Cassis (Série Alestia I) escrita por Jane Viesseli


Capítulo 26
O Tempo Passa, O Tempo Voa




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Dois meses se passaram desde que a presença de Tibérius em Alestia foi descoberta e a gravidez anunciada, dando à Sara a impressão de que a felicidade fazia os dias passarem muito mais depressa, e que, se ela não os aproveitasse intensamente, perderia a oportunidade de gravar as memórias de sua gravidez para sempre.

Agora com cinco meses já completados e servindo-se de um delicioso chá da tarde junto às suas damas de companhia, a rainha pousa a mão descontraidamente sobre a barriga, quando uma experiência inédita lhe ocorre:

― Maria! – chama Sara escandalosamente, fazendo a mais distante de suas damas de companhia correr desengonçadamente em sua direção e quase tropeçar no próprio vestido.

― O que houve, madame, está se sentindo mal? – questiona afoita, fazendo as demais moças rirem, por já estarem cientes do que se tratava.

― Não. – Ri. – Ele se moveu! Meu pequeno se moveu quando o toquei, não é incrível? – revela, demonstrando estar felicíssima naquele dia, como se um passarinho verde a tivesse visitado com uma mensagem de seu amado no bico.

Maria sorri diante da notícia, limitando-se a parabenizá-la, mas interiormente desejando poder senti-lo se mover, não ousando colocar seus pensamentos em palavras por medo de parecer muito ousada, já que havia acabado de ser colocada como dama de companhia de sua majestade. Entretanto, como se lesse suas feições e adivinhasse seus pensamentos, Sara lhe convida a tocá-lo, o que pareceu iluminar o seu jovem rosto e causar uma avalanche de iguais petições, pois todas as damas queriam a mesma coisa.

Diferente de tudo o que Cassis e Thorkus pudessem imaginar, a gestação de Sara havia se mostrado serena e sem as ditas anormalidades sugeridas pelo ancião. A rainha continuava sadia, apesar de excessivamente cansada, o que fez o rei suspirar aliviado ao descartar a última hipótese da teoria elaborada pelo clã. E ao que tudo levava a crer, o bebê, sendo menino ou menina, seria completamente humano, um fato histórico e inédito na existência de toda a sociedade não-viva.

Todas as noites o vampiro a analisava, averiguando sua cor e a textura de sua pele, assim como o calor de seu corpo e se não estava ficando magra demais, entretanto, nunca encontrando nada de anormal. Sara sempre carregava um enorme sorriso, além de se deliciar com os presentes que não paravam de chegar, vindos de todos os cantos dos reinos do sul e sendo minuciosamente revistados pelos soldados antes de terem a entrega liberada.

Cassis, na maior parte do tempo, se mantinha fora da bolha de felicidade de sua rainha, preferindo manter os pés no chão e os olhos atentos à movimentação dos soldados. As fortalezas faziam patrulhas diárias em todas as regiões habitadas e chegaram a percorrer longos percursos de terra em revista, a fim de encontrar algum sinal do vampiro ou de seu esconderijo, sem sucesso. O clã não realizou grandes operações, para o desagrado do rei, pois, como o governo humano estava acima do governo vampiro, era preciso que Alestia esgotasse todos os meios humanos de encontrá-lo para que o conselho pudesse intervir com métodos superiores de rastreio.

Naquela tarde, novamente recluso à mesa da sala de conferências, o vampiro escreve outra mensagem aos anciões, solicitando uma providência de suas partes, visto que os esforços do exército humano não obtiveram sucesso algum. E, quando a carta finalmente foi despachada, já era noite e o vampiro pôde se livrar de seus afazeres, indo para o único lugar onde podia ser ele mesmo.

Ele adentra o quarto silenciosamente, atento somente ao ressonar de Sara, que mais uma vez adormecera antes de sua chegada, mas que parecia ser vítima de um excelente sono. Ali, no local que agora chamava de refúgio, o rei se despiu de sua coroa e voltou a ser o antigo Cassis, o simples ancillae escolhido para se casar com uma humana e que, agora, a amava grandiosamente.

― Oi bebê – sussurra, aconchegando-se ao lado de Sara e conversando com sua barriga como fazia todas as noites, preferindo chamá-lo por um nome que fosse válido para ambos os sexos –, como foi o seu dia? Cuidou direito da nossa mulher especial? Tive um dia bem cheio hoje, não tem sido fácil proteger vocês e, ao mesmo tempo, buscar a localização do rebelde. Este reino é grande demais para um vampiro só cuidar. Mesmo que eu não me canse como os humanos, sinto-me fatigado. – Suspira, sentindo a liderança de um reino pesar em seus ombros, enquanto tentava imaginar se um humano em formação realmente podia ouvir os sons do mundo externo. – Contudo, paremos de falar de mim, falemos de você, deve estar ficando apertado aí dentro, não é?

Cassis ergue o indicador direito, tocando a barriga de Sara com o dedo aquecido e mantendo-o lá, desejando, momentaneamente, que pudesse passar um pouco de si para sua cria, a fim de mostrar que estava ali e que estava aprendendo a amá-lo. Ele já havia feito aquele gesto antes, sempre receoso em tocar um ser tão frágil como um bebê humano, porém, naquele instante, naquele toque que durou apenas alguns segundos, o não-vivo sentiu algo se mover do lado de dentro e bater contra o seu dedo.

O vampiro afasta a mão com o susto, acreditando que sua mente fatigada estava a lhe pregar uma grande peça. Contudo, decidido a retomar o toque para se certificar do que havia sentido, o rei deposita sua mão inteira sobre o ventre de Sara, iniciando pela ponta dos dedos e lentamente fixando sua palma, ao mesmo em que irradiava calor sobre as roupas da rainha. E como da primeira vez, uma batida lhe veio como resposta, fazendo-o arregalar os olhos em contemplação diante da nítida prova de que havia alguém vivo ali dentro.

― Acho que ele gosta de você – sussurra Sara, despertando devido ao jogo de calor e movimento entre Cassis e o bebê.

― Como sabe? – questiona ele com voz estrangulada, esquecendo-se de fingir respirar diante de tão fascinante experiência.

― Eu apenas sei. Toque-o novamente – pede ela, fazendo o vampiro obedientemente colocar sua outra mão sobre a barriga, irradiar calor e sentir o bebê se mover novamente. – Viu? Ele, ou ela, se moveu pela primeira vez hoje, durante o chá da tarde, mas, por mais que minhas damas o tocassem, nosso bebê não correspondeu a nenhuma delas. Movia-se apenas com o meu toque, e agora com o seu.

― Isso é algo que devamos nos preocupar?

― Eu não sei – sussurra a rainha em resposta –, talvez não, afinal, é tudo muito recente. Talvez ele apenas não estivesse com vontade de se mover. Teremos muitos outros dias para testar esta situação – conclui, sorrindo.

Sara suspira, fechando os olhos novamente e se recusando a pensar negativamente sobre qualquer assunto que envolvesse sua gestação, deixando um sorrateiro silêncio se instalar entre eles. Cassis sabia que a humana não estava dormindo, pois seu corpo não havia atingido o estado relaxado de costume e seus olhos ainda se moviam por baixo das pálpebras.

― Ei, minha doce rainha— chama ele gentilmente, esperando um momento até que Sara abrisse os olhos novamente –, será que é um menino ou uma menina?

― Não sei. Confesso que não fará diferença pra mim, o amarei da mesma forma. – Sorri, logo devolvendo a pergunta: – O que acha que será?

― Também não ouso definir uma resposta, e, como você, não farei distinção, amarei se for menino ou menina.

― Não ficará bravo se o primeiro fruto de sua semente for uma mulher? – questiona diretamente, momentaneamente demonstrando seu receio quanto ao sexo da criança, devido à supervalorização de sua raça quanto ao masculino.

― Você é uma primogênita mulher e sou o não-vivo mais feliz dos reinos do sul devido a este fato. A mesma satisfação será demonstrada pelo nosso bebê, independente do que espera os tolos protocolos da sociedade humana. O que tiver de ser, será, e vai ser bem recebido! – relata, fazendo-a sorrir novamente. – O clã vampiro não faz distinção entre os sexos, pois ambos precisam aprender a empunhar uma arma para se proteger e sobreviver.

― O seu mundo parece perigoso.

― Muito mais do que imagina – confessa, lembrando-se das desavenças que às vezes ocorriam entre os clãs, das lutas contra os rebeldes e da guerra declarada contra os monstros que viravam lobos. – Porém, não vamos estragar nossa agradável conversa com algo tão ruim, voltemos a falar do bebê. Espero que seja parecido comigo, porque se puxar a você será teimoso como um jegue empacado – provoca, dando o sorriso torto que Sara tanto gostava.

― O que quer dizer com isso? – questiona dois tons acima do normal, apoiando-se em um dos cotovelos e não deixando que aquele sorriso bonito a distraísse do significado de suas palavras. – Está dizendo que tenho um gênio difícil? Que sou orgulhosa demais para ceder, ou algo do tipo?

― Sim, é claro— afirma, assentindo com a cabeça.

― Que ousadia é essa? – esbraveja Sara caindo em sua provocação, sentando-se e aumentando a proximidade de seus rostos. – Retire o que disse!

― Não.

― Retire agora mesmo!

― É claro que retiro! – diz ele, anulando a distância que havia entre eles e a beijando, automaticamente fazendo os olhos da humana se fecharem ao sentir a carícia de seus lábios percorrerem a linha de seu maxilar em direção ao ouvido. – Só queria vê-la irritada, como nos velhos tempos.

― Idiota! – sussurra, não fazendo esforço algum para parecer séria ou raivosa, visto que sua mente já estava fora de órbita.

Cassis a beija na bochecha, deslizando seus lábios que irradiavam calor por toda a extensão de sua epiderme em direção à curva de seu pescoço, onde subitamente parou, fazendo-a ofegar e seu corpo congelar em sinal de perigo.

É claro que o vampiro havia percebido sua reação. Mesmo que nenhuma palavra saísse da boca de Sara, ele podia sentir suas emoções na maneira como seus músculos faciais se moviam e na frequência com que seu coração batia, e reconhecia aquele súbito congelamento como uma reação comum de qualquer presa acuada diante de seu predador.

Sua sede estava devidamente controlada e seu corpo saciado, por isso – e unicamente por isso –, o não-vivo conseguia se aproximar daquela região sem se deixar afetar, sentindo os litros de sangue correndo por baixo daquela frágil camada de pele sem ser tentado pela sedução do vitae humano. Ele se afasta, com o semblante calmo e sob controle, e quando seus olhos se cruzaram, Sara pareceu se libertar da repentina paralisia que a dominou.

― Nunca a machucaria.

― Eu acredito – diz ela, tocando a beleza de seu rosto aquecido com a ponta dos dedos e encontrando em seus olhos escuros toda a sua sinceridade. – Me desculpe.

― Não se desculpe, você não fez nada de errado – responde com franqueza, mas, ao mesmo tempo, sentindo uma pontada de tristeza por causar aquele tipo de efeito sobre ela e ainda fazê-la se sentir culpada. Ele não queria aquilo, não com ela, afinal, ele é que era o inumano.

Cassis se levanta da cama, caminhando suavemente em direção à janela para que ela não percebesse sua recente afetação, admirando o manto noturno que tanto se parecia com ele. A noite era bela e fascinante de se observar, principalmente quando enfeitada com as dezenas de pontinhos brilhantes, entretanto, também era obscura, ocultava tudo o que era seguro e bom, e camuflava o que era perigoso, o que a tornava motivo de medo para todos os humanos, assim como ele, o vampiro.

A rainha se deita novamente, sabendo que precisava descansar e recuperar suas energias, mas permitindo que uma última questão borbulhasse em sua mente e a impedisse de fechar os olhos, pois não conseguiria deixar aquilo em oculto.

― Cassis – chama.

― Sim – responde prontamente, mas sem desviar os olhos do brilho das estrelas, que enfeitavam aquele céu tão limpo.

― Estamos juntos há bastante tempo, não é? – Ele não respondeu, dando–a oportunidade de continuar seu raciocínio. – Sinto que amadureci, devido a todas as coisas que nos aconteceram, e, de certa forma, também cresci, mas você continua sempre o mesmo.

― Aonde quer chegar com isso? – questiona desconfiando, não sabendo ao certo se ela o estava chamando de imaturo ou se o assunto era mais complexo do que aquilo.

― Só estava pensando. – Pausa, curiosa, mas temendo a resposta. – Você nunca pensou em me tornar uma semelhante? Digo, me transformar em uma vampira?

― Não! – responde no segundo seguinte, uma palavra rápida e segura, tornando impossível duvidar de sua resposta. – Nunca!

― Entendo.

― Não que eu não deseje ou não a queira ao meu lado – explica cauteloso, tocando o umbral da janela e descarregando na estrutura do castelo toda a sua tensão com aquele assunto –, mas acho que não conseguiria fazê-lo. Tenho medo.

― Medo? – repete em forma de pergunta, percebendo que em algum momento de seu casamento ele havia pensado no assunto. – Medo do quê?

― De entrar em frenesi e matá-la. Não suportaria perder você – confessa de uma única vez, ainda apertando a estrutura da janela e a deformando.

― Tudo bem – conclui, satisfeita com a resposta e alegrando-se interiormente por ele não incluir um “também” ao final de sua frase, o que significava que Violeta estava inteiramente fora de seus pensamentos. – Obrigada por me fazer feliz.

O vampiro não responde de imediato. Ele sentia que aquele último agradecimento havia sido acompanhado de um sorriso, mas, atordoado demais com as inesperadas perguntas, não conseguiu olhá-la nos olhos, preferindo esperá-la adormecer antes de abrir a boca e soltar a egoísta sentença que estava presa em sua garganta há muito tempo:

― Se você continuar a possuir minha mente e embriagar minha alma desta forma tão intensa – diz ele, virando-se e recostando-se a janela, observando a humana com atenção e interesse –, não hesitarei em arrancar-lhe a mortalidade e torná-la minha para sempre, somente minha!

Cassis a respeitava de muitas maneiras e muito mais que qualquer homem que Sara já havia conhecido. Respeitava seu governo, sua palavra, suas opiniões e seus gostos, porém, como vampiro, ele não gostava de perder e era egoísta demais para deixar que o foco de seu amor e de seu afeto se perdesse em algo tão bobo como a morte.

Se ele a queria, ele a teria, e no momento em que colocou seu desejo egocêntrico em palavras, seus olhos cintilaram em vermelho, como se algo ou alguém, no mais profundo de sua mente, se contentasse com a ideia de tomá-la para toda eternidade.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado :)



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