Cassis (Série Alestia I) escrita por Jane Viesseli


Capítulo 12
Pesadelo




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Sara caminha solitária pelo pátio principal do castelo, observando os blocos rachados pela luta de Cassis e Zino, como se os visse pela primeira vez. O dia estava nublado e escuro, as torres de vigia ocultas por uma estranha neblina que se recusava a baixar até o solo, e isso a preocupava. Ela havia procurado sua família em toda parte, tinha olhado até mesmo no tenebroso calabouço e não encontrado ninguém, nem mesmo os soldados ou os criados. A construção estava deserta.

O clima aparentava estar frio, mas, de uma forma bastante estranha, a princesa não sentia nada além de solidão. O silêncio profundo repentinamente é cortado pelo som de passos, fazendo seus olhos se voltarem para trás e avistarem, com surpresa, a imagem de Richard correndo em sua direção. Ele estava alegre e agitado como sempre fora, com o sorriso se alargando de orelha a orelha e diminuindo o tamanho de seus olhos castanhos.

Sara estende os braços, sentindo um sorriso triste nascer em seus próprios lábios e as lágrimas brotarem de seus olhos, tamanho era o aperto em seu peito. Ela não o via há tanto tempo, que seu coração desejou ardentemente o que eles jamais haviam trocado entre si durante toda a vida: um abraço afetuoso. Contudo, antes que suas mãos pudessem alcançá-lo, garras horríveis lhe seguram as roupas, prendendo-o num abraço apertado enquanto duas presas cintilantes lhe mordia o pescoço, matando-o no mesmo instante.

Não era possível ver o rosto da criatura, apenas as mãos abomináveis, os dentes salientes e seus arrepiantes olhos brancos e brilhantes, como se o resto de sua fisionomia estivesse oculta por uma névoa. Ele a encara fixamente, deixando o corpo de Richard desabar como uma planta morta e fazendo-a constatar o óbvio: ele era um vampiro e, naquele momento, queria feri-la.

Um raio de ciência lhe acerta repentinamente. Como se a princesa estivesse totalmente desperta, ela reconhece toda àquela situação como sendo um pesadelo, o mesmo que a perturbava desde o incidente em seu noivado. O vulto abre sua boca, emitindo um som gutural que arrepiou todos os pelos de seus braços, antes de andar em sua direção.

Sara recua alguns passos, indefesa, e se desespera ao ver o rei surgir no pátio deserto e avançar contra o vampiro com uma espada em punho, tentando protegê-la. Ele golpeava o corpo enevoado do inimigo sem sucesso, sendo ferido de volta pelas garras grotescas do imortal, que logo lhe acertam a garganta e lhe arrancam um pedaço de carne, fazendo-o cair ao chão, morto e ensanguentado.

A princesa sente o nó formar-se em sua garganta e não consegue conter um grito horrorizado, pois, por mais que já tivesse visto aquela cena em outras noites, nunca deixaria de se angustiar pela morte do pai e de se chocar com aquela cena tão violenta. Seu grito pareceu atrair a fera, como em todas as outras vezes em que tivera aquele pesadelo, e o vampiro avança em sua direção para arrancar-lhe a vida, fazendo-a girar em seus calcanhares e fugir, cheia de pavor.

O medo da morte era inevitável até mesmo em sonho, mas… Espere! Que cena era aquela?

Mesmo sendo uma sonhadora consciente, Sara não se lembrava daquela parte do pesadelo, onde colide em algo que a envolve confortavelmente, proporcionando-lhe uma estranha calma. Os braços ao seu redor se mostravam afáveis e gentis, porém, ainda assim, a humana se recusava a abrir os olhos e encarar o seu dono.

― Estarei aqui para você, sempre! – entoa a voz grave, acalmando-a.

Sara ergue o olhar para o rosto de Cassis, reconhecendo sua voz no mesmo instante, consequentemente se surpreendendo com a campina que os cercava e o Sol que brilhava forte no céu. A paisagem parecia impecável e natural, como se nenhum ser humano a tivesse tocado durante toda a vida e isso a encantava.

Os braços que carinhosamente a envolviam se afrouxam, deixando-a livre para apreciar o cenário. Sara avança alguns passos, afastando-se ligeiramente de Cassis, esquecendo-se da ameaça de outrora como se nunca houvesse existido. Algumas espécies de pássaros cantavam numa árvore próxima, enquanto um ou outro animal que ela conhecia pastava tranquilamente, como se sua presença não representasse perigo.

Porém, em meio a tanta maravilha, seu encantamento logo se desfaz ao ouvir outro rosnar selvagem, seguido de um urro alto e sofredor. A princesa sente suas pernas bambearem e todo o sentimento de pavor retornar ao seu corpo quando a grama começa a murchar ao seu redor e o Sol se apagar aos poucos, fazendo os animais fugirem amedrontados. E ao se voltar para a fonte daquele clamor, Sara avista o corpo ajoelhado e ferido de Cassis.

― Desculpe-me, eu falhei. Perdoe-me – pede ele, com os olhos tomados pela dor, fazendo-a se aproximar e observar o corpo machucado mais de perto.

― Cassis, não me deixe! Você disse que estaria sempre aqui, não me deixe sozinha, por favor – solicita em aflição.

― Desculpe-me… Eu te amo!

Cassis, cujo corpo resistira há anos, agora deixava sua carcaça cair sobre a grama morta, dormindo nos braços da morte.

A princesa sente o coração galopar com as palavras finais do vampiro e a mente lamentar ainda mais pela sua perda, como se estivesse perdendo um amigo de longa data. Ela não sabia dizer desde quando ele havia se tornado importante o suficiente para que chorasse sua morte, mas de uma coisa tinha certeza: não queria vê-lo morrer também, não queria ser deixada sozinha.

Sara ergue os olhos do corpo inerte de seu marido, encarando o ser horrendo que o matou e que outrora assassinara seu irmão e pai. A criatura deformada continuava com o rosto nublado e desconhecido, somente com os olhos e caninos à mostra, brilhando, e num mero piscar de olhos ele novamente avançava sobre ela, querendo feri-la…

...

Os olhos castanhos e marejados se abrem de repente, despertando a princesa do impactante pesadelo, que quase fez seu coração saltar pela boca. Seu interior estava turbulento como um tornado, seu peito mantinha um ritmo forte e pesado e agora, sentando-se na cama, Sara podia ver pelo estado das cobertas o quanto seu sono havia sido agitado.

Suas mãos estavam trêmulas enquanto tentava ajeitar o próprio leito e sua mente repetia o mantra de que aquilo não passava de um sonho ruim, de que o rei estava vivo e bem, de que o perigo não era real. Sara leva as mãos ao rosto, respirando profundamente para tentar se acalmar, enquanto meditava mais uma vez no pesadelo que tivera e repetia seu mantra interno.

― Ele está vivo e bem, e Cassis também – repetia em pensamento, de repente se lembrando da cena em que o vampiro a acalentava, dizendo logo depois que a amava.

Seu coração começa a acelerar novamente.

Sara já havia sido cortejada antes e já tinha recebido um “eu te amo” de outros pretendentes, entretanto, eles sequer a conheciam e suas palavras sempre lhe soaram falsas e prematuras. Cassis, porém, estava mais próximo de si do que nenhum outro homem jamais esteve, conhecia sua história e sabia de coisas que ela não revelara nem mesmo à Margarida, e de repente, ele dizia que a amava, com um olhar tão verdadeiro que ela não pôde deixar de se sentir afetada.

Vendo a situação de outro ângulo, a humana nunca imaginou que tais palavras pudessem ser proferidas por alguém como ele, um vampiro, assim como nunca pensou que um não-vivo pudesse abraçar um mortal com tamanho cuidado e acalmar seus sentimentos como se realmente se importasse com eles. Pensar em todas àquelas coisas a confundia, fazia seu coração bater de forma desregular e suas bochechas adquirirem um tom levemente rosado. Será que aquilo queria dizer alguma coisa?

― Isso é ridículo, Sara – repreende-se mentalmente, – um sonho é apenas um sonho e não condiz com a realidade, pare de agir como se ele de fato tivesse lhe dito tal frase.

Dois dias antes, Cassis estava à beira de cair no abismo do frenesi e quase a feriu, e, agora, ali estava ela a sonhar com a criatura que deveria desprezar e temer. Sua mente confusa já não sabia se deveria temê-lo ou aceitá-lo, se temia o vampiro e respeitava o bom homem que Cassis demonstrou ser, ou se receava ambas as partes dele.

Parte de si ainda tinha medo do vampiro e de toda a aura de morte que o envolvia, mas a outra parte pareceu se agradar com o passeio do dia anterior, aceitando o homem por trás da criatura sinistra e apreciando até mesmo a conversa que tiveram na taverna.

Sara respira profundamente mais duas vezes, finalmente trazendo ao seu corpo o controle e a calma de que precisava. E quando deixou de se concentrar somente em seu interior, seu olhar dirigiu-se instantaneamente para a poltrona, onde o marido a fitava com interesse, como se soubesse tudo o que se passava em sua mente, e isso a constrangeu.

― Sonho ruim?

― Sim – confirma. – Me desculpe se o acordei. Meu sono tem estado um pouco turbulento ultimamente, mas garanto que não costumo ter sonhos tão fortes com frequência.

― Eu notei – comenta, assentindo. – Deve ter sido um pesadelo terrível, você estava se mexendo mais que um porco selvagem quando é agarrado.

― O quê? – questiona subitamente. – Ora, seu insensível, como ousa me comparar a um bicho tão feio? Ou melhor, como ousa me comparar a um animal?

― Foi apenas uma ilustração – explica impassível, mas tentando corrigir algo que evidentemente havia dito de errado.

― Príncipe Cassis, tsc… Você não passa de um grosseirão! – bufa, deitando-se evidentemente irritada, esbravejando palavras ininteligíveis e puxando as cobertas sobre seu corpo com rispidez. Estava ofendida, mas, ao mesmo tempo, aliviada, porque mesmo com sua mente conflituosa e com sua boca dizendo não simpatizar com ele, sentia-se segura com sua presença ali, sendo essa a prova de que Cassis realmente não a deixaria sozinha.

Cassis até pensou em argumentar, afinal, só estava tentando ser compreensivo e “manter a amizade”, contudo, obviamente havia falhado e nada do que pretendia dizer parecia coerente naquele momento, visto que a mulher estava furiosa e o insultaria até que ele próprio ficasse furioso.

A humana adormece dentro de poucos minutos, com a prazerosa sensação de proteção que o esposo lhe proporcionava, questionando-se desde quando o príncipe se tornara tão importante a ponto de se infiltrar em seus sonhos daquela forma. E, enquanto isso, o não-vivo se contentava com o pensamento de que Sara era uma maluca.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado ^-^



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