Cassis (Série Alestia I) escrita por Jane Viesseli


Capítulo 14
Tempo Esgotado




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Muitos dias se passaram desde que Cassis revelou sua trágica história de amor a Sara, que estranhamente o fez se sentir mais leve, não como alguém que simplesmente se esquece de tudo o que fez, mas como um homem que não carregava mais o peso e o martírio da culpa.

A princesa havia exercido sobre ele um efeito anestésico e medicinal, coisa que jamais encontrara no mundo vampiro. E apesar do relacionamento conjugal ter se tornado estranho e embaraçoso, Cassis não pôde deixar de confidenciá-la que foi Sir Thorkus que o trouxe de volta do frenesi e que esta era a grande dívida que tinha com o ancião, que o fazia admirá-lo ainda mais. Para o vampiro, nunca havia sido fácil relembrar de Violeta ou do que lhe acontecera, porém, a humana o entendera tão bem e o consolara de maneira tão reconfortante, que, mesmo se quisesse, ele não conseguiria se arrepender de ter contado tudo a ela.

Sara, por sua vez, por algum tempo pensou que veria o marido vampiro de uma forma constrangedora, já que ele conhecia seu segredo, e ela, o dele. Entretanto, as linhas de seu relacionamento pareceram se estreitar ainda mais, como se um pudesse saber o que o outro estava pensando ou sentindo, apenas com o olhar. Suas brigas tornaram-se ainda mais raras, um grande progresso para duas pessoas que não suportavam dividir sequer o mesmo cômodo, e até mesmo os pesadelos se tornaram menos constantes, sendo substituídos por noites calmas ou pelos sonhos de uma mulher tão linda quanto às pinturas das rainhas de Alestia, que tentava roubar um beijo de seu marido.

Um mês já havia se passado, e, apesar de o castelo se tornar aparentemente calmo, a saúde do rei ainda era a principal fonte de preocupação de Sara:

― Como se sente hoje, papai?

― Ótimo, Sara! – resmunga – Não precisa fazer a mesma pergunta três vezes ao dia por algo que aconteceu há semanas. Além disso, Dr. Nicolas está vigilante e enviou dezenas de ervas horríveis para Margarida fazer infusões tão horríveis quanto, e enfiar-me goela abaixo. Não preciso que minha filha aja como minha falecida mãe.

― E os unguentos? Tem utilizado corretamente? – insiste, pois ela própria havia consultado o médico em busca de informações, já que o rei não ousava falar-lhe a respeito.

― Aquela coisa fede a peixe estragado!

― É importante para a saúde do seu corpo.

― Eu estou bem, Sara, pare de me atormentar! – retruca, pela segunda vez naquela tarde. – Onde está Cassis?

― Foi à Cidadela. Queria averiguar a composição da guarda que tomará o turno da noite, algo como fortalecer o turno, para combater possíveis contratempos não-vivos, se é que me entende.

― Parece-me que estão se entendendo, finalmente. Já não tenho ouvido tantos gritos ou apelidos afetuosos saindo de sua boca – brinca. – Sinta a ironia em minha frase.

― Ahá, muito engraçado! Com o tempo, nós aprendemos a nos aturar – resmunga, cruzando os braços –, mas isso não significa que somos um casal… Amigos, talvez.

― Tudo bem, “amigo” ainda é bem melhor do que “inimigo” – explica, contentando-se com o atual estado de relacionamento da filha e do genro, já que, em sua cabeça, o casamento já havia sido consumado.

Não muito longe dali, à beira dos portões da cidade, Cassis passava suas últimas orientações ao general quanto à segurança da Cidadela. A noite já começava a cair quando um tumulto se instalou na praça principal e o grito desesperado de uma mãe cortou o ar, fazendo os aldeões e comerciantes correrem apavorados, finalmente chamando a atenção do não-vivo, que mentalmente amaldiçoou o causador de tal agitação.

Apesar de todo o domínio sobre suas emoções, o príncipe imortal não deixou de esboçar um resquício de surpresa, seguido de desconfiança, retraindo levemente os olhos ao ver Justino sobre a mesa de pedra, o encarando com um garotinho magricela em mãos, servindo-lhe de refém.

― Meu mestre quer sua resposta com relação ao trato – anuncia o inimigo sem pudores, tocando a face do garoto com o nariz como se tentasse seduzi-lo, fazendo as lágrimas caírem torrencialmente dos olhos humanos e amedrontados.

― Por favor, vossa alteza, salve o meu filho! – implora a mãe em prantos, correndo em direção ao vampiro em busca de auxílio.

Cassis olha ao redor, observando os soldados que já se colocavam em guarda ao redor da mesa de pedra, mas que não pareciam saber o que fazer, visto que nunca tiveram que caçar ou aniquilar um vampiro de verdade. O pequeno humano tremia sob os braços frios do invasor, e assim que avistou o príncipe, estendeu suas mãos frágeis em sua direção, implorando com os olhos para que o salvasse, fazendo Cassis imediatamente se lembrar da fragilidade de Richard diante de seu assassino.

A vida sabia ser cruel com os pobres humanos. O refém parecia ter aproximados sete anos, era o único filho daquela família de fazendeiros que arduamente viajava para a Cidadela a fim de comercializar seus produtos, e, agora, tinha a sua vida por fio. Qualquer passo em falso aniquilaria o único herdeiro daquela ascendência e como príncipe este era um sofrimento que Cassis estava disposto a impedir.

Ainda o observando, Justino toma o silêncio da realeza de outra forma, sorrindo despretensiosamente ao declarar:

― Foi bom fazer esse acordo com vossa alteza, príncipe Cassis.

Já com os caninos salientes, ele deita a cabeça do menino atemorizado, pretendendo provar de seu sangue como uma espécie de fetiche, somente para selar o tratado entre os rebeldes e o príncipe. O choro transforma-se em gritos de histeria, fazendo uma onda de prazer percorrer a espinha de Justino. Entretanto, quando o rebelde se movimenta para perfurar a pele infantil, sente algo segurar seus cabelos e travar sua mandíbula.

― Disse-lhe na última vez, mas repetirei: NÃO, é a minha resposta final – sussurra Cassis em seu ouvido, com uma entonação raivosa –, Rebeldes não tem autorização para se alimentar aqui, no meu reino!

Justino liberta o refém sem resistência, observando a criança se afastar pelo canto dos olhos, como um claro sinal de que Cassis não cederia seus aldeões como um rebanho aos rebeldes e que ele próprio estava numa situação perigosa… Traidor! Esta era a palavra que gritava na mente do vampiro, que, com um rosnado furioso, se desvencilha dos braços de seu declarado inimigo.

― Você morre aqui, Cassis de Alestia. Ninguém que seja adepto aos clãs vampiros merece a clemência de um rebelde!

― Não é como se um membro de qualquer um dos clãs ansiasse algo de um bando de baderneiros. Vocês só não são as escórias de nossa sociedade, pois os sem clã ainda caminham sobre a terra, mas suas insubordinações às nossas leis são como odores fétidos e importunam até mesmo os Nosferatu!

Com um rosnado, o espião rebelde avança num ataque de velocidade, alarmando os espectadores. Sua estrutura corporal era pequena e isso lhe permitia ser ainda mais rápido que outros vampiros, o que, de certa forma, compensava sua pouca força muscular. Ele blefa um ataque frontal e agilmente se movimenta para um golpe pelas costas, acertando Cassis com um chute, voltando a se mover logo em seguida.

Os soldados recuam alguns passos, atordoados com a rapidez de Justino, enquanto os aldeões fugiam apavorados ao verem sua alteza tomar o primeiro baque, pensando que eles seriam os próximos a serem atacados. O vampiro sabia que precisava acabar com aquele incômodo o quanto antes, e, principalmente, com a ameaça que o rebelde representava aos alestianos e à aliança.

Golpe após golpe, Justino acertou Cassis o bastante para irritá-lo. Por algumas vezes o príncipe conseguira se esquivar, mas era difícil prever os movimentos de alguém tão esquio e veloz.

Aparentemente o príncipe parecia estar em desvantagem, contudo, tinha experiência e reflexos suficientes para não se deixar derrotar tão facilmente. E depois de algumas tentativas de apanhá-lo, num golpe de pura sorte, Cassis estende o braço em direção ao vulto em movimento e agarra o inimigo pela camisa.

― Chega de brincadeiras! – alerta o príncipe ameaçadoramente, reforçando sua pegada com a outra mão para que o rebelde não conseguisse fugir. – Em nossa primeira conversa você estava em vantagem, mas hoje, estou saciado e meu odre está cheio. Não hesitarei em usar tudo o que tenho para dar-lhe a morte final. Rebeldes não são bem-vindos aqui e você servirá de exemplo a todos os outros, sobre o que acontece com os que ousam se aproximar da Cidadela.

Justino se debate sob suas mãos, deixando ainda mais evidente que o que ele tinha de veloz, tinha de fraco. Diferente de seu primeiro encontro, Cassis estava muito bem alimentado e o rebelde já tinha ouvido o suficiente sobre o Sanguinário, enquanto fazia parte do clã, para reconhecer que estava em apuros.

― Saiam! Vocês não são obrigados a verem isso. – declara o não-vivo a todos os soldados, tendo sua ordem reforçada pelo general local e fazendo o aglomerado de armaduras se retirar da praça principal.

Havia olhos curiosos nas janelas mais próximas, os soldados se escondiam na penumbra que se instalava entre as construções, com a chegada da noite, e até mesmo o próprio general se colocara de tocaia, disposto a ver que tipo de fim deveria ser dado a um vampiro invasor. Entretanto, nenhum dos bisbilhoteiros estava preparado para a cena que sucederia e Cassis tampouco tinha como evitar que eles vissem e, consequentemente, o temessem.

Com a empunhadura forte na roupa de Justino, o príncipe desfere o primeiro golpe, uma joelhada tão forte na barriga do rebelde que o fez arcar, possibilitando que o príncipe o lançasse sobre a mesa de pedra e liberasse uma das mãos para continuar o ataque. Cassis investe contra o rosto do oponente, numa sequência tão forte e veloz de socos, que lhe arranca a mandíbula do lugar, tornando o uso de suas presas impossíveis naquela batalha.

Justino emite um urro dolorido, fazendo os olhos se afastarem das janelas e os músculos dos soldados se retesarem. O príncipe sorri sobre os seus gemidos, havia trabalhado tanto para ser igual à Thorkus e tão implacável quanto, que realmente passou a gostar de causar e de ouvir a dor. Parte de si queria brincar com o rebelde, ferindo-o pouco a pouco apenas para ver o rubro de seu vitae escorrer pela mesa de pedra, entretanto, a outra parte de sua mente reconhecia aquilo como sendo o desejo bestial de seu predador, preferindo aniquilá-lo de uma vez a ficar brincando com a sorte.

O rebelde o encara com um misto de fúria e dor, como se pudesse ler sua mente e saber que aquele era o seu fim. Mesmo não podendo pronunciar nenhuma palavra compreensível, seus olhos se voltam para o estreito caminho entre dois prédios e suas cordas vocais ecoam uma horrenda e distorcida risada, como um mau presságio, fazendo o príncipe encarar aquele ponto com atenção e finalmente ver o homem encapuzado que os assistia e cujo coração não batia.

Cassis sente o perigo o rodear, havia cheiro humano por toda parte e ele simplesmente não conseguira detectar a presença do segundo invasor, que apenas o observava, como se estivesse a estudá-lo. Ainda com os olhos cravados na figura desconhecida, o príncipe prensa o corpo de Justino contra a mesa, retira sua espada da bainha com a mão dominante e lhe corta a cabeça, fazendo-a rolar e o líquido escarlate banhar a pedra cinzenta, num aviso mudo de que em Alestia nenhum rebelde ditaria as regras.

Tudo o que o não-vivo conseguiu ver em seguida, foi o sorriso desafiador do estranho homem, com as presas despontando sobre os outros dentes, antes de se retirar e não ser mais visto.

O corpo de Justino se desintegra abaixo de si. Apesar de imaginar que àquele desconhecido deveria ser “o mestre”, Cassis sabia que não era o momento adequado para segui-lo e confrontá-lo, não quando o inimigo sabia tanto sobre si e ele tão pouco.

No fim das contas, o príncipe optou por deixá-lo partir, acreditando que aquela seria a única preocupação de sua noite. Contudo, no castelo, um soldado apressado se colocava à presença de sua majestade para prestar-lhe uma informação importante e urgente da Cidadela.

O servo era um homem forte e promissor, fiel à coroa de Arthur, mas nem tanto ao vampiro que o sucederia. Havia deixado à praça principal assim que o invasor ameaçara morder a criança e corrido rapidamente em direção ao castelo, interrompendo o toque de recolher do rei para entregar-lhe o que considerara ser uma grande traição à aliança.

― Majestade – ofega o homem, desatando a falar sem que Arthur tivesse lhe dado permissão –, um rebelde invadiu a Cidadela e acaba de atacar uma de nossas crianças. Ele não para de falar sobre um acordo com o príncipe Cassis, algo que pareceu ter sido concordado por sua alteza real… Não entendo, meu rei, ele nos traiu? De que lado o príncipe está afinal?

Arthur arregala os olhos diante do jorro de palavras e era impossível não se sentir confuso e aflito. Um acordo? Traição? Como aquilo era possível? Havia sido enganado ao entregar sua amada filha a um vampiro? Cassis mostrara ser um homem interessante, inteligente e respeitável com o passar dos dias, mas era impossível confiar totalmente nele, sabendo que ainda recebia e obedecia às ordens do clã vampiro.

Será que acreditara demais em sua fidelidade à Alestia? Será que o não-vivo colocara-se a disposição da aliança apenas para beneficiar sua própria espécie, abusando da confiança e ingenuidade humanas?

As indagações borbulhavam velozmente em sua mente e, em seguida, Arthur pôde ouvir batidas altas, insistentes e ritmadas retumbarem em seus ouvidos, batidas como as de um coração, demorando a se dar conta que as batidas eram de seu próprio coração, que ecoavam em sua audição. O rei via os lábios de seu informante se moverem em dezenas de questionamentos, mas ele já não o podia ouvir, pois uma dor lancinante atravessou o seu peito, lhe açoitando, fazendo sua visão ficar turva e seu corpo tombar ao chão antes que pudesse alcançar o trono.

Era difícil saber se haviam se passado minutos ou apenas segundos. Tudo o que o velho rei sabia era que seu corpo estava estirado sobre o chão frio e que mãos delicadas tocavam o seu rosto naquele momento, mãos que provavelmente pertenciam a sua Sara.

― Minha menininha – chama com voz baixa e arrastada, o peito doído subindo e descendo freneticamente, enquanto seu tempo se esgotava –, estou um pouco velho para esse tipo de coisa, acho que preciso descansar.

― Chame o doutor Nicolas! – grita Sara aos soldados que faziam a guarda noturna, que prontamente correm para cumprir suas ordens. – Papai, fale comigo, por favor, fique acordado. – Chora, não se importando em se postar diante dos soldados ainda com os trajes de dormir.

― Ah, Sara, posso sentir a tristeza em sua voz – confessa de forma ainda mais abafada. – Não chore, fique forte…

― Não me peça para ser forte, não me deixe, eu não consigo sozinha!

Sara esperava que, se continuasse a falar, ele teria de respondê-la e por isso a morte não o arrebataria, uma ideia idiota, mas que despertava nela a esperança de que tudo terminaria bem. Ela realmente aguardava uma resposta, contudo, apesar dos olhos de Arthur ainda permanecerem abertos, o silêncio de seus lábios foi tomando cada vez mais espaço, até finalmente dar a princesa a ciência de que sua resposta nunca viria.

Era tarde demais, Arthur de Alestia estava morto!

O chamado de Sara retorna como um sussurro, aumentando seu tom até se tornar um grito sofrido, que pareceu estremecer toda a estrutura do castelo. Alguns soldados tentam afastá-la do corpo e conduzi-la aos seus aposentos, mas suas mãos finas e delicadas se agarraram ao manto real de tal forma, que seria impossível retirá-las sem exercerem força.

― Deixem-me! Tirem as mãos de mim! – ordena em prantos.

― Retire sua alteza daqui, agora! – orienta uma das poucas criadas que residiam dentro do castelo, que fora atraída pela histeria da princesa e que chocara-se com a lamentável cena. Os soldados prontamente a obedecem, tendo que usar de suas forças para retirarem Sara de sobre o corpo do rei e encaminhá-la ao seu quarto.

Levou alguns minutos ainda para que Nicolas chegasse ao castelo, porque, mesmo com os cavalos militares a sua disposição, seus esforços não foram suficientes para chegar a tempo de socorrer seu grande amigo e rei. Junto a ele vinha Cassis, que bebia um gole de seu odre enquanto tentava entender a confusão e as conversas sobressaltadas dos soldados do castelo.

Ele havia visto a movimentação de cavalos na Cidadela e assistido aos soldados exigirem entrada na residência do médico, saindo logo em seguida com o velho homem em uma de suas selas. E ali, ele soube que algo estava errado.

― O que temos? – questiona Cassis ao médico que terminava seu escasso exame no corpo do falecido, adotando seu costumeiro semblante de indiferença, pois já esperava pelo pior.

― O rei está morto – conclui Nicolas com pesar, fechando os olhos de Arthur e não conseguindo conter a emoção, levando a mão ao rosto numa tentativa frustrada de conter as lágrimas, enquanto uma das criadas cobria o corpo real com um manto.

O vampiro sabia, desde o instante em que entrou na sala do trono, que o rei jazia morto. Seus sentidos eram mais aguçados que os de um humano comum, permitindo-o observar a falta de respiração, sentir a falta de batimentos e de vida.

― Jamais conseguirei pagar-lhe tudo o que me fez! – exclama Nicolas.

Cassis observa o médico por alguns segundos, pensando que tudo se resolveria se o doutor jurasse lealdade a ele e Sara, retribuindo à coroa de Alestia tudo o que Arthur lhe fizera no passado. Entretanto, o não-vivo não ousou colocar seus pensamentos em palavras, pois convivera o suficiente com a mulher para saber que os humanos nunca entendiam suas intenções corretamente. Da mesma forma que os vampiros são levados pela sede e pela racionalidade, os mortais davam grande importância às suas emoções e, obviamente, aquele não era o momento para cutucá-las negativamente.

Lembrar-se de Sara fez o vampiro interromper seu devaneio. Será que ela já sabia? E se sabia, como deveria estar se sentindo? Ele precisava sair dali, sabia que tinha uma cerimônia fúnebre para preparar, mas precisava se afastar daquele ambiente de morte para voltar sua atenção ao nome que seu cérebro não parava de gritar: Sara.

Como está Sara? Onde está Sara? Sara! Sara! Sara!

Pensando na melhor forma de se livrar daquela situação, Cassis encarrega Nicolas e o chefe da guarda do palácio para a preparação do funeral, só então reparando no corpo revestido de metal que estava fora de seu posto e parecia temer encará-lo.

― O que aconteceu a ele? – questiona ao chefe da guarda, não desviando o olhar do soldado temeroso, achando seus trejeitos exagerados demais para a ocasião.

― Ele estava em conferência com o rei quando o incidente aconteceu. Pobre homem, viu sua majestade morrer logo depois de trazer-lhe informações da Cidadela, com tarja de urgência…

― Você o quê? – grita o vampiro furioso, interrompendo o chefe da guarda e avançando contra o informante, segurando-o pelo colarinho de seu peitoral e salientando seus caninos em forma de intimidação.

― Perdão! Eu não sabia que isso viria a acontecer… Perdão, vossa alteza! – clama evidentemente transtornado.

― O que disse ao rei? – rugi, fazendo todos os ouvintes estremecerem.

Em prantos, o soldado confessa ao príncipe as informações que dera ao rei, citando as pouquíssimas palavras que pronunciara e que em nada retratavam o acontecimento da praça principal, deixando Cassis ainda mais furioso. Em outros tempos, o vampiro o mataria por tal insolência e afronta, mas já não poderia usar medidas tão drásticas, não agora que caminhava com a família real de Alestia, estando debaixo da lei e da justiça humana.

― Exílio! – disse somente, deixando exposta a reprovação em seu semblante enquanto o soltava, fazendo o servo mudar o rumo de seu desespero.

― Não! – Prostra-se. – Por favor, vossa alteza, eu lhe imploro! Não me mande para o exílio, tenho mulher e filho, não os condene àquele lugar repleto de bandidos e perdição.

― Não condeno sua mulher e cria, somente você! – esclarece, ainda com a censura em seu olhar.

― Por favor, senhor! Perdoe-me, perdoe-me. Não posso deixar minha família, não posso ficar longe deles…

― Aqui está a minha decisão – dita Cassis dois tons mais altos –, e aqui está a sua escolha: pode seguir sozinho, levando apenas a roupa do corpo e nunca mais ver sua família, ou pode levar sua mulher e filho junto consigo para o Campo dos Exilados, sem direito a retorno para nenhum de vocês. Nenhuma das alternativas anulará sua sentença, por isso, espero que escolha com cuidado.

― Você é um monstro sem coração! – desabafa o soldado em meio ao seu desespero, com irreverência, usando uma das palavras que o príncipe mais detestava.

― De fato não tenho coração, por isso sou um vampiro. O único homem com um coração, deste castelo, você ajudou a matar. – Volta-se para o chefe da guarda. – Marque-o para o exílio, quero este homem fora da Cidadela até o amanhecer, com ou sem a sua família. Nicolas cuidará do funeral real.

― Vossa alteza… – começa o soldado chefe.

― Sem intercessões! Não aprecio a falta de lealdade – pronuncia-se em alto e bom som, para que todos os soldados presentes pudessem ouvi-lo. – Este servo, além de abandonar o seu posto, colocou em cheque minha fidelidade para com este reino e duvidou da confiança que o próprio rei depositou sobre mim, trazendo-lhe informações insensatas e incompletas de um evento que não presenciou até o final. Palavras de arrependimento não bastam, pois nada trará nosso rei de volta ou aplacará a dor que se apossa de sua alteza real, Lady Sara, neste momento. – Pausa, lembrando-se do grande medo da princesa e pesando a verdade de suas próprias palavras, desejando vê-la mais do que nunca. – E que sejam repetidas estas minhas palavras até as três fortalezas de Alestia, assim como o acontecimento da Cidadela, para que todos saibam que Cassis de Alestia não falhou com sua palavra e susteve a confiança do rei até o último momento!

Diante do súbito silêncio e não tendo mais nada a dizer, o vampiro se retira da sala do trono, com a mente novamente gritando por Sara, que, apesar de ser uma companheira de mentira, ansiava por ver.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado ^-^



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