Para minha tia escrita por lljj


Capítulo 1
Único




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Vitória reconhecia que era um momento importante. Seu pai lhe comprou um vestido novo especialmente para aquela ocasião. Era roxo, a cor mais bonita do mundo inteiro. Maíra se ofereceu para pintar suas unhas e, nesse caso, optou por um laranja básico. Ao chegarem no local da festa, flagrou Érica, amiga de sua tia, retocando o batom. Um pedido foi feito, dois minutos depois, Vitória tinha os lábios delineados em vermelho vibrante.

Maicom, o bobalhão, perguntou se alguém tinha dado um soco em sua boca.

— Pai, olha o Maicom implicando comigo!

O irmão recebeu sua merecida bronca. Vitória decidiu ignorá-lo. A única pessoa que valia sua atenção aquela noite era a tia Daiara.

Pelo que Maíra explicou, Daiara subiria no palco, na frente daquela multidão todinha, e faria um discurso. Era por isso que precisavam das melhores roupas, do cabelo bem-arrumado e da maquiagem mais bonita.

Tudo para a tia Dai ficar muito feliz.

Vitória era mais esperta, e sabia que a única coisa que realmente deixaria sua tia feliz era ganhar um presente especial. E ela lhe daria um! Estava guardadinho na sua bolsa de joaninha da Ladybug.

O problema era que não conseguiu entregá-lo antes que Daiara fosse arrastada pelos amigos da faculdade. Pessoas estranhas, que usavam vestido preto, babador e uns chapéus quadrados. Após muito tempo, quando Vitória voltou a ver a tia, ela também usava a mesma roupa esquisita.

Seria um tipo de uniforme? Se fosse, o do pré-escolar era bem mais bonito.

Um velhinho disse no microfone que a cerimônia começaria. Vitória tentou ir até a tia, mas seu pai a segurou pela mão e a conduziu para sua cadeira. Tia Dai se sentou junto com o pessoal de vestido. Então o velhinho começou a falar. Falou, falou e falou durante uma eternidade. Maicom perturbou Vitória em cada minuto. Irmão chato! Ele conseguiu emaranhar as trancinhas dela.

— Pai, o Maicom bagunçou meu cabelo! — exclamou.

— Mentira, tio! A Vitória é feia assim mesmo.

Duas cadeiras ao lado, Sandra, outra amiga de sua tia, repreendeu:

— Shhh... Que balbúrdia, crianças! Esse parcel não...

Maíra saltou em pé como se uma formiga tivesse picado o seu bumbum.

— Chamaram ela! — falou, apontando para frente.

Sentimentos explodiram dentro de Vitória. Ainda não tinha entregado seu presente e Daiara já estava subindo no palco. Sua família se pôs de pé, aplaudindo, gritando. Distraídos demais para prestar atenção na menina.

A ideia surgiu, e foi posta em ação logo em seguida.

Rapidamente, Vitória se esgueirou pela fileira de cadeiras. Saiu tropeçando pelo tapete vermelho que cobria o corredor. Sem parar diante dos olhares que atraiu, correu até o palco, a joaninha balançando em sua mão.

Tia Dai pegou o microfone, sorrindo, e falou:

— E aí, bando de puto!

Risos ecoaram pelo salão. Nenhum deles soou tão alto quanto o grito de Vitória:

— Tia, espera! — Um dos caras de babador tentou segurá-la. Não foi tão ágil. Ela só parou quando chegou no palco, ao lado da tia. — Tenho um presente pra você!

Daiara congelou de boca aberta, os olhos arregalados.

— Isso não pode esperar? — sussurrou, bem longe do microfone.

Naquele momento, Vitória olhou para a plateia. O mar de rostos a assustou. Abraçou sua bolsinha e chegou mais perto da tia. Maíra vinha andando pelo corredor, a expressão irritada.

— Eu só queria te dar um presente — murmurou, de cabeça baixa.

O zumbido da multidão aumentou enquanto Daiara apenas encarava a sobrinha. Quando Maíra chegou ao palco e tentou pegar a irmã, a tia se manifestou:

— Pode deixar ela aqui. — Envolveu os ombros da menina com um braço. — Essa é a Vitória, pessoal. Ela vai me segurar caso eu desmaie de emoção.

Os risos voltaram. Uma revoada de borboletas se agitou no estômago de Vitória. Agarrou-se a cintura de Daiara e manteve o rosto junto ao tecido suave daquele vestido feio. O discurso aconteceu com ela ali.

As palavras da tia saíram de um jeito divertido, relaxado, mas Vitória notou o tremor em suas mãos ao mexer nas anotações. A multidão não parecia perceber; apenas ria, vibrava ou suspirava com o que era dito. No fim, todos se colocaram de pé para aplaudir. Daiara acenou para o público como se fosse uma artista de televisão.

Tão maneira!

Vitória desejou continuar ao lado dela, mas tão logo deixaram o palco, Maíra a carregou para longe.

— Vai ficar de castigo quando chegar em casa — ameaçou.

Só então a menina notou que se esquecera do presente.

 

 

A recepção de formatura ocorreu num restaurante das redondezas. Música enchia o ambiente, o perfume da comida flutuava no ar e Daiara se sentia um raio de sol a meia-noite. Queria tirar fotos, dançar com as crianças, comer todos os pratos do buffett, beijar várias bocas, rir até o maxilar deslocar.

Queria que aquele fosse seu estado de espírito para sempre.

O desejo esbarrou em um obstáculo: o dia estava acabando. Eram onze e quarenta e cinco quando entrou no banheiro feminino. Em quinze minutos o amanhã chegaria, trazendo com ele sentimentos confusos.

Naquela data, cinco anos atrás, Daiara recebia a notícia que sua mãe perdera a luta contra a cirrose. Morreu sozinha no hospital, sem que nenhuma das filhas sequer soubesse que estava internada. Daiara nunca derramou uma lágrima em nome dela, mesmo assim, tudo mudou após sua morte.

Foi quando largou a faculdade.

Porra, era sua formatura e aquilo ainda a perseguia.

— Agora você não vai fugir de mim!

O grito ecoou pelos azulejos. Daiara se pôs em posição de combate, as unhas prontas para rasgar e matar. Na porta, Vitória sacudiu aquela bolsa com formato de besouro.

— Cacete, garota, quer me matar do coração?

— Toda hora alguém atrapalha a gente — disse a menina. — Agora só tem eu e você aqui.

Ela remexeu nas entranhas do inseto de pelúcia. Arrancou dali um envelope pintado de verde limão e o estendeu para Daiara.

— Ah, esse é o meu presente?

Vitória confirmou, o sorriso ocupando metade do rosto. O papel do envelope estava úmido com tinta de canetinha. Os dedos de Daiara mancharam ao primeiro toque.

— Você fez sozinha, né?

Outra confirmação orgulhosa.

Uma cartinha mal dobrada estava no meio daquela geleca. As letras eram grandes, tremidas e coloridas.

— Para minha tia — leu. — Dançarina, amiga... isperta? — Seus olhos deslizaram até o fim da folha. Eu te amo. Vitória.

No mesmo segundo, seu celular vibrou sobre a pia.

Era meia-noite.

Engraçado, não doeu.

— Você gostou? — perguntou Vitória.

Daiara soltou uma risada.

— Eu amei.

A menina correu para os seus braços e a abraçou com força. Era uma ótima forma de começar aquele dia.

— Que fofinho esse momento tia e sobrinha — comentou Érica, saindo de um dos compartimentos do banheiro.

Da cabine ao lado, veio Sandra.

— Detesto ser uma peia a cena, porém devo apor minha concordância. Vaticinar tais momentos seria impossível, então releve.

Um profundo silêncio se seguiu até Daiara perguntar:

— Vai vacinar o que, sua doida?


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Notas finais do capítulo

Palavras-chaves: vaticinar, peia e apor.


Assim que surgiu o desafio spin-off essa ideia fervilhou na minha cabeça. Escrevi só para confirmar que consigo trabalhar normalmente fora do limite de 100 palavras imposto pelo desafio de drabbles. Acho que agora posso voltar para os meus capítulos imensos. :)

Obrigada por virem!



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