Cassis (Série Alestia I) escrita por Jane Viesseli


Capítulo 6
O Casamento




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― Sara – chama Arthur, depois de dois socos na porta robusta, para chamar a atenção da filha –, está pronta?

― Estou, meu pai, pode entrar se desejar – responde ela, apalpando a cintura para conferir o aperto de seu corselete, enquanto uma de suas servas se adiantava para abrir a porta.

Três meses já haviam se passado desde o enterro de Richard, tempo suficiente para que pai e filha deixassem o luto e tentassem voltar a normalidade de suas vidas. Arthur adentra o aposento de Sara lentamente, ao mesmo tempo em que as damas que a vestiam se retiravam, prestando-lhe reverências, deixando a noiva à mercê dos elogios do rei, que estava evidentemente encantado com tanta beleza.

O vestido levou dias e mais dias para finalmente ficar pronto, sendo costurado habilidosamente por uma viúva que assumia sozinha os trabalhos de alfaiate, desde que o marido morrera. Sua base branca era quase invisível aos olhos devido a camada de tecido vermelho que o sobrepunha, representando a fertilidade e a capacidade da mulher de gerar sangue novo.

Um belíssimo bordado acompanhava o caimento do tecido, feito com fios dourados, a fim de deixar ainda mais evidente a riqueza de recursos da família real. As joias, presenteadas por Sir Thorkus, combinavam arabescos em filigrana de ouro, diamantes, esmeraldas, pérolas, rubis, safiras, turquesas e topázios. Os cabelos encaracolados estavam presos num penteado médio, adornados com um diadema também presenteado pelo ancião vampiro, seguindo um padrão de cores e arabescos semelhante ao restante dos adereços.

― Magnífico! – exclama Arthur aturdido, pegando a mão direita de Sara e fazendo-a girar lentamente. – Olhe só para você! Está mais bela que sua mãe em nosso matrimônio.

Sara sente as maçãs do rosto se incendiarem com o elogio. Ela não se considerava uma ninfa da beleza, como o pai mencionava, mas sentia-se honrada por ter sua formosura comparada à de sua mãe.

― Esse deveria ser um dia feliz para você, Sara – comenta Arthur, tentando parecer casual. – Tem certeza de que quer fazer isso?

― Sim, tenho certeza. – Pausa. – Esse é um dia feliz, no fim das contas, pois você está presente nele e porque estou usando o mais belo vestido que já vi em toda minha vida. – Sorri, tentando fazer graça.

Arthur sabia que aquele sorriso simulava um sentimento que não existia, porque via em seus olhos como aquele casamento lhe era pesaroso, um fardo que aceitara na tentativa de mudar a sina de seu reino. Ele deposita um beijo carinhoso na testa da noiva, deixando o aposento logo em seguida em direção à sala do trono, onde toda a nobreza já o aguardava.

Adentrando o salão real, o rei deixou-se admirar a decoração, enquanto se dirigia ao trono e os corpos se dobravam em respeito. Flores típicas da região enfeitavam as laterais do salão, mas Arthur sabia que as flores de laranjeira – as clássicas flores-de-casamento da monarquia – só apareceriam no buquê da noiva, dando-lhe total destaque independente da decoração ao redor.

Os representantes mais velhos do clã vampiro também estavam presentes. Haviam chegado ao castelo na calada da noite, preferindo se concentrar na parte mais escura da sala do trono, onde a luz solar certamente não os atingiria. Os vampiros mais novos, porém, recusaram-se a comparecer à cerimônia, não conseguindo reunir coragem suficiente para “brincar” com o Sol como os anciãos faziam.

Embora suas feições aparentassem uma perfeição ameaçadora, as mulheres do grupo pareciam verdadeiramente alegres com o evento, suspirando e apreciando o aroma das flores que se espalhava por todo o ambiente.

Cassis aguardava o início de seu martírio próximo ao trono, junto ao pai, que bebia serenamente uma taça de vitae animal, disponível numa mesa exclusiva para os convidados não-vivos. Ele estava elegante em mais um traje novo, pois, como em todos os vampiros, o preto lhe caía muito bem. Seu rosto de beleza surreal novamente atrai a atenção de algumas humanas, o que o faz revirar discretamente os olhos com a reação óbvia e inevitável, afinal, este era seu magnetismo de predador em ação, seduzindo as presas mais ingênuas com o mais simples gesto.

― Servido? – pergunta Thorkus, estendendo a taça ao filho.

― Não, obrigado, estou bem. Só gostaria que os humanos não tivessem tantos hábitos diurnos – retruca mal-humorado –, qualquer dia esse Sol vai acabar me matando.

― Matando? Não exceda, Cassis – diz com uma leve risada, pensando que ser queimado pelo astro-rei não deveria ser assim tão indolor quanto sua resistência aos raios solares fazia parecer.

Harpas e flautas começam a tocar de repente, espalhando sua suave melodia pelo ambiente e atraindo a atenção de todos para as imensas portas do salão, onde já se podia ver a belíssima e adornada noiva se aproximar.

Todos os pares de olhos pareciam hipnotizados. Muito se falava sobre a beleza de Lady Sara, apesar de seu gênio ruim, mas Cassis não esperava ser enfeitiçado por sua formosura daquela forma, como se a estivesse vendo pela primeira vez, como se nunca tivessem sido apresentados.

O vampiro não sabia mensurar por quanto tempo a ficou contemplando, soube apenas que foi o ribombar de seu próprio coração que o tirou daquele transe. Devido a um descontrole momentâneo, seu órgão não-vivo batia tão rápido quanto era possível a um humano, o que ainda lhe concedeu uma coloração facial digna de um vivo e que ele particularmente detestava.

― Dei-me isso! Passe essa taça pra cá – pede aflito, estendendo as mãos em direção ao vitae de Sir Thorkus e praticamente a tomando para si.

― Falaste que não queria – inicia o lorde –, e que modo é este de articular? Onde está sua etiqueta? – repreende, entregando a bebida ao filho.

― Perdoe-me, foi uma recaída – dispara rapidamente, bebendo todo o conteúdo do utensílio. – Perdi o controle subitamente, meu coração está agindo contra minha vontade, bombeando e gastando meu vitae com coisas desnecessárias. – Devolve a taça já vazia, de repente sentindo-se acanhado pelo rosto ruborizado como de um garotinho humano e bobo.

― Decerto, isso é um problema – confessa, admirando a noiva que seguia sozinha em direção ao trono, onde o próprio rei realizaria o casamento. – Lady Sara está realmente encantadora, contudo, deveria se manter mais atento e concentrado, sabes que todo cuidado é pouco para mantê-lo sobre controle. O fardo maior sempre será de sua força de vontade.

O vampiro respira profundamente, fechando os olhos e tentando colocar em ordem o caos de seu corpo. Ele já havia ouvido aquele discurso dezenas de vezes e não tinha como rebater a verdade: precisava estar controlado até o último fio de cabelo para manter o outro devidamente enjaulado.

Longos segundos foram necessários para que Cassis estivesse no controle novamente e sua pele voltasse ao tom pálido de sempre. Sara já se encontrava diante do rei, subindo os degraus da plataforma dos tronos com suavidade e parando, enquanto seus ouvidos se enchiam com frases que ela não conseguia definir se falavam de suas vestes ou daquele casamento absurdo.

O rei se aproxima elegantemente. Ela lhe sorri de forma afetuosa, como se estivesse prestes a ouvir as mais belas palavras de bênção de seu pai, entretanto, questiona:

― Não sabia que tantos vampiros conseguiam sair à luz do Sol – sussurra em meio ao sorriso, quando o rei estava ao seu alcance.

― Você tem muito que aprender sobre eles – responde da mesma forma, esboçando um sorriso nervoso –, nem todos conseguem se expor, mas estarão seguros aqui dentro.

― Interessante! Incomoda-se de colocarmos espelhos para refletir os raios solares e aumentar a luminosidade?

― Por favor, não os irrite – implora ainda mais nervoso, observando pelo canto dos olhos um ou outro não-vivo se remexer em descontentamento.

Arthur segura a mão direita da filha, beijando os nós de seus dedos e estendendo-a levemente para Cassis como um convite à sua aproximação. O vampiro se aproxima com o olhar preso ao rosto feminino, tomando a mão que lhe era oferecida e também depositando um cálido beijo em seu dorso.

A boca de Sara se abre levemente em confusão, enquanto assistia o tronco do vampiro se reerguer e seus olhos cintilarem com um estranho fascínio. Era a primeira vez que sentia o contato de sua pele e a sensação era tão… Quente! Seria possível um vampiro ter a pele como o de um humano?

Cassis se posta ao lado da noiva, dando a Arthur, a figura política mais alta daquele salão, a oportunidade de iniciar a cerimônia. Belas palavras foram pronunciadas a respeito daquele enlace e, em continuidade, o casal pôde fazer seu juramento de amor e fidelidade, enquanto Cassis deslizava o anel cerimonial no dedo anelar de Sara.

O rei entrega-lhes duas tiras de tecido, nas cores vermelha e amarela – o estandarte de Alestia –, retendo a outra ponta para si e atando-as com um nó que representava o casamento que ali se fazia. E com a forte amarração que os unia, o casal pode finalmente encarar os visitantes, caminhando num círculo perfeito, de forma que Sara ainda permanecesse do lado esquerdo de Cassis, o lado de seu coração.

― Com o enlace realizado, aqui habita Cassis e Sara de Alestia! – anuncia Arthur com sua voz grave, dando fim a cerimônia. – Pode beijar sua noiva – emenda o rei num sussurro.

Cassis encara a princesa ao seu lado, tão formosa em seu traje de noiva, mas, no fundo, ainda sendo apenas uma humana. A incerteza invade sua mente e chacoalha cada neurônio de seu cérebro, será que deveria mesmo beijá-la?

― Está esperando o quê, idiota? – retruca Sara, percebendo seu receio. – Precisamos selar a aliança, não ouse desistir agora.

O vampiro capta sua decisão como um consentimento, e, aproximando-se, toca os lábios femininos num beijo calmo, lento e quente. Sara sente sua cabeça girar, pois, por mais que tentasse se convencer de que aquilo não significava nada, de que eram apenas negócios, seus lábios pareciam formigar em contato com os dele. Quando o beijo termina, a princesa não pôde deixar de observar o rubor no rosto de Cassis e o rosado de seus lábios, colorações que ela poderia jurar que não estavam ali.

Durante a festa que se seguiu, Sara carregou consigo uma perfeita máscara de felicidade, ocultando com maestria o profundo desagrado com aquela união, enquanto, do lado de fora, um cortejo deixava o castelo em direção à Cidadela Principal e as demais vilas do reino. Com o estandarte leonino em punhos, os cavaleiros reais escoltavam os mensageiros que anunciariam a todos os alestianos sobre a chegada do novo príncipe e sua união com a princesa.

Depois de algumas danças, os recém-casados se retiram do salão com as mãos unidas, deixando para trás uma nobreza realmente convencida da veracidade daquele casamento, apesar de nem todos concordarem com o ato. Quando enfim se afastam dos olhos curiosos, suas mãos se separam com um solavanco, e Sara, segurando a barra de seu vestido, desaparece pelos corredores sem olhar para trás, deixando o vampiro a pensar se aquilo realmente daria certo.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. ^-^



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