendeu e ela só foi explicar depois.

 

II

 

— Isso é mostra de respeito dos bascos! A gente vive numa região muito fria, sabe? Quando a gente vê alguém de fora, não é costume sair abraçando e olhando na cara, isso é um gesto de desrespeito. — explicou Gotzone. 

— Mas no hospital… — tentou falar Sakura.

— Sim, sim, mas eu já tinha te visto e já te conhecia, por isso, foi mais natural te cumprimentar! Agora, pense nos meninos! O Iñigo é um cara de pau mesmo! — terminou de explicar uma agoniada Gotzone, puxando a orelha do rapaz.  

Sakura continuou a não entender e Syaoran emendou a explicação dela.

— Sakura, os bascos são um povo ancestral que vive na europa há mais tempo que os próprios indo-europeus! Eles sobreviveram à tudo e agora estão aqui pra contar a sua história. Eles têm tradições diferentes de tudo o que já foi visto em outras partes do mundo!

— A professora Begoña não me tratou assim… 

— A sua professora Begoña é meio basca, já viveu em Madrid muito tempo, por isso com ela é diferente. Agora pense numa família tradicional basca. Ainda por cima magos! Tem gente por aqui que nem se sente espanhol! 

Sakura ainda estava inconformada com a explicação do marido e não falou mais nada. Olhou para Tomoyo e viu que a amiga estava mais perdida ainda, apoiando o queixo com a palma da mão.

— E eu achando que os japoneses eram estranhos para o resto do mundo! Eu entendo essas tradições, afinal, o euskera não é parecido com nenhuma língua que a gente já viu… — explicou Tomoyo. 

Sakura engoliu a explicação e a vida seguiu.

 

III 

 

Voltando para a mesa de jantar, Sakura resolveu puxar assunto com os meninos, para ver se eles se soltavam mais e se eles voltavam a ser os mesmos rapazes alegres que aceitaram tão bem seu filho, contradizendo totalmente com o que Gotzone explicou no começo. 

— E aí, Iñigo, jogando muita bola? — perguntou Sakura.

— Oso! Oso pilota gustatu! Gosto muito de jogar bola! Quando crescer, quero ser tão bom quanto a mamãe. — respondeu o rapazinho, sob o olhar atento da mãe.

— Ouvi falar que você gosta de cachorro, Iñaki, é verdade mesmo?

— Eu até gosto um pouco, txakurra gustatu txikia bat. Animalia gustatu oso, guztiak animalia. — respondeu o rapaz. 

— Ele disse que gosta muito de todos os animais, mamãe. — Traduziu Chitatsu.

— Tô vendo que você tá gostando de aprender euskera, né Chi? — perguntou Sonomi. — Pra mim, foi um terror aprender essas línguas daqui! — disse Sonomi, sorrindo com uma taça de vinho na mão. 

— Vó Sonomi, a tia Meiling cantava em cantonês pra mim… Aprendi bastante… — disse Chitatsu.

— Ah, ela cantava mesmo! Agora me lembrei! Acho que vem daí a sua facilidade com línguas! Dizem que desde cedo é bom aprender! — continuou a executiva.

— No Japão vocês não aprendem inglês desde cedo e escreve em chinês? Estranho vocês não conseguirem aprender as línguas daqui tão fácil… — perguntou Gotzone, como uma pessoa normal ao menos uma vez naquela noite. 

— Que nada! Não é bem assim! A gente não sabe falar chinês, o Shoran que o diga… — explicou Somoni. 

Syaoran deu um leve sorriso quando Sonomi falou nele, mas ainda não levantou o rosto do prato. 

— A gente fala um monte de palavra do inglês, mas fala tudo errado! No Japão tem um jeito próprio de falar e escrever! Temos quatro alfabetos e o "chinês" que você diz tem mais de 2000 letras! Se é que eu posso falar assim! — disse Sonomi, fazendo uma cara engraçada para explicar. Todos gargalharam um pouco.

“Obrigada, Sonomi-san! A senhora salvou meu jantar”, pensou Sakura, sentando-se aliviada na cadeira.

— Essa Euskadi aqui é uma terra difícil! Tô vendo um jornal aqui e tem hora que ele fala uma língua, depois ele fala outra… Vocês também não se enrolam não? — comentou Kero, pegando um grande pedaço do caranguejo enorme do meio da mesa, maior que ele.

— O povo já tá acostumado… Aqui a gente aprende quatro línguas até sair da escola… 

— E todo mundo aqui já nasce sabendo essa língua enrolada de vocês? — perguntou Nakuru. 

— Tem gente que já sabe euskera, mas tem gente que não… — explicou Goti. — Na minha família, todo mundo sabe, fui aprender espanhol na escola… 

— Agora tá explicado… Agora vamos atacar o caranguejo! — comentou Kero. Ele enfiou uma garfada no bicho e um jato de água foi cuspido no olho de Sakura. Foi o bastante para todo mundo voltar a se olhar e a gargalhar com a trapalhada. 

— Ke-ro! Você me paga! — gritou a cardcaptor, fazendo uma cara de dinossauro raivoso.

 

IV

 

Era tarde da noite. O abajur do quarto ainda estava aceso e ele nem sequer colocou as roupas de dormir. Sakura já dormia ao lado dele, despreocupada e relaxada. 

Chitatsu foi para o quarto dormir junto com Kero. Sonomi, Tomoyo e Nakuru limparam a mesa e também se recolheram. O único que estava acordado, naquele momento, era ele. Sentado na cama, Syaoran tirou a gravata e desabotoou o colarinho da camisa, sentindo um alívio que jamais sentira naquela noite. Respirou fundo e ficou olhando para sua sombra no chão. Parecia que aquele jantar havia durado horas e horas e nunca mais acabaria. As imagens de tensão daquela noite ainda estavam muito vivas em sua mente. Sakura percebeu. Não queria que ela tivesse percebido, mas ela percebeu. 

Do nada, sentiu as mãos da jovem mulher agarrando seu ombro. Ela tentava fazer uma massagem, mas sua musculatura relaxava pouco ou quase nada. Não dava para enganar Sakura com os sinais que mostrava seu corpo. Ela estudou para identificar cada sintoma de anomalia da máquina humana.  

— Tá tudo bem, Shoran? — perguntou ela. Não dava para falar que não, não dava para mentir. 

— Tá acontecendo umas coisas e eu não tô conseguindo relaxar direito, só isso… 

Syaoran calou-se e nem sequer demonstrava que queria continuar com aquela discussão. Ele nem sequer olhava para a esposa quando respondia, apenas tinha olhos fixos para a sombra que o abajur projetava no chão. Sakura, surpresa com aquela atitude jamais vista antes da parte dele, insistiu.

— Shoran, é a Gotzone, é? Tá acontecendo alguma coisa com você e ela na Real Sociedad? 

— Ela é uma Interventora, não é? É a nossa inimiga natural… Não tem como não ficar tenso com ela do lado… Ela têm filhos, Imagina se os outros interventores tem família e filhos? A gente vai mandar pra cadeia pai e mãe de família como a gente, sabe? Já parou pra pensar? — disse Syaoran, rápido como uma flecha.

Sakura não era uma pessoa que entendia as coisas na hora, ainda mais quando dita com pressa. Precisava de tempo para pensar e, se tratando das respostas de Syaoran para aquele problema chamado “Gotzone”, ela precisava de mais tempo ainda. Calou-se o bastante para só depois responder:

— Não era você mesmo que dizia que, se a gente tiver que enfrentar um Interventor, a gente enfrenta? 

— Sim, eu disse isso, mas… Falar é uma coisa, ver a realidade é outra… 

— Você tá com dó dela, Shoran, é isso? Eu não entendo… 

— E o que você não entende? 

— Ela mesma me jurou que não queria as cartas! Ela não queria ter nada a ver com o que o Interventor da Catalunha e o resto da Ordem que tá do lado dele quer! Pensa bem, Shoran, a gente já teria se ferrado naquela rodovia se ela quisesse cortar a gente e… 

— Basta, Sakura! A gente nunca, nunca deve baixar a guarda pra gente como ela! Acho um erro deixar o Chi na mesma escola dos filhos dela! Acho um erro ela ser sua enfermeira assistente… E por que você? Eu não entendo… Se eu fosse você, já ficava desconfiado dela, das intenções dela com a gente e com o nosso filho…  

Sakura arregalou os olhos, não entendendo nada do que ele dizia. Quis insistir mais um pouco, mas uma voz no fundo da sua cabeça pedia para parar de azucrinar o marido. Frustrada, a cardcaptor voltou a se cobrir com o cobertor. De repente, Syaoran se volta para ela pela primeira vez desde que começou aquela discussão.

— Por que você me perguntou isso? 

— Você tava esquisito, só isso… Vocês dois estavam esquisitos hoje na janta. Deu pra ver que vocês dois não se entendem… Mas eu não entendo, sabe? Ela falou que te estima, te respeita, te chama até de “Shorancito” na minha frente, sabe? Pensava que vocês fossem mais conhecidos um do outro, mas tô vendo que não… 

Syaoran arregalou os olhos quando escutou o apelido que Gotzone inventou para ele.

— Ela me chamou do quê?

— Deixa pra lá, Shoran! Vem dormir, vem! Eu acho que não devia ter começado isso. Se vocês brigaram, sei lá, não vou me meter, se isso te deixa mais feliz, tá bom? Depois você me conta o que aconteceu… 

Sakura voltou a se cobrir com os lençóis e Syaoran deu um beijo na testa dela.

— Eu só preciso de um tempo, Sakura, só isso… Não tá sendo fácil me adaptar á um novo país, com duas, três, quatro línguas ao mesmo tempo e o povo o tempo todo falando de política, de se separar da Espanha…   

— Tá bom, Shoran. Vem dormir, vem… Só não precisava ter maltratado o filho dela na hora que eles foram embora… 

— Como assim maltratar? 

— Não se faz de tonto! O menino correu pra te abraçar e a Goti deu um puxão de orelha nele! Tadinho do menino, ele até chorou e tudo! A Sonomi viu e ficou besta com aquela atitude! As meninas comentaram isso o tempo todo… 

— Comentaram o quê? — perguntou Syaoran, com um tom de voz preocupado.

— Isso é atitude de mãe, Shoran? Você é um jogador! Você é famoso e já abraçou muita criança… Custava ter abraçado o menino e evitar aquele barraco? O pior é que ela saiu batendo nele o caminho do carro todo! Tô com pena do Iñigo até agora… Acho que ela nem volta mais aqui…  

— Pois eu acho melhor não voltar mesmo! Não quero me estressar mais! Boa noite, Sakura!  

O chinês desligou o abajur e tirou o cinto. Deitou-se na cama de casal sem nem sequer tirar a camisa e a calça. Agora era Sakura quem não dormia. Passou cinco minutos e ela tornou a cutucar Syaoran. Ele já dormia, ele tinha facilidade para dormir. Ela não. Sakura saiu daquela discussão com mais dúvidas do que tinha entrado. Ficou meia hora tentando dormir e nada. Ficou inquieta até que resolveu tirar as cobertas de cima de si e sair daquela cama. 

— Não dá não! Vou ter que falar com a Tomoyo e me desculpar com ela depois! Perdi minha paz de espírito… 

 

Continua… 

    


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