Cassis (Série Alestia I) escrita por Jane Viesseli


Capítulo 18
Testes e Intenções




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Sara desperta assim que os primeiros raios de Sol invadem seu quarto, percebendo em questão de segundos que Cassis ocupava o espaço ao seu lado, na cama. Uma semana havia se passado desde o funeral do rei e durante todas as noites a princesa adormeceu sob os olhos vigilantes do vampiro.

Saber que os imortais não dormiam fez toda a diferença para ela, que depois de muito cogitar o que ele fazia durante a noite, se deu conta de que talvez Cassis não tivesse nada para fazer além de ler alguns livros e observá-la dormir. Quem o visse de olhos fechados, naquele momento, com aquele semblante tão sereno e respiração suave, poderia facilmente acreditar na veracidade de seu sono, mas a princesa havia jurado para si mesma que não cairia mais naquela prenda.

― Sei que você não dorme, por que continua com esta farsa? – pergunta, mais por curiosidade do que pelo prazer de cutucá-lo.

― Para tentar lembrar – diz ele, ainda de olhos fechados.

― Tentar lembrar o quê?

― Como é a sensação de dormir – confessa, abrindo os olhos e observando como os cabelos de Sara pareciam mais selvagens e bonitos pela manhã. – Eu assisti ao seu sono nos últimos dias. Apesar de todos os acontecimentos e de sentir que seu coração ainda está triste, seu semblante ao dormir é sereno e tranquilo, agradável de uma forma que não consigo lhe descrever… Não me lembro de como é “dormir”, mas a julgar pelo seu sono, deve ser uma coisa boa.

No início, Sara pensou se tratar de uma nova piada, achando que o não-vivo tentava fazer chacota de sua inteligência com uma nova prenda, já que o seu falso sono havia sido descoberto. No entanto, logo se deu conta de que ele falava sério, pois não havia nenhuma espécie de humor ou sarcasmo em sua voz.

Cassis não era um homem muito fácil de ler, devido a sua raça e excesso de controle emocional, e naquele instante, parecia ainda mais complexo. Porém, ao se colocar no lugar dele e se imaginar vivendo por longos e longos anos, sem nunca dormir, a princesa percebeu o quão afastado de sua humanidade ele estava.

― Sim, é uma coisa muito boa – explica. – Dormir é como apagar uma lamparina, tudo fica escuro e inerte, então, acho que se você fechar os olhos, tapar os ouvidos e esvaziar sua mente, poderá chegar perto da sensação de dormir.

Cassis sorri levemente. Ele sabia que não havia como se lembrar de um feito tão humano, quando anos de imortalidade já haviam se passado e o afastado da linha tênue da vida, mas estava satisfeito pela tentativa de explicação da princesa, que estava demonstrando uma crescente empatia por ele.

Sara se levanta, acreditando ter dito algo potencialmente bom para ele esboçar algum tipo de emoção. E, momentos depois, quando ambos já estavam à mesa do desjejum, devidamente servidos pelas criadas, a princesa cantarola uma música calma, em latim, enquanto o não-vivo observava o vitae de sua taça, mexendo o líquido rubro de um lado a outro e analisando sua consistência.

Quando os primeiros versos começaram a ser cantados suavemente pela princesa, o vampiro passou a alternar sua atenção de seu alimento para a música. A canção saía suave dos lábios femininos, narrando à súplica de uma donzela para que das cinzas e do sangue da guerra, seu enamorado retornasse vivo e bem, pois seus sentimentos ainda não haviam sido revelados e ela precisava os dizer.

Enquanto ouvia a melodia, Cassis não pôde deixar de pensar no quanto uma confissão de sentimentos era importante para os humanos e no quanto eles eram curiosos e cheios de manias, quando comparados aos vampiros, o que os tornava uma raça bastante interessante de se observar, apesar de serem bastante frágeis e fáceis de destruir.

Terminado o café da manhã, Cassis se retira em direção ao pátio para seu treino periódico, enquanto Sara percorria os corredores do castelo ainda com a antiga cantiga em seus lábios, rumo ao cômodo que servia de quarto para o seu pai. Quase não havia atividades para ela naquele dia, devido ao período de luto real, e, por isso, a princesa sentiu-se nostálgica o suficiente para adentrar o aposento vazio, onde dezenas de tecidos cobriam os móveis e quadros que já não eram usados.

A temperatura dali não era diferente do corredor de onde viera, mas, por algum inexplicável motivo, Sara sentia uma brisa fria lhe percorrer o corpo, como se a morte ainda estivesse por ali, à espreita. Um tremor atravessa os seus músculos, fazendo sua respiração acelerar e seus olhos aflitos percorrerem o quarto em busca da morte, esperando ela se materializar a qualquer momento. Porém, não havia nada lá além das protuberâncias de móveis sob os tecidos, sendo um deles bastante familiar.

Sara se aproxima, retirando o manto do instrumento que reconhecia como sendo a harpa de sua mãe, sentindo um misto de tristeza e expectativa ao revê-la, depois de tantos anos. Seus dedos tocam delicadamente as cordas, testando o seu som e sentindo a atmosfera se tornar mais leve ao seu redor, como sempre acontecia quando a tocava.

― Acho que está na hora de tirá-la daqui – sussurra para o objeto inanimado, dedilhando mais algumas notas antes de ter sua atenção atraída para outro tipo de som.

A princesa se aproxima da janela, ouvindo nitidamente o tilintar das espadas de Cassis e Sir Thorkus, vendo toda a extensão do pátio onde os vampiros treinavam. Os movimentos de ambos eram fortes, precisos e, na maioria das vezes, cruéis, como se um realmente desejasse machucar o outro. Cassis se mantinha calmo na maioria do tempo, mas era possível notar, em sua forma de lutar, o quanto o seu oponente era habilidoso e seus movimentos, desafiadores.

― Focalize em seus movimentos e não em sua raiva – corrige Thorkus em meio aos seus ataques, apesar de Sara não conseguir ouvi-lo devido à distância. – Demonstrar emoções é demonstrar fraqueza! Demonstre o que está sentindo…

― E o inimigo usará isso contra você, eu já sei! – completa Cassis, sentindo sua raiva aumentar diante dos repetidos sermões.

― Precisamente – confirma o lorde, tão duro quanto uma pedra de granito, um segundo antes de aplicar uma rasteira em seu aprendiz e mandá-lo de costas para o chão.

― Inferno! – pragueja.

Da janela, Sara solta uma leve risada, porque mesmo que não pudesse escutar mais do que murmúrios, tinha descoberto o quanto era engraçado ver um vampiro se dar mal, embora também tenha apreciado observá-los lutar. A maneira como seu corpo parecia sempre cheio de energia, os músculos contraindo e relaxando com a agitação da espada e os cabelos bagunçados tentando acompanhar o ritmo de seus movimentos, fazia-a pensar que Cassis era de fato um belíssimo homem e… Espere! Quem era aquela mulher que os assistia tão de perto e que agora se aproximava de Cassis, lhe oferendo a mão com tanta intimidade, como se um homem adulto realmente precisasse de ajuda para se levantar?

Não havia dúvidas de que se tratava de uma vampira, devido a sua pele translúcida de sanguessuga e seu traje masculino nada convencional, que carregava um corselete de couro sobre a barriga e moldava todas as curvas de seu corpo com muito mais ênfase que um vestido. Seus cabelos cor de chocolate eram curtos e seus olhos castanhos pareciam bastante atentos aos movimentos do príncipe, que agora se dirigia à Margarida para uma farta dose de vitae. Entretanto, a pergunta que tanto inquietava a mente de Sara era: quem era aquela mulher que tão claramente demonstrava interesse por seu marido?

― Precisa tocar nele todas as vezes que abre a boca para falar? – rosna Sara entredentes, apertando o umbral da janela com tanta força que os nós de seus dedos se tornaram brancos. – Aperte um pouco mais esse corselete e seus seios saltarão para fora de suas roupas, assim conseguirá chamar mais a atenção dele, abusada – resmunga com raiva, dando uma rápida olhada ao redor para se certificar de que ninguém a escutava.

Aparentemente, Cassis não parecia incomodado com os toques da vampira e sequer tentava evitá-los, mas Sara estava distante demais para notar o quanto a presença da não-viva o aborrecia e o quanto ele mostrava-se desinteressado pelo, seja lá o quê, que ela estivesse falando.

O príncipe leva alguns segundos para guardar a espada e prendê-la adequadamente ao cinto, antes de apanhar sua taça de vitae, dando À vampira o tempo de que precisava para tomar um gole de seu cálice antes de oferecê-lo a ele. Sara ofega com tamanha ousadia, ela conhecia muito bem o truque de beijar o pretendente sem de fato tocá-lo nos lábios, uma estratégia de cortejo que não causava escândalo, mas que, ainda assim, era considerada uma real demonstração de interesse entre o casal. Todas as damas da alta sociedade conheciam o truque e o chamavam de “beijo secreto”.

― Não ouse tomar da mesma taça que ela, não ouse tomar da mesma taça que ela – repetia Sara como um mantra, agora com os olhos presos em Cassis e no cálice que se aproximava de sua boca.

― Margarida, sente-se bem? – questiona Cassis à copeira-chefe, que estava pálida e de olhos esbugalhados, visto que sabia exatamente o que a visitante vampira estava tentando fazer, apesar de o príncipe parecer não ter notado.

― A-acho melhor não tomar deste vitae, vossa alteza – gagueja a humana, procurando as palavras certas para livrá-lo daquele utensílio sem expor a convidada e parecer grosseira. – Acredito ter visto um inseto cair aí dentro, pouco antes de o senhor apanhá-lo. Perdoe-me por tal descuido, providenciarei uma nova taça imediatamente – explica exasperada, tomando o copo das mãos do vampiro e desaparecendo para o interior do castelo.

Sara suspira aliviada, apenas por um segundo, já que agora a não-viva oferecia a sua própria taça à Cassis, descaradamente mostrando suas intenções para com um homem casado, apesar de seu alvo parecer totalmente alheio a tal estratégia de cortejo, como se a desconhecesse.

― É impossível que não conheça – pensa Sara, aflita –, ou talvez realmente não saiba, já que sua história com Violeta aconteceu há décadas. Sendo assim, ela está tentando se aproveitar de sua falta de consciência?

A humana fecha as mãos em punho ao vê-lo beber no mesmo cálice que a visitante, tocando seus lábios no mesmo local que os dela haviam tocado, dando a uma estranha o beijo indireto que deveria ser dela, a mulher, mesmo que seu casamento fosse apenas de mentira.

― Ordinária! – rosna Sara, virando-se tão repentinamente para desfazer o contato visual, que seu braço golpeia uma tigela de metal que descansava no móvel ao lado, lançando-o, juntamente ao véu branco que o cobria, janela afora.

O objeto voa em direção ao solo, esperneando ao tocar o chão de pedra e atraindo a atenção dos vampiros e soldados que montavam guarda ali perto, além da própria princesa, que não conseguia acreditar no que havia acabado de fazer. Os olhares se elevam em direção à janela, onde Sara ainda observava embasbacada a barulhenta tigela de metal.

― Isso não pode estar acontecendo – murmura para si mesma, sentindo o rosto queimar de vergonha diante de todos os rostos que a encaravam. Ela recua da janela com um salto, escondendo o rosto nas mãos em aflição. – Que vergonha! Que vergonha! Que vergonha!

A princesa caminha em direção à porta, ansiosa para deixar aquele lugar e fazer de conta que nunca havia estado naquele quarto, caso alguém viesse procurá-la. No entanto, seu plano se mostrou frustrado assim que a imagem de Cassis surgiu à porta como uma aparição, fazendo-a gritar.

― Você está bem? – questiona de repente.

― Como você… – Pausa, levando meio segundo para se lembrar de que vampiros podiam se locomover numa velocidade muito maior que a dos humanos.

― Sara? – chama pela segunda vez, finalmente retirando a humana de seu pequeno devaneio. – Está se sentindo bem? O que faz no quarto de seu pai?

― Sim, é claro que estou bem, por que não estaria? – rebate rapidamente, tentando não se mostrar afetada pelo que vira acontecer no pátio.

― Porque está no quarto de seu pai e o período de luto está acabando somente agora, o que significa que precisa se cuidar ou…

— Você é que deveria se cuidar. – O interrompe. – Aquela mulher o estava usando e isso é inadmissível. Não sei se o conselho vampiro possui regras quanto a isso, mas em Alestia temos um belíssimo calabouço para pessoas mal intencionadas como ela.

― Usando? – repete sem entender.

― Sim, ela tomou de sua taça antes de entregá-la a você, aquela mulher baixa queria que você bebesse no mesmo local que ela. Acredito que Margarida tenha tomado sua taça por este motivo, embora àquela rameira aproveitadora tenha lhe oferecido o próprio cálice, para assim lhe dar um beijo secreto e comprometer sua reputação, aproveitando-se de sua inocência quanto a esta estratégia de cortejo.

― Valesa não é uma rameira e tampouco se aproveitou de minha “inocência” – explica, frisando a última palavra com certa arrogância. – Eu já conheço essa besteira de beijo indireto.

Choque! Nenhuma outra palavra podia definir o estado de Sara diante daquele fato além de “choque”, pois tal afirmação mudava completamente a cena vista pela janela, significando que Cassis havia partilhado do cálice de Valesa de propósito, totalmente ciente do que aquilo significava.

― Já sabia? – questiona aturdida.

― É claro que sabia. Não me ofenda, Sara, viver por muitos anos não significa que minha mente esteja velha e não possa aprender mais. Estou ciente de todos os costumes atuais, mas, se me permite dizer, acho algumas delas uma tremenda bobagem.

― Isso quer dizer que você bebeu na mesma taça que ela, de propósito?

― Vampiros fazem isso o tempo todo. O vitae é que é importante e não uma crendice idiota, se partilharmos as taças significa sobreviver, então é isso o que faremos. Devia parar de se importar com algo tão infantil.

― Sim, claro, é realmente infantil – concorda, sorrindo sobre seu ressentimento. – Eu estou bem, como pode ver. É melhor voltar agora, não é correto deixar os convidados esperando.

― Está bem, nos vemos no almoço. – Se despede, retirando-se com a mesma seriedade com que chegara, não explicando sequer o que faria até o momento da refeição.

Sara fecha a porta silenciosamente, tentando não se deixar afetar por tudo o que lhe foi dito, mas, no fundo, sentindo-se ferida. Ela sabia que não poderia cobrar dele mais do que já estava oferecendo, seu casamento era uma farsa, seu relacionamento não passava de uma amizade e, ainda assim, Cassis já fazia muito ao ficar ao seu lado e fazer os alestianos apoiarem seu reinado, mesmo sem receber nada em troca.

Passado o choque com a revelação do vampiro, a princesa se dá conta de que não adiantava mentir ou se convencer do contrário, ela realmente havia sido afetada pelo beijo secreto conscientemente dado. O costume poderia ser infantil para os não-vivos, mas era muitíssimo significativo para ela e as demais damas da realeza, e, por causa disso, Sara não conteve as lágrimas ao pensar que, apesar do enlace que os unia, não havia sido ela a escolhida para o beijo indireto de Cassis.

Parecia ridículo chorar por algo como aquilo quando o vampiro claramente anunciara que era tudo uma grande bobagem, e ainda mais ridículo desejar um beijo dele quando, desde o começo, desprezara sua espécie. Entretanto, sua inesperada tristeza logo toma forma em sua mente, trazendo entre uma lágrima e outra a confissão de seus reais sentimentos:

― Não acredito! Estou me apaixonando por ele de verdade.

Longe dali, no hall de entrada, Cassis se reúne aos demais vampiros. E diante do breve questionamento do lorde, o vampiro esclareceu-lhes brevemente o mal entendido da humana, alegando que, acima de tudo, ela estava bem, o que estranhamente fez Valesa rir. O príncipe a observa por quase um minuto inteiro, num questionamento silencioso, até que a vampira finalmente se pronuncia:

― Não seja tolo, Cassis, toda mulher acredita no beijo secreto. – Pausa, se aproximando e colocando uma das mãos sobre sua armadura leve. – Incluindo as não-vidas. Somos imortais, mas não isentas de amor, e quando encontramos um bom candidato a parceiro, são essas táticas de romance que utilizamos para caçar.

― Está me dizendo que fez àquilo com segundas intenções e não como um hábito que, obviamente, a maioria de nós têm?

― É claro que sim. Você é um homem atraente e interessante, alguém que vale a pena ser caçado.

O vampiro recua dois grandes passos, afastando-se da mão de Valesa e de tudo o mais que ela quisesse lançar sobre ele. Ela era uma boa colega, talentosa em batalha, um contato de muitos e muitos anos, mas que não lhe despertava nada além de respeito. E, com tantos soldados em guarda ao seu redor, Cassis teve que colocar fim àquela cena tão constrangedora, antes que maus boatos ousassem manchar o nome de Sara.

― Perdoe-me, mas não posso corresponder ao seu interesse, Valesa. Nós nos conhecemos há muito tempo e retemos muita consideração um pelo outro, portanto, não duvide de minhas palavras quando digo que não acredito em beijos indiretos e tampouco tinha segundas intenções ao aceitar beber de sua taça. Sou um vampiro em aliança e, portanto, comprometido, aquele gesto não significou nada para mim e acredito que sua visita não seja mais satisfatória, nas atuais circunstâncias.

― Eu compreendo – concorda com um sorriso. – Espero que isso não abale nosso companheirismo ou a veracidade de minhas palavras ao dizer que nenhum costume humano deve ser subestimado, pois toda donzela acredita no beijo secreto.

― Considerarei sua emenda – admite Cassis, que se despede com uma reverência e se retira apressadamente, deixando que ambos os vampiros se retirassem sozinhos do castelo.

― Obrigado pela sua cooperação, Valesa – diz Thorkus, finalmente se pronunciando depois de tanto tempo calado.

― Viu aquilo? – Sorri. – Ele recuou dois passos, em vez de investir contra mim. Que fofo!

― Ela o está mudando.

― De fato – concorda ela. – Pedir perdão, por não corresponder ao meu suposto sentimento, foi à coisa mais graciosa que um vampiro já me disse, que obviamente não seria dito em outros tempos, quando ele se preocupava mais consigo mesmo do que com os sentimentos alheios. Esta foi a missão mais simples que já recebi em toda a minha não-vida, Sir.

― Simples, todavia, importante para mim.

― Compreendo! – diz ela, com um aceno positivo de cabeça. – Deseja ouvir meu relatório final, meu lorde?

― Prossiga!

― Mesmo com todos estes homens de lata ao nosso redor?

― De certo, se passamos tamanho ultraje quanto à copeira-chefe e o próprio príncipe demonstraram sentir, acho sensato que estes homens tão leais ao leão de Alestia saibam da verdade por trás de nossas ações.

― Plausível! – concorda Valesa, sorrindo abertamente. – Suas suposições estão corretas, Cassis está apaixonado por ela.

― Está certa disso?

― Está mesmo duvidando de uma Julgadora, Sir?

― Não deveria, mas sua carência de controle emocional me passa uma terrível desconfiança, como se jamais falasse a sério. Já lhe disse que você sorri demais para uma vampira?

― Todas as vezes que nos encontramos. – Ri. – Mas tenho que lembrá-lo que, se não parecer devidamente humana, não posso cumprir as tarefas designadas pelo clã.

― Sim, é claro. Acredito que jamais aprovarei a forma de Ettore doutriná-la, ele age como se tivesse uma joia e não soubesse lapidá-la – retruca, em mais uma de suas eternas críticas a Ettore, fazendo a vampira rir novamente. – Então seu julgamento é certo.

― Tão certo quanto o vitae é vida.

O lorde acena positivamente com a cabeça, notando pelo canto dos olhos, os olhares que os soldados trocavam entre si. E, apesar de seu semblante não expressar absolutamente nada, o ancião estava satisfeito com a notícia que poderia mudar a não-vida de Cassis para sempre.

Algumas horas depois, quando o almoço finalmente foi posto à mesa, Sara sentia-se recomposta para encarar o vampiro novamente e preparada para não deixar transparecer o que tão recentemente havia descoberto. A princesa senta-se em seu lugar costumeiro, observando as pequenas porções sobre a mesa como se elas lhe apontassem o dedo e gritassem que toda a sua família estava morta, por isso o castelo não precisava mais de tanta comida.

Um longo suspiro escapa de seus lábios, ao mesmo tempo em que sua mão apanhava a taça cheia de vinho. Ela toma um gole, sentindo o gratificante calor da bebida se espalhar por seu estômago, que parecia dissipar a sensação ruim que as pequenas porções de comida lhe traziam.

― Devo estar realmente pirando para me sentir ameaçada por pequenos pratos de comida – resmunga em pensamento, apoiando sua taça sobre a mesa, apesar de não soltá-la. – Vou devorar e acabar com cada um de vocês, pequenos acusadores.

Mais alguns minutos se passaram e a humana soube o momento exato em que Cassis adentrou o salão de banquetes: primeiro pelo barulho de seus passos, que apesar de baixos ainda eram perceptíveis; e depois, por seu coração, que passou a bater tão rápido quanto os galopes dos cavalos reais.

Sua mão se aperta ao redor da taça, com medo de parecer trêmula e ridícula quando deveria agir com normalidade, não imaginando que Cassis tomaria o assento ao seu lado, em vez da sua frente. Ela pensava em iniciar uma conversa trivial, perguntando sobre coisas idiotas como decretos e acordos reais, para mostrar a ele que a tola cena de mais cedo estava devidamente esquecida e enterrada. Entretanto, nada mais fez sentido em sua cabeça quando o vampiro colocou a mão sobre a sua, segurando-a firmemente para que ela acompanhasse o trajeto da taça em direção aos lábios masculinos, onde ele apreciou um bom gole de vinho, no mesmo local em que a princesa o havia tomado.

As criadas congelam em meio ao serviço, todas com os olhos cravados no ato do príncipe, que devolvia a taça de Sara lentamente. Certos gestos eram limitados ao particular do casal, ou, ao menos, feitos de maneira discreto, mas o vampiro parecia não se importar em fazer tais coisas tão abertamente.

― Não acredito neste tipo de coisa, mas se isso é importante para você, prometo não beber da taça de mais ninguém, além da sua.

Cassis ouviu pequenas e desconexas exclamações soarem das criadas, que apressadamente correram à cozinha para espalhar o que viram, mas nada prendeu mais a sua atenção do que as batidas do coração acelerado de Sara e o nítido rubor em seu rosto, o claro sinal de que seu beijo secreto a acertou.

― Obrigada – sussurra encabulada, sentindo a respiração acelerar.

E como se a situação não pudesse ficar mais poética, a princesa leva a taça aos lábios novamente, fazendo Cassis ser tomado de um estranho sentimento ao perceber que aquele gesto era como retribuir ao seu beijo secreto. Por isso, quando ela baixou o objeto, o não-vivo não conteve o impulso de se inclinar sobre ela e tornar aquele beijo verdadeiramente real, correspondido por ambas às partes.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado ^-^
Cassis está sendo sondado por Thorkus e usou as habilidades de espionagem de Valesa para obter as informações que queria.
Curiosidade: Valesa é pupila de Ettore, e voltará a aparecer em outro livro da série.



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