Cassis (Série Alestia I) escrita por Jane Viesseli


Capítulo 22
A Descoberta




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Na manhã seguinte à coroação, Cassis se retira de seus aposentos antes do despertar de Sara, a fim de vasculhar a sala particular destinada ao rei, que agora pertencia a ele. É claro que o vampiro poderia tê-la procurado durante a noite, já que possuía horas vagas neste período, contudo, achou que seria bastante incômodo caminhar sozinho na escuridão do castelo e alarmar os pobres soldados humanos, que montavam guarda todas as madrugadas e que ainda desconheciam o fato de vampiros simplesmente não dormirem.

O não-vivo caminha pacientemente até a sala de conferências, adentrando o cômodo e analisando com atenção toda a sua extensão, observando a grande mesa de mogno e as cadeiras feitas da mesma madeira, mas forradas de veludo carmesim. Nas paredes estavam distribuídas tapeçarias finíssimas, enquanto as estantes carregavam dezenas de presentes belíssimos e de valores inestimáveis, entregues por outros reis e até por imperadores, aos antigos governantes de Alestia.

No fundo do cômodo, do lado direito, uma grande e pesada cortina se estendia do teto ao chão, e Cassis sabia que a porta que procurava estava ali, mesmo sem nunca tê-la visto. Ele se aproxima, afastando a cortina e encontrando a pequena porta de madeira que o levaria a sala particular do rei, logo utilizando a mão livre para puxar a corrente em seu pescoço, que se escondia por baixo das roupas, para revelar a única chave capaz de abrir àquela fechadura.

Cassis destranca a entrada e atravessa o batente, intrigado com a curiosa sala que se revelava diante dos seus olhos. Ali também havia uma linda mesa de mogno e uma cadeira com forro de veludo, mas, diferente da sala anterior, aquela não possuía janelas, suas estantes guardavam somente livros, cadernetas e diários, e havia uma leve camada de poeira assentada sobre todo o ambiente, como se ninguém adentrasse aquele lugar há algum tempo.

― A limpeza é realizada a cada dois meses, sob a autorização real e a tutela dos soldados, sendo que, somente empregados que não saibam ler podem adentrar a sala, permanecendo nela até que o serviço esteja completado – relembra em pensamento, repetindo as palavras que o chanceler lhe dissera na noite anterior, quando lhe entregou a chave da sala privativa.

As paredes estavam livres de decoração, enquanto o teto carregava uma belíssima pintura de Ofir, o primeiro rei, lutando contra um leão. Ao fundo, logo atrás do único assento da sala havia uma grande caixa de mogno sustentada por altas pernas feitas de ouro, que parecia estranhamente limpa quando comparada com as demais coisas.

O rei se aproxima, abrindo-a lentamente e arregalando levemente os olhos ao se deparar com uma armadura real, perfeitamente polida, sobre um estofado de pele e com um envelope endereçado a ele.

“A Vossa Majestade, o Rei”, dizia o envelope, numa caligrafia refinada. O vampiro abre o pedaço de papel, revelando mais da caligrafia que reconhecia como sendo de seu chanceler, que ficara incumbido de proteger a chave da sala privativa até que o novo rei fosse coroado:

 

Vossa digníssima Majestade,

Faço saber, a grandíssima coroa, que estive presente à sala privativa – na companhia de três cavaleiros do Rei, para que me servissem de testemunha de que nada foi tocado, lido ou vasculhado –, com o intuito de depositar na urna de guerra, a recém-forjada armadura de Vossa Majestade, conforme solicitado e instruído por Sir Thorkus, o ancião, e o Arquiduque Leopold de Alestia.

Diante disso, peço absolvição por fazer uso da chave que a mim foi confiada, sem prévia autorização de Vossa Majestade, com a justificativa aqui resenhada, estando certo de que os cavaleiros de Vossa Majestade poderão testemunhar a meu favor quanto à intacta confidencialidade dos documentos reais.

Honrado em permanecer, Senhor, o mais humilde e obediente servo de Vossa Majestade.

Chanceler, Jonas de Alestia.

 

Cassis fecha a notificação, devolvendo-o para o envelope e achando tudo àquilo uma grande tolice, afinal, o que poderia haver de tão importante naquele recinto que precisava ser mantido em segredo? A ponto de amedrontar qualquer humano a entrar ali sem prévia permissão do rei?

Deixando a armadura de lado, o vampiro se aproxima da estante mais próxima, observando a camada de poeira intacta, que parecia testemunhar a favor do chanceler de que nada vou retirado de seu lugar. E na uma hora que se seguiu, Cassis dedicou-se a verificação de algumas anotações e diários diversos, constatando que o conteúdo daquela sala era muito mais valioso do que imaginava.

― Diários de guerra – sussurra para si mesmo, abismado –, esconderijos, traições, espionagens, métodos de treinamento, rotas de ataque e de fuga. Por isso esta sala é proibida, essas informações podem levar Alestia à ruína! Preciso dedicar mais tempo a esses papéis e diários – completa em pensamento, devolvendo os objetos para as respectivas estantes e já se retirando da sala privativa.

Ainda remoendo o que havia acabado de descobrir, o vampiro decide intensificar a proibição de acesso àquela sala, tornando-a não apenas inacessível, mas digna de exílio para qualquer que a adentrasse sem a devida autorização. O rei tranca novamente a porta de madeira e ajeita as cortinas, caminhando a passos largos em direção à sala de banquetes, onde Sara já deveria aguardá-lo para o café da manhã, requisitando um ou outro serviço do chanceler no meio do caminho, sobre os afazeres daquela tarde.

Entretanto, ao adentrar o grande salão, Cassis não pode deixar de se surpreender ao ver que sua rainha era servida por Margarida, mesmo que ele ainda não estivesse presente. A copeira-chefe logo interrompe sua tarefa, curvando-se para ele e rapidamente ordenando que as demais copeiras providenciassem o vitae do rei, enquanto ele se acomodava.

― Alimentando-se sozinha? Pensei que não gostasse de fazer suas refeições só – questiona, não ousando contar com a presença de Margarida, que se limitava a permanecer no salão apenas por tempo suficiente para servi-los.

― Sinto por não tê-lo esperado, mas estava faminta e você demorou mais do que o habitual para comparecer ao desjejum— justifica.

Cassis levanta levemente as sobrancelhas, achando toda àquela desconfiança bastante estranha, já que seus instintos nunca o permitiam errar algo como o horário da refeição, e, até mesmo naquele momento, eles lhe diziam que havia chegado na hora certa.

Ele se senta, observando-a enquanto Margarida o servia de uma farta taça de vitae, mas não encontrando nada que lhe soasse estranho ou suspeito, para justificar tão inédito comportamento. O vampiro toma um longo gole do líquido rubro, pretendendo estar bem alimentado para enfrentar sua primeira conferência na posição de rei, com os generais do reino, que prometia ser longa e complexa.

E enquanto esvaziava o utensílio de todo o líquido rubro, a mais nova das copeiras respeitosamente o aborda, entregando-lhe um odre devidamente abastecido, como solicitado pelo chanceler para todas as manhãs dali em diante. Cassis agradece com um aceno de cabeça, terminando o seu vitae e despedindo-se de Sara com uma rápida explanação de seu compromisso e um beijo nos lábios.

A rainha sente a cabeça girar de repente, ao sentir seus lábios se tocarem levemente e um forte cheiro de ferrugem invadir suas narinas. Ela observa a saída do marido, retornando logo em seguida sua atenção à refeição, mas já não a enxergando como antes. Sara analisa com certo desgosto o restante do pão sobre seu prato, achando, de repente, o aroma dele estranho e enjoativo.

― Margarida, tem certeza de que este pão era fresco?

― Sim, madame, conferi toda a remessa de trigo e outros ingredientes antes de pagar o comerciante, e eu mesma preparei a fornada desta manhã. Por que me pergunta tal coisa?

― Ow, nossa!— exclama, fazendo uma careta ao sentir o estômago embrulhar e afastando o alimento para o mais longe que seus braços conseguiam. – Não me sinto bem, acho que vou vomitar… – disse somente, deixando a frase suspensa quando, em questão de segundos, girou o tronco para o lado e colocou para fora tudo o que havia comido naquela mesma refeição, apoiando as mãos na mesa e no encosto da cadeira para que o corpo não desabasse por completo, tamanha era a náusea e a tontura que a tomaram tão repentinamente.

― Sara! – desespera-se Margarida, ignorando as formalidades ao chamá-la pelo nome e se aproximando para retirar-lhe a coroa que subitamente parecia pesada demais para ela. A copeira lança uma ordem para uma de suas moças, que assente com determinação e corre em direção aos aposentos das damas de quarto. – Chamarei sua majestade imediatamente.

― Não! – contrapõe. – O rei já deve estar a portas fechadas com os generais, não podemos interrompê-lo agora.

― Então chamarei Nicolas para examiná-la.

― Não há necessidade, Margarida. – A interrompe, sentindo-se envergonhada pelo vexame dado, diante de todas as suas serviçais. – Já estou melhor.

― Fui contratada para cuidar dos afazeres da cozinha e da copa, mas muito antes disso, quando ainda era uma menina, fui incumbida de cuidar de vossa majestade.

― Eu já estou bem – insiste, fazendo a voz soar um pouco mais firme.

― Certo, acatarei seu veredicto – diz ela, acenando freneticamente com a mão esquerda para que outras copeiras cuidassem da sujeira no chão. – Permita-me levá-la ao seu banho, madame, apenas para que meu velho coração se convença de que está realmente bem.

― Permissão concedida! – exclama Sara, vencida, levantando-se lentamente de seu assento e se retirando do salão, enquanto limpava os lábios com a ponta dos dedos, como se isso pudesse afastar o gosto ruim de sua boca.

Margarida vinha logo atrás, carregando respeitosamente a coroa que sua rainha havia deixado para trás. E quando ambas adentram o aposento real, que encontrava-se movimentado devido à preparação do banho de sua majestade, Sara dispensa os serviços das damas de quarto e entrega a tarefa de banhá-la nas mãos da copeira-chefe, para que não precisasse encarar os olhos questionadores de todas elas e se lembrar de toda a sua vergonha.

As moças deixam o cômodo apressadas, fechando a porta logo em seguida, e quando finalmente houve o silêncio, a rainha começou a desfazer o complexo arranjo de seu penteado, logo sentindo as mãos habilidosas da copeira assumirem o controle, retirando seus enfeites e libertando as mechas presas de seus cabelos.

Sara fecha os olhos, reconhecendo o toque gentil da anciã e aproveitando cada momento dele, percebendo claramente quando ela terminou o trabalho em sua cabeça e passou para o vestido, auxiliando na retirada das peças e depois do corselete. E foi quando a última parte de roupa caiu, que os olhos de Margarida captaram a pequena proeminência no ventre da rainha, imperceptível sob tantas vestes apertadas, mas que agora era tão nítido quanto o céu azul.

― Majestade, perdoe-me pela insolência e intromissão em sua intimidade, mas, quando foi à última vez que suas regras vieram? – questiona direta, com os olhos passeando do ventre para o rosto de sua rainha.

Sara sente o choque se espalhar por sua face, arregalando seus olhos escuros e abrindo levemente os seus lábios, parte pela pergunta indiscreta a assuntos tão particulares e parte por realmente não saber responder àquela pergunta. Há muito que sua menstruação não vinha, mas devido aos preparativos da cerimônia de coroação ela sequer tivera tempo de se preocupar com as estranhas reações de seu corpo.

― Elas estão atrasadas há um bom tempo, não estão? – arrisca à copeira, guiando a rainha atordoada para dentro da banheira e tentando conter o sorriso quando ela confirmou a informação. – Madame, acredito que esteja grávida.

― O quê? – grita, sentindo a cabeça girar novamente, incapaz de pensar com clareza e absorver aquela simples informação.

― Senhora – chama com carinho, escovando as costas da rainha como fazia no passado, quando ela ainda era uma criança –, esteve tão ocupada nos últimos meses que sequer notou a mudança em seu próprio corpo? Olhe para si mesma, majestade, e verás que seu ventre gera um herdeiro para Alestia. – Sorri. – Perdoe-me novamente pela ousadia, mas a senhora demorou a gerar um filho, dado o homem elegante e viril que é sua majestade, o rei. Ouvi dizer que as damas da corte andam suspirando pelo vosso marido já faz algum tempo e estavam insinuando coisas a este respeito.

Tal ousadia, assim como os burburinhos a respeito de sua fertilidade, não foram sequer processadas pela mente real, que parecia ter se desligado do presente, enquanto ecoava repetidas vezes uma única palavra: grávida. Por extinto, Sara coloca as mãos em seu próprio ventre, notando pela primeira vez o volume consistente que carregava e sentindo os olhos se encherem de lágrimas. Era difícil para ela distinguir qual sentimento a dominava naquele instante, e, enquanto meditada, se deu conta do óbvio: o aperto em seu corselete que, de repente, havia se tornado tão incômodo, e o aumento de apetite que inicialmente julgou ser consequência de seu nervosismo, tudo havia sido em decorrência da gravidez.

― Devo anunciar as boas novas ao rei, com nota de urgência? - questiona, retirando-a de seus devaneios.

― Não, ainda não, primeiro preciso ter certeza – explica com rapidez, lembrando-se de quando Cassis lhe alertou sobre a impossibilidade de lhe dar um herdeiro, o que a levou a questionar se ele é que estaria errado, ou se era ela e a copeira as iludidas.

― Os sinais estão claros, majestade, mas se necessita de certeza, convocarei a parteira da Cidadela para lhe dar uma resposta mais experiente.

― Faça isso, mas seja sigilosa.

― Sim, madame.

O silêncio se instala. A água morna parecia não ser o suficiente para relaxar os músculos que subitamente se tencionaram em expectativa. Margarida estava certa, todos os sinais apontavam para uma possível gravidez, contudo, o vampiro havia sido bastante enfático ao dizer que não poderia lhe dar um filho, o que logo a fazia questionar qual seria a explicação correta para toda aquela situação.

Levou pouco mais de meia hora para que a parteira finalmente chegasse ao castelo e se apresentasse diante da rainha, causando burburinhos por onde passava, apesar de estar encapuzada e procurar esconder a face. A senhora de meia idade ouviu atentamente aos relatos de Margarida, realizando, logo depois, uma rápida avaliação sobre o ventre de Sara, que apesar de o volume ainda ser pequeno, a fez constatar o óbvio:

― Parabéns! Vossa majestade está grávida, sem sombra de dúvidas.

Sara acaricia a pequena barriga, sentindo um misto de alegria e medo agitar seu coração. Eram muitas novidades e responsabilidades sendo adquiridas de uma só vez. Havia um bebê ali, crescendo naquele momento, mas ela não sabia se estava preparada para aquilo, para ser mãe.

― Eu vou ter um bebê? – questiona ainda incrédula.

― De certo, majestade. Alestia se alegrará e festejará continuamente com a notícia de que um herdeiro foi concebido – diz Margarida, dando pequenos e estranhos pulinhos, e sacudindo as mãos para enfatizar o tamanho de sua alegria.

― Do meu Cassis? – sussurra para si mesma, ignorando a crença do vampiro em sua esterilidade e concentrando-se apenas naquele momento, naquela notícia e na felicidade que agora prevalecia sobre o torpor em sua mente.

Lágrimas irrompem de seus olhos castanhos, escorrendo silenciosamente por sua pele quente e morrendo em algum lugar na linha de seu maxilar. Sara ainda sentia um resquício de medo, porém, saber que esperava um fruto de seu amor por Cassis, um filho, parecia sobrepujar todas as suas incertezas.

― Margarida! – chama de repente. – Palavra alguma deve sair de sua boca quanto a isso e tampouco das criadas, que já devem estar especulando coisas. Esta é uma ordem de sua rainha: nada deve ser pronunciado até que eu mesma obtenha uma conferência com o rei!

― Sim, majestade. Garantirei que todas as línguas permaneçam dentro de suas respectivas bocas, palavra alguma será dita.

― O mesmo almejo de ti – diz Sara, voltando-se para a parteira –, conto com sua discrição e lealdade, ninguém deve saber das boas novas antes de seu rei.

― Não a decepcionarei – concorda a mulher, curvando-se levemente e sorrindo, não apenas pela alegria de se ter um herdeiro a caminho, mas também por estar envolvida em um importante segredo com sua rainha.

Sara sorri com expectativa, imaginando mil e uma formas de expor a notícia ao homem que tanto amava, não idealizando que, naquele momento, o rei se retirava do castelo rumo à fortaleça oeste, na companhia dos generais e uma guarda pessoal, para a resolução de importantes assuntos militares.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado :)



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