Cassis (Série Alestia I) escrita por Jane Viesseli


Capítulo 15
Recaída




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Cassis se retira da sala do trono numa caminhada apressada, não sabendo ao certo em que ponto do trajeto ao quarto se colocou a correr. A imensa porta de madeira de seu aposento finalmente surge em seu caminho e, ainda do lado de fora, ele podia ouvir o choramingo de Sara, que parecia não ter mais forças sequer para expressar seu sofrimento.

Sara havia chorado incontrolavelmente a morte de seu último familiar, não se importando com a pompa de seu principado ou com o fato de estar sentada ao chão, com a cabeça apoiada na luxuosa cama. Porém, agora, somente seus soluços eram audíveis e apenas sua respiração continuava estável, já que seu coração parecia ter sido massacrado por uma carroça.

O vampiro abre a porta lentamente, parando automaticamente ao ver o triste estado em que sua princesa se encontrava. Violeta havia sido a única pessoa cuja dor da perda ele se lembrava muito bem e, com base nisso, o não-vivo tentava imaginar o tamanho de sua angústia.

Seus olhares se cruzam no exato momento em que Sara ergue o rosto úmido das cobertas, os olhos tristes encarando os olhos intensos, transmitindo ali uma espécie de mensagem que o vampiro não conseguia decifrar. As mãos femininas agarram o próprio vestido na região do coração, fazendo Cassis novamente se lembrar de seu grande medo, finalmente entendendo o que o semblante da humana queria lhe dizer: “eu o perdi, estou sozinha”.

A princesa se levanta, derrotada e cambaleante, sabendo que não conseguiria pronunciar palavra alguma sem que o pranto a tomasse novamente. Encarando o rosto pálido de Cassis e o pesar que ele esboçava, ela chega à conclusão que deveria estar realmente péssima, talvez mais medíocre e digna de pena do que imaginava.

― Por quê? – questiona de repente, rompendo o silêncio e não conseguindo manter o controle de seu tom de voz. – Por que tenho sempre que terminar sozinha? Por que sempre me abandonam? Primeiro foi minha mãe, depois Richard e agora meu pai… Por que estão todos me abandonando?

― Sara…

Não houve tempo para concluir a frase, mesmo que ele não soubesse exatamente o que dizer. Pela primeira vez em muitos anos ele estava sendo surpreendido por um ser humano, que se lançou em seus braços sem aviso, abraçando-o fortemente enquanto uma nova onda de choro a invadia.

― Você também irá me abandonar? Eu não consigo sozinha, não me deixe Cassis, por favor, não me deixe! – grita em prantos.

― Não a deixarei! Por nada neste mundo te deixarei, estarei aqui para você, sempre – responde rapidamente, ainda surpreso com tudo aquilo. O abraço fora tão repentino e inesperado, que o vampiro tivera que agir rápido para que a princesa não entrasse em contato com a frieza de sua raça.

Suas palavras o chocaram ainda mais, pois jamais havia imaginado ter alguma relevância para ela a ponto de ter sua companhia requisitada tão firmemente. Porém, algo dentro de si não se agradou de vê-la pensar que ele poderia abandoná-la, e, por isso, com a mesma velocidade com que ela perguntou, ele a respondeu, exalando total convicção em suas palavras e em sua decisão: ele não a deixaria!

Cassis corresponde ao abraço de Sara, pressionando-a ainda mais contra seu peito, sentindo seu choro cessar gradualmente, até que não lhe restasse nada além do silêncio. O calor de seus braços preparados para a guerra, parecia de alguma forma alcançar a alma feminina, assim como o choro dela um dia o alcançou. Era um abraço gentil, protetor, quente… O corpo inteiro do jovem vampiro estava aquecido e ele fazia tudo isso por ela.

― Você promete? – questiona ela, finalmente.

― Prometo – sussurra no ouvido da humana, fazendo-a fechar os olhos involuntariamente e afagar suas costas num movimento tão curto, que se ele não fosse um vampiro, não perceberia.

O príncipe desfaz o abraço, lentamente pegando-a em seu colo e sentindo o calor de seu corpo irradiar de volta para ele, através do tecido de sua roupa de dormir. Enquanto caminhava em direção ao leito, Sara não lhe conteve um olhar suplicante, um convite silencioso e urgente que logo foi aceito por Cassis, que se sentou na cama junto a ela, recostando-se na cabeceira e a aninhando em seu tórax.

― Não se preocupe você não estará sozinha – sussurra ele novamente, desta vez contra os cabelos fartos da princesa, que assentiu com a cabeça e se aconchegou no não-vivo que agora parecia tão empático com seu sofrimento.

Cassis a observa com cuidado. Sara sequer parecia àquela garota destemida que o enfrentara durante o noivado sem se importar com as consequências, que mandava e desmandava naquele castelo com seu nariz arrebitado. Ela parecia tão pequena naquele momento, adormecida em seus braços, que o vampiro chegou à conclusão que a princesa estava em seu limite, que nada mais poderia dar errado ou ela não aguentaria.

As horas correm noite adentro e, em nenhum momento, Cassis reduziu a temperatura de seu corpo, mesmo que Sara já estivesse dormindo e coberta. Em certo período da madrugada, ele até pensou na possibilidade de deixá-la só em sua própria cama, para que pudesse vigiá-la de sua poltrona, mas a humana segurara em seu casaco com tamanha força que dificilmente conseguiria sair sem despertá-la.

Nessas circunstâncias, o vampiro não teve escolha a não ser manter uma temperatura razoável em sua carcaça, visto que nenhuma parte de seu “pior lado” poderia entrar em contato com ela. Isso lhe era inadmissível, mesmo que lhe custasse grande parte de seu vitae.

E quando os primeiros raios de Sol atravessam as janelas do cômodo, Sara despertou, com a cabeça dolorida e o corpo amortecido. A princesa senta-se na cama, levando uma das mãos a cabeça para massagear as têmporas, refletindo sobre os acontecimentos da noite anterior e novamente se deixando abater com o fato de que seu pai havia morrido.

Lentamente ela se volta para o não-vivo, que agiu de maneira tão incomum para alguém de sua raça, que poderia ser facilmente confundido com um humano. Era difícil acreditar que um vampiro conseguisse dormir naquela posição desconfortável durante uma noite inteira, ainda mais, para estar ao lado de um simples ser humano. Entretanto, ao contrário do esperado, seu semblante era tão sereno naquele momento que a princesa não pôde deixar de observá-lo um pouco mais.

Sara aproxima a mão direita do rosto de Cassis, tocando-o levemente com a ponta dos dedos, percorrendo seus traços com delicadeza e retirando uma mecha de cabelo que caia sobre seus olhos, não entendendo como um ser reconhecido por sua frieza e crueldade, podia ter traços tão harmoniosos. Seus dedos delineiam os olhos fechados do não-vivo, seguindo lentamente para seus cabelos negros, descendo os dedos pelas bochechas e sentindo a aspereza da barba ao contornar a linha de seu maxilar, parando rapidamente no queixo, somente para subir e roçar os lábios de Cassis, que possuíam uma temperatura febril. E tão rápido quanto uma bolha subindo à superfície, um pensamento lhe ocorreu e a princesa imaginou como seria beijá-lo.

Pensando no assunto, Sara logo se lembra do beijo em seu casamento, que deveria ter sido como um “nada”, mas que tinha feito sua cabeça girar. Naquela época ela o detestava, fato que, no fundo, não a impediu de sentir algo diferente. Como seria beijá-lo agora que sua opinião sobre ele tinha mudado? As coisas eram diferentes, ela sabia disso, pois seu próprio coração lhe dizia isso.

A princesa se aproxima dos lábios do vampiro, com a mente ainda entorpecida com seus pensamentos, observando-o uma última vez para constatar que ainda dormia e tocando seus lábios nos dele, num toque leve e inexperiente que esquentou sua boca e ardeu sua alma, fazendo seu coração disparar dentro de seu peito.

― Ah! – arfa, sentindo o rosto queimar de vergonha por sua iniciativa, afastando-se.

Sara se retira do quarto em direção a sua sala de banho, afoita e não acreditando no que tivera coragem de fazer. Uma dama de sua sociedade e de sua estirpe jamais seria atrevida o suficiente para tomar iniciativas como àquela, elas sempre eram educadas à elegância e à sedução, ensinadas a conquistar e induzir a ação do cavalheiro, mas nunca a irem “para o ataque”.

― Como conseguiu coragem para fazer isso, Sara? Se alguém souber disso, pensará que perdeu a cabeça – questiona-se em pensamento, colocando as mãos no peito numa tentativa de acalmar o coração descontrolado. – O que está acontecendo comigo?

A princesa se apronta às pressas, preferindo arrumar os cabelos ela mesma a ter que chamar as criadas, pois não queria estar ali no momento em que Cassis despertasse. Entretanto, quando a humana deixou o quarto com seu vestido azul-celeste e os cabelos escovados, porém soltos, o vampiro abriu os seus olhos vermelhos e tocou a boca com a ponta dos dedos, não podendo conter um leve sorriso ao se lembrar da sensação dos lábios de Sara nos seus.

Cassis estava acordado quanto o fato aconteceu, porém inerte, não querendo revelar a sua mulher de mentira os seus olhos cor de sangue, mais uma consequência arriscada de suas ações sentimentais. Ele havia passado toda a noite aquecendo seu corpo, pensando no que era melhor para a humana, contudo, apesar de ter esvaziando o odre preso ao seu cinto, naquele momento seu estoque de vitae estava no limite e o não-vivo estava novamente e perigosamente à beira do frenesi.

Ele se levanta, sentindo o corpo desobediente às ordens de seu cérebro, cambaleando em direção à mesa ao lado de sua poltrona onde os criados depositavam seu vitae todas as manhãs e noites. Ele já podia sentir a garganta queimando e o predador bestial lutando, arranhando as paredes de sua mente ansioso para sair.

O imortal encara o utensílio de cerâmica com descrença, já que os serviçais haviam ignorado sua ordem de repor seu alimento todas às noites. Havia ali pouco mais de meio copo de vitae animal, restos do dia anterior que desceram pela garganta do vampiro com sofreguidão, diretamente do jarro, acariciando suas entranhas como se fosse o néctar dos deuses.

Entretanto, diferente da primeira vez em que tal situação ocorrera, os olhos de Cassis estavam rubros como o sangue, o que significava um gasto muito grande de vitae e a fragilidade de seu lado racional. Sua sede era imensa e se não a suprisse logo, ela libertaria o pior de seus instintos: seu predador, aquele que busca sangue a qualquer custo, independente de onde ele venha.

Seus pensamentos já estavam arrastados e turvos, e com muito esforço ele se lembrou do sino de emergência, que instalara na parede atrás da porta para ocasiões como aquela, quando a quantidade de vitae não era suficiente para aplacar sua sede. Bastou balançar a corda pendida no ar, para que o sino fosse tocado com força e seu tilintar ecoasse intensamente pelo castelo, atravessando paredes e desesperando as criadas que ainda preparavam a mesa do desjejum.

― O que foi isso? – pergunta Sara já à mesa, dirigindo seu semblante apático para a empregada que depositava pães frescos a sua frente.

― É o sino de emergência de sua alteza, príncipe Cassis – explica, com igual desespero das demais criadas –, ele ordenou que uma porção extra de vitae fosse levada ao quarto todas as vezes que o sino tocasse, mas jamais o ouvimos ressoar desde que a ordem foi dada.

― Porção extra? – repete a princesa, franzindo a testa ao mesmo tempo em que observava duas mulheres correrem em direção ao corredor que levaria aos quartos reais, cada uma com um jarro de vitae em mãos. – Meio jarro já é o suficiente para ele pela manhã, pelo que pude observar…

― O que houve, senhora?

― Frenesi – sussurra para si mesma, engasgando na última sílaba ao sentir a compreensão invadir sua mente. A princesa salta da mesa rapidamente, tomando o rumo de seu quarto e ouvindo vagamente o alerta de sua criada:

― Vossa alteza, não vá! O príncipe também disse que ao soar o sino, ninguém deveria perturbá-lo. – alerta tarde demais, pois nada poderia contê-la agora.

Sara corre em direção ao quarto, elevando a barra de seu vestido numa tentativa de ganhar velocidade. As empregadas já depositavam o vitae sobre a mesa de seu aposento quando ela parou à porta, tentando controlar a respiração ofegante. Dali ela podia avistar Cassis próximo à cama, apoiando-se na parede com ambos os braços como se tentasse arrancar as pedras de sua estrutura.

― Saiam logo! – grita o vampiro às empregadas, fazendo-as pular de susto e saírem correndo ao som de sua voz grave.

A porta é fechada com uma pancada, fazendo o vampiro finalmente se virar, achando que estava só. No entanto, ele teme ao ver Sara manusear o rústico ferrolho e trancar a porta por dentro, prendendo-os ali.

― Saia daqui, Sara – alerta com voz arrastada.

― Eu vim ajudá-lo.

― Saia! – grita irritado, numa mistura de voz humana e rosnado que a faz estremecer da cabeça aos pés, deixando seus caninos à mostra.

― Não – confronta, demostrando mais preocupação do que convicção em sua voz –, estou aqui para ajudar você.

― Você não entende, sua grande teimosa – grunhi com a voz arrastada –, este não é um bom momento para um humano estar tão perto de mim.

Sara se aproxima do vampiro, passando um braço por suas costas e apoiando o dele ao redor de seu pescoço, tentando assim oferecer-lhe apoio ao se locomover. Entretanto, ao aproximar-se demais, o perfume de seus cabelos adentrou as narinas do não-vivo, fazendo-o respirar tão profundamente e que tornou-se impossível deixar de apreciar o seu cheiro.

O corpo antes desobediente se torna incontrolável e a razão do príncipe acaba por se perder em meio aos instintos de seu predador. Num movimento rápido o vampiro lança Sara contra a parede, prendendo-a pelos ombros e a encarando com maldade. Os olhos vermelhos capturam a atenção da princesa, porque eram de uma coloração muito mais intensa que da última vez e que pareciam consumi-la por completo.

O predador sorri, exibindo seus caninos e se aproximando do rosto da jovem como fizera da primeira vez, tocando não somente os lábios, mas também seus perigosos caninos na pele de Sara.

― Pare, Cassis! Você está me assustando – pede, sentindo o corpo estremecer novamente, trazendo a memória os olhos opacos de Richard e todos os gritos de pavor que antecederam a sua morte. Seria aquele também o seu fim?

Risos ressoam da garganta do não-vivo, como se cada palavra da princesa fosse parte de uma grande piada. O predador era selvagem, mas não burro, ele reconhecia o medo e até o achava divertido, mas nada o deliciava mais do que o rubro do sangue escorrendo de onde quer que fosse.

O vampiro fricciona sua mandíbula no pescoço da humana, fazendo dois cortes paralelos e superficiais na pele macia, apavorando-a:

― Cassis, eu sei que esta aí. Por favor, apareça!

Mais risos são emitidos do predador, antes dele se aproximar do ouvido da humana e tocar o lóbulo de sua orelha com seus lábios gelados, fazendo-a arfar e se debater sob o seu aberto. Ele ri uma última vez, antes de retornar sua atenção aos cortes que fizera, lambendo-os para provar o sangue que ali escorria, dando à humana a séria impressão de que ele estava a brincar com ela e que a dor de verdade ainda não havia chegado.

― Seu sangue – sibila o predador, numa voz mais bestial do que humana –, é meu! – Sorri maliciosamente, levantando o olhar e a encarando novamente.


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Notas finais do capítulo

Uaaau :o
As coisas estão ficando tensas no aposento real.
O que acontecerá agora?



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