Cassis (Série Alestia I) escrita por Jane Viesseli


Capítulo 35
Plenitude




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Seus olhos, fixos nos dela, pareciam dizer dezenas de palavras de amor sem que seus lábios precisassem se mover. A penumbra tornava-se cada vez mais intensa conforme a noite se iniciava, entretanto, nem mesmo isso era capaz de impedir Cassis de contemplar a pele pálida de sua rainha, que fazia um bonito contraste com seu vestido azulado e seus cabelos de cor escura.

Sara estava prestes a se lançar sobre ele, quando o próprio rei tomou a iniciativa da aproximação e se arremessou sobre ela, envolvendo-a com os braços ansiosamente, como se a dor por sua suposta morte ainda habitasse em seu peito. Não contendo mais sua alegria e alívio por tê-lo de volta, a rainha o corresponde, deixando a arma ensanguentada cair ao chão para que suas mãos pudessem se ocupar unicamente com aquele momento.

― Tão quente e aconchegante quanto antes – diz Sara, descansando o rosto no ombro de Cassis, fazendo-o perceber que nunca precisaria aquecer qualquer parte de seu corpo para tocá-la, pois agora eles possuíam a mesma temperatura, e, de ambas as partes, o contato sempre pareceria “quente”.

Os braços de Cassis se apertam ao redor de Sara, como se aquele gesto pudesse resolver todos os seus problemas, apagar tudo o que fizera e o que havia acontecido a ela, pois, se antes ele desconhecia os eventos ocorridos em Alestia, agora ele os sabia perfeitamente bem.

― Você sobreviveu! Eles disseram que havia morrido e por um momento pensei que a tinha perdido para sempre. Não suportaria existir em um mundo sem você – diz o rei como um desabafo, tendo sua voz levemente abafada pelos soldados que tentavam dispersar a multidão e preservar o momento do casal, levando o ferreiro e alguns outros homens e mulheres para o calabouço, apontados como os principais incitadores do motim, onde deveriam aguardar o julgamento real.

― Está tudo bem – sussurra em resposta, apertando-o de volta como se ele pudesse desaparecer novamente, sabendo exatamente como se sentia, pois ela também havia acreditado em sua morte até que finalmente recebeu um recado do clã, da parte de Sir Thorkus, contando-lhe sobre a sobrevivência e a recuperação do rei. – Nada de ruim me aconteceu. Você me salvou e nós estamos em casa de novo, todos os três.

― Três? – repete, com a mente vagando em direção ao bebê, finalmente percebendo que ele não estava mais lá. – Está vivo?

Sara sorri, afrouxando o abraço para que pudesse visualizar o semblante questionador de Cassis, pois ele já não conseguia manter-se apático diante de tantas boas novidades. Sua cabeça se move em consentimento, confirmando que “sim”, o bebê estava vivo, e ela pôde ver o exato instante em que a curiosidade cintilou nos olhos do rei.

― Onde está? Como é? É ele ou ela? – questiona rapidamente.

― Veja você mesmo – incentiva, segurando as mãos de Cassis e o guiando aonde as damas e a guarda pessoal da rainha aguardavam.

A praça já estava quase vazia naquele momento, pois devido ao início da noite e a ira dos soldados, toda a multidão acatou as ordens de ir para casa. Devido a isso, Cassis viu todas as quatro damas da rainha, mesmo a distância, acompanhadas de uma desconhecida mulher carregando um embolo de tecidos, que seu coração e mente logo julgaram ser a sua pequena cria.

O amontoado de panos estava imóvel nos braços de sua ama, todavia, ao passo que os vampiros se aproximavam de seu objetivo, os tecidos pareceram ganhar vida, agitando-se freneticamente. O rei já podia ver as pequenas mãos se movendo no ar, parecendo chamar por alguém, e quando Sara se apressou para apanhá-lo, Cassis parou.

Aos olhos atentos do rei, a jovem ama pareceu relutante em entregar a pequena criança à sua mãe, mas, como não podia negar tal feito a uma majestade, fechou os olhos levemente quando os braços de sua rainha o apanharam, como se não fosse capaz de ver tal monstro com uma criatura tão inocente nos braços. Sara não havia notado a estranha atitude, o que de certa forma era bom, porém, Cassis sabia que sua decepção com os olhares alheios viria logo e que ele teria muito a ensiná-la.

― Cassis – chama ela calmamente –, quero que conheça o seu filho!

― Filho? – questiona, desviando os pensamentos dos aprendizados de seu clã para o pequeno corpo embrulhado em tecidos que lhe era oferecido, sentindo sua própria voz sair abobalhada. – É um garoto?

Sara sorri em confirmação, contemplando toda aquela sobrecarga de emoções que explodiam no rosto do rei, que sempre buscava ser cauteloso e contido. Por muito tempo ela se perguntou como ele reagiria frente a uma criança tão doce e bela, se conseguiria manter sua apatia diante daquele que também carregava o seu sangue, e agora, vendo-o ali completamente entregue ao momento e a sua nova condição de pai, a rainha se considerou a mulher mais feliz de todo o reino.

― Pegue-o – incentiva, querendo que ele visse de perto que, apesar de toda a perseguição e os contratempos, seu filho havia nascido perfeitamente saudável.

― Não posso fazer isso – confessa num sussurro, tentando não ser ouvido por mais ninguém além dela, enquanto simulava um toque nas pequenas mãos, sem de fato ter coragem de tocá-lo. – Não posso tocar num ser tão frágil como ele.

― Você não vai machucá-lo, ele é parte de você! No mais, não precisa fazer nada, apenas segurá-lo – sussurra em resposta, antecipando-se novamente e aproximando a criança de Cassis, que apenas ergueu os braços e a segurou.

O rei, achando-o bem mais leve do que supunha, analisa seu rosto inocente com cuidado, reconhecendo ali os traços de Sara e até mesmo os seus próprios. Seus poucos cabelos eram castanhos como os dela, olhos escuros muito semelhantes aos dele, sua pele era gordinha e rosada, mas, acima de tudo, ele era quente e tinha um coração vivo e pulsante.

― É humano! – constata impressionado.

― Sim.

Suas mãos se aquecem subitamente, apenas num ato de curiosidade, e o vampiro não conseguiu segurar o sorriso ao vê-lo se mover com um espasmo, reconhecendo sua presença como quando estava no ventre.

Ele era tão fácil de quebrar, tão casto e minúsculo, que seu coração não-vivo foi tomado por uma inesperada ânsia de protegê-lo de tudo o que havia de ruim nos dois mundos, tanto no humano quanto no não-vivo.

― Qual o seu nome? – pergunta, finalmente desviando o olhar de seu filho, para fitar o sorriso de sua rainha.

― Ainda não tem um nome, não o escolhi. Esperava que meu rei retornasse para ter esta honra.

Fez-se um breve silêncio, apenas o suficiente para que Cassis o admirasse mais uma vez, imaginando como ele pudera resistir a tantos acontecimentos, a transformação de Sara e ainda nascer intacto e humano. Mesmo com tão pouca idade, ele tinha se mostrado resistente e guerreiro, um pequenino poderoso, como uma criança que um dia ele conheceu, que enfrentou um não-vivo de peito aberto mesmo que isso tivesse lhe custado a vida.

― Seu nome será Richard, O Poderoso – declara, olhando Sara novamente para que cada uma de suas palavras fosse compreendida. – Aquele que esteve diante do perigo e sobreviveu, e devolverá à alegria a minha rainha.

― Obrigada – diz Sara, sentindo-se sufocada de emoção com a homenagem ao seu irmão caçula, cuja vida fora drenada por um rebelde há muitos meses, levando consigo todo e qualquer regozijo daquele castelo. Agora o nome Richard seria novamente colocado na linha sucessora do trono, de onde nunca deveria ter saído, e a rainha não poderia ficar mais comovida.

Era difícil conter o impulso de apreciar um ser tão lindo. Richard, o príncipe herdeiro de Alestia, era perfeito em todos os detalhes, e, mesmo que a rainha não pudesse mais amamentá-lo, ele ainda tinha chances de crescer e se desenvolver graças à sua mantenedora de leite, ou, como Sara gostava de chamar, a sua ama.

As damas suspiram com a homenagem, lembrando ambos os vampiros de que já era tarde e precisavam retornar, juntos, para casa. Muito ainda precisava ser explicado, resolvido e julgado, mas Cassis estava farto de problemas, farto de erros, e mesmo sabendo que teria de lidar com todos eles no futuro, tudo o que desejava para aquele momento era ser um simples homem ao lado de sua simples mulher.

― Vamos para casa – diz o rei, entregando o filho para os braços seguros da mãe, à medida que colocava ordem nas próprias emoções.

Tochas iluminaram o retorno para o castelo, que foi acompanhado de uma caminhada lenta e agradável sob o manto noturno. Algumas estrelas já despontavam no céu, cintilando alegremente como se os felicitasse por aquele momento e por aquela bela família que haviam formado.

― Ele é lindo, não é? – questiona Sara, sussurrando para que seus acompanhantes ficassem de fora de sua bolha de felicidade, a qual Cassis não hesitou em fazer parte.

― Sim, é belíssimo. E humano como eu suspeitava que fosse – conclui, suspirando logo em seguida, um pouco alto demais. – Será que posso fazer isso? Quero dizer, ele é um humano no fim das contas, será que posso ser um pai pra ele? Será que vai gostar de mim? – Pausa, trazendo a memória um resquício de sua última briga com a rainha, onde, no impulso do momento, ela salientou que vampiros eram incapazes de amar. – Quem amaria um ser como eu?

― Eu amaria – responde Sara rapidamente, corrigindo-se logo em seguida –, eu o amo! Richard já gosta de você, gostava desde antes de nascer, e, quanto a ser um bom pai, tenho certeza de que será!

― Como pode me garantir isso, quando sequer viu um não-vivo nesta posição?

― Se o problema é sua fragilidade, não se preocupe, eu também tinha a minha e ainda assim você cuidou de mim. Entretanto, se este não é o motivo de seu receio então você não precisa partilhar desta dúvida sozinho, pois também nunca cuidei de uma criança antes. O que quero lhe dizer é que podemos fazer isso juntos, entende? Partilhar os momentos, as inseguranças, os aprendizados, juntos, Cassis – conclui com carinho, fazendo o vampiro olhá-la com admiração e se lembrar que apesar de seu gênio forte, Sara era a mulher mais incrível e inteligente que já havia conhecido.

O rei sabia que a transformação nunca seria um sinônimo de amadurecimento, pois a mudança pouco tinha a ensinar, o que significava que as palavras da rainha não eram consequência de sua nova condição, mas sim, de sua própria evolução quando humana e do potencial de suas escolhas. Ao decidir entregar sua própria vida para salvar Cassis, Sara pôde subir mais um degrau em sua sabedoria e finalmente reconhecer o valor de um sacrifício.

Mesmo que o vampiro ainda desconhecesse os eventos que sucederam seu frenesi, de tudo o que teve em toda a sua vida, nada lhe era mais valioso para Sara do que a sobrevivência de seu filho e de seu rei, ambos conquistados pelo seu ato de coragem, que lhe custou bem mais do que sua existência humana.

A entrada do castelo logo se anuncia no caminho do casal, trazendo-lhes uma sensação de conforto, como se nunca tivessem se afastado um do outro ou se retirado para uma intensa batalha de resgate. Nada parecia ter mudado e eles se agarraram rapidamente a esta sensação, pretendendo seguir com seus dias como se nunca nada os tivesse atingido.

As damas de companhia logo se recolhem aos seus aposentos e a guarda pessoal da rainha é dispensada de seus serviços. A ama encaminha o bebê adormecido para seu respectivo aposento, sob o olhar vigilante de Cassis, que, quando se encontrou finalmente sozinho com Sara, a tomou nos braços e a beijou com urgência e saudade, sendo prontamente correspondido pela vampira que se sentia da mesma forma.

Dois longos meses os separaram e, mesmo que agora tivessem a eternidade a seu favor, cada minuto longe um do outro parecia uma tortura. Seus lábios ansiavam por aquela aproximação assim como suas mãos desejavam aquele toque, e quando enfim se separaram, Sara sente o coração bater desordenadamente e suas bochechas ficarem vermelhas, tendo dificuldade em controlar suas emoções como Cassis fazia.

― Com o tempo você aprende a manter tudo sob controle – sussurra ele em seu ouvido, lembrando-se de sua própria frustração ao tentar se parecer com Thorkus e falhar muitas vezes.

― E se eu não quiser me controlar quando estiver com você?

― Se não se controlar, quem perderá o controle serei eu.

Sara sente o coração acelerar ainda mais, e, buscando provocá-lo, o puxa para outro beijo, um simples toque de lábios para que pudesse segurar sedutoramente o lábio inferior do rei entre os dentes, pressionando-o logo em seguida até que um pequeno corte pudesse ser notado.

O rubro do vitae cintila sob a luz das lamparinas, e, com extrema curiosidade, Cassis observou a rainha se aproximar e passar a língua sobre o pequeno ferimento, cicatrizando-o e fazendo com ele o que um dia havia lhe feito. Ele sorri, observando o rosto da vampira com fascínio, percebendo por fim que a imortalidade finalmente o estava presenteando com algo bom, visto que agora o objeto de seu amor não se perderia mais com o sopro da morte e já não seria arrancado de si com tanta facilidade.

Agora o rei tinha a sua rainha, linda e imortal, e nada mais naquela densa floresta chamada eternidade seria escuro. Ele seria enfim “feliz para sempre”, até que o tempo viesse lhe provar que estava errado.


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Notas finais do capítulo

E fim.
Acabou!
Teremos o prólogo amanhã, mas, no geral, a história do livro Cassis termina aqui. Espero que tenham curtido. ^-^
Agradeço a todos que deram uma chance para a minha história original. Obrigada por lerem e por apoiarem este trabalho. Se possível, deixem um recadinho para que eu possa saber o que acharam da história...
E, se gostaram, faça uma recomendação e compartilhe o link com os amigos.

Muito obrigada a todos pelo carinho!
Me despeço aqui com muita alegria e espero encontrá-los novamente em minha próxima história ♥



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