Cassis (Série Alestia I) escrita por Jane Viesseli


Capítulo 23
Frente ao Inimigo




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Era pouco mais de quatro horas, segundo a intuição de Cassis, quando ele finalmente deixou a fortaleza oeste com sua guarda pessoal. Tal qual os relatos do general durante a conferência, o método de treinamento daquela era fraco e o forte mal abastecido, o que os impediam de se manter com a moral alta das tropas, além de já estarem enfrentando alguns picos de rebeldia.

Diante disso, o vampiro não hesitou em visitar a fortaleza, averiguando a veracidade das informações e colocando em seus devidos lugares os soldados que, por serem habilidosos demais, achavam-se insubstituíveis. O dia havia sido cheio, no fim das contas, mas o não-vivo estava satisfeito por tudo ter se resolvido e a fortaleza, que protegia os limites de Alestia com Aurora, ter sido devidamente abastecida e fortalecida.

O único desagrado do rei, àquela altura, era sua guarda de proteção pessoal, cujas leis de Alestia exigiam que estivessem a sua disposição e que o guardassem sempre que saísse do castelo. Entretanto, quem era ele, afinal, para depender e ser resguardado por meros humanos? O grupo era composto de seis excelentes soldados da Cidadela, mas, ainda assim, Cassis achava ridículo e uma afronta ao seu ego, a ideia de cruzar os braços e ser protegido por eles, quando ele conseguia se defender muito bem sozinho.

O comboio segue caminho em direção ao grande rio, parando momentaneamente a pedido do rei, que estava cansado de ser seguido por toda parte como uma criança inconsequente. Ele desce de seu cavalo, caminhando em direção à margem do rio como se pretendesse beber água, não despertando nenhuma dúvida ou desconfiança nas mentes humanas sobre o fato de vampiros não sentirem aquele tipo de sede.

Os humanos logo se colocam de prontidão, três fora de seus cavalos e três ainda montados, todos preparados para proteger a vida do rei, embora suas atitudes o fizessem revirar os olhos, enquanto sua mente já maquinava meios e trejeitos de derrubar àquela estúpida regra de escolta, ou, ao menos, de fugir deles e cavalgar sozinho sempre que pudesse.

― Coisa maçante – sussurra o vampiro para si mesmo.

― Posso lhe dar um pouco de ação, se desejar.

O vampiro congela, pois definitivamente não esperava ser respondido. Havia alguém ali além de sua escolta, alguém como ele, visto que conseguiu ouvir seu tom baixo de voz com tanta perfeição. Sua mão leva uma porção de água ao rosto, molhando-o superficialmente e lhe dando a oportunidade de localizar a posição de seu visitante, à direita, nos domínios de Aurora.

Ele estava distante, escondido entre as árvores e imperceptível aos ouvidos humanos, tornando Cassis o único capaz de percebê-lo. Seus olhos eram intensos e irônicos, seu cabelo comprido e suas roupas elegantes, apesar de extremamente encardidas, o que sugeria que eram roubadas.

― Há muito tempo aguardo esta chance, majestade – confessa, proferindo a última palavra com uma entonação estranha, quase como desdém.

Cassis volta sua atenção para o rio, não querendo que os soldados notassem a presença do estranho e o espantassem, pois algo em sua frase havia lhe despertado desconfiança. E enquanto se lavava, o respondeu:

― Quem é você?

― Oh, o grande rei não me conhece? Fiquei chateado. – Sorri maliciosamente. – Apesar de nunca termos sido apresentados, esperava que soubesse algo a meu respeito, afinal, meu irmão Zino e meu criado Justino já lhe encontraram antes.

Nada mais precisava ser dito ou explicado, pois assim que o nome de Justino foi mencionado, Cassis se lembrou de sua morte final, da gargalhada assombrosa e do homem escondido nas sombras da noite.

― Não me lembro desses nomes – menti.

― Suas mãos reais os mataram.

― Então não foram importantes para mim a ponto de guardar suas fisionomias na memória. Veio vingá-los? – arrisca, tentando parecer o mais indiferente possível quanto às importunas visitas dos rebeldes.

― Frio e calculista. Não esperava menos de você, Sanguinário, mas está enganado quanto à vingança, Zino era um estúpido e Justino apenas um criado, nenhum deles vale o esforço.

― Quanto apego por seus homens. – Pausa, medindo as próprias palavras. – Então, diga-me, o que quer?

― Apenas uma apresentação, nada mais. Sou Tibérius, o rebelde a quem vossa majestade deve temer, pois serei seu futuro assassino.

Cassis franze a testa, colocando-se de pé e olhando para o céu, apenas para que os humanos não desconfiassem de sua demora, e apesar da postura relaxada, seu semblante demonstrava desagrado. Nenhuma palavra foi proferida em resposta, fazendo com que o rebelde se alegrasse, afinal, finalmente havia perfurado seu perfeito autocontrole.

― Uma mudança em sua expressão, que inusitado. – Zomba. – Espere só até descobrir sobre meus planos futuros. Minha estratégia tem a sua morte como ponto inicial, pois ao tomar posse das minhas terras, vossa majestade ganhou destaque em minha lista de inimigos. E quando finalmente me livrar do rei, irei até a rainha, a tomarei como esposa, serei coroado rei, e quando a coroa finalmente estiver sobre a minha cabeça, matarei a humana e colocarei minha própria parceira para reinar ao meu lado.

Cassis sente os dentes trincarem e os músculos de seu corpo enrijecerem ao ouvi-lo mencionar Sara, ameaçando sua vida tão descaradamente. Um ser tão imundo, pertencente ao grupo infrator das leis da sociedade vampira, não era digno de pronunciar sua mulher e rainha.

― E por que decidiu aparecer só agora? – pergunta, tentando se mostrar impassível, mas falhando miseravelmente. – A visita de Justino foi há muito tempo e você estava lá, por que não aproveitou a oportunidade?

― Para alguém que possui a eternidade a seu favor, vossa majestade é um não-vivo bastante impaciente, não é? Eu precisei esperar, pois somente com Sara sendo rainha é que poderia tornar-me rei. Ao contrário do que sua mente pequena está imaginando, não pretendo vingança ou extermínio da raça humana, meu objetivo é simples, apenas uma questão de território. Invadir e conquistar, essa é minha estratégia, mas como o rei desdenhou meu pedido por um acordo, senti-me forçado a pensar em algo maior para atingir meu objetivo, o que automaticamente inclui Sara.

― Como sabe o nome dela? – rosna, tentando manter o controle de sua voz para não soar alto demais, não admitindo que o nome de sua rainha fosse usado por alguém como ele.

― Acabo de expor que irei matá-lo e dominar Alestia, e está preocupado com o nome da humana?

― Responda! Como sabe o nome dela?

― Acalme-se, majestade. – Sorri, a maldade em sua voz era quase palpável. – Não só conheço sua concubina real, como também sei exatamente como ela é: cabelos castanhos e encaracolados, magra, olhos amendoados, bochechas coradas, belos lábios, pele macia como veludo… Ah, deve ser uma delícia poder beijá-la, imagine como será quando eu cravar meus dentes em seu lindo pescoço. – Ri, umedecendo os lábios como se já pudesse sentir o sangue quente escorrendo por sua garganta.

― Bastardo!

― Sim, eu o sou e me orgulho disso, pois por ser um bastardo, sou um rebelde. Não serei dominado por nenhum dos clãs e, mesmo com sua fama, Sanguinário, não o temerei. Sei tudo sobre você, conheço sua forma de lutar e você desconhece a minha – confronta com ousadia, deixando o tratamento formal de lado e cutucando o vampiro com o único motivo dele não desembainhar sua espada naquele momento: ele não sabia nada sobre Tibérius.— Acha mesmo que só estive na Cidadela? Eu também penetrei seu castelo, seus jardins e seus estábulos, e você nunca notou minha presença.

Choque! Foi isso o que se passou pelo rosto de Cassis, que subitamente virou o rosto na direção de Tibérius e o fitou com atenção, apesar da distância, ignorando a possibilidade dos soldados perceberem a presença do rebelde. Ele tinha os cabelos loiro-acastanhados presos em uma trança, uma enorme cicatriz sobre o olho esquerdo, apesar de não ter a vista danificada, parecia ser alto como Thorkus e em suas costas carregava duas espadas, cujas bainhas se cruzavam em forma de “X”.

― Admita, Cassis, eu sou muito habilidoso… Muito mais do que você – provoca, rindo levemente de sua enorme falha em proteger sua rainha e seu reino, visto que ele havia chegado perto de ambos.

― E por que não me ataca agora? – sussurra irritado.

― Não é viável, estou com sede e você, acompanhado. – Faz uma breve pausa, saltando da árvore para que sua presença se tornasse mais visível. – Aliás, confesso que estou um tanto decepcionado com seu desempenho, foi fácil demais me aproximar das pessoas que jurou proteger. Darei alguns meses para treinar e deixar de ser uma vergonha, pois, se for para matar alguém, quero matar o tão conhecido Sanguinário e não um rei patético.

Cassis coloca a mão sobre a espada, desembainhando-a com velocidade e chamando a atenção dos soldados, que imediatamente vêm ao seu encontro e percebem a presença do rebelde, mesmo longe. O rei trinca os dentes furioso, visto que, como todo vampiro, era orgulhoso demais de suas habilidades para deixar ser depreciado, e, não pretendendo engolir tal desaforo, cobiçava exterminar Tibérius ali mesmo.

― Guarde sua espada. Posso estar com sede, mas ainda sou capaz de derrotá-lo – alerta o rebelde em tom de deboche –, e se não aceitar minha proposta de batalha, aviso-lhe que as consequências serão desastrosas, algo como a retaliação de sua concubina, seus pedaços enviados de presente para o castelo e a cabeça numa bandeja para a Cidadela Principal. O que acha?

Fez-se silêncio! O semblante de Cassis permanecia indomável, apesar de sua mente tentar, a todo custo, engolir o seu orgulho pela segurança de Sara. Os soldados ao seu redor estavam armados e atentos, esperando uma ordem do rei ou a investida do rebelde, já que não podiam invadir os domínios de Aurora. E apesar de suspeitarem haver um diálogo acontecendo entre eles, para os humanos era impossível ouvir suas palavras àquela distância.

― Eu aceito! – diz o rei, fazendo os soldados se entreolharem.

― Ótimo – confirma, dando a Cassis a péssima impressão de que não estava mais no comando da situação, pois havia se tornado a presa. – Foi um prazer conhecê-lo, majestade, espero que aproveite o tempo que lhe dei e lembre-se, eu quero o Sanguinário e não o rei. Recorde-se também que você possui uma fraqueza e eu sei qual é! – ameaça discretamente, adentrando o reino de Aurora ainda mais, não dando pista ao rei sobre a localização de seu esconderijo.

― Desgraçado – grunhi, apertando o punho ao redor da espada, antes de guardá-la de volta a bainha. – Ele pretende atacar, em breve, precisamos ficar atentos – alerta aos soldados, esperando que eles se empenhassem pelo bem de sua rainha.

― E por que ele avisaria tal coisa? – questiona um dos homens, achando aquele comportamento ilógico.

― Para aumentar o desafio. Ele nos acha fracos e fáceis demais de se derrotar, quer que nos tornemos mais fortes, para que a briga se torne mais divertida.

O rei sentia a raiva vibrando por todo o seu corpo, tencionando seus músculos, ao mesmo tempo em que o sabor do fracasso amargava seu paladar. O rebelde entrara em seu reino sem ser visto, se colocara ao lado de Sara sem que ninguém percebesse e isso era inaceitável para um vampiro como ele, escolhido para somar àquela aliança.

Seus olhos se cruzam com os de seus soldados, encontrando ali a mesma chama de fúria, porque, apesar de humanos, eles eram homens de guerra, possuíam o sangue quente e acabavam de ter seus orgulhos feridos e sua terra desafiada. Naquele momento, Cassis soube que eles não o desapontariam e agradeceu mentalmente pela guarda pessoal existir, e por Sara também ser protegida por ela.

Apesar da raiva borbulhando dentro de si, o vampiro não conteve o tremor que atravessou seu corpo ao imaginar a cabeça de Sara sobre uma bandeja. Contudo, o turbilhão que se passou em sua mente ao pensar no corpo retalhado e sem vida, deu-lhe uma nova perspectiva para o futuro: ninguém tocaria em sua parceira, pois até a mais simples das ameaças seria correspondida com a morte.

― Eu vou matá-lo! – conclui o rei, enquanto registrava o rosto de Tibérius em sua mente pelo resto da eternidade.

― E nós o levaremos até este momento, lutaremos ao seu lado! – vocifera o mais velho dos soldados, furioso, chamando a atenção de Cassis para a lealdade que prestava a ele. – Vida longa a coroa! – completa, sendo repetido por todos os outros, cujas fidelidades também estavam no rei e em Alestia.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!! :D
Dedico esse capítulo a leitora Gi47, pela linda recomendação que fez à história ♥️. Obrigada pelo carinho, eu adorei :,)



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